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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Corrupção e farsas

06/06/2012 - por Antonio Fernando Araujo

[Nota do Educom: embora entendamos que o tema "combate à corrupção" não deva ser Programa de Governo, sua manutenção é uma tarefa essencial e que se insere entre as obrigações chaves de qualquer um, tal como combater a sonegação de impostos (em volume de recursos, cerca de 28 vezes maior do que os desviados pela corrupção), a pedofilia, o contrabando, o racismo, etc. e até mesmo pagar em dia o funcionalismo, os fornecedores, assim como prover a merenda escolar de qualidade e de forma regular.

A grande mídia empresarial adora nos confundir. Capitaneada, como se diz, pela Família GAFE da Imprensa (Globo/Abril/Folha/Estadão) vende-nos a ideia de que somos os maiores pagadores de impostos do mundo, ao mesmo tempo em que despreza os estudos da The Heritage Foundation (sediada em Londres) que situa o Brasil em 31º lugar em carga tributária (dados de 2010), ou seja, existem 30 países com carga tributária maior que a do Brasil. Destes, 27 são países de grande desenvolvimento humano, europeus em geral.

Aproveitam então para incitar o clamor "- Ah, mas a população não vê o resultado dos impostos recolhidos", omitindo propositalmente as conclusões que mostram as análises comparativas com outros países, quando entram em cena não apenas o frio percentual que pouco diz e o volume de impostos recolhidos, mas, principalmente, o PIB de cada país e a correspondente arrecadação per capita. Neste capítulo e visto desta forma, o Brasil se situa em 52º lugar, segundo a mesma Fundação, em arrecadação per capita, e por conta disso recolhe 5 vezes menos impostos que os tais países mais desenvolvidos. E aí fica a pergunta: como prover serviços de Primeiro-Mundo com impostos de Terceiro?

Isso sem contar a maneira como essa mesma mídia suprime a natureza perversa que caracteriza a forma regressiva de recolhimento de impostos no Brasil, onde os pobres, relativamente, pagam mais impostos que os ricos. Isso tudo daria conhecimento ao público brasileiro da verdadeira dimensão do cenário de impostos no país e das verdadeiras causas do raquítico retorno comparativo em serviços proporcionados pelos governos nas 3 esferas. E mais: ciente do quanto os temas de cunho moral são sensíveis ao eleitor e com o indisfarçável intuito de desgastar, junto a esses eleitores, os governos (especialmente o federal) aos quais ela se opõe, espertamente tratou de eleger a corrupção como um "cancer" de grandes proporções, contaminando de tal forma o inconsciente coletivo, que foi capaz até de disseminar a ideia de que, não apenas somos o povo que mais paga imposto sem retorno, como ostentamos o troféu do país mais corrupto do mundo, como se todos os governos fossem lenientes com esse mal.

Nesse esforço de se destacar como um indisfarçável partido de oposição, como frisou Judith Brito, diretora da ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e do diário Folha de São Paulo, as denúncias sempre foram seletivas, o destaque, as manchetes e as capas das revistas semanais se destinam apenas aos adversários políticos enquanto aos partidários amigos, como, de um modo geral o são, os governos do PSDB, quando citados, as denúncias se resumem apenas a uma breve nota e no dia seguinte não se fala mais nisso, a menos que a coisa fuja do controle e, pra não perder leitores e, mais tarde, ainda ser taxada de omissa (como foi O Globo, nas Diretas-Já, quando noticiou o comício em São Paulo como sendo uma comemoração pelo aniversário da cidade) se vê obrigada a aderir a grita geral.

Essa forma mentirosa, leviana e discriminatória de combater a corrupção, já por inúmeras vezes denunciada por jornalistas, juristas, sociólogos, por pessoas enfim, de uma estatura moral inquestionável, acaba de vir à tona, pelo menos em parte, com as denúncias em torno do "caso Veja-Demóstenes-Cachoeira", que de tão grande alcance em que se tornou já incomoda até os calcanhares do Procurador Geral da República e de um controverso ministro do STF.

Esse mesmo comportamento, inadequado à ética jornalística, foi o que não permitiu, sequer, que os leitores soubessem dos modestos avanços brasileiros no até então inédito combate à chaga da corrupção. Quase sempre protagonizado pela Polícia Federal (mais de 1.200 operações entre 2003 e 2010, contra menos de 100, entre 1995 e 2002 - conforme dados do Portal da PF) em todos os cantos do país, esse empenho na luta anti-corrupção - que além de empresários, incluiu funcionários públicos -, foi o fator que mais contribuiu para que, entre 2008 e 2010, víssemos elevada a pontuação brasileira de 3,5 para 3,7 e com ela a posição no "ranking" mundial avançar positivamente do 80º lugar para o 69º, na avaliação que, a cada ano, a empresa Transparência Internacional, sediada em Berlim, mede, objetivando classificar o que chamam de "percepção da corrupção", em cerca de 180 países. Tal medição que, inclusive, nos coloca melhor situados do que a poderosa China, não recebeu uma mínima citação dessa mídia, zelosa tanto na não citação dessas conquistas, quanto em esconder o nome, o logotipo e o CNPJ dos grandes corruptores (não de pequenos "bagres", como exibiu o Fantástico) e dos campeões brasileiros em sonegação de impostos, contumazes prevaricadores que só agem nas sombras.

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, o que nos leva a publicar adiante trechos pinçados de três anos sucessivos e cronologicamente postados aqui, de alguns articulistas que tratam com seriedade desse assunto, visa dar aos leitores uma visão adicional, aquela que julgamos a mais adequada sobre o assunto, como uma espécie de complemento do que aqui escrevemos, no instante em que "bomba" no Congresso a CPMI do Cachoeira e está às portas o julgamento, pelo STF, do escândalo que ficou conhecido como "mensalão". Esperamos que seja uma contribuição positiva na medida em que, favorecendo o debate, também esclareça.]

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Mauro Santayana, jornalista e ex-adido cultural, em 24/02/2010
A crise da razão política e a maldição de Brasília

Todos os pensadores políticos, de Aristóteles a Hans Kelsen, passando por Maquiavel e os filósofos moralistas ingleses e franceses, advertem contra o mau exemplo dos grandes. Uma sociedade apodrece quando seus líderes perdem a virtude do mando. Perón usou – em meio à conspiração que o derrubaria – uma boa frase, quando descobriu que seu cunhado, depois da morte de Evita, estava praticando falcatruas: “Los gobiernos, como el pescado, empiezan a pudrirse por la cabeza”.

Aristóteles, em Ética a Nicômaco, assegura que o comportamento ético se adquire com o hábito de agir corretamente. O habito da virtude fortalece e aumenta a virtude, qualquer virtude, e ele dá o exemplo da coragem: é com o hábito de enfrentar o perigo que nos tornamos corajosos; e é quando nos tornamos corajosos que nos encontramos no máximo grau de enfrentar qualquer perigo. A mesma ideia serve para o processo septicêmico das sociedades políticas. É quando nos sentimos covardes que tememos até mesmo os ratos: e é a ousadia dos grandes corruptos que torna as sociedades lenientes com a corrupção.

Há muito tempo se diz que a boa-fé é a alma de um grande governo”, assim Montesquieu inicia uma de suas Cartas Persas, que serviram de modelo às Cartas Chilenas, de Tomás Antonio Gonzaga. Ele se refere, em seguida, a uma hipotética nação das Índias, naturalmente generosa, “pervertida em um instante, do menor de seus indivíduos ao maior deles, pelo mau exemplo de um ministro”. Montesquieu vai adiante: “Vi nascer, de repente, uma sede insaciável de riquezas. Vi formar-se, em um momento, detestável conjuração em busca do enriquecimento, não por um trabalho honesto e uma indústria generosa mas, sim, pela ruína do Estado e de seus concidadãos”.

O que define a ética de um homem de Estado é sua ação na defesa da sociedade que lidera, na busca da igualdade e da justiça. Mas, mesmo se for senhor das mais excelsas virtudes pessoais, ele terá que obedecer a uma vontade maior e acima de seus próprios valores: a lei.

Os legisladores estão fugindo dos princípios e valores aos quais se atavam. Esse é o caso, por exemplo, da situação de Brasília. Durante o governo militar, a cidade foi feudo de contubérnios entre os ditadores de turno, empreiteiros, jornalistas acomodados e servidores públicos de alto nível. O sistema de mordomias tornava a cidade a Ilha da Fantasia. Os grandes jantares, oferecidos pelos ministros, eram de invejar armadores gregos, com faisões, caviar Beluga, vinhos importados. Não havia limites para a ostentação. Um dos ministros, morando em residência do governo, mandou fazer uma piscina em forma de J, porque se chamava Jost.

Assim como o hábito da virtude consolida a virtude, o vício infla o vício, e Brasília se tornou cidade assolada pela corrupção. As “mordomiasdeixaram de existir com a redemocratização de 1985, por prévia determinação de Tancredo. Só o presidente e o vice-presidente têm hoje sua despensa abastecida pelos contribuintes. Mesmo assim, durante seu curto governo, Itamar foi cuidadoso com esse direito. Quando seus auxiliares almoçavam com o presidente, as despesas eram quase sempre divididas. Seu governo só ofereceu jantares protocolares aos chefes de Estado estrangeiros, nas visitas e reuniões oficiais, como as do Mercosul.

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Miguel do Rosário, filósofo, jornalista e blogueiro, em 17/09/2011
Ética e jogo político

Milhares de pessoas saem em todo Brasil para cobrar ética na política. O Globo divulga fotos na capa e na terceira e quarta páginas (as áreas mais nobres do jornal). A manchete diz: "Pelo país, protestos contra a corrupção". O subtítulo: "atos foram convocados pela internet".

Quem sou eu para ser contra protestos contra a corrupção?

No entanto, acho curioso que os jornais digam que "os atos foram convocados pela internet" se todos eles divulgaram data, local e até mapas na véspera.

É a mesma coisa que aconteceu em março de 1964. A imprensa fez uma grande campanha de mobilização da sociedade, através da força de seus instrumentos de comunicação de massa; entrevistava autoridades e entidades (as mesmas de hoje: OAB, ABI, Fiesp, Firjan...), que afirmavam apoiar a manifestação e que estariam presentes; e depois dizia que as pessoas haviam acorrido "espontaneamente".

Os órgãos de imprensa, que hoje formam a cabeça do "estamento" político da direita (conforme o conceito de Max Weber), querem associar-se às manifestações de massa para produzirem a impressão de que as suas ideias tem respaldo popular. Mas lhes interessa que essas manifestações não tenham líderes, não produzam organizações civis, que não sejam vinculadas a nenhum movimento social, partido político ou sindicato. Na matéria do Globo, deu-se destaque a hostilidade dos manifestantes a qualquer símbolo de alguma entidade civil organizada.

Quais são as propostas concretas que os manifestantes oferecem à sociedade?

Na verdade, uma manifestação contra a corrupção é como fazer uma manifestação contra a maldade: é uma manipulação da ingenuidade das pessoas.

Tenho me convencido, nos últimos tempos, que a sociedade manipulada pela mídia é inocente. Sinto-me cada vez mais inclinado a ver o que chamamos de classe média conservadora e alienada como vítima. Claro que o egoísmo entra em jogo aqui com muita força. Mas a partir do momento em que a informação disponibilizada para todo um grupo social vem somente de uma fonte, é inevitável que acarrete um processo de homogeneização (no caso, conservadora) ideológica de todo este grupo.

Ora, todos nós somos contra a corrupção. É saudável, da mesma forma, que a sociedade se mobilize para pedir reformas. O lado sombrio dessas manifestações, contudo, é que elas inscrevem-se na campanha sistemática da mídia para satanizar as instituições políticas.

Há muita corrupção no Brasil e ela deve ser combatida. Eu tenho prestado apoio aqui todo meu apoio à "faxina" da presidente, mesmo sabendo que a narrativa das ações governamentais tem sido em grande parte sequestrada por setores midiáticos de oposição. Não tem importância. Em política, assim como nas artes marciais, pode-se usar a força do adversário contra ele mesmo. A mídia quer fazer campanha contra a corrupção? Ótimo. A esquerda política pode dar o drible da vaca e usar isso para, de fato, fazer uma limpeza ética no país, investindo pesadamente em ações da Polícia Federal.

Na última vez que o governo federal fez isso, na era lulista, a mídia pediu arrego, assustada com o desfile de altos empresários, magistrados, políticos, entrando algemados em camburões. A mesma OAB que hoje apoia as manifestações contra a corrupção deu, na época, declarações de defesa aos empresários presos por sonegação de imposto. Não esqueço: presidente e diretores da OAB defendendo as falcatruas das proprietárias da Daslu. Não esqueço: editoriais e mais editoriais contra o "estado policial".

Na minha opinião, portanto, devemos apoiar as manifestações contra a corrupção, mas dar-lhes uma consequência. Vamos ampliar ainda mais a Polícia Federal. Vamos endurecer as leis contra políticos, funcionários públicos e empresários (sim, não esqueçamos os empresários!) envolvidos em prevaricação. Vamos exigir mais transparência nos gastos governamentais, em todas as esferas. Essa é uma agenda importante, até mesmo prioritária, porque se esses desvios não representam muita coisa (percentualmente falando) a nível federal, eles constituem uma verdadeira tragédia nos municípios.

Não há frase melhor para fechar esse post do que um misterioso verso de Arthur Rimbaud: "Enquanto recursos públicos se evaporam em festas de fraternidade, um sino de fogo rosa soa nas nuvens."

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Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia da USP, em 02.05.2012
Política de uma nota só

Há várias maneiras de despolitizar uma sociedade. A principal delas é impedir a circulação de informações e perspectivas distintas a respeito do modelo de funcionamento da vida social. Há, no entanto, uma forma mais insidiosa. Ela consiste em construir uma espécie de causa genérica capaz de responder por todos os males da sociedade. Qualquer problema que aparecer será sempre remetido à mesma causa, a ser repetida infinitamente como um mantra.

Isto é o que ocorre com o problema da corrupção no Brasil. Todos os males da vida nacional, da educação ao modelo de intervenção estatal, da saúde à escolha sobre a matriz energética, são creditados à corrupção. Dessa forma, não há mais debate político possível, pois o combate à corrupção é a senha para resolver tudo. Em consequência, a política brasileira ficou pobre.

Não se trata aqui de negar que a corrupção seja um problema grave na vida nacional. É, porém, impressionante como dessa discussão nunca se segue nada, nem sequer uma reflexão mais ampla sobre as disfuncionalidades estruturais do sistema político brasileiro, sobre as relações promíscuas entre os grandes conglomerados econômicos e o Estado ou sobre a inexistência da participação popular nas decisões sobre a configuração do poder Judiciário.

Por exemplo, se há algo próprio do Brasil é este espetáculo macabro onde os escândalos de corrupção conseguem, sempre, envolver oposição e governo. O que nos deixa como espectadores desse jogo ridículo no qual um lado tenta jogar o escândalo nas costas do outro, isso quando certos setores da mídia nacional tomam partido e divulgam apenas os males de um dos lados. O chamado mensalão demonstra claramente tal lógica. O esquema de financiamento de campanha que quase derrubou o governo havia sido gestado pelo presidente do principal partido de oposição. Situação e oposição se aproveitaram dos mesmos caminhos escusos, com os mesmos operadores. Não consigo lembrar de nenhum país onde algo parecido tenha ocorrido.

Uma verdadeira indignação teria nos levado a uma profunda reforma política, com financiamento público de campanha, mecanismos para o barateamento dos embates eleitorais, criação de um cadastro de empresas corruptoras que nunca poderão voltar a prestar serviços para o Estado, fim do sigilo fiscal de todos os integrantes de primeiro e segundo escalão das administrações públicas e proibição do governo contratar agências de publicidade (principalmente para fazer campanhas de autopromoção). Nada disso sequer entrou na pauta da opinião pública. Não é de se admirar que todo ano um novo escândalo apareça.

Nas condições atuais, o sistema político brasileiro só funciona sob corrupção. Um deputado não se elege com menos de 5 milhões de reais, o que lhe deixa completamente vulnerável -para lutar pelos interesses escusos de financiadores potenciais de campanha. Isso também ajuda a explicar porque 39% dos parlamentares da atual legislatura declaram-se milionários. Juntos eles têm um patrimônio declarado de 1,454 bilhão de reais. Ou seja, acabamos por ser governados por uma plutocracia, pois só mesmo uma plutocracia poderia financiar campanhas.

Mas como sabemos de antemão que nenhum escândalo de corrupção chegará a colocar em questão as distorções do sistema político brasileiro, ficamos sem a possibilidade de discutir política no sentido forte do termo. Não há mais dis-cussões sobre aprofundamento da participação popular nos processos decisórios, constituição de uma democracia direta, o papel do Estado no desenvolvimento, sobre um modelo econômico realmente competitivo, não entregue aos oligopólios, ou sobre como queremos financiar um sistema de educação pública de qualidade e para todos. Em um momento no qual o Brasil ganha importância no cenário internacional, nossa contribuição para a reinvenção da política em uma era nebulosa no continente europeu e nos Estados Unidos é próxima de zero.

Tem-se a impressão de que a contribuição que poderíamos dar já foi dada (programas amplos de transferência de renda e reconstituição do mercado interno). Mesmo a luta contra a desigualdade nunca entrou realmente na pauta e, nesse sentido, nada temos a dizer, já que o Brasil continua a ser o paraíso das grandes fortunas e do consumo conspícuo. Sequer temos imposto sobre herança. Mas os próximos meses da política brasileira serão dominados pelo duodécimo escândalo no qual alguns políticos cairão para a imperfeição da nossa democracia continuar funcionando perfeitamente.