por Marcela Valente, da IPS

Troadello insistiu que, assim como em outras etapas, era habitual apelar para consultores externos para estudar o potencial dos recursos, agora são os próprios técnicos nacionais de cada chancelaria que trabalham com um olhar regional. Esse novo enfoque também inclui o conceito de desenvolvimento. “Durante décadas, ao falar de desenvolvimento se pensava no econômico e produtivo, e agora, para nós, primeiro vem o desenvolvimento humano”, ressaltou.
A partir desta perspectiva, a embaixadora disse que os governos se conscientizaram da importância dos recursos da Bacia que, além das águas doces superficiais, abriga sob a terra o imenso Aquífero Guarani. A Bacia do Prata, que se estende por cinco países e tem 3,1 milhões de quilômetros quadrados, é uma das cinco maiores do mundo e a segunda mais extensa da América do Sul, depois da amazônica, mas é muito mais povoada e produtiva do que esta última.
Considerada uma das reservas com maior volume de água doce do mundo, a região abriga cem milhões de pessoas e gera 70% do produto bruto dos cinco países que a contêm. Isto por incluir algumas das cidades mais importantes da América do Sul, como Brasília, São Paulo, Assunção, Buenos Aires e Montevidéu. Nasce no Pantanal brasileiro e desce até o Rio da Prata, que banha a costa de Argentina e Uruguai e desemboca no Atlântico. Também inclui os rios Paraná, Paraguai e Uruguai, com seus respectivos afluentes, em um sistema onde há 150 represas, três delas grandes complexos hidrelétricos binacionais.
Dentro da Bacia há ecossistemas de rica biodiversidade, como o Grande Chaco Americano. Na Argentina estão as pradarias e o pampa úmido, o delta do Paraná, e os charcos e banhados do nordeste. No Brasil se encontram o Pantanal, o Cerrado e a Mata Atlântica, floresta tropical úmida que inclui atualmente 17 Estados. Daí a necessidade de abordagem regional da bacia e a proteção conjunta de seus recursos diante de novos desafios como mudança climática, escassez de água, desmatamento, sobrepesca e contaminação por agroquímicos, entre outros.
“Celebramos as iniciativas focadas na Bacia como um grande sistema integrado, onde a sustentabilidade ambiental é a base econômica, social e política”, disse à IPS Jorge Cappato, da Fundação Proteger, que trabalha em temas de água, mangues e pesca. Cappato recordou que especialistas da organização ambientalista World Wildlife Fund (Fundo Mundial para a Natureza) colocaram a Bacia do Prata entre as três mais ameaçadas do planeta.
“Nesta Bacia se experimenta um dos maiores crescimentos produtivos do mundo. Porém, o aumento das monoculturas, o desmatamento e a construção de represas representam severas ameaças”, alertou Cappato. “Sem proteção do capital natural, este acaba sendo consumido, com a consequência de custos impagáveis e vulnerabilidade”, alertou. O programa-marco, lançado formalmente em outubro, prevê uma série de medidas conjuntas para o diagnóstico do estado da Bacia e as possíveis ações que devem ser realizadas em cada país para a preservação dos recursos compartilhados.
“No último ano e meio, a coincidência entre os países foi tamanha que o avanço do trabalho na Bacia foi extraordinário”, disse Troadello, representante do também chamado CIC Prata. Esta equipe multilateral nasceu em 1967 e, dois anos depois, foi assinado o Tratado da Bacia do Prata, que deu maior institucionalidade à construção comum.
Mediante o Tratado houve um avanço, sobretudo na integração física dos países que são parte do acordo e nas grandes obras de infraestrutura com aproveitamento dos recursos, mas, sem maior consciência sobre o impacto ambiental das obras. Depois, o CIC Prata entrou em uma fase de escassa incidência e poucos recursos, contou a embaixadora. Agora, no entanto, “houve consciência entre os países e se começou a trabalhar em um programa-marco”, acrescentou.
O objetivo é fazer o acompanhamento da Bacia do Prata, seu balanço hídrico, detectar os principais desafios que enfrenta a região e delinear estratégias concretas de trabalho para a gestão integral dos recursos a partir de 2015. “A tendência mundial é para uma observação multidisciplinar que detecte os problemas, por exemplo, aumento da temperatura média, e que a partir deste dado sejam propostas as ações prospectivas”, explicou Troadello. “Temos 6% da população mundial e 20% dos recursos hídricos, enquanto países como a China têm esses indicadores invertidos”, acrescentou.
Troadello, nascida na província de Mendoza, região seca que depende da água do degelo da Cordilheira dos Andes, destacou também a riqueza do sistema do Rio da Prata comparando o volume de água que contém. Enquanto em Mendoza a média do movimento de água é de 50 metros cúbicos por segundo, na Bacia a média é de 22 mil metros cúbicos por segundo. “É um volume imenso, com uma extraordinária capacidade de recuperação”, destacou. “Se conseguirmos casar as bacias do Prata e a Amazônica, o destino da América do Sul se tornará muito interessante”, afirmou.
Envolverde/IPS
Fonte: Site Envolverde