O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, respondeu a estas perguntas do jornal Folha de S. Paulo. Via blog "Brasil, mostra a tua cara!".
FOLHA - O sr. é candidato a continuar no cargo?
CELSO AMORIM - Fiquei muito contente com a vitória da ministra Dilma, com quem sempre tive relações da melhor qualidade. Isso não significa que eu vá, ou possa, criar algum tipo de constrangimento. Eu seria incapaz de me colocar como candidato a alguma coisa, ou cobrando alguma coisa. Isso não existe.
E, se você olhar sob o ponto de vista da vaidade pessoal, eu passei o Barão do Rio Branco em número de dias no ministério. Sou o ministro mais longo da história do Itamaraty e o segundo mais longevo de todos. Só o Gustavo Capanema ficou mais tempo do que eu.
O "Foreign Affairs" me colocou como o melhor chanceler do mundo. Honestamente, o que mais eu posso querer? É melhor sair no ápice do que esperar acontecer alguma coisa.
O que é o ápice?
Você lê qualquer jornal internacional, mesmo os que são contra a algum aspecto da política externa brasileira, e todos dizem que a importância do Brasil no mundo cresceu.
Claro que atribuem ao crescimento econômico, aos avanços sociais, mas também à ousadia da política externa. Que é do presidente, diga-se, mas eu ajudei.
Se o sr. fosse convidado, ficaria?
Qualquer coisa que eu diga soará mal. Não tenho como responder. Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida.
Agora, se alguém me pedir um conselho, estou disposto a dar.
Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deva ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na linha da renovação. Precisamos de gente mais nova.
Eu já estou velho, tenho 68 anos, vivi muito.
O sr. apoia o embaixador Antônio Patriota?
Acho que ele tem plenas condições, mas não é o único. Mas não quero discutir nome a nome.
Mas, quando fala em solução profissional, exclui o ministro Nelson Jobim?
Isso não cabe a mim. Mas acho que o Itamaraty se engrandeceu por ter profissionais não apenas na chefia da Casa, mas em todos os cargos diplomáticos, e isso é a primeira vez que acontece na história deste país. As pessoas trabalham com vontade redobrada.
Mas San Thiago Dantas, por exemplo, não era diplomata de carreira e foi um grande ministro, que marcou a história. Nada é absoluto.
Por que o sr. participou tão assiduamente na campanha de Lula em 2006, mas sumiu na de Dilma?
Eu fui três vezes, mas a situação é um pouco diferente, porque eu era ministro do Lula. Minha participação mais direta era mais natural.
E, em 2010, coincidiu que tive uma agenda de viagens mais carregada.
Por que a política externa, diferentemente das expectativas, não foi tema de campanha?
Ora, porque a oposição não tinha nada a ganhar com isso, porque o povo brasileiro, em sua esmagadora maioria, só tem palavras de apreço à política externa. Eu vejo isso claramente na rua.
Se é assim, por que o governo não se aproveitou disso na campanha?
Porque não precisava, era um ponto pacífico.
E falava-se, sim, no prestígio internacional do Brasil, ao lado do Bolsa Família, crescimento, salário mínimo.
A que se deve esse prestígio internacional? À força de Lula, ao crescimento econômico ou a uma estratégia de política externa?
A personalidade do Lula foi um fator indispensável, obviamente, mas isso foi acompanhado desde o primeiro momento de uma visão de política externa inovadora. E houve uma sucessão de acertos que deu no que deu.
Até a "The Economist", que criticou várias vezes a política externa, agora chama o Brasil de "gigante diplomático". A "Foreign Affairs", o "Le Monde", a "Foreign Policy", "El Pais", todos elogiam.
Mas o Lula e os assessores dele dizem que essas avaliações estrangeiras sobre o Brasil não têm a menor importância. Afinal, têm ou não têm? Ou só têm quando é a favor?
Infelizmente, só sai notícia mais positiva quando a imprensa lá fora publica. É o que a gente chama de "complexo de vira-lata" que o presidente tanto critica. Tem de se trabalhar com ele para vencê-lo, como na psicanálise.
Como o sr. virou chanceler?
Eu nunca soube porque o Lula optou por mim, nunca perguntei a ele. Ele costumava dizer que eu tinha um pouquinho de caspa, então, devia ser um pouco mais popular.
Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Dá um palpite. Eu nem conhecia o Lula. Foi para o Fernando Henrique Cardoso, com quem eu me dava muito bem. Eu disse que a chegada de Lula ao poder, depois dele, era a consolidação da democracia. E foi, de fato. A estabilidade foi mantida, a inclusão social aprofundada, avançamos na área de clima.
Com o governo acabando, posso falar tranquilamente que o Lula é uma figura excepcional, você vai contar três ou quatro líderes políticos como ele no século. É quase da dimensão do Nelson Mandela, e só não é igual porque a situação lá era mais dramática.
E como vai ser agora, sem Lula?
Sempre me perguntam isso, e eu respondo: Olha, Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo, algumas vezes sem Pelé. Igual a Lula não vai ter, ele é uma personalidade única na história recente do Brasil.
Mas não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa. É uma mulher presidente do Brasil, e uma mulher que sabe o que quer e sabe comandar. Há quem compare a Dilma com a Margareth Tatcher, mas eu discordo.
A Dilma tem uma sensibilidade social, uma capacidade de ver as necessidades do povo que me dá confiança de que será muito bom para o país.
Qual foi o grande acerto da política externa no governo Lula?
Quando o presidente Lula me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa.
E essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente [Dilma]. Era uma questão de atitude. Hoje, eu até trocaria por política externa desassombrada e solidária, sobretudo porque não tem medo da própria sombra.
A política externa antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi muita gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo".
Então, é melhor cuidar da burocracia, fazer uma coisinha ou outra e evitar bolo.
Exemplo do que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G-20 comercial em Cancún, quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina.
Mas, veja bem, eu não decidi brigar com a Alca, eu disse: vamos ver, vamos conversar, vamos discutir. E ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros.
Era uma Alca que não nos sujeitava a um modelo neoliberal em compras governamentais, em investimento, em proteção à propriedade intelectual, e em agricultura. Os fundamentalistas de lá não quiseram. Então, matamos a Alca sem dar um tiro.
Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor talvez mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir numa política Sul-Sul. E nada foi mais importante do que o processo de integração da América do Sul. Os presidentes se falam o tempo todo. Isso é muito importante.
Mas o Brasil ficou sem a Alca, não concluiu a Rodada Doha de comércio e se recusou a fazer acordos bilaterais. O país tirou a Alca e não botou nada no lugar?
Tenho certeza de que a Rodada Doha da OMC será concluída, mais cedo ou mais tarde. E, quando for, as pessoas vão olhar que o germe da conclusão correta foi a criação do G-20 comercial em Cancún, e aí foi o Brasil.
O nosso comércio cresceu com o mundo inteiro. Vão dizer que foi por causa disso, por causa daquilo outro, mas a verdade é que cresceu e o Brasil já é a oitava economia do mundo e já está entre os dez maiores cotistas do FMI.
Não há nenhuma, nenhuma mesmo, negociação comercial para a qual o Brasil não seja chamado. Como a China, a Índia, e isso é tudo resultado de Cancún, em agosto de 2003. Tinha um acordo todo prontinho entre EUA e União Europeia, para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam umas migalhinhas para os outros. Quem disse "não" foi o G-20, e não há quem não reconheça que quem liderou o G-20 foi o Brasil. Mais
Tweet