03/09/2013 - Saul Leblon - Carta Maior
Variáveis macroeconômicas são ingredientes à espera de um projeto de Nação.
Quem decide a receita do desenvolvimento e da sociedade é a luta política.
Uma arma crucial do embate é a formação das expectativas.
No Brasil hoje, são elas que podem mover ou travar a engrenagem decisiva do investimento na esfera industrial e na infraestrutura.
Num caso, o país retoma o crescimento ancorado em bases consistentes.
No outro, o pessimismo estreita o horizonte do futuro e afoga a Nação na liquidez rentista. A espiral descendente do emprego e do consumo cuida do resto, conflagrando a inquietação social.
É a disjuntiva dos dias que correm.
A guerra das expectativas dispara mísseis que cruzam os céus do imaginário social ininterruptamente.
A quarta frota desta guerra é a área na qual a influencia conservadora desequilibra o jogo a seu favor: o comando do noticiário em geral; o da
economia, em particular.
Dados auspiciosos do IBGE sobre o PIB do segundo trimestre foram recepcionados com um muxoxo pela emissão conservadora: ‘resultado surpreende o mercado’.
Modéstia.
O resultado não surpreende, ele o decepciona.
Um desastre econômico de proporções ferroviárias é vaticinado há meses pela endogamia da mídia com a corriola das consultorias e a pátria financeira.
O lubrificante ora é o dólar no mercado futuro. Ora a AP 470. Ora a 'invasão' da saúde pública por 'escravos de Fidel', desembarcados de ‘aviões negreiros’. Assim por diante.
A impressionante expansão de 9% do investimento no 2º trimestre, comparado ao mesmo período de 2013, trouxe ao crescimento de 1,5% do PIB uma qualidade há muito requerida pelo país.
O incremento de capacidade produtiva avançou bem acima da variação do consumo das famílias (2,3%) e o do governo (1%).
É a calibragem correta para uma expansão de longo curso.
Aquela que não desanda em pressões inflacionárias porque a oferta caminha adiante da demanda.
Não significa que a matriz de um novo ciclo está consolidada. Estamos longe disso.
O Brasil acumula pendências cambiais e de logística que emperram o motor do seu desenvolvimento.
A economia tem gargalos objetivos; oscila em altos e baixos à procura de uma nova coerência, como mostra a montanha-russa do desempenho industrial.
Mas o PIB que surpreendeu a narrativa derrotista comprova que a fatalidade conservadora não é um dado de natureza.
É um ingrediente da luta política em curso, abastecida com a pólvora das expectativas.
O conjunto manipula a incerteza intrínseca ao cálculo econômico de longo prazo no regime capitalista.
A sinalização financeira a quem caberia clarear a neblina do futuro, age para cegar. Seu alto-falante midiático cuida de afligir.
Um lucra com a especulação nutrida pela incerteza; o segundo, com o rebate conservador que o pânico injeta nas pesquisas eleitorais.
Significa dizer que a batalha do crescimento não será vencida no âmbito exclusivo das medidas econômicas.
Se o governo não se despir do economicismo, perderá a guerra. Ainda que tome as medidas tecnicamente adequadas à retomada do crescimento.
O contrafogo das expectativas negativas pode por tudo a perder.
Guardadas as proporções, vale lembrar: Puttin, na Rússia, colocou no ar uma emissora estatal que dispõe de orçamento de US$ 300 milhões/ano. E um quadro de dois mil contratados.
Guardadas as devidas motivações, cumpre insistir: esse é o tamanho do jogo.
Nunca é demais repetir: a coerência macroeconômica quem dá é a correlação de forças da sociedade, que tem na formação das expectativas um de seus
ordenadores decisivos.
Quem fizer a leitura política do noticiário econômico enxergará a queda de braço em curso.
De um lado, iniciativas oficiais procuram desbastar o caminho para um novo ciclo histórico, ancorado no impulso do investimento com maior equidade social.
De outro, os interesses que tentam direcionar a encruzilhada atual para a regressão ao modelo dos anos 90: privatizações, Estado mínimo, arrocho
social, alinhamento carnal com geopolítica e a economia imperial norte-americana.
Nunca será fácil converter as conquistas e aspirações de uma época à paz salazarista cobiçada pelos ‘mercados’.
A saber: um cemitério social rígido como o eletrocardiograma de um morto, associado à apoteose rentista da nação à serviço do dinheiro.
Fomentar a crise de confiança é a pedra basilar dessa arquitetura.
Dar a isso a abrangência de um sentimento coletivo de baixa autoestima, é a sua argamassa.
Fazer da descrença no país, em suas lideranças, no Estado e organizações sociais um acontecimento de natureza política e econômica, o vigamento
superior.
Naturalizar esse jogral a ponto torna-lo uma profecia autorrealizável, a cumeeira do processo.
Leve tudo ao forno da inquietação social movida a denuncismo e vaticínios de desastre iminente no desempenho do PIB e dos índices de inflação.
Não importa que os resultados do mês em curso os desmintam.
O núcleo duro dessa usina de sombras e abismos é afinado por um jogral de pluralidade ideológica irrisória.
Em entrevista recente, o colunista do Estadão, José Paulo Kupfer, admite o viés que afina o noticiário econômico:
"Fiz uma pesquisa de fontes em alguns principais jornais: Estadão, O Globo, Folha. Captei 500 participações. 85% das citações eram de consultorias, departamentos de economia (alinhados) a escolas neoliberais. Fica tudo com uma visão só”, afirmou.
Como enfrentar essa guarda pretoriana sem um antídoto da envergadura daquele ostentado pelo projeto da ‘Russia Today’?
Difícil.
O PIB do segundo trimestre revelou uma taxa de investimento ainda abaixo dos 20%, tido como um requisito para acelerar a máquina do crescimento.
Mas cravou 18,6%, em ascensão, tendo como pano de fundo cerca de R$ 3,8 trilhões em novos projetos investimentos privados e grandes obras de
infraestrutura.
A previsão é do BNDES para o período 2014 e 2018.
O valor, apreciável em qualquer latitude do globo, separa a linha entre o país viável e aquele cronicamente inviável, disseminado pelo jogral dos ‘85%’ identificados por Kupfer.
Não só. O conjunto incide sobre um mercado de 200 milhões de habitantes.
Significa que o país tem hoje uma população equivalente a dos EUA nos anos 70. E uma renda pouco superior a 1/3 daquela dos norte-americanos nos anos 30.
Com uma distinção dinâmica não negligenciável.
A distribuição, no caso brasileiro, é melhor que a registrada na sociedade norte-americana, atropelada então por 14 milhões de desempregados da crise de 29.
Essa obra prima dos livres mercados é um pouco o que a turma dos ‘85%’ quer ressuscitar no Brasil do século 21.
Precisa para isso torturar de morte ingredientes dificilmente compatíveis com a sua receita de nação: uma população jovem, uma imensa demanda não
atendida, trilhões de reais mobilizáveis e recursos estratégicos abundantes, a exemplo do pré-sal.
A macroeconomia pura e simples jamais diria que estamos diante dos ingredientes de um fracasso, como aquele vaticinado dia e noite pela emissão
conservadora.
Mas a guerra das expectativas pode matar uma Nação.
Se conseguir convencê-la a rastejar por debaixo de suas possibilidades históricas.
Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1311
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