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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Deixem tudo na Mãe Terra

11/06/2012 - por Stephen Leahy (*) para o Terramérica
extraído do site Envolverde (Rio + 20)

Uma caravana indígena levará à cúpula Rio+20 o “bem viver” – equilíbrio entre as comunidades humanas e a natureza – como remédio para as crises ambiental e econômica.

Moi Enomenga, antes de entrar no ônibus em Quito, Equador, ponto de partida da caravana até o Rio de Janeiro. Foto: Cortesia Moi Enomenga.










Uxbridge, Canadá, 11 de junho de 2012 (Terramérica) - Delegados indígenas da América do Sul se integram, a pé, em lanchas ou ônibus, à Caravana Kari-Oca, que os levará à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, onde esperam interpelar os governantes do mundo. “Representaremos milhares de comunidades aborígines da América do Sul”, disse ao Terramérica o líder huaorani Moi Enomenga, momentos antes de tomar em Quito o ônibus que demorará nove dias para chegar ao Rio de Janeiro, sede da Rio+20.

Outros dirigentes indígenas se unirão a eles durante a viagem. Os huaoranis são um povo amazônico que habita o leste do Equador, em uma área de exploração petrolífera. A Rio+20 se apresenta como um espaço intergovernamental para adotar soluções para a crise mundial de sustentabilidade, que se manifesta no reiterado fracasso da economia globalizada, na carestia de alimentos, nos problemas energéticos e nos males ambientais globais, como a mudança climática e a perda de biodiversidade.

Nós, indígenas, estivemos divididos durante anos. Agora vamos nos unir”, declarou Moi, que nasceu em uma comunidade sem contato com o mundo ocidental, ou em isolamento voluntário, e atualmente preside a Associação Quehueri’ono. “Nem todos podem ouvir a voz que chega da Mãe Terra vinda da selva, e queremos levar essa voz ao Rio”, acrescentou. De 14 a 22 deste mês acontecerá a Cúpula Mundial dos Povos Indígenas sobre Territórios, Direitos e Desenvolvimento Sustentável na aldeia Kari-Oca II, especialmente construída por indígenas brasileiros a cinco quilômetros da sede da conferência oficial.

Kari-Oca” é uma palavra tupi-guarani que significa “casa de branco”. Assim se referiam os indígenas da região onde hoje se encontra a cidade do Rio de Janeiro às primeiras urbanizações dos colonizadores portugueses. Daí a palavra “carioca”, gentílico dos habitantes do Rio, onde há duas décadas aconteceu o encontro na primeira aldeia Kari-Oca, paralela à Cúpula da Terra de 1992. O Comitê Intertribal do Brasil, organizador do encontro, prevê a participação de aproximadamente 600 indígenas de todo o mundo, que prepararão uma mensagem e recomendações para o encontro de alto nível da Rio+20, que ocorrerá entre os dias 20 e 22.
Hortencia Hidalgo Cáceres

A situação dos povos indígenas no mundo me preocupa”, ressaltou Moi. Em todas as partes, os governos ignoram seus direitos. E em todas as partes, Índia, África, América do Sul, estão à caça do petróleo e de outros recursos, acrescentou. Hortencia Hidalgo Cáceres, uma aymara chilena que integra a Rede de Mulheres Indígenas sobre Biodiversidade da América Latina e do Caribe, afirmou ao Terramérica que “é necessária uma mudança real. Queremos convidar o mundo para um futuro mais brilhante, baseado nos valores e princípios indígenas do bem viver”.

Oposto à ideia ocidental de “viver melhor” – o crescimento econômico traz consigo o progresso e este leva à eliminação da pobreza –, o bem viver propõe o equilíbrio e a cooperação entre as comunidades humanas e sua integração com a natureza, da qual se retira o necessário para uma vida digna, sem o afã de acumular. Por outro lado, a “economia verde”, que muitas nações querem plasmar no documento final da Rio+20, representa uma “falsa solução” para a crise de degradação ambiental e injustiça social, ponderou Hortencia.

Para Casey Box, coordenador de programas da organização não governamental Land is Life (Terra é Vida), “os povos indígenas têm muito a oferecer à comunidade internacional, que tenta abrir caminho para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável”. A Land is Life, com sede nos Estados Unidos, é uma coalizão internacional de comunidades autóctones que arrecadou fundos e ajudou a coordenar a caravana e a cúpula. Segundo Casey, “será impossível alcançar os objetivos da Rio+20 sem os conhecimentos tradicionais e as práticas de manejo de recursos dos indígenas”.

Estima-se que da Rio+20 participarão cerca de 50 mil pessoas, entre elas 130 chefes de Estado e de governo. Da antecessora, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, também conhecida como Cúpula da Terra, surgiram os três dos principais tratados ambientais: as convenções sobre mudança climática, biodiversidade e desertificação. Mais de 700 povos indígenas participaram da primeira cúpula Kari-Oca, em 1992, que originou um movimento internacional pelos direitos dos povos indígenas e colocou em evidência o papel dessas comunidades na conservação e no desenvolvimento sustentável.

Nos emociona ir ao Rio porque há um espaço para os povos indígenas, onde poderemos falar sobre nossas preocupações e compartilhar nossos conhecimentos e nossa experiência”, destacou Hortencia. Participantes procedentes da austral Patagônia chilena precisarão percorrer 60 horas de estrada até La Paz, na Bolívia, onde se reunirão com Moi e outros delegados que iniciaram a viagem no Equador, passando pelo Peru. A caravana Kari-Oca demorará cerca de cinco dias para percorrer o último trecho dos Andes e atravessar Bolívia, Paraguai e o sul do Brasil até chegar ao Rio de Janeiro, às margens do Oceano Atlântico.

Gloria Ushigua 

Os indígenas estão ansiosos para participar porque somente nessas reuniões internacionais é que têm a oportunidade de serem ouvidos pelos governantes e pelo público em geral, explicou Hortencia. “Quando voltamos para casa, essas portas estão fechadas”. Moi e os demais equatorianos esperam que os governos respeitem mais os direitos e pontos de vista de suas comunidades. “Perto de onde vivo existem duas comunidades não contatadas, mas estão ameaçadas pela exploração petrolífera, eles não a querem. Para eles, tirar petróleo do solo é como tirar o sangue de seus corpos”, apontou. Os delegados também esperam denunciar iniciativas governamentais que consideram nocivas.






Gloria Ushigua, presidente da Associação de Mulheres Záparas, afirmou que o Programa Sócio Floresta, do Ministério do Meio Ambiente do Equador para combater o desmatamento, causa muitos problemas para as comunidades locais. A nação zápara habita o leste da província de Pastaza, no oriente amazônico equatoriano. “Tenho a esperança de compartilhar a história da minha comunidade e de debater sobre os direitos territoriais”, manifestou Gloria em um comunicado.

Celso Aranda

Na caravana também viaja Celso Aranda do povo kichwa de Sarayaku, outro território de Pastaza, que na cúpula apresentará a proposta “Kawsak Sacha” (Floresta Vivente). Esta será a resposta do Sarayaku à mudança climática e à destruição da natureza, e detalhará a forma como as comunidades nativas podem proteger os ecossistemas, mantendo práticas ancestrais de manejo da terra.

Vamos continuar trabalhando para fortalecer nossas culturas e resistir à exploração de nossos territórios. Temos uma mensagem muito clara. Deixem tudo sob a terra”, resumiu Moi.


(*) Correspondente da IPS (International Press Service)

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