quinta-feira, 22 de abril de 2010

Chomsky: o que está em jogo na questão do Irã

Em entrevista à publicação alemã Freitag, Noam Chomsky fala da pressão dos EUA e de Israel sobre o Irã e seu significado geopolítico. "O Irã é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante. Esse país não se comportou agressivamente fora de suas fronteiras durante séculos. Israel invadiu o Líbano, com o beneplácito e a ajuda dos EUA, até cinco vezes em trinta anos. O Irã não fez nada parecido", afirma.

David Goessmann/Fabian Scheidler -

Freitag: Barak Obama obteve em 2009 o Prêmio Nobel da Paz enquanto enviava mais tropas ao Afeganistão. O que ocorreu com a “mudança” prometida?
Chomsky: Sou dos poucos que não está desiludido com Obama porque não depositei expectativas nele. Eu escrevi sobre as posições de Obama e suas perspectivas de êxito antes do início de sua campanha eleitoral. Vi sua página na internet e para mim estava claro que se tratava de um democrata moderado ao estilo de Bill Clinton. Há, claro, muita retórica sobre a esperança e a mudança. Mas isso é como uma folha em branco, onde se pode escrever qualquer coisa. Aqueles que se desesperaram com os últimos golpes da era Bush buscaram esperanças. Mas não existe nenhuma base para expectativa alguma uma vez que se analise corretamente a substância do discurso de Obama.

Seu governo tratou o Irã como uma ameaça em função de seu programa de
enriquecimento de urânio, enquanto países que possuem armas nucleares
como Índia, Paquistão e Israel não sofrem a mesma pressão. Como avalia
essa maneira de proceder?

Chomsky: O Irã é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante. Esse país não se comportou agressivamente fora de suas fronteiras durante séculos. O único ato agressivo se deu nos anos 70 sob o governo do Xá, quando, com apoio dos EUA, invadiu duas ilhas árabes. Naturalmente ninguém quer que o Irã ou qualquer outro país disponha de armas nucleares. Sabe-se que esse Estado é governado hoje por um regime abominável. Mas apliquem-se os mesmos rótulos aplicados ao Irã a sócios dos EUA como Arábia Saudita ou Egito e só se poderá o Irã em matéria de direitos humanos. Israel invadiu o Líbano, com o beneplácito e a ajuda dos EUA, até cinco vezes em trinta
anos. O Irã não fez nada parecido.

Apesar disso, o país é considerado como uma ameaça...
Chomsky: Porque o Irã seguiu um caminho independente e não se subordina a nenhuma ordem das autoridades internacionais. Comportou-se de modo similar ao que fez o Chile nos anos setenta. Quando este país passou a ser governador pelo socialista Salvador Allende foi desestabilizado pelos EUA para produzir “estabilidade”. Não se tratava de nenhuma contradição. Era preciso derrubar o governo de Allende – a força “desestabilizadora” – para
manter a “estabilidade” e poder restaurar a autoridade dos EUA. O mesmo
fenômeno ocorre agora na região do Golfo. Teerã se opõe à autoridade dos EUA.

Como avalia o objetivo da comunidade internacional ao impor graves sanções a Teerã?
Chomsky: A comunidade internacional: curiosa expressão. A maioria dos países do mundo pertence ao bloco não alinhado e apoiam energicamente o direito do Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos. Tem repetido com freqüência e abertamente que não se consideram parte da denominada “comunidade internacional”. Obviamente pertencem a ela só aqueles países que seguem as ordens dos EUA. São os EUA e Israel que ameaçam o Irã. E essa ameaça deve ser tomada seriamente.

Por que razões?
Chomsky: Israel dispõe neste momento de centenas de armas atômicas e sistemas de lançamento. Destes últimos, os mais perigosos provem da Alemanha. Este país fornece submarinos nucleares Dolphin, que são praticamente invisíveis. Podem ser equipados com mísseis nucleares e Israel está preparado para deslocar esses submarinos para o Golfo. Graças à ditadura egípcia, os submarinos israelenses podem passar pelo Canal de Suez. Não sei se isso foi noticiado na Alemanha, mas há aproximadamente duas semanas, a Marinha dos EUA informou que construiu uma base para armas
nucleares na ilha Diego Garcia, no oceano Índico. Ali seriam
estacionados os submarinos equipados com mísseis nucleares, inclusive o
chamado “destruidor de bunkers”. Trata-se de projéteis que podem
atravessar muros de cimento de vários metros de espessura. Foram
pensados exclusivamente para uma intervenção no Irã. O destacado
historiador militar israelense Martin Levi van Creveld, um homem
claramente conservador, escreveu em 2003, imediatamente após a invasão
do Iraque, que “depois desta invasão os iranianos ficaram loucos por
ainda não terem desenvolvido nenhuma arma atômica”. Em termos práticos:
há alguma outra maneira de impedir uma invasão? Por que os EUA ainda não ocuparam a Coréia do Norte? Porque ali há um instrumento de dissuasão. Repito, ninguém quer que o Irã tenha armas nucleares, mas a
probabilidade de que o Irã empregue armas nucleares é mínima. Isso pode
ser comprovado nas análises dos serviços secretos estadunidenses. Se
Teerã quisesse equipar-se com uma só ogiva nuclear, provavelmente o país seria arrasado. Uma fatalidade deste tipo não é do gosto dos clérigos
islâmicos no governo: até agora eles não mostraram nenhum impulso
suicida.

O que pode fazer a União Européia para dissipar a tensão desta situação tão explosiva?
Chomsky: Poderia reduzir o perigo de guerra. A União Européia poderia exercer pressão sobre Índia, Paquistão e Israel, os mais proeminentes não assinantes do Tratado de Não Proliferação Nuclear, para que finalmente o assinem. Em outubro de 2009, quando se protestou contra o programa atômico iraniano, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) aprovou uma
resolução, que Israel desafiou, para que este país assinasse o Tratado
de Não-Proliferação de Armas Nucleares e permitisse o acesso de
inspetores internacionais aos seus sistemas nucleares. A Europa e os EUA trataram de bloquear essa resolução. Obama fez Israel saber
imediatamente que não devia prestar nenhuma atenção a esta resolução. É interessante o que acontece na Europa desde que a Guerra Fria acabou.
Quem acreditou na propaganda das décadas anteriores devia esperar que a
OTAN se dissolvesse em 1990. Afinal, a organização foi criada para
proteger a Europa das “hordas russas”. Agora já não existem “hordas
russas”, mas a organização se expande e viola todas as promessas que fez a Gorbachev, que foi suficientemente ingênuo para acreditar no que
disseram o presidente Bush e o chanceler Kohl, a saber: que a OTAN não
se deslocaria um centímetro na direção do leste europeu. Na avaliação
dos analistas internacionais, Gorbachev acreditou em tudo o que eles
disseram. Não foi muito sábio. Hoje a OTAN expandiu a grandes
territórios do Leste e segue sua estratégia de controlar o sistema
mundial de energia, os oleodutos, gasodutos e rotas de comércio. Hoje é
uma mostra do poder de intervenção dos EUA no mundo. Por que a Europa
aceita isso? Por que não se coloca de pé e olha de frente para os EUA?

Ainda que os EUA pretendam seguir sendo uma superpotência militar, a sua economia praticamente desmoronou em 2008. Faltaram bilhões de dólares
para salvar Wall Street. Sem o dinheiro da China, os EUA talvez tivessem entrada em bancarrota.

Chomsky: Fala-se muito do dinheiro chinês e especula-se muito a partir deste fato sobre um deslocamento do poder no mundo. A China poderia superar os EUA? Considero essa pergunta uma expressão de extremismo ideológico. Os Estados não são os únicos atores no cenário mundial. Até certo ponto são importantes, mas não de modo absoluto. Os atores, que dominam seus respectivos Estados, são sobretudo econômicos: os bancos e as corporações. Se examinamos quem controla o mundo e determina a política, vamos nos abster de afirmar um deslocamento do poder mundial e da força de trabalho mundial. A China é o exemplo extremo. Ali se dão interações entre empresas transnacionais, instituições financeiras e o Estado na medida em que isso serve a seus interesses. Esse é o único deslocamento de poder, mas não proporciona nenhuma manchete.

Tradução para o SinPermiso: Angel Ferrero
Tradução para a Carta Maior: Katarina Peixoto

Fonte original: http://www.freitag. de/politik/ 1013-iran- obama-weltordnun g-sanktionen