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sábado, 9 de junho de 2012

Olhos e corações voltados à Grécia

08/06/2012 - Maurício Caleiro
extraído do blog Cinema & Outras Artes

À medida que as eleições gregas entram em sua reta final, os olhos do mundo se voltam ao berço da democracia para acompanhar o que promete ser um dos mais emocionantes pleitos dos últimos tempos - e dos poucos a incluir a possibilidade concreta de eleger uma força política cuja plataforma inclui o rompimento com o programa de austeridade ditado pela Troika.

Pois, a nove dias das eleições, a Syriza (Coligação da Esquerda Radical) lidera, com 31% - e na condição de grande e entusiasmante novidade -, as projeções de votos, seguida pelos 25% da centro-direita (Nova Democracia) e pelos socialistas (só de nome) do PASOK, com 14%.

A confirmação da vitória da Syriza no próximo dia 17 seria uma enfática tradução político-eleitoral da derrota do receituário neoliberal anti-crise que a "comunidade europeia" lhe determinou, e cujo fracasso, do ponto de vista social, tem sido dramática e cotidianamente constatado pela população grega, que convive com índices de desemprego da ordem de 35% e com mais da metade dos jovens sem trabalho.


Economicismo desumano
A receita ditada pela Troika, além de coagir e humilhar a autonomia da democracia grega, impôs um brutal corte de salários, pensões e investimentos estatais, com alta redução do raio de ação do Estado e nenhuma preocupação com as graves consequências sociais decorrentes. A aplicação de tais medidas, caracterizadas por um neoliberalismo desabrido, tem envenenado ainda mais o tecido socioeconômico de uma nação empobrecida e aprofundado a crise. Para muito além das planilhas sobre dados macroeconômicos, a Grécia é hoje um país cuja classe média vem sendo dizimada e cujos pobres, sujeitos a fome e desnutrição, encontram-se entregues à própria sorte.

O mundo social do trabalho se esfacela, com sindicatos extramente enfraquecidos, a proliferação de “contratos informais” e o calote salarial institucionalizado (500 mil trabalhadores não estariam recebendo seus pagamentos).

Yorgos Mitralias
O cenário se deteriora: há falta de medicamentos para doenças graves e empresas farmacêuticas relutam cada vez mais a vender a prazo, segundo relata o The Guardian de hoje (08/06) (http://www.guardian.co.uk/world/2012/jun/08/greek-drug-shortage-worsens); nas cidades, proliferam mendigos e meninos de rua; grassam a fome e a desnutrição: “o país já se encontra em ruínas”, definiu o ativista Yorgos Mitralias, segundo relato de Mauricio Haschizume em matéria da Carta Maior (ver em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20282).

Assimetria de tratamentos
Um caso dramático se tornou o símbolo das medidas desumanas a que está sendo submetido o povo grego: o músico Antonios Perris, de 60 anos, se suicidou após ver-se na miséria e não conseguir que nenhum asilo aceitasse a mãe, que sofre de Alzheimer e esquizofrenia e pulou com ele do quinto andar de um prédio. Perris (foto abaixo) deixou uma carta, largamente negligenciada pela mídia corporativa, em que apela aos poderosos pelos pobres e para que os bancos cessem os despejos.

Enquanto, num flagrante desrespeito aos direitos humanos, o povo grego é pauperizado dessa maneira em nome da austeridade, o Banco Central Europeu injeta nada menos do que 1 trilhão de euros (R$ 2.532.000.000.000,00) em bancos do continente, cuja ação irresponsável no período imediatamente anterior à crise, “alavancando” empréstimos sem lastros, é uma das principais causas da débâcle financeira.


Mídia versus renovação
Não obstante tais discrepâncias, será instrutivo acompanhar, nessa reta final das eleições gregas, o esforço que os porta-vozes do mercado encrustados na mídia e por ela designados como “jornalistas especializados” farão para alardear, com um palavrório que, sob verniz técnico, mistura wishful thinking, lugares-comuns da Economia e não tão veladas ameaças, o caos e a expulsão do paraíso que fatalmente, segundo eles, incidirão sobre a Grécia caso a Syriza – caracterizada como o ninho do pior e mais irresponsável radicalismo - assome ao poder.

Até o momento, porém, o que as pesquisas de intenção de voto sugerem é que os eleitores têm se dado conta de que o paraíso neoliberal da Europa mal tem lugar para a plutocracia grega, quanto mais para os estratos médios e baixos, atirados à própria sorte.

O jovem candidato a primeiro-ministro pela Syriza, Alexis Tsipras (37, foto acima), já alertou que se a Europa cortar os fundos adicionais pré-acordados, a Grécia, sob seu comando, para de pagar a dívida. Mesmo caso a coligação não venha a ganhar as eleições (toc, toc, toc...), deve se constituir como uma nova força na arena grega - e, de qualquer maneira, já goza do mérito de ter trazido uma lufada de ar fresco a renovar o pensamento político no velho continente.


Novos rumos para a esquerda
Muito haveria para se dizer sobre a relação entre a paradoxal vigência do neoliberalismo como alegada panaceia para a Europa atual, a crise grega e a saudável novidade representada pela Syriza.

Mas a sensacional intervenção de Slavoj Žižek no comício da coligação, disponível adiante (com legendas em português lusitano), aborda essas e outras questões - como os impasses no interior da esquerda ou a recusa à passividade que as reações dos gregos à crise denotam - com tamanho brilhantismo, eloquência e originalidade que o melhor é encerrar por aqui, recomendando, com ênfase, que assistam ao vídeo "Intervenção de Slavoj Zizek no comício da Syrizaem: http://www.youtube.com/watch?v=4U2b9XChivc

Pois, falando para um público naturalmente entusiasmado, certamente grato por seu apoio e que compartilha muitos de seus ideais, o filósofo esloveno mostra-se particularmente inspirado, seja pela consistência de sua crítica ou pela intensidade de sua performance, com seu blending único de psicanálise e marxismo, seu inglês com sotaque caricatural, suas metáforas e comparações inusitadas e desconcertantes - tecidas muitas vezes a partir de filmes, canções e demais produtos culturais de massa (como a alusão a Coca-Cola e Pepsi para ilustrar a diferença entre Nova Democracia e PASOK) -, além de seus conceitos personalíssimos e desconcertantes - como, no caso, o de “democracia descafeinada”. Vale a pena ver o vídeo até o final.

http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2012/06/olhos-e-coracoes-voltados-grecia.html

Outras fontes:
http://www.cryptome.org/2012-info/athens-protest/athens-protest.htm
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/06/o-dia-em-que-o-capitalismo-fez-mais-uma-vitima-fatal.html
http://www.whataboutclients.com/archives/2012/05/greeces_syriza_1.html