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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Assange e a sombra de Roger Casement

["A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem", dizia Oscar Niemeyer. E poucos sonharam tão intensamente e fizeram tantas coisas acontecer como ele. Da sinuosidade da curva, Niemeyer desenhou casas, palácios e cidades. Das injustiças do mundo, ele sonhou uma sociedade igualitária. Carioca, Niemeyer foi, com Lúcio Costa, o autor intelectual de Brasília, a capital que mudou o eixo do Brasil para o interior. Nacionalista, tornou-se o mais cosmopolita dos brasileiros... Autodeclarado pessimista, era um símbolo da esperança. O Brasil perdeu... um dos seus gênios. É dia de chorar sua morte. É dia de saudar sua vida." (Excertos da mensagem oficial de Dilma Rousseff-Presidenta da República Federativa do Brasil por ocasião da morte do arquiteto, em 05/12/2012 - Equipe Educom)

05/12/2012 - Julian Assange e a sombra de Roger Casement na diplomacia britânica
- por Marcos Dionisio Medeiros Caldas (*)
- extraído do blog Brasil Mobilizado


O Direito Internacional que já viveu páginas célebres de solidariedade humana, pode está arquejando com o episódio de Assange na Embaixada do pequenino e bravo equador, em Londres.

Reinventar uma ordem mundial justa, é tarefa da sociedade civil planetária.

De bom alvitre que a diplomacia britânica estude alguns de seus antepassados como, por exemplo, a trajetória do diplomata inglês de origem irlandesa, Roger Casement (foto) que foi veemente em sua oposição ao colonialismo europeu, em uma época em que essa opinião era ainda aprisionada em masmorras, para descortinar luzes sobre Londres.

Casement , em oposição à cantilena de que a colonização era o caminho da civilização e da cristianização, esteve por anos no Congo Belga, de onde enviava dossiês e notícias denunciando as terríveis condições de vida na região, a violência, o abandono e a fome.

Seus Dossiês são prenhe de humanismo e da defesa de uma ordem mundial estribada na solidariedade entre os povos e na livre manifestação do pensamento.


Roger Casement também esteve no Brasil, tendo sido cônsul inglês no Rio de Janeiro, e mergulhou em investigações acerca da situação de nossos índios que pereciam em escravidão na extração da borracha. Peregrinou para fazer esse relato, por toda a Amazônia, indo aos seus rincões no Peru e na Colômbia.

Seu olhar arguto, clivou páginas célebres contra a escravidão explícita e velada, descrevendo horrores contidos pela selva amazônica e na África , ajudaram a alicerçar a luta para que a população da Europa fosse esclarecida das injustiças, explorações e barbárie que seus pares, governamentais e empresariais, estavam patrocinando em áreas remotas do planeta.


Colecionando inimigos, durante algum tempo neutralizados pela contundência de seus relatos, Roger Casement encontrou problemas e inimigos intransponíveis materialmente.

Sua provável homossexualidade, foi usada pelos dedo-duros da inteligência britânica para "desqualificar" sua luta corajosa e humanista e adiar decisões necessárias que só vieram ocorrer mais de meio século após sua saga.

Querer construir relações sob a égide do humanismo lhe era imperdoável, mas a gota d'água adveio quando foram reveladas suas relações com nacionalistas irlandeses que lutavam pela independência da Irlanda, essa conspiração foi a gota d'água que levou Roger Casement à prisão e à condenação à forca.


Lembrem-se do obscurantismo imposto à Irlanda pela coroa e dos conflitos do século passado, para observarem como a Coroa Inglesa pode ser prepotente e tirana.

A postura da Inglaterra diante do primeiro herói da era digital, Assange, tem as mãos sujas dos que difamaram, desqualificaram e trucidaram Roger Casement e das vítimas dos seus relatos.

Igualmente perverso, o papel desempenhado pela Justiça sueca, mero títere do país "dirigido" por Obama, cuja tirania ficou nua, após a coragem do soldado americano [Bradley Manning] e de Assange.


Mas na contramão da decadência inglesa, da truculência norte-americana e do rebaixamento sueco, se levanta o pequeno e bravo Equador. Ensinando que uma nova ordem mundial está porvir, baseada na cooperação e nos direitos humanos.

Direitos Humanos não são dádivas, são conquistas! A ousadia de Assange precisa encontrar apoio nos sonhadores pela liberdade em todo planeta terra.

Chega de suplícios como os que padeceram Allende, Fernando Santa Cruz, Sílton Pinheiro, Victor Jara, Luis Maranhão e Roger Casement. Sem seus martírios a humanidade hoje seria outra.


Queremos Assange escancarando os bastidores dos Senhores da Guerra e do obscurantismo, para construirmos um mundo que foi sonhado por milhares de jovens em todo o planeta através dos séculos: um mundo sob o império do humanismo, reinventando-se o socialismo.


Busquem nas livrarias O Sonho do Celta, de Vargas Llosa (Alfagara Brasil), dígno de um Nobel.


Leitura obrigatória para entender esse quadro atual, onde governos, como o inglês e o norte-americano, querem impedir o futuro trazendo as trevas do passado.

(*) Marcos Dionisio Medeiros Caldas, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos(RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 - Natal.

Fonte:
http://brasilmobilizado.blogspot.com.br/2012/12/julian-assange.html

Imagens: Google Images

domingo, 20 de maio de 2012

Carlos Fuentes: escrever para ser

16/05/2012 - por Eric Nepomuceno
Extraído do site Carta Maior

Muito mais que um grande escritor, a América perdeu um homem de seu tempo – de seus tempos.

Que soube defender suas idéias com tamanha inteireza, com tamanha elegância, com tamanha firmeza, que mesmo os que tantas vezes discordaram dele poucas vezes deixaram de respeitá-lo.

Fuentes acreditava no futuro. No futuro da América Latina, no futuro do ser humano.

Acreditava que, em algum momento desse nosso eterno recomeçar, nós, da América Latina, deixaríamos de recomeçar e começaríamos de verdade.

O artigo é de Eric Nepomuceno.


O escritor mexicano Carlos Fuentes, ao centro, à esq. o peruano Mario Vargas Llosa e à dir. o colombiano Gabriel García Márzquez (El País)

Vejo algumas fotos em preto e branco. E me detenho em uma, feita em algum dia incerto da Barcelona daqueles anos 70, mostrando um Vargas Llosa alto e sorridente, um Carlos Fuentes um tanto formal, e um Gabriel García Márquez cabeludo e com bigodes que parecem desenhados a carvão. Fuentes ainda fumava: na mão esquerda, posta fraternalmente sobre o ombro de García Márquez, aparece o cigarro. Ali estão eles: Vargas Llosa aparece à esquerda, Fuentes está no centro, García Márquez à direita. Exatamente o avesso do que a vida reservaria aos três, ou do que os três fariam de suas vidas.

Na foto, os três são jovens, e parecem confiantes, e ocupam o inverso do espaço que o tempo e a realidade se encarregariam de colocar em seus devidos lugares: quem à direita, ao centro, à esquerda.

Volta e meia imagino como terá sido ser jovem, ou melhor, ser um jovem Fuentes, um jovem Mario Vargas, um jovem García Márquez naqueles anos de turbilhão. Uma vez perguntei isso a Fuentes. Estávamos em São Paulo, caminhávamos ao léu com Silvia Lemus, sua mulher, para cima e para baixo por aquelas paralelas da rua Augusta, e ele me contava coisas. Dizia assim:

 "É que a gente era muito jovem, e acreditávamos nas mesmas coisas, e tínhamos uma confiança enorme no futuro".

Insistia: sua amizade com García Márquez, que vinha de 1961, era a qualquer prova. E acabei sendo testemunha disso, dessa verdade.

E lembro que algum tempo depois, coisa de ano ou ano e meio, ao entrar num restaurante italiano em Buenos Aires, topei com ele e com Silvia. E ele, como sempre de uma elegância sem fim – e, atenção: estou me referindo à elegância como postura diante da vida –, quis continuar uma conversa que eu nem lembrava qual era.


Argentino Julio Cortázar, escritor, Carlos Fuentes
e o cineasta espanhol Luis Buñuel

Era a conversa sobre nossos respectivos anos jovens. Disse ele, lembrando de Vargas Llosa, de García Márquez, de Cortázar: "A vida segue, e às vezes, nos separa. Bom mesmo é quando você consegue discordar de tudo e fazer com que nada separe os afetos, a amizade".

Tentou isso a vida inteira. Às vezes – com Cortázar, com García Márquez –, conseguiu. Aliás, sem maiores esforços.

Quando me refiro a ele como um homem elegante, me refiro a um pensamento que conseguia ser ao mesmo tempo ágil e contido, que não se limitava às barreiras que muitas vezes nos impomos a nós mesmos. Acreditava no que acreditava.

Acreditava no futuro.


No futuro da América Latina, no futuro do ser humano.


Acreditava que, em algum momento desse nosso eterno recomeçar, nós, da América Latina, deixaríamos de recomeçar e começaríamos de verdade.

E escrevia assim: acreditando.

Não há dois livros dele que sejam iguais. Porque, em seu ofício, Carlos Fuentes era como na vida: sempre disposto a recomeçar, a reinventar. Sua obra é desigual, porque ao longo da vida somos desiguais. Escrevia cada livro como se fosse o primeiro. E por isso mesmo ele foi tantos, como tantos somos nós em nosso dia-a-dia.

A única coisa que se manteve sempre em cada palavra, cada frase que desenhou, foi a fé no futuro. Jamais acreditou em limites e fronteiras, quando escrevia. E nem quando vivia.

Qualquer um que tenha a palavra escrita como matéria prima, e a memória como guia dos tempos, saberá descobrir no autor de "A região mais transparente", ou "A morte de Artemio Cruz", ou de "Terra Nostra", de "Gringo Viejo", um eterno contemporâneo, um companheiro de viagem, um parceiro de sonhos e ousadias. E uma testemunha de desesperanças e esperanças, de tudo aquilo que poderíamos ter sido e que não fomos.

Fuentes dizia que, mais do que pela obra dos grandes historiadores, dos grandes sociólogos, dos grandes antropólogos – e ele foi amigo de vários dos grandes –, a verdadeira história nossa era escrita por escritores.

Lembro bem da vez em que ele disse que escrever literatura não era um ato natural: era como dizer que a realidade, não é suficiente. Que precisa de outra realidade, a da imaginação. E que isso era perigoso. Assim viveu, assim escreveu.

Muito mais que um grande escritor, a América perdeu um homem de seu tempo – de seus tempos. Que soube defender suas idéias com tamanha inteireza, com tamanha elegância, com tamanha firmeza, que mesmo os que tantas vezes discordaram dele poucas vezes deixaram de respeitá-lo.

Eu perdi um amigo distante. Que teve uma vida coalhada de dramas tenebrosos – a ele e a Silvia foi reservada a pior das dores de um ser humano, a de enterrar seus filhos – e conseguiu continuar caminhando. E sorrindo.

Lembro de Carlos Fuentes como alguém que não se deixou abater. Que não deixou de sorrir e de acreditar.

 Certa vez, ele me disse que escrevia para continuar sendo. E, assim, foi.