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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A voz de Lula e outras vozes

O ex-presidente brasileiro (2003-2010) não é só o líder do maior partido de esquerda do mundo, o Partido dos Trabalhadores, e uma das figuras mais carismáticas do planeta. Parte de sua militância, antes e agora, desde que começou sua carreira sindical nos anos 70 até seu giro pela Europa para pedir uma solução política para a crise, consiste em convencer e convencer. Com fatos, mas também falando com sua voz rouca para enunciar argumentos simples e emocionar. O artigo é de Martín Granovsky.

Era de manhã e caía uma chuva tropical quando o moderador Sergio Bertoni disse: “Queremos dar-lhes a notícia de que o presidente Lula tem câncer”. Não havia maiores informações. Fez-se um silêncio denso entre os 468 participantes do Congresso Mundial de Blogueiros, em Foz do Iguaçu. Passou menos de um minuto em meio ao painel “Experiências na América Latina” para se conseguir mais dados (era câncer de laringe e Lula já estava internado no Hospital Sírio Libanês de São Paulo) e tuitar: “Uma desgraça. Lula, dirigente popular e pedagógico, tem câncer de laringe”.

O ex-presidente brasileiro (2003-2010) não é só o líder do maior partido de esquerda do mundo, o Partido dos Trabalhadores, e uma das figuras mais carismáticas do planeta. Parte de sua militância, antes e agora, desde que começou sua carreira sindical nos anos 70 até seu giro pela Europa para pedir uma solução política para a crise, consiste em convencer e convencer. Com fatos, mas também falando com sua voz rouca para enunciar argumentos simples e emocionar. “Que problema”, disse alguém no twitter desde a Argentina. “O mesmo aconteceu com Castelli, orador da Revolução”, escreveu @raulcaminos. Castelli teve câncer de garganta.

O Encontro Internacional de Blogueiros, impulsionado por Joaquim Palhares, o inquieto editor do site de esquerda Carta Maior, com mais de 60 mil leitores cadastrados com nome e sobrenome, tratou de vozes.

Entre os 468 participantes, 250 eram de Foz e 218 de fora. Vieram de 17 estados do Brasil e de 23 países distintos, entre eles a Argentina, representada por Damián Loreti, que integrou a equipe que redigiu a Ley de Medios, o pesquisador Martín Becerra e outro Martín, que assina esta nota.

O Congresso emitiu um documento final reivindicando a liberdade de expressão, repudiando qualquer tipo de censura e criticando os monopólios midiáticos. Participou do encontro Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol, sempre preocupado em pedir uma atitude aberta ante às mudanças tecnológicas envolvendo o jornalismo e enfatizar que as novidades não devem supor uma queda da qualidade profissional nem um cataclismo.

Os detalhes da experiência argentina despertaram muito interesse. A Ley de Medios poderia ser copiada no Brasil? Diplomático, Loreti disse que não se sentia autorizado para dizer o que outro país deve fazer, mas lembrou que, na elaboração da lei argentina, foram fundamentais “a participação popular, a vocação política e a decisão de basear-se em princípios dos direitos humanos” vigentes na América e no mundo. “Mesmo que a mão invisível do mercado alcançasse algum âmbito da comunicação, é certo que não seria suficiente para garantir a pluralidade nos meios de comunicação”, disse após esclarecer que a legislação argentina não regula conteúdos nem tem jurisdição sobre a imprensa escrita.

Para Loreti, especialista em Direito à Informação, “historicamente os meios de comunicação não são os oradores, mas sim o fórum público”.

Blanca Josales, diretora de comunicação do Peru, disse que para o governo de Ollanta Humala “a comunicação é um direito vinculado com a inclusão social”. Além disso, destacou que “o direito à informação é uma política pública”.

Ahmed Bahgat, do Egito, explicou um cyberativista não é o mesmo que um blogueiro. Ele contou que, durante as revoltas no Cairo, tiveram que driblar a divisão da polícia política encarregada da guerra eletrônica, que chegou a internar um blogueiro em uma instituição de saúde mental. Bahgat narrou que, enquanto enganavam a vigilância deviam construir redes de confiança. “Nós prestávamos atenção em quem estava trabalhando na rua e quando víamos que sua informação era séria nos conectávamos para trocar dados”, relatou. Terminaram desenhando círculos que serviam para checar a informação. Como uma redação virtual, mas nas praças e nos bairros das principais cidades do Egito.

Jesse Freeston mostrou um impactante vídeo sobre Honduras, onde um colaborador de um dirigente do presidente Porfirio Lobo se aproximava e, apontando para um periodista, dizia: “Faça com que o matem”. Freeston disse que, na América Latina, Honduras tinha o maior volume de jornalistas assassinados. Um dos ameaçados destacava no vídeo que tornar-se conhecido internacionalmente era uma das principais formas de proteção.

O autor do vídeo citou o encarregado da embaixada dos EUA na Guatemala, Hugo Llorens. É o mesmo diplomata que substituiu o embaixador Lino Gutiérrez na Argentina. Gutiérrez e outros membros do Departamento do Estado viram interrompidas suas carreiras depois que a Chancelaria dos EUA iniciou uma investigação interna por supostas irregularidades. O Página/12 informou em 2005 sobre o papel de Gutiérrez e sua equipe na teia de relações entre a empresa Cogent, Ciccone e o empresário Mario Montoto. É provável que Llorens tenham um guarda-chuva de proteção maior que o resto de seus colegas, porque segue na carreira.

O espanhol Pascual Serrano pediu para que não se sinta “um êxtase místico pelas redes”, ainda que “seria um suicídio renunciar aos artefatos da tecnologia”. Ao falar dos indignados disse que “a rua e o acampamento sozinhos, sem partidos, sem política, não servem” e defendeu que “a organização segue sendo importante como foi durante toda a vida, com pessoas que se juntam cara a cara e discutem”, porque “o ativismo virtual só consegue melhoras virtuais e não há possibilidade de mudança sem uma construção coletiva”.

Na mesma linha, Becerra disse que “é arriscado acreditar que as redes sociais medem o humor popular” e também que “pode haver um risco de endogamia, porque se reúne gente que pensa de maneira bastante parecida”.

Andrés Thomas Conteris, fundador nos EUA de Democracy Now em espanhol, ressaltou a “perspectiva das histórias populares como uma tarefa a realizar”. Ao comentar a crise econômica dos EUA deu um dado: enquanto outras crises que envolveram escândalos econômicos chegaram a envolver mil investigadores do FBI, “desta vez há só 15”. E um outro: as dívidas dos estudantes pelos créditos para seus estudos representam uma soma superior à dívida de cartões de créditos. Às 14h10min, um dos organizadores atualizou a informação. Lula estava sob controle médico. Aplausos.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte: Carta Maior

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Escravocratas contra Lula



Martín Granovsky *

Podem pronunciar “sians po”. É, mais ou menos, a fonética de ciências políticas. Basta dizer Sciences Po para aludir ao encaixe perfeito de duas estruturas, a Fundação Nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Não é difícil pronunciar Sians Po. O difícil é entender, a esta altura do século 21, como as idéias escravocratas continuam permeando a gente das elites sul-americanas.

Hoje à tarde, Garrucha Descobrindo, diretor do Licencies O, entregará pela primeira vez o doutorado Senhoris Causa a um latino-americano: o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio “Lula” da Silva. Falará Descobrindo e falará Lula, claro.

Para bem explicar sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório da rua Sinta Guilherme, muito perto da igreja de Sinta Germina de Ares, em um prédio de onde se pode ver as árvores com suas folhas amareladas. Enfiar-se na cozinha é sempre interessante. Se alguém passa por Paris para participar de duas atividades acadêmicas, uma sobre a situação política argentina e outra sobre as relações entre Argentina e Brasil, não fica mal entrar na cozinha do Licencies O.

Pareceu o mesmo à historiadora Diana Quatrocentos Nisso, que dirige em Paris o Observatório sobre a Argentina Contemporânea, é diretora do Instituto das Américas e teve a odeia de organizar as duas atividades acadêmicas sobre Argentina e Brasil, das quais também participou o economista e historiador Mário Rapoport, um dos fundadores do Plano Fenix faz 10 anos.

Naturalmente, para escutar Descoings foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático. O Sciences Po tem uma cátedra sobre o Mercosul, os estudantes brasileiros vem cada vez mais à França, Lula não saiu da elite tradicional do Brasil, mas chegou ao nível máximo de responsabilidade e aplicou planos de alta eficiência social.

Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado. Quiçá sabia que esta declaração de Lula não consta em atas, embora seja certo que Lula não tem um título universitário. Também é certo que quando assumiu a presidência, em primeiro de janeiro de 2003, levantou o diploma que é dado aos presidentes do Brasil e disse: “Uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria de presidente da República”. E chorou.

“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção?”, foi a pergunta seguinte.

O professor sorriu e disse: “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais”.

E acrescentou, citando o Le Monde: “Que país pode medir moralmente a outro, nos dias de hoje? Se não queremos falar sobre estes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país renunciou por ter plagiado a tese de doutorado de um estudante”. Falava de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro da Defesa da Alemanha até que se soube do plágio.

Disse também: “Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”.

Outro colega perguntou se era bom premiar a alguém que uma vez chamou de “irmão” a Muamar Khadafi.

Com as devidas desculpas, que foram expressas ao professor e aos colegas, a impaciência argentina me levou a perguntar onde Khadafi tinha comprado suas armas e qual país refinava seu petróleo, além de comprá-lo. O professor deve ter agradecido que a pergunta não citava, com nome e sobrenome, a França e a Itália.

Descoings aproveitou para destacar em Lula “o homem de ação que modificou o curso das coisas” e disse que a concepção da Sciences Po não é de um ser humano dividido entre “uns ou outros”, mas como “uns e outros”. Enfatizou muito o et, e em francês.

Diana Quattrocchi, como latino-americana que estudou e fez doutorado em Paris depois de sair de uma prisão da ditadura argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa de que a Sciences Po dava um título Honoris Causa a um presidente da região e perguntou sobre os motivos geopolíticos.

“Todo o mundo se pergunta”, disse Descoings. “E temos de escutar a todos. O mundo nem sequer sabe se a Europa existirá no ano que vem”.

No Sciences Po, Descoings introduziu estímulos para que possam ingressar estudantes que, se supõe, tem desvantagem para conseguir aprovação no exame. O que se chama de discriminação positiva ou ação afirmativa e se parece, por exemplo, com a obrigação argentina de que um terço das candidaturas legislativas deve ser de mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da política de ação afirmativa do Sciences Po.

Descoings o observou com atenção antes de responder. “As elites não são apenas escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”.

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembléia Geral das Nações Unidas, Lula vem insistindo que a reforma do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial está atrasada. Diz que estes organismos, assim como funcionam, “não servem para nada”.

O grupo BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) ofereceu ajuda à Europa. A China tem os níveis de reservas mais altos do mundo. Em um artigo publicado no El Pais, de Madrid, os ex-primeiros ministros Felipe González e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Querem que seja o auditor independente dos países do G-20, integrado pelos mais ricos e também, da América do Sul, pela Argentina e Brasil. Ou seja, querem o contrário do que pensam os BRICs.

Em meio a esta discussão Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos.

Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados.

*Martín Granovsky - Analista internacional argentino, colunista do jornal Página 12 - martin.granovsky@gmail.com 


Fonte original: http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-177611-2011-09-27.html