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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Política e debates nas redes

16/01/2014 - A política e as redes
- Maurício Caleiro - em seu blogue Cinema & Outras Artes

O debate político brasileiro tem sofrido forte influência da internet, meio que não só reavivou, em muita gente, o interesse por política e o hábito cotidiano de discuti-la, mas deu voz a uma diversidade de atores na arena, acabando com o monopólio da mídia corporativa.

O jornalista Tácito Costa, editor do site Substantivo Plural, comenta o processo:

"As redes sociais abriram uma fenda na monolítica imprensa tradicional, que durante séculos monopolizou os canais de comunicação como alicerces de seu poder e dos seus interesses.

Definitivamente, acabou o tempo da comunicação unidirecional.

Um pouco antes da explosão das redes, os sites e blogs já tinham equilibrado esse jogo, oferecendo contraponto indispensável aos conglomerados da mídia e, com isso, fortalecendo a pluralidade e a democracia."

Deflagrados a partir da confluência entre desenvolvimento, barateamento e difusão de tecnologias digitais e num contexto em que a passividade do espectador dá lugar à interatividade, os resultados concretos dessa atividade virtual se fazem sentir em fenômenos mais ou menos recentes e por vezes antagônicos entre si, como a emergência da chamada blogosfera progressista, o uso do tumblr como ferramenta para o humor político e a mobilização popular via redes sociais.

Estas, além de se constituírem, cotidianamente, como arena pública de debates, tiveram papel relevante nas manifestações de junho e acabam de servir de meio para deflagração de "rolezinhos" em shoppings.

No bojo da Copa e da campanha eleitoral, prometem seguir dominando a cena em 2014.

Bolha de certezas
Não obstante positivo em sua essência, o debate político que se dá via redes sociais traz, inerentes, aspectos contraditórios ou mesmo intrinsecamente negativos, os quais se tornam mais evidentes à medida que a interação por elas proporcionada se torna um elemento rotineiro no cotidiano de cidadãos e cidadãs.

Talvez o mais evidente - e empobrecedor - deles, na seara política, seja a tendência à formação de "igrejinhas", em que a timeline [o conjunto de perfis seguidos e que te seguem] tende a se apresentar expurgada dos perfis que expressam opiniões francamente contrárias ou divergentes às do dono da conta, acabando por forjar uma falsa unidade discursiva em prol do ideário, partido ou programa político por este professado.

Assim, seu universo político pessoal é conservado em uma espécie de bolha que, embora perfurada amiúde pela própria impossibilidade de se prever e vetar toda e qualquer opinião contrária, o mantém no mais das vezes preso, a um tempo, de convicções que seus pares reafirmam a todo instante e do contato com a multiplicidade de opiniões divergentes – dinâmica que lhe impede acesso a uma visão realista da intensidade da oposição à linha política que defende.

Carimbador maluco
Deriva de tal dinâmica um segundo efeito dessa "segmentação opinativa" inerentes às redes sociais: a tendência, em um cenário político pobre em termos de diversidade e fortemente concentrado na oposição PT X PSDB, a "carimbar" as opiniões de acordo com a régua estabelecida por tal dicotomia.

Assim, se você defender o Bolsa Família ou mostrar simpatia pelos condenados do "mensalão" é grande a probabilidade de ser carimbado como simpatizante do PT ou mesmo xingado de "petralha" e termos derivados, os quais, disseminados a partir do jornalismo neocon, explicitam a intolerância e a tentativa de desqualificação do que entendem por esquerda.

Já se você ousa defender a classe média ou dá pinta de pender para uma posição com tinturas de conservadorismo ou de liberalismo econômico, se tornam grandes as chances de ser repelido pelas hostes dominantes nas redes e carimbado como "coxinha", o xingamento máximo do petismo militante, não obstante a ascensão de pobres à classe média ser comumente desfraldada pelos próprios partidários como principal conquista dos governos petistas.

Desqualificação a priori
Nesse cenário polarizado, há pouco espaço para nuances ou para assimilação de críticas que procuram ir além da dicotomia PT x PSDB.

É sintomático dessa intolerância a evocação do fantasma dos anos FHC – ou seja, elitismo, precariedade social e crise econômica – à mínima restrição dirigida ao governo petista.

Com tais reações, o debate é interditado por uma confusão deliberada entre a crítica pontual à atual administração e a negação total do petismo em prol do que seria inapelavelmente, de acordo com a reação citada, a única alternativa: o retorno aos anos FHC.

Trata-se de uma atitude que não só revela-se autoritária e diversionista ao se recusar a debater os termos específicos da crítica, mas, mostrando ignorar não só a significação última do dito marxista de que a história só se repete como farsa, não se apercebe que se a volta ao Brasil do ex-presidente fosse uma mera questão de deixar de optar pelo PT, então seria porque as mudanças por este partido promovida, nos últimos 11 anos, não foram suficientes sequer para nos colocar a salvo de tal perigo como uma ameaça imediata (muito pelo contrário, até as privatizações estão de volta, sob patrocínio petista).


Em decorrência da tendência a pouca tolerância com opiniões nuançadas – no sentido de não circunscritas à troca de chumbo entre petistas e peessedebistas -, cria-se um processo vicioso de desqualificação a priori das críticas, denunciadas na origem como ideologicamente tendenciosas e cujo teor sequer é levado em conta, e de restrição à sua circulação, seja através da recusa pessoal (e legítima) a repercuti-la nas redes sociais, seja na recusa (dissimulada) dos blogs de grande audiência em repercutir opiniões que se oponham frontalmente às linhas partidárias que efetivamente (mas não assumidamente) apoiam.

Boicote autoritário
Senador Joseph McMarthy
Destarte, malgrado o pleno direito à expressão e as múltiplas modalidades possibilitadas pela internet, acaba-se por observar-se atualmente, no que concerne ao debate político brasileiro, o germe de um processo de caráter totalitário, por vezes macartista, de abafar vozes críticas divergentes, processo este em que tem papel precípuo as paixões partidárias e é protagonizado por entidades virtuais que até recentemente se publicizavam como pluralistas e progressivas.

Trata-se, em última analise, de um fator de retrocesso no debate público, pois enquanto as paixões partidárias se manifestarem como elementos de desqualificação e de repressão à livre abordagem crítica dos problemas, será a fé se sobrepondo à razão, até na seara política.

Verdadeiros democratas não temem o debate.

Fonte:
http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2014/01/a-politica-e-as-redes.html

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Das elites, essa estranha noção de liberdade - Fernando Brito
- Imprensa e rolezinho - Luciano Martins Costa
- Às esquerdas da Europa e do mundo - Álvaro Garcia Linera

sábado, 15 de junho de 2013

O PT e o papel da militância

26/05/2013 - O papel da militância
- Maurício Caleiro em seu blog Cinema & Outras Artes

Dois artigos publicados recentemente procuram debater, a partir de ângulos diferenciados, uma contradição essencial da política brasileira na última década: a ascensão do conservadorismo e a persistência de uma pauta neoliberal durante um período em que, graças a vitória em três eleições presidenciais sucessivas, verifica-se a hegemonia de uma aliança dita progressista, capitaneada pelo PT.

Ambos os textos analisam, em maior ou menor grau, a postura e o papel da militância nesse processo e fornecem subsídios para uma reflexão mais aprofundada do tema, objetivo deste post.

O aumento de um sentimento de frustração entre a esquerda e da impressão de que os governos petistas estariam cada vez mais conservadores tornou-se ainda mais evidente nas últimas semanas, como se pode facilmente observar nos fóruns públicos e nas redes sociais.

Segundo essas fontes, tal conservadorismo se manifestaria na promoção de um novo ciclo de privatizações - desta feita com o agravante de utilizar o marco regulatório do governo FHC, ao invés do de Lula -, na recusa em regularizar a mídia, nos baixíssimos níveis de assentamento de terras contrapostos às regalias concedidas ao agronegócio, no desmonte da Funai e no genocídio indígena, na primazia dos pactos com o poder religioso em relação à pauta comportamental, entre outros itens.

Em São Paulo, principal vitrine do petismo no âmbito municipal, a reação truculenta de Haddad à greve dos professores estaria ajudando a disseminar a impressão de que não só o conservadorismo se impõe, mas, pior, que o petismo, que deveria combatê-lo, o reforça.

Genealogia do pragmatismo
"… E quando finalmente a esquerda chegou ao governo havia perdido a batalha das ideias."

No primeiro dos dois textos acima citados, "As esquerdas e a pauta conservadora", Roberto Amaral parte desta citação do historiador Perry Anderson - referente à França atual mas apropriadíssima para o caso brasileiro - para questionar porque, segundo o colunista, mesmo após mais de uma década de governo petista, "e apesar do agravante constituído pela tragédia europeia, é a visão neoliberal, reiteradamente desmentida pela realidade, que domina o debate, o noticiário e até mesmo ações de governo".

O articulista perfaz uma meticulosa revisão histórica das causas do fenômeno, culpando os militares e a forma como foi feita a transição à democracia, os partidos de esquerda que "fogem do debate ideológico, ensarilham suas teses, saem de campo, tudo em nome da conciliação" e, marcadamente, a mídia oligarquizada e dominada pelo ideário neoliberal.

Talvez por escrúpulos decorrentes do fato de ter sido ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004, deixa de examinar de forma apropriada o lulismo, item prioritário em um estudo sobre a supremacia do pragmatismo ante o ideológico na política brasileira, em relação a qual oferece um diagnóstico sombrio:

"Silentes, acovardadas nossas esquerdas permitem que a direita, sucessivamente derrotada nas urnas, estabeleça a pauta nacional, e nela nos enredamos: ‘mensalão’, redução da menoridade penal, violência, fracasso da política, fracasso dos políticos... o eufemismo de ‘fracasso da democracia’."

Militantes em disputa
Matheus Machado, em um texto tão polêmico quanto pertinente, (publicado ontem neste site) resume com propriedade o atual dilema entre conservadorismo e necessidade de avanços progressistas, e o papel da militância em tal quadro:

"Desde que o PT chegou à presidência escuto de meus amigos governistas que é 'um governo em disputa'. A tese era que a política de coalizão abrigaria forças muito diversas e que cabia disputar internamente e tomar cuidado com as críticas para não enfraquecê-lo. O resultado prático foi que a crítica e aguerrida militância petista acabou se abstendo das manifestações de rua e se dedicando cada vez mais a simplesmente justificar o governo."

"Mesmo agora, depois de dez anos no poder e com aprovação popular em torno de 70%, ainda vejo petistas mais preocupados em justificar publicamente os descalabros do que em criticar o abandono de causas históricas do Partido dos Trabalhadores, como a Previdência, os Direitos Humanos ou as bandeiras dos povos da floresta. Enquanto isso os militantes das outras forças da esfera federal, como a bancada fundamentalista, fincavam os pés, iam para as ruas e lançavam grandes campanhas para empurrar para a direita o centro do governo. A impressão que dá é que se o governo federal estava realmente em disputa, os antigos militantes petistas perderam por W.O."

Lógica binária
Há fatores que potencialmente agravaram o conformismo do petismo e de seus apoiadores, a começar da própria conjuntura político-partidária do país nas últimas duas décadas, fortemente polarizada entre PT e PSDB, o que reforça uma mentalidade do tipo "nós contra eles", binária e maniqueísta.

Assim, a necessária luta interna por uma agenda mais progressista para a administração federal tendeu a ser negligenciada, substituída, como menciona Matheus, por um discurso que apregoa a defesa das plataformas da aliança capitaneada por PT e PMDB, sob o alegado risco de municiar o adversário tucano.

Tal distorção está no centro de um processo no qual, em nome de uma discutível hegemonia partidária – desmentida, na prática, a cada votação no parlamento, verdadeiras operações de guerra -, boa parte da base petista omite-se ante a cessão não só às demandas dos demais membros da aliança, mas ao exercício público da militância na defesa de suas posições no interior da coligação.

O resultado prático de tal dinâmica tem sido o abandono de bandeiras históricas do PT e o conservadorismo crescente que tem caracterizado o governo Dilma Rousseff.

Ainda no bojo dessa dicotomia PT-PSDB, um dos expedientes recorrentes dos analistas simpáticos ao atual governo tem sido compará-lo, de forma reiterada, ao de FHC, mas não ao de Lula, seu antecessor direto e que lhe entregou um país em muito melhores condições do que ele recebera do cacique tucano.

O fato de tal comparação fazer todo o sentido no âmbito da disputa presidencial que ora se delineia não anula o fato de que, contraposto ao de Lula, o governo Dilma apresenta, em diversas áreas, indiscutíveis retrocessos.

O fator internet
Como mencionado em post recente, há tempos pesquisas vêm demonstrando que a web 2.0, com suas possibilidades interativas que têm nas redes sociais sua expressão mais visível, estimula a formação de grupos virtuais com forte identificação ideológica.

Em decorrência de tal dinâmica, nas "igrejinhas" que de tal processo decorrem, a discordância e o dissenso, quando não negligenciados ou sequer levados em conta, tendem a ser punidos com a restrição ou bloqueio do contato de quem se coloca contra o senso comum dominante no grupo virtual.

Transplantado para a seara política, esse fenômeno estaria a estimular a formação de comunidades virtuais em que prevaleceria, para cada participante, uma tendência a constituir grupos interativos marcados pela identificação com determinadas linhas, programas, ideologias, partido ou políticos, em detrimentos de outros.

Desnecessário apontar que tal modelo tende a reforçar a já citada dicotomia "nós x eles", com o agravante de desestimular o conhecimento das argumentações, táticas e planos de um e de outro bloco contendor.

O alerta de Lênin sobre a necessidade prioritária de se conhecer o que pensa e trama o adversário como forma de adivinhar lhe os passos têm sido irresponsavelmente negligenciado.

Revendo o conceito de "PIG"
O embate político, naturalmente, não se dá exclusivamente através das redes digitais, embora venha sendo de forma crescente por estas influenciado.

Para além da dinâmica acima referida e do binarismo PT-PSDB, outro fator a agravar o imobilismo da militância petista advém do hábito, ora disseminado, de desdenhar a priori as críticas às gestões petistas, descartando-as como maquinações de uma mídia corporativa cuja ação a qualificaria como "PIG" (Partido da Imprensa Golpista).

Qualquer observador criterioso da cena midiática brasileira sabe que esta é, em larga medida, a expressão de uma plutocracia associada ao grande capital e ao mercado financeiro - e, assim, infesa ao que seja reivindicação social e contrária ao programa dos partido ditos progressistas - e que as críticas a ela dirigidas, em larga medida, se justificam.

Nos últimos quatro anos, boa parte do material publicado por este blog dedica-se justamente a examinar seus descalabros e denunciá-los.

Ocorre, porém, que a crítica à mídia feita com rigor e caso a caso não pode ser substituída pelo hábito genérico e automático de utilizar as graves deficiências da mídia brasileira como salvo-conduto para blindar toda e qualquer medida governamental, sob o risco de substituir o frequente tendenciosismo midiático – que, repito, é condenável – pela recusa a submeter as decisões governamentais a qualquer forma de criticismo – o que é inaceitável numa democracia.

Ademais, como mencionado em um post anterior, mostra-se cada vez mais questionável a premissa segundo a qual o tal de "PIG" tenderia a se colocar invariavelmente contra os governos petistas.

O silêncio quanto à truculência dos governos Dima e Haddad ante greves e o apoio entusiasmado às privatizações são sinais claros de que, quando a ideologia neoliberal que orienta a mídia corporativa e as medidas tomadas pelo governo petista se harmonizam, não há relação de oposição entre eles – pelo contrário.

Alguns analistas, como o jornalista e blogueiro Luis Carlos Azenha, vão mais longe e apontam uma identidade de interesses entre a mídia corporativa e o modelo orientador da estratégia desenvolvimentista ora priorizada por Dilma.

O fato de boa parte da militância se recusar a enxergar tais nuances, substituindo o seu papel de força reivindicatória interna pela defesa incondicional do governo e pela adoção do maniqueísmo segundo o qual o "PIG" é sempre a encarnação do mal, a leva, na atual situação, a situações contraditórias, que põem a própria sustentabilidade de sua posição em xeque: no leilão do petróleo, por exemplo, sua tentativa de justificar o retorno à privatização em moldes fernandistas encontrou eco na opinião de jornalistas os quais despreza e odeia, pela negatividade e marcação cerrada que alegadamente fazem ao governo – casos de Miriam Leitão, Carlos Sardenberg e William Waack, exultantes com a medida.

Ora, o fato de tal medida ser saudada por tais arautos do mercado e do neoliberalismo não deveria levar a militância a uma reavaliação reflexiva, que superasse o mero automatismo com que defende o governo Dilma?

Críticas contraproducentes
Além disso, a esta altura da peleja, parecem questionáveis os efeitos do imenso investimento da militância em desqualificar a mídia, não sendo despropositado apontar que ele resulta contraproducente em ao menos três aspectos, além dos já apontados:

Mantém a esquerda e seus canais comunicacionais em uma posição meramente reativa e a reboque da mídia corporativa, que acaba por pautar-lhes;

Agrava a sensação de saturação da crítica de mídia como instrumento político, saturação esta que o mencionado Azenha já diagnosticara por ocasião do primeiro encontro entre blogueiros progressistas, em 2010;

Demonstrar, através da crítica de mídia e sobretudo para a própria militância, que grupos comunicacionais reconhecidamente conservadores e antipetistas são conservadores e antipetistas toma, dia após dia, um tempo e um investimento em trabalho enormes, os quais poderiam ser melhor gastos na organização de formas de pressão pública para que o governo que a militância apoia aprovasse um marco regulatório para as comunicações, bandeira histórica da esquerda e do partido e item de primeira necessidade para o aprimoramento da democracia no Brasil.

A Justiça como inimiga
Um terceiro fator a desviar a militância petista de sua prioritária missão de lutar contra o conservadorismo e pelas bandeiras históricas do partido advém dos ódios decorrentes da relações entre o partido e a Justiça – particularmente o STF -, no bojo do julgamento da AP 470, vulgo "mensalão".

Não se questiona, aqui, o mérito da revolta petista contra as decisões do tribunal – cujos métodos questionáveis foram repetidas vezes por este blog criticados. E sim a constatação de que muita energia está sendo dispersada num combate diário, feito de denúncias - fundadas ou não -, tentativas de desqualificação, e acompanhamento à lupa dos mínimos gestos dos ministros do Supremo e do Procurador-Geral, sendo que é pouquíssimo provável que tal mobilização resulte em algo efetivamente proveitoso, que não o exorcismo de eventualmente justificáveis ódios e ressentimentos pessoais.

O momento é grave e apresenta desafios concretos: o tamanho e a importância da luta política contra o conservadorismo no Brasil, neste momento, pedem ações mais articuladas e objetivamente efetivas.

Se a militância petista investisse na luta política interna metade da energia que diariamente gasta para desqualificar Joaquim Barbosa certamente o governo Dilma não seria reiteradas vezes tachado de conservador.

Estratégia de vitimação
A todos esses fatores, acrescenta-se um temor adicional: o de que tanto o hábito de culpar o "PIG" quanto o de acusar o Judiciário – em ambos os casos antevendo intenções golpistas - esteja levando parte considerável do petismo não só à intransigência ante críticas, mas ao hábito de se vitimar, considerando, ante críticas e ponderações, que o partido é uma vítima frequente de injustiças.

"Incrível como tudo é culpa do PT" é uma resposta ouvida com frequência entre a militância e nas redes sociais, à mínima ponderação ou crítica que se faça; resposta esta que evidencia, a um tempo, o processo de vitimação acima referido e a recusa em reconhecer que um partido no poder - e há mais de 10 anos - está naturalmente sujeito a muitas críticas e inquirições, ainda mais se ora promove um retrocesso conservador em franca contradição com sua plataforma eleitoral, tão crítica às privatizações e ao capitalismo predatório.

Da necessidade de mobilização
A reação de muitos petistas ao conservadorismo atroz do governo Dilma e a atitudes francamente contrárias ao espírito democrático petista tomadas por alguns de seus governadores e prefeitos mostra que caráter retrógrado que acometeu a atual administração federal não é um fenômeno isolado. Ele (se) reflete, cada vez mais, (n)o comportamento de uma militância que se mostra disposta a avalizar a renúncia a princípios éticos e programáticos em troca da manutenção do poder – ainda que este poder, em larga medida, esteja servindo para repor uma pauta conservadora e privatista, a qual difere tanto das bandeiras históricas do PT quanto dos compromissos eleitorais da candidata Dilma.

A militância do PT é uma força social representativa, que teria muito a contribuir para o aprimoramento da democracia brasileira caso saísse de sua posição majoritariamente conformista de hoje, em que, malgrado as raras e louváveis exceções que confirmam a regra, prevalece a defesa acéfala de toda e qualquer medida governamental.

Com a ajuda dos simpatizantes e dos demais setores de esquerda que ainda se dispõem a dar um voto de confiança ao PT, a militância poderia, vindo a público, colaborar de forma decisiva no sentido de corrigir a rota excessivamente conservadora que o governo Dilma assumiu desde seu início e radicalizou ainda mais nas últimas semanas.

Mas trata-se de uma missão cuja urgência é máxima, determinada por novas privatizações no horizonte - altamente ameaçadoras à autodeterminação nacional que Dilma jurou defender - e pela necessidade de impor uma marca esquerdista efetiva à aliança liderada pelo PT, resgatando os valores históricos do petismo e evitando, assim, a fuga de um eleitorado mais à esquerda que não suporta mais o retrocesso e o descompromisso com a agenda de campanha do atual governo federal.

Tal mobilização vai acontecer?

Muito provavelmente não, pois o pragmatismo eleitoral tende a atropelar escrúpulos e consciências, mas o recado está dado.

Fonte:
http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2013/05/o-papel-da-militancia.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

domingo, 21 de abril de 2013

Selic, Dilma e o medo da mídia

- 18/04/2013 - Maurício Caleiro - no seu blog Cinema & Outras Artes

A retomada do aumento da taxa de juros (Selic) e o anúncio de que o governo vai autorizar que as concessionárias de rodovias e ferrovias aumentem seus lucros em cerca de 30% acima do estipulado em contrato – inclusive com reajuste dos preços dos pedágios – representam um pesaroso retrocesso nas atuais relações entre Estado e economia e mais uma vitória do conservadorismo em uma aliança governamental dita de centro-esquerda.

O aumento da taxa de juros evidencia mais uma vitória do mercado - ou seja, de especuladores que, sem nada para investir no país, lucram com os juros pagos pelo conjunto da população brasileira – e da mídia corporativa, cujo desprezo pelo bem-estar do povo brasileiro é inversamente proporcional aos cuidados que nutre pelos interesses do mercado, ao qual se encontra de forma umbilical atada.

Retrocesso
A queda da Selic significa, ainda, um retrocesso em uma das poucas áreas - se não a única - em que o governo Dilma vinha mostrando alguma ousadia em relação à presidência de Lula, ao patrocinar o que foi anunciado como um novo paradigma econômico, um cenário em que o capital especulativo daria lugar ao investimento na produção e na economia real, com a revisão dos parâmetros econômicos das últimas décadas e as benesses sociais daí decorrentes.

Tratava-se, aparentemente, de uma ilha de inovação no oceano de conservadorismo que vem se transformando a atual presidência.

Tal possibilidade se encontra, neste momento, com a retomada do aumento da Selic, colocada sob xeque.

Ainda mais porque, com o recuo presidencial, o mercado financeiro e a mídia corporativa que o apoia têm agora a certeza da efetividade de seus meios de pressão sobre o governo – e esta, a cada vez que o governo vier a insistir em sua política de juros baixos, não hesitará em lançar mão do alerta sobre um surto inflacionário iminente, seja este real ou não.

Medo da mídia
Fica patente no episódio, uma vez mais, o quanto a presidência Dilma mantém-se refém da mídia e do mercado - os quais, na prática, vêm pautando o governo, que recua ante a mínima repercussão negativa de suas medidas, ainda que claramente orquestrada e politicamente dirigida.

Limita-se a calibrar o discurso – como fez no dia anterior ao anúncio da retomada do aumento da Selic - para que o recuo vexatório possa passar aos incautos por estratégia calculada.

Para além dessa constatação óbvia, o recuo na gestão da taxa Selic e o fracasso em transformar, ao menos parcialmente, o rentismo em investimento produtivo, evidenciam a dificuldade do governo de estabelecer meios de pressão efetiva sobre os agentes econômicos.

Não parece improvável a hipótese de que tal se dê, em larga medida, porque a atual administração não supera o mero anúncio de manipulação de taxas de juros e das intenções de tal medida decorrente, sem dar continuidade e intensificar junto aos entes econômicos e financeiros, de forma efetiva, a articulação para a implementação de tais políticas.

Ou seja, o governo anuncia as medidas supostamente transformadoras, mas não vai à luta para implementá-las, valendo-se de seu poder de força e de seus variados instrumentos de pressão.

Resquícios neoliberais
E não o faz basicamente porque a superação de tal estágio demanda a renúncia efetiva à mentalidade neoliberal que persiste na administração pública brasileira, e a tomada de consciência quanto à necessidade de o Estado agir de forma articulada e pró-ativa, como sujeito social, em prol da implementação de suas políticas, mesmo que isso signifique confrontar interesses de monta.

Infelizmente, o governo Dilma não só se omite em relação a tal forma de ação mas demonstra adesão cada vez mais entusiasmada para com os modelos privatizantes de gestão pública - na novilíngua petista, "concessões", que começaram com os aeroportos, incorporaram as rodovias e agora já se estendem para as ferrovias, com previsão de incorporação de outras áreas.

Com isso, enfraquece o próprio poder de intervenção do Estado na economia, do qual não pode prescindir se quer realmente implementar políticas ao estilo das que apregoam substituição da especulação financeira pelo investimento direto em produção.

A anunciada autorização para que os lucros das empresas concessionárias de rodovias e ferrovias aumentem sua margem de lucro, dos 6-6,5% acordados em contrato para 8-8,5% - com aumento substancial no preço que o cidadão pagará no pedágio - é mais um fator a evidenciar o quão facilmente o próprio governo cede e se enfraquece ante o mercado.

Convém sempre lembrar que a candidata Dilma Rousseff foi eleita com um discurso fortemente antiprivatização, o qual incluía a crítica ferina – e justíssima – ao elevado preço dos pedágios nas rodovias estaduais privatizadas por políticos tucanos.

(Desnecessário observar que a mídia, sempre tão enfaticamente contrária quanto há revisão de contratos para diminuição dos preços praticados, se queda em ensurdecedor silêncio quando os contratos, cavando fundo no bolso dos cidadãos, são revistos de modo a aumentar os lucros das corporações concessionárias.)

Bandeiras ao léu
Agravam os problemas acima descritos elementos advindos do estilo Dilma de governar: isolada no palácio, na solidão do Planalto Central, cercada de assertivos acólitos, a presidente habituou-se a lançar medidas na base do "publique-se e cumpre-se", sem debatê-las previamente com a sociedade e, assim, sem possibilitar que esta forme, a contento, blocos articulados de pressão, inclusive de eventual apoio a algumas dessas medidas.

Tal processo torna evidente que o governo capitaneado pela aliança petista não avançou um milímetro na ultima década em termos de aprimoramento da democracia participativa – mais uma das bandeiras históricas do partido, no poder abandonadas.

Transcorrida mais da metade do governo Dilma, avolumam-se interrogações acerca de qual será o legado específico de seu governo, para além da meritória continuidade dos programas de inclusão social herdados de seu antecessor.

Ainda que se mantenha como franca favorita nas próximas eleições, e sem que tome forma no horizonte nenhuma candidatura minimamente consistente no espectro à esquerda do centro político, os recuos e a hesitação de Dilma, somados à recusa ferrenha do PT federal em ideologizar a política – que ora cobra seu preço ao permitir que uma pauta conservadora e eventualmente religiosa domine o debate público -, trazem inquietação e descontentamento a muitos de seus ex ou atuais apoiadores.

Fonte:
http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2013/04/selic-dilma-e-o-medo-da-midia.html

Não deixe de ler:
- Mais uma rendição ao financismo - Paulo Kliass
- A elevação dos juros entre a marcha da insensatez e o puro oportunismo - J. Carlos de Assis

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sábado, 9 de junho de 2012

Olhos e corações voltados à Grécia

08/06/2012 - Maurício Caleiro
extraído do blog Cinema & Outras Artes

À medida que as eleições gregas entram em sua reta final, os olhos do mundo se voltam ao berço da democracia para acompanhar o que promete ser um dos mais emocionantes pleitos dos últimos tempos - e dos poucos a incluir a possibilidade concreta de eleger uma força política cuja plataforma inclui o rompimento com o programa de austeridade ditado pela Troika.

Pois, a nove dias das eleições, a Syriza (Coligação da Esquerda Radical) lidera, com 31% - e na condição de grande e entusiasmante novidade -, as projeções de votos, seguida pelos 25% da centro-direita (Nova Democracia) e pelos socialistas (só de nome) do PASOK, com 14%.

A confirmação da vitória da Syriza no próximo dia 17 seria uma enfática tradução político-eleitoral da derrota do receituário neoliberal anti-crise que a "comunidade europeia" lhe determinou, e cujo fracasso, do ponto de vista social, tem sido dramática e cotidianamente constatado pela população grega, que convive com índices de desemprego da ordem de 35% e com mais da metade dos jovens sem trabalho.


Economicismo desumano
A receita ditada pela Troika, além de coagir e humilhar a autonomia da democracia grega, impôs um brutal corte de salários, pensões e investimentos estatais, com alta redução do raio de ação do Estado e nenhuma preocupação com as graves consequências sociais decorrentes. A aplicação de tais medidas, caracterizadas por um neoliberalismo desabrido, tem envenenado ainda mais o tecido socioeconômico de uma nação empobrecida e aprofundado a crise. Para muito além das planilhas sobre dados macroeconômicos, a Grécia é hoje um país cuja classe média vem sendo dizimada e cujos pobres, sujeitos a fome e desnutrição, encontram-se entregues à própria sorte.

O mundo social do trabalho se esfacela, com sindicatos extramente enfraquecidos, a proliferação de “contratos informais” e o calote salarial institucionalizado (500 mil trabalhadores não estariam recebendo seus pagamentos).

Yorgos Mitralias
O cenário se deteriora: há falta de medicamentos para doenças graves e empresas farmacêuticas relutam cada vez mais a vender a prazo, segundo relata o The Guardian de hoje (08/06) (http://www.guardian.co.uk/world/2012/jun/08/greek-drug-shortage-worsens); nas cidades, proliferam mendigos e meninos de rua; grassam a fome e a desnutrição: “o país já se encontra em ruínas”, definiu o ativista Yorgos Mitralias, segundo relato de Mauricio Haschizume em matéria da Carta Maior (ver em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20282).

Assimetria de tratamentos
Um caso dramático se tornou o símbolo das medidas desumanas a que está sendo submetido o povo grego: o músico Antonios Perris, de 60 anos, se suicidou após ver-se na miséria e não conseguir que nenhum asilo aceitasse a mãe, que sofre de Alzheimer e esquizofrenia e pulou com ele do quinto andar de um prédio. Perris (foto abaixo) deixou uma carta, largamente negligenciada pela mídia corporativa, em que apela aos poderosos pelos pobres e para que os bancos cessem os despejos.

Enquanto, num flagrante desrespeito aos direitos humanos, o povo grego é pauperizado dessa maneira em nome da austeridade, o Banco Central Europeu injeta nada menos do que 1 trilhão de euros (R$ 2.532.000.000.000,00) em bancos do continente, cuja ação irresponsável no período imediatamente anterior à crise, “alavancando” empréstimos sem lastros, é uma das principais causas da débâcle financeira.


Mídia versus renovação
Não obstante tais discrepâncias, será instrutivo acompanhar, nessa reta final das eleições gregas, o esforço que os porta-vozes do mercado encrustados na mídia e por ela designados como “jornalistas especializados” farão para alardear, com um palavrório que, sob verniz técnico, mistura wishful thinking, lugares-comuns da Economia e não tão veladas ameaças, o caos e a expulsão do paraíso que fatalmente, segundo eles, incidirão sobre a Grécia caso a Syriza – caracterizada como o ninho do pior e mais irresponsável radicalismo - assome ao poder.

Até o momento, porém, o que as pesquisas de intenção de voto sugerem é que os eleitores têm se dado conta de que o paraíso neoliberal da Europa mal tem lugar para a plutocracia grega, quanto mais para os estratos médios e baixos, atirados à própria sorte.

O jovem candidato a primeiro-ministro pela Syriza, Alexis Tsipras (37, foto acima), já alertou que se a Europa cortar os fundos adicionais pré-acordados, a Grécia, sob seu comando, para de pagar a dívida. Mesmo caso a coligação não venha a ganhar as eleições (toc, toc, toc...), deve se constituir como uma nova força na arena grega - e, de qualquer maneira, já goza do mérito de ter trazido uma lufada de ar fresco a renovar o pensamento político no velho continente.


Novos rumos para a esquerda
Muito haveria para se dizer sobre a relação entre a paradoxal vigência do neoliberalismo como alegada panaceia para a Europa atual, a crise grega e a saudável novidade representada pela Syriza.

Mas a sensacional intervenção de Slavoj Žižek no comício da coligação, disponível adiante (com legendas em português lusitano), aborda essas e outras questões - como os impasses no interior da esquerda ou a recusa à passividade que as reações dos gregos à crise denotam - com tamanho brilhantismo, eloquência e originalidade que o melhor é encerrar por aqui, recomendando, com ênfase, que assistam ao vídeo "Intervenção de Slavoj Zizek no comício da Syrizaem: http://www.youtube.com/watch?v=4U2b9XChivc

Pois, falando para um público naturalmente entusiasmado, certamente grato por seu apoio e que compartilha muitos de seus ideais, o filósofo esloveno mostra-se particularmente inspirado, seja pela consistência de sua crítica ou pela intensidade de sua performance, com seu blending único de psicanálise e marxismo, seu inglês com sotaque caricatural, suas metáforas e comparações inusitadas e desconcertantes - tecidas muitas vezes a partir de filmes, canções e demais produtos culturais de massa (como a alusão a Coca-Cola e Pepsi para ilustrar a diferença entre Nova Democracia e PASOK) -, além de seus conceitos personalíssimos e desconcertantes - como, no caso, o de “democracia descafeinada”. Vale a pena ver o vídeo até o final.

http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2012/06/olhos-e-coracoes-voltados-grecia.html

Outras fontes:
http://www.cryptome.org/2012-info/athens-protest/athens-protest.htm
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/06/o-dia-em-que-o-capitalismo-fez-mais-uma-vitima-fatal.html
http://www.whataboutclients.com/archives/2012/05/greeces_syriza_1.html