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terça-feira, 17 de abril de 2012

As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas - Parte 2/3

17/04/2011 - MERCANTILIZAR A NATUREZA
Antonio Fernando Araujo*

Parte 1/3: UM EXTENSO E SINUOSO FIO DA MEADA


Um segundo componente desse cenário já apontamos anteriormente. Ele diz respeito e está minuciosamente descrito em um comunicado elaborado pela ONU aos participantes do 6º Fórum Mundial da Água, ocorrido em Marselha, França, em março último, onde a organização internacional deu destaque ao

"impacto da mudança climática na gestão da água: secas, inundações, transtornos nos padrões básicos de chuva, derretimento de geleiras, urbanização excessiva, globalização, hiperconsumo aliado ao desperdício, crescimento demográfico e econômico. Cada um destes fatores, constitui, para as Nações Unidas, os desafios iminentes que exigem respostas da humanidade."


Talvez porque viva ouvindo vozes dos personagens das suas pesquisas sobre a conturbada distribuição da água nos centros urbanos

é que o prof. Milton Matta, da UFPa, tenha se tornado um crítico irretorquível do modelo atual "... do uso racional desse bem e que passa por processos técnicos e operacionais de identificação de fontes na superfície, cuidados para evitar contaminações, de captação, de tratamento e termina em uma enorme rede de distribuição, associados aos indispensáveis serviços de manutenção, de administração e de cobrança, nos faz pensar que, postos agora diante desses enormes mananciais subterrâneos, onde a pureza da água é comprovadamente mais alta, pois está mais bem protegida de agentes contaminantes, apresenta melhor qualidade físico-química e bacteriológica, sofre menos evaporação, a captação é mais simples, o tratamento menos oneroso e a rede de distribuição infinitamente menos complexa, mais fáceis de construir e de manter, portanto mais econômica, pois cada poço abasteceria apenas algumas poucas unidades consumidoras, não temos dúvidas de que o modelo vigente começa a ser posto em cheque. Ainda nos resta um longo caminho até que esse "desenho" atual se veja completamente superado."


Matta é um estudioso das águas e em especial um pesquisador que há anos tenta identificar os contornos do enorme aquífero Alter-do-Chão, na Amazônia, provavelmente o maior do mundo em volume d'água, capaz, segundo ele, de abastecer a população mundial por três séculos. E quando comprovamos a aflitiva realidade do modelo vigente sua palavra se torna sagrada. (ver aqui)

Não fosse por todos esses desafios e exigências, a problemática estaria razoavelmente equacionada e não mais precisaríamos testemunhar a perversa realidade que “a cada três segundos condena à morte uma criança por falta de água”, como assegura Emmanuel Poilane, renomado estudioso da geopolítica da água e diretor da Fundação France Liberté, se, além daquilo, esses recursos hídricos do planeta estivessem igualitariamente distribuídos por cada um dos continentes e, dentro deles, por cada região ou país. Como sabemos que a natureza não é tão complacente assim, não é o que ocorre.

Entretanto, não é pelo fato de que em quase todos os casos, as grandes reservas de água na Europa e nos EUA padecerem de problemas que afetam sua qualidade que teremos de renunciar ao nosso direito soberano e a responsabilidade de zelar por nossos recursos de água doce, sozinhos ou em conjunto como nossos vizinhos. Na Europa, hoje, a água é um item de consumo semanal, constituindo-se item obrigatório nos supermercados. A grande poluição industrial – por exemplo, no Reno – ou a qualidade – no caso das águas calcáreas na França e na Alemanha – obrigaram a população a aceitar a água como mercadoria vendida em supermercados. Nos EUA a expansão da agricultura subsidiada consome a maior parte da água potável, além da poluição que avança sobre grandes reservatórios, como nos Grandes Lagos, fronteira com o Canadá. Além disso, a construção de cidades “artificiais”, muitas vezes em pleno deserto – como Las Vegas e Dubai – implica numa pressão crescente sobre os reservatórios existentes. "Ninguém perderia nada se se suprimisse Las Vegas", anotou o geneticista francês Albert Jacquard.

Pois bem. É nesse ambiente, meio catastrófico por um lado, mas promissor por outro que, nas últimas décadas, vimos surgir alguns personagens, suficientemente capazes de perceber que a humanidade caminha para se posicionar perante um inusitado dilema: a água doce é um bem precioso demais para que ele não possa também ser utilizado como uma fonte de riquezas para quem, antecipadamente, se apossar de suas jazidas ou, como o ar que respiramos, trata-se de um direito vital, portanto inalienável do ser humano, e assim, a ninguém pode ser concedido o direito de se tornar proprietário privado dele. Ainda mais quando sabemos que um bem público dessa natureza não oferece ao consumidor as alternativas habituais de um mercado competitivo onde você pode escolher o carro A ao invés do B na base da maior oferta.


No caso da água, a perspectiva de lucro mais considerável será aquela proveniente do conceito de escassez,

pois estamos tratando de um produto valioso e que, por essa razão não pode ser farto e muito menos vendido barato. Em outras palavras, os pobres não terão direito a esse "luxo". Portanto, nesse rastro não se visualiza apenas a questão da água, mas os indícios claros de que as corporações transnacionais almejam mercantilizar a natureza como um todo, da biodiversidade animal e vegetal à água e ao ar que respiramos.

Assim, se por um lado temos que ter em conta a preocupação com a não-poluição e a conservação das águas, com sua melhor distribuição, evitando seu consumo excessivo e os desperdícios, por outro constatamos com bastante fidelidade que cerca de 70% de toda a água doce posta à disposição do consumo é absorvida apenas pela agricultura, a mesma que ainda se utiliza de formas antigas de irrigação - quando o desperdício supera a casa dos 50% - ao invés de substitui-las por métodos que privilegiam o gotejamento. E quando nos vemos diante do fato de que 20% da água doce despendida no mundo vai para a indústria, onde a fabricação de um único automóvel emprega cerca de 400 mil litros de água, constatamos então que os gastos domésticos voltados para matar a sede e fazer a higiene se contentam com apenas 10% do gasto, mas que, inexplicavelmente, é nesse segmento onde se concentram as maiores campanhas para que se modere o consumo de água.

Ainda que façamos um esforço gigantesco nesse sentido, claro está que ele resultará pífio, pois a economia redundará em apenas algumas gotas no oceano. O mesmo não se daria se a agricultura conseguisse poupar apenas 10 dos 70% que hoje ela despende. A água seria farta e não haveria tanta pressão sobre a população e necessidade alguma de economia. Mas, do ponto de vista dos lucros privados, de que adiantaria? Essa providência não estaria assim alinhada com a ideia de que "água é produto escasso, portanto deve ser poupado porque é caro", tão ao sabor de empresas do porte de uma corporação francesa como a Vivendi que a vende, principalmente para o consumo doméstico.


Portanto, não é à toa que esse discurso está presente no "merchandising verde" da Coca-Cola (outra grande interessada nas bacias aquíferas), nas operações da também francesa Suez e fez parte ainda das inúmeras notas à imprensa da norte-americana Enron quando apostava na "exploração do movimento mundial a favor da privatização da água".

Sobre a Vivendi, para a qual poucas pessoas prestam atenção, basta dizer que a partir de 2000, tornou-se a maior fornecedora do mundo de serviços públicos ligados ao abastecimento de água com tentáculos espalhados em organismos multilaterais e em todos os continentes, Brasil e Argentina incluídos, além de ser "a dona do segundo maior conglomerado de comunicações do mundo, incluindo redes e canais a cabo de TV, jornais, editoras e operadoras de acesso à internet como a GVT, já em atividade no Brasil", como informa a jornalista e estudiosa, Zilda Ferreira. Tão atuante quanto a Vivendi é a Suez, presente em 130 países onde atende mais de 120 milhões de consumidores.

*Antonio Fernando Araujo é engenheiro e colabora neste blog

Próxima parte 3/3: As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas
NENHUM BEM DA TERRA PERTENCE A ALGUÉM


segunda-feira, 16 de abril de 2012

As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas - Parte 1/3

16/04/2011 - UM EXTENSO E SINUOSO FIO DA MEADA
Antonio Fernando Araujo*


Você sabia que é a água doce subterrânea e não a da superfície, a que se encontra mais disponível para o consumo da humanidade?


E a conta é simples, essa água invisível do subsolo representa nada menos do que 96% de toda a água doce do planeta.

E quando falamos de toda a água doce do planeta, na verdade estamos nos referindo a apenas 2,4% de toda a água existente na Terra, porque os restantes 97,6% é constituído de agua salgada ou salobra, inapropriadas para o consumo. Assim sendo, esses míseros 2,4% ainda dividem-se em uma parcela maior de 2,3% para as águas presentes no subsolo enquanto o 0,1% restante representa a soma de toda a água doce que costumamos encontrar nos rios, lagos, aquela congelada nas calotas polares, nos picos e geleiras das montanhas e a que percebemos sob a forma de vapor d'água na atmosfera.

É como se pudéssemos congelar toda a água da Terra - tanto a da superfície quanto a subterrânea - em 1.000 cubinhos. Um deles equivaleria a esse 0,1%, 23 deles corresponderiam às águas do subsolo e o restante, 976 cubinhos seriam as águas dos mares - tudo em números redondos.

Esse é o extenso e por vezes sinuoso fio da meada que alimenta com mais intensidade o discurso da escassez de água potável do planeta, discurso esse que ainda se nutre com ingredientes mais severos, como por exemplo os que dizem respeito ao crescimento da população humana e animal, à expansão das áreas agriculturáveis quando prejudicam ecossistemas hídricos de valor incalculável, à destruição das terras úmidas, das várzeas e matas ciliares que acompanham as margens dos rios, cercam e molduram os lagos e pântanos, ao aquecimento da atmosfera, ao aumento do consumo de água na indústria, ao crescimento das cidades, cimento e asfalto impermeabilizando o solo, à poluição das nascentes e lagos, à contaminação dos rios, lagos e lençois freáticos e ao impiedoso desmatamento das florestas e liquidação da biodiversidade existente.


De todo esse elenco de agressões, a grande verdade entretanto é que se não houvesse tanta poluição e contaminação a quantidade das águas disponíveis no planeta para o consumo humano e animal continuaria, como sempre foi, praticamente inalterada, uma realidade de centenas de milênios. E a razão é simples: a Terra não "exporta" água para outros planetas. Excluídos aqueles pontos acima e enquanto uma "parcela considerável" das águas do mar e dos continentes continuar a se evaporar, a formar nuvens e a voltar a cair sobre a terra na forma de chuva ou neve, a escorrer para os rios, lagos, lençois freáticos e aquíferos subterrâneos para logo em seguida voltarem ao mar, realizando seu ancestral "ciclo hidrológico" que ajuda a preservar o equilíbrio global do planeta, não haverá motivo algum para temermos a tão propalada escassez de água potável.

Mas eis que a ciência nos informa sobre uma realidade nova.


Essa "parcela considerável" é a única que, a rigor, deveria estar disponível para os humanos, a "água meteórica", apelidada assim por alguns autores, aquela que efetivamente circula pelos lençois freáticos e alimentam os rios, lagos e pântanos. É ela, a água da chuva, a mesma das deusas primitivas que, em última instância, ao longo do seu ciclo, assegura nosso suprimento de água doce a cada ano. E o planeta Terra, há centenas de milênios, rege o volume dessa "água meteórica", sempre da mesma maneira, praticamente sem alteração. O que significa dizer que, se precisarmos consumir água em quantidade acima do volume da "água meteórica" e que, portanto, ultrapasse o quinhão "estabelecido por Deus" para que a Terra efetue o "ciclo hidrológico" dessa tal "água meteórica", precisaremos então avançar sobre nossas reservas naturais, sejam elas superficiais ou subterrâneas, para que o abastecimento das espécies seja mantido. E como a natureza não é assim tão benigna, logo se nos apresenta uma perspectiva assustadora: assim como a "água meteórica" é finita as das reservas também o são.

Algo mudou então? Será que é isso tudo que está levando boa parte da comunidade acadêmica e científica a emitir sinais de alerta sobre o possível agravamento da escassez de água doce em futuro próximo, algo que já é real para cerca de 1/5 da humanidade, ou seja, 1,3 bilhões de pessoas? Por que a cada ano se torna mais agudo o clamor de entidades e organizações da sociedade civil alertando-nos sobre a necessidade de pouparmos esse bem, caso contrário esse número se multiplicará por 4 num prazo de 50 anos? O que tem levado alguns Estados a embutir em suas estratégias de desenvolvimento ou mesmo de sobrevivência o rigoroso controle das nascentes e de mananciais presentes em seu território ou no de países vizinhos, chegando ao ponto de se aproveitar das guerras para se apropriar deles como o fazem, entre outros, o Estado de Israel?

Hoje sabemos, que mesmo aquele modesto cubinho de 0,1% de água potável encontrada na superfície acrescido de outro cubinho equivalente de recursos hídricos subterrâneos são mais do que suficientes para abastecer com folga toda a necessidade atual de água do planeta, tanto para matar a sede quanto para o seu emprego na agricultura, indústria e ambientes urbanos e domésticos. Assim sendo, já não estamos mais falando de escassez de um produto e sim das maneiras como esse recurso é distribuído, dos meios que a população dispõe para acessá-lo e da necessidade de preservação, ou seja, da sua não-poluição e não-contaminação, tanto dele próprio quanto da natureza em volta.

*Antonio Fernando Araujo é engenheiro e colabora neste blog

Próxima parte 2/3: As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas MERCANTILIZAR A NATUREZA


sexta-feira, 6 de abril de 2012

A governança sul-americana da água

Zilda Ferreira
A América do Sul pode saciar a sede de todos os latino-americanos e socorrer quem precisar. É a região de maior reposição de água do mundo e tem três grandes aquíferos. Mas para isso é urgente que se consiga, em junho, durante a Conferência Rio+20, a criação de um organismo sul-americano capaz de impor o cumprimento da Resolução da ONU 64/292. Aprovada em julho de 2010 pela Assembleia Geral, reconhece como Direito Humano Água e Saneamento. O futuro organismo continental poderá defender nossos recursos hídricos, ameaçados de privatização.

No 6º Fórum Mundial da Água, realizado na França em março de 2012, as transnacionais da água, principalmente as francesas, defenderam um organismo internacional para gestão da água, a “Governança Global da Água”, para facilitar o processo de privatização. Relatora Especial da ONU para o Direito à Água e ao Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque se disse surpresa ao descobrir que o nenhuma menção à 64/292 nem qualquer referência a água como Direito Humano constava da declaração ministerial do Fórum.

O Conselho Mundial da Água – hegemonizado por transnacionais - não reconhecer como direito humano a água e o saneamento era previsível. Mas é preocupante que, presentes na delegação brasileira, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM-Serviço Geológico do Brasil (empresa de capital misto vinculada ao Ministério de Minas e Energia) tenham feito coro com os europeus em favor da criação da Governança Global.

Alter do Chão, Guarani e Bacia do Maranhão, três dos maiores aquíferos do mundo
Quem leu o livro Ouro Azul - como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do planeta, de Maude Barlow e Tony Clarke, sabe que 70% do mercado da água pertence a duas empresas francesas - Suez e Vivendi. A Vivendi é dona do segundo maior conglomerado de comunicações do mundo, incluindo redes e canais a cabo de TV, jornais, editoras e operadoras de acesso à internet como a GVT, já em atividade no Brasil. A força do império Vivendi é difícil de medir, mas as empresas de exploração de água são as mais rentáveis, com tentáculos em todos os organismos multilaterais, decisivos para abrir caminho à privatização de recursos hídricos mundo afora.

Precedentes perigosos não faltam. Em 2007 a França tentou aprovar no IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) instrumento intervencionista ainda mais abrangente. O então presidente francês Jacques Chirac propos a criação de um organismo internacional para fiscalizar o meio ambiente, óbvia estratégia para viabilizar a internacionalização da Amazônia. O governo francês já deu indicações de que voltará a tentar emplacar a proposta na Rio+20.

Apelo
Diante desse quadro é fundamental que os movimentos sociais e lideranças ambientais se juntem aos líderes sul-americanos durante a Rio+20 e tentem criar um organismo regional para gerir os recursos hídricos do continente. Corremos o risco de a América do Sul, que concentra quase metade da água do planeta, conhecer a sede em larga escala, pois a voracidade do mercado europeu de recursos hídricos é inesgotável.

No Brasil já existem exemplos de como o capital é agressivo para se apropriar da água. Os habitantes de Manaus vivem sobre a maior reserva do planeta, mas quem não pode pagar não tem acesso à água. A concessionária local é subsidiária de uma multinacional francesa e o aquífero está sendo contaminado por falta de investimento.

É tarefa da educomunicação, exercida principalmente pelos professores, educadores ambientais e comunicadores, acompanhar debates, fóruns internacionais, ler a mídia e o entorno de maneira crítica, além de analisar as propostas do mercado e dos tecnocratas. É preciso conscientizar o povo a exigir seus direitos ao meio ambiente e à água, que estão sendo apropriados pelas transnacionais. Para concretizar essa tarefa se faz necessário a criação de um organismo sul-americano forte e com participação popular.

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