Mostrando postagens com marcador indígenas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador indígenas. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Dia do Índio e de uma agenda de lutas

17/04/2013 - Cerca de 700 indígenas ocupam a Câmara dos Deputados
- da Redação do Brasil de Fato
- com informações do Cimi (Conselho Indigenista Missionário)

Revoltados com a criação de uma comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição - PEC 215, que dá ao Congresso Nacional poderes para demarcar terras indígenas, cerca de 700 indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados.

Hoje, essa atribuição é de responsabilidade do Executivo.

Cerca de 700 indígenas transferiram o Abril Indígena para uma ocupação na Câmara dos Deputados na Esplanada dos Ministérios, no Distrito Federal nesta terça-feira (16).

A decisão foi tomada pelos indígenas durante a audiência pública convocada pela frente parlamentar em defesa dos indígenas.


O objetivo das lideranças indígenas é pressionar que a Mesa Diretora da Câmara extinga uma comissão especial criada para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 que dá ao Congresso Nacional poderes para demarcar terras indígenas - responsabilidade que hoje pertence ao Executivo, por meio da Funai.

Nós não aceitamos nenhum tipo de negociação ou diálogo referente à PEC 215.

O que nós queremos é que a Comissão seja desfeita”, disse Sônia Guajajara (foto), liderança da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) esteve presente na audiência pública depois de muita pressão do movimento indígena.

Sobre a reivindicação dos povos indígenas, apenas disse que pediria aos líderes partidários que não indicassem representantes para a comissão da PEC 215 até que a situação fosse boa para todas as partes.

Não, presidente, não aceitamos isso.

Portanto, ficaremos aqui (em ocupação ao Congresso) por tempo indeterminado”. 

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/12678

Por Antonio Fernando Araujo, do blog Educom:

Temos reproduzido aqui algumas matérias que revelam o estado precário em que se encontram, de um modo geral, não apenas as populações indígenas, mas todas - sem exceções - as comunidades tradicionais de quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e demais excluídos, quando postos frente a frente ao avanço predador que o grande capital promove sobre essa gente, suas propriedades e culturas originais, algumas delas remontando a séculos, estejam elas situadas no campo ou nos centros urbanos.

Por certo, tal precariedade está intimamente associada ao projeto de desenvolvimento que os governos - em todos os níveis e sejam de que partido for -, conceberam e entendem ser o único e o mais adequado ou oportuno ao perfil do seu município, estado ou país.

E o que temos assistido, é essa "classe política", em conjunto com a grande mídia empresarial e, mais recentemente, com parcelas do sistema judiciário, associarem-se para servir como arautos, intérpretes, promotores e executores desse modelo em que essa população e o meio-ambiente "surgem" diante deles como um estorvo ao projetos de dominação oriundos, quase sempre, das elites financeira e empresarial.

A partir daí toda sorte de arbitrariedades, preconceitos e injustiças vêm à tona, na ânsia da posse dos recursos e das riquezas de toda espécie que, porventura, encontrem-se sob a "guarda" desses povos ou comunidades e, em muitos casos, sejam até mesmo suas fontes de sobrevivência.

"Tanto o governo como os grupos de poder que financiam a maioria dos deputados querem poder dispor das terras indígenas que estão cheias de riqueza", assinalou a jornalista Elaine Tavares, no Brasil de Fato.

O que nossos indígenas promoveram anteontem (16/4) na Câmara dos Deputados - e que serviu até para que alguns deputados assustados, protagonizassem uma ridícula fuga do plenário e procurassem abrigo em seus gabinetes - nos sirva de lição.

Independentemente da etnia - mais de 300, segundo o IBGE - a que cada um pertence, entenderam que precisam se unir, estar juntos nessas causas que transcendem a origem, a localização e os costumes e cultura de cada tribo.

Diferentemente dos partidos e da militância ditos de esquerda que sequer foram capazes ainda de, em volta da mesa, conceber uma pauta, por menor que seja, de metas e lutas comuns para fazer frente àquele projeto que, em última instância, é o mesmo do capital internacional, nossos guerreiros pintaram os corpos e como parte da mesma linguagem primitiva de suas lutas ancestrais proclamaram solene, mas em tom de guerra, "não, presidente, não aceitamos isso."

Seria então a oportunidade de fazermos coro com eles? Refletir, denunciar e nos solidarizarmos com sua luta como procuramos fazer neste blog quando reproduzimos aqui esses artigos? E de forma semelhante e em uníssono, amplificamos em bom som todas as demais demandas políticas e sociais pelas quais a nação se debate e há muito vem se manifestando?

Senadora Katia Abreu, líder do agronegócio
Cabe a todos e em especial às nossas lideranças políticas e partidárias matutar, tirar uma lição do evento e apressar o passo.

O grande capital e o conjunto de suas poderosas organizações e bem nutridas instituições estão coesos e a cada dia mais e mais bem equipados.

Do lado de cá do balcão o que vemos é a fragmentação crescente de nossas forças políticas e para isso basta que uma vírgula não seja do agrado do companheiro para que toda a ideia do indispensável acúmulo de forças se desfaça como num castelo de cartas.

Não que isso não possa ser benéfico, mas historicamente tem servido mais para que se bloqueiem as possibilidades de um consenso no que possa ser útil à luta comum do que às oportunidades de se debater politicamente a pluralidade de opiniões e a partir delas construir-se uma única força, por certo, mais robusta.

Mais do que nunca, isso se tornou uma necessidade mandatória, nem que seja para que, ao menos de longe, se possa vislumbrar alguma possibilidade de êxito nos inúmeros territórios de lutas.

Estão aí postas as lições desse "Abril Indígena", versão 2013, a da covardia dos deputados fujões e a da bravura dos guerreiros indígenas que, tanto quanto esse políticos, são antes de mais nada, cidadãos brasileiros.  

Assim, não deixe de ler:
- O índio na metrópole - Andrezza Richter, Carolina Rocha Silva e Kárine Michelle Guirau
- Abril Indígena 2013: Declaração da Mobilização Indígena Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas
- Em defesa da terra indígena - Renato Santana

E mais:
- O futuro dos índios - Guilherme Freitas entrevista Manuela Carneiro da Cunha
- Apreensão no campo - Dom Tomás Balduíno
- Era para serem outros 500 - Cristiano Navarro
- Rio de ouro e soja - Carlos Juliano Barros


Nota:
Fotos de José Cruz, Valter Campanato e Wilson Dias, todas da Agência Brasil/ABrA, extraídas do Portal Brasil de Fato. A eventual inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Em defesa da terra indígena

15/04/2013 - Abril Indígena
“Está na hora de priorizarmos a luta pela terra”
-  Por Renato Santana - Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi

Luziânia (GO) - Dispostos a enfrentar o que consideram uma das piores conjunturas de ataque aos direitos pela terra pós-Constituição de 1988, povos indígenas de todo o país iniciaram nesta segunda-feira, 15, o Abril Indígena 2013, que segue até sexta-feira, 19, Dia do Índio.

Nesta terça-feira, 16, cerca de 500 indígenas estarão em audiência com a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas[ao final 700 índios estiveram presente] a partir das 10h30h, na Câmara dos Deputados.

Lideranças, caciques, pajés, professores e professoras, vindos de comunidades às margens de rodovias, aldeias acossadas pelo agronegócio, retomadas à espera de demarcação, pretendem mais do que discutir problemas, mas reivindicar o que lhes é de direito, usurpado pela agenda política de grupos latifundiários, mineradores, madeireiros.

Muitas vezes nos deixamos enganar por conversas de gabinete. Não podemos deixar isso acontecer, porque se a gente parar para ver o que o governo federal está fazendo é tão ruim quanto aquilo que os fazendeiros, a elite agrária, fazem com a gente”, destaca Ninawá Huni Kui (foto) (AC).

O Abril Indígena deste ano acontece num período de ofensiva da bancada ruralista no Congresso Nacional e país afora, além de medidas de exceção do Palácio do Planalto.

Propostas de alterações constitucionais referentes ao direito pela terra, no Legislativo, e decreto de uso da Força Nacional contra comunidades que se opuserem à construção de grandes empreendimentos, no Executivo, hegemonizam a pauta de discussões e mobilizações dos indígenas.

Sem o que comemorar numa semana destinada a eles, os povos pretendem mostrar ao país que resistem e estão vivos, para além do folclore e dos museus.

Dos nossos últimos encontros nacionais, em que elaboramos cartas para as autoridades, nada melhorou, nada avançou. Acho que até piorou.

Vivemos lamentando nossos mortos.

Está na hora de priorizarmos de verdade a luta pela terra. Sem ela, não somos nada.

Salário daqui e de lá não substitui, só divide. Na guerra temos de rir, não chorar.

Agora não guerreamos mais entre nós, sabemos bem quem são nossos inimigos”, enfatiza cacique Babau Tupinambá (foto acima), da  Serra do Padeiro (BA).

Conforme a pauta definida pelos movimentos indígena e indigenista, a semana será dividida em discussões no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para onde vão a partir desta terça-feira, 16, em atividades junto às Frentes Parlamentares de Defesa dos Povos Indígenas e de Direitos Humanos e Minorias, esta última criada em protesto contra a eleição do pastor Marco Feliciano (PSC/SP) para a presidência da comissão, entre outras atividades.

Perdemos as margens de diálogo com os últimos episódios no congresso e no governo.

O PL da CNPI (que criará o conselho no âmbito do que é hoje a Comissão Nacional de Política Indigenista) está prestes a sofrer um golpe, para não falar da PEC 215.

A conjuntura é delicada”, declara o integrante da CNPI, cacique Marcos Xukuru (PE).

Os povos indígenas do Nordeste sofrem com os grandes empreendimentos, caso da transposição do rio São Francisco, a seca agravada pela concentração de terras e a falta de demarcação de terras, caso dos Xukuru-Kariri, de Alagoas, que têm feito retomadas em áreas há décadas reivindicadas.

Na Bahia, os Tupinambá seguem em constantes retomadas de áreas declaradas como indígenas, gerando conflitos e violência.

Os povos indígenas estão prestes a levar um golpe, um golpe do Estado. Precisamos pensar uma estratégia conjunta. As discussões são as mesmas sempre.

Estão atrasando os grupos de trabalho, deixando de fazer os processos de demarcação. Então o governo decreta a PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas), mas rasga nossos territórios com empreendimentos, PECs.

Não podemos aceitar isso e devemos ir para a luta”, declara o vice-cacique Marcelo Entre Serras Pankararu, do sertão pernambucano.

Delegações Guarani do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul trazem relatos de vidas fora da terra, às margens de rodovias, e em áreas retomadas no meio de fazendas de soja, cana e pasto. Durante o mês de março, o jovem Denílson Guarani Kaiowá foi assassinado por fazendeiro.

Os indígenas retomaram a área, declarada como indígena, e na última semana a Justiça concedeu reintegração de posse para o fazendeiro, assassino confesso do indígena.

Na última sexta-feira, um PM reformado invadiu um tekoha – lugar onde se é – e desferiu seis disparos de arma de fogo, acertando um indígena na cabeça. Para se defender, a comunidade o desarmou e o manteve seguro até a chegada da polícia.

Levado ao hospital, o PM não resistiu e morreu a caminho do atendimento médico. O indígena atingido pelo disparo foi medicado e na sequência preso, acusado pelo homicídio.

Toda morte é sempre ruim, mas os indígenas se defenderam. Ele (PM reformado) invadiu a aldeia armado e também já tinha histórico de agressão contra os indígenas. Tudo isso, porém, é resultado da demarcação incompleta da terra e da não retirada dos ocupantes não indígenas da terra indígena”, pontua o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Flávio Vicente Machado.

Nossos territórios devem estar livres. A violência não é nossa, porque não é a gente que quer tirar direitos de ninguém. Apenas queremos os nossos”, completa cacique Babau.

Porém, além da insegurança jurídica e social deixada pela falta de complemento nos processo de demarcação, outros temas envolvem os povos indígenas.

Um deles é a Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU). Nela o órgão ‘orienta’ que as condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol devem se estender a todo país.

A própria AGU questionou as tais condicionantes de Raposa Serra do Sol e no ano passado baixou a Portaria 303 dizendo que elas se estendem a todo país, isso sem essas tais condicionantes terem sido apreciadas pelo STF”, explica o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto.

Críticas também foram feitas aos dez anos de PT e aliados à frente do Palácio do Planalto.

Lula comia peixe assado com a gente. Ele dizia o que iria fazer por nós, era lindo.

Lula se elegeu e os parentes cruzaram os braços, acreditando numa vitória para a gente. O resultado está aí: se aliou (Lula) com os capetas e nada aconteceu de bom para a gente.

Então precisa acabar com braços cruzados, pois eles estão abrindo a porta da casa da gente para hidrelétricas, mineradoras, fazendeiros”, analisa Nailton Pataxó Hã-hã-hãe.

Há exatamente um ano os Pataxó Hã-hã-hãe recuperavam a totalidade da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, no extremo sul da Bahia, expulsando todos os invasores, grandes latifundiários de gado e monocultivos.

Demarcações de terras e PEC 215
Durante o governo Dilma Rousseff, apenas dez terras indígenas foram demarcadas no Brasil, sendo todas na região Norte – sete no Amazonas, duas no Pará e uma no Acre, ou seja, áreas que hoje não envolvem os conflitos mais encarniçados entre latifundiários invasores e comunidades indígenas.

Os dados são do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com base nas publicações do Ministério da Justiça no Diário Oficial da União.

Uma vez que 335 terras estão em alguma das fases do procedimento de demarcação, em dezenas com demora de dez, 20 anos para a conclusão, caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), e outras 348 reivindicadas, a quantidade recente de demarcações é abaixo do esperado pelos povos indígenas e Ministério Público Federal (MPF).

Para completar, a PEC 215 vem com grande força. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob intensos protestos de comunidades indígenas, a PEC 215 teve comissão formada por decisão do deputado federal Henrique Alves (PMDB/RN) (foto), presidente da casa e eleito com o compromisso de encaminhar a PEC 215 para votação.

A proposta da bancada ruralista visa transferir do Executivo para o Legislativo o processo de demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção Ambiental.

Com a maior bancada no Congresso Nacional, controlando ¼ da Câmara, ruralistas passariam a ter influência direta nas decisões de demarcações, atendendo aos próprios interesses.

Fonte:
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6816&action=read

Leia também:
- Abril Indígena 2013: Declaração da Mobilização Indígena Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas - APIB/Cimi
- Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai - Agência Brasil
- Área indígena sagrada vai virar hidrelétrica - Renée Pereira
- O futuro dos índios - Guilherme Freitas entrevista Manuela Carneiro da Cunha

E mais:
- Apreensão no campo - Dom Tomás Balduíno
- Território das comunidades tradicionais: uma disputa histórica - por Viviane Tavares
- Era para serem outros 500 - Cristiano Navarro
- Povos indígenas e o desenvolvimentismo do governo Dilma Rousseff - Roberto Antonio Liebgot
- Rio de ouro e soja - Carlos Juliano Barros

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 17 de março de 2013

Área indígena sagrada vai virar hidrelétrica

02/07/2012 - Instituto Humanitas Unisinos - Renée Pereira
- publicado no O Estado de S. Paulo em 01/07/2012

Na curva onde o rio divide os Estados do Pará e Mato Grosso, as águas esverdeadas e velozes do Teles Pires escondem um santuário de belezas naturais e um reino místico da cultura indígena.

Para o "homem branco", nada mais é do que a sequência de sete quedas de corredeiras. Entre os povos indígenas, trata-se de um lugar sagrado, que não pode ser mexido.

Ali, entre ilhas, pedras e uma mata ainda intocada, eles acreditam que vivem os espíritos de seus antepassados, a mãe dos peixes e da água. "Se for destruído, coisas ruins vão acontecer para o homem branco e para a comunidade indígena", prevê o cacique João Mairavi Caiabi (foto), que aos 51 anos comanda 206 pessoas da aldeia Cururuzinho.

Segundo ele, algumas dessas maldições já perturbam o dia a dia dos índios: "Temos pessoas com suspeita de tuberculose. Isso nunca aconteceu antes na comunidade. É reflexo das intervenções no rio e na floresta".

Os caiabis moram a alguns quilômetros das corredeiras Sete Quedas, nas margens do rio onde está sendo levantada a Hidrelétrica de Teles Pires, a quarta maior usina em construção no Brasil, com 1.820 megawatts (MW) de potência - energia suficiente para abastecer 5 milhões de habitantes, a maioria do Sudeste.

Na região, também moram os índios da etnia mundurucu, considerados mais arredios, e apiacá, que juntos somam uma população de cerca de 600 índios - alguns deles são acusados de nunca terem ido nas Sete Quedas.

A exemplo de outras obras, como Belo Monte (PA), a barragem, de R$ 3,6 bilhões, enfrenta fortes protestos de índios, ambientalistas e do Ministério Público, contrários à expansão das usinas na Amazônia.

A preocupação do cacique João é que, só na Bacia do Teles Pires, devem ser construídas mais quatro hidrelétricas, além das duas em andamento (Teles Pires e Colíder).

Para tirar os projetos do papel, cerca de 70 mil hectares de floresta dariam lugar aos lagos - isso significa 70 mil campos de futebol.

Embora elevado, o número é bem inferior ao das usinas do passado - a Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, inundou quase três vezes mais para gerar apenas 275 MW.

Hoje, diante da preocupação ambiental, quase todas as usinas são a fio d'água, sem grandes áreas de reservatório.

Se por um lado reduzem a potência da unidade, por outro diminuem substancialmente o impacto ambiental.

Isso não significa, entretanto, impacto zero, especialmente para os indígenas.

Compensação ambiental
O lago de Teles Pires terá 9.500 hectares de área inundada, sendo que 7 mil hectares terão de ser desmatados.

Em compensação, a Companhia Hidrelétrica de Teles Pires (CHTP, formada por Neoenergia, Furnas, Eletrosul e Odebrecht), que detém a concessão da usina, terá de pôr em prática 45 programas sociais, ambientais e indígenas, num total de quase meio bilhão de reais (15% do valor total da obra).

Estão sendo criados projetos de monitoramento de clima, água e solo; controle de prevenção de doenças; construção de escolas, unidades de saúde, terminal rodoviário, pontes e a pavimentação de ruas.

Há ainda programas de resgate de fauna e flora de toda área impactada, além do monitoramento de algumas espécies em extinção.

Não importa se é um grande mamífero ou simplesmente uma borboleta, como a Agrias Claudina, ameaçada no Pará. "Todos precisam ser resgatados e catalogados", afirma a gerente de Meio Ambiente da CHTP, Maíra Fonseca Moreira Castro.

Mas, numa região com a biodiversidade tão rica como na Amazônia, é praticamente impossível evitar todos os prejuízos.

Maíra conta que já foram resgatadas 1.084 espécies diferentes de árvores na área da usina, sendo que 638 delas foram descobertas após os estudos de impacto ambiental.

Só de orquídeas (foto) são 85.326 espécies diferentes. Tudo isso catalogado e resgatado por 60 pessoas.

O Plano Básico Ambiental (PBA) indígena é tratado a parte.

A CHTP desenhou 12 programas com investimentos para atender as 12 aldeias indígenas da área.

Mas a proposta está longe de atender aos anseios das lideranças da região, que ainda não aprovaram o documento.

"O PBA está muito fraco. Precisamos de projetos melhores na saúde, educação e habitação", afirma Elenildo Caiabi (foto), um jovem de 25 anos que conhece bem tanto a cultura indígena como a do "homem branco".

Para ele, as aldeias precisam reivindicar seus direitos enquanto a usina está em construção. "Depois vão todos embora e nós ficamos apenas com os prejuízos, sem lugar para caçar e pescar."

A lista de equipamentos pedidos pelos índios à CHTP é grande - e cara.

Inclui caminhonetes importadas, como Mitsubishi, barcos e motores, antenas parabólicas, etc. A justificativa é a localização.

Para chegar à aldeia Cururuzinho (foto), no Pará, há duas alternativas.

De avião, gasta-se meia hora saindo de Paranaíta, a cidade mais próxima no Estado de Mato Grosso. Mas esse é um meio de transporte apenas para os visitantes. Normalmente, os índios levam cinco horas para chegar à cidade, sendo duas horas de carro e mais três horas de barco.

Modernidades
Na comunidade, cercada de um lado pelo Rio Teles Pires e de outro pela Floresta Amazônica, as casas - algumas retangulares e outras, ovais - ainda são feitas de madeira e cobertas de folhas de palmeiras. No chão, apenas terra batida.

A única casa de alvenaria é reservada aos visitantes da aldeia. Mas alguns avanços da cidade já fazem parte da vida dos caiabis.

A aldeia tem um orelhão e energia elétrica produzida por gerador, que funciona à noite ou quando alguém precisa usar o computador, por exemplo.

Eles têm fogão a gás, mas quase nunca usam. Preferem o fogão a lenha, improvisado com tijolos e uma chapa, melhor para assar peixes e carne de animais nativos, como jacu, cateto e paca.

Alguns alimentos do "homem branco" também integram as refeições dos índios, como arroz, café e açúcar.

"Mas preferimos o peixe, a caça e a farinha de mandioca, plantada aqui do lado", afirma Valdete Caiabi, que aos 25 anos é mãe de cinco filhos.

"Dizem que não vai ter nenhum impacto para nós. Mas temos parentes que moram perto de outras hidrelétricas e hoje não têm mais peixe para comer. O rio é o nosso mercado", diz ela.

Em março, a Justiça suspendeu a licença de instalação da usina, alegando que os índios não haviam sido ouvidos. As obras, na época com 2 mil trabalhadores, ficaram paralisadas por 12 dias. A CHTP teve de alugar avião para levar os trabalhadores para casa durante esse período.

De acordo com a empresa, todas as audiências públicas foram feitas dentro da lei e gravadas. Mas para o procurador da República no Pará, Felício Pontes (foto), pela lei, é o Congresso Nacional que tem de fazer oitivas nas aldeias indígenas e não engenheiros e executivos. Segundo ele, entre Ministério Público Federal e Estadual, há cerca de 11 ações propostas contra a usina de Teles Pires.

"Fizemos várias alterações no projeto para reduzir os impactos ambientais na região. Vamos produzir mais megawatts com menos área alagada e devastada", afirma o diretor de Sustentabilidade da CHTP, Marcos Azevedo Duarte. As mudanças, no entanto, não seduzem os caiabis: "Queria o rio do jeito que Deus deixou", diz Valdete.

Índios e brancos vivem em clima hostil
No lugar da placa de "Bem-vindo", uma faixa com letras garrafais escancara um problema que vai além da construção da Hidrelétrica de Teles Pires.

É com a frase "Unidos contra a demarcação de terras indígenas" que a pequena cidade de Paranaíta, de 10 mil habitantes, recebe seus visitantes.

A demarcação para elevar de 117 mil para mais de 1 milhão de hectares o tamanho da reserva das três etnias (caiabis, mundurucus e apiacás) deveria ter sido iniciada dia 22, mas foi suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No município, que teve origem em 1979 e foi emancipado sete anos depois, conta-se nos dedos quem seja a favor dos índios. Naturalmente, os fazendeiros que ajudaram a fundar a cidade são os mais arredios. Foram eles que patrocinaram a confecção de várias faixas espalhadas pela cidade.

Algumas, no entanto, foram assinadas pela própria prefeitura de Paranaíta. "Temos de defender o lado da economia. Há um grupo de pecuaristas que terão os investimentos inviabilizados. Além disso, vamos perder as jazidas de calcário na região, que não poderão ser exploradas", observa o prefeito de Paranaíta, Pedro Miyazima.

Mas não são apenas os latifundiários que hostilizam os índios. Até mesmo aqueles que se dizem descendentes, como José Hermínio da Silva, são contra as tribos locais. "Eles se intrometem em tudo", reclama o baiano, de 77 anos, que chegou em Paranaíta em 1988 para trabalhar no garimpo.

Não fez fortuna, mas conseguiu comprar uma casa e dois lotes de terra. "Vendi uns 80 quilos de ouro, mas reinvesti tudo. Continuo pobre", conta ele, que guarda na boca as lembranças da época do garimpo. Seus dois caninos são revestidos de ouro.

Do outro lado, os povos indígenas reclamam da agressividade do "homem branco". "Quando chegamos na cidade, ouvimos: Por que esses índios estão aqui? Por que não ficam em suas aldeias?", relata Elenildo Caiabi.

Segundo ele, seu povo está estudando e conhecendo melhor a cultura do não índio para lutar pelos seus direitos.

"Eles alegam que um 1 milhão de hectares é muito para nós, mas nunca nenhum deles veio aqui saber como vivemos", diz Elenildo, referindo-se aos prefeitos e governadores dos Estados do Mato Grosso e Pará.

Da mesma forma, os índios são acusados de nunca terem ido às corredeiras Sete Quedas, que hoje dizem ser um local sagrado.

A briga pela demarcação das terras já dura mais de 23 anos. "O governo fez tanta promessa e não cumpriu nenhuma delas. Mas não vamos desistir", completa Valdete Caiabi.

A decisão da Justiça de suspender a demarcação poderá ter reflexo na construção da Hidrelétrica de Teles Pires, vista como moeda de troca para a comunidade indígena.

O cacique João Mairavi Caiabi ameaça invadir o canteiro de obras da usina se o governo federal não resolver logo a situação.

"Os fazendeiros têm medo de perder suas propriedades. Nós temos medo de perder nosso rio, nossa floresta, nossa comida", completa Valdete.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511063-area-indigena-sagrada-vai-virar-hidreletrica

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O futuro dos índios

16/02/2013 - Entrevista com Manuela Carneiro da Cunha
- Por Guilherme Freitas no blog Combate ao Racismo Ambiental

Muitas vezes vistos como “atrasados” ou como entraves à expansão econômica, os povos indígenas apontam, com seus saberes e seu modo de se relacionar com o meio ambiente, um caminho alternativo para o Brasil, diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (foto abaixo), que lança coletânea de ensaios sobre o tema.

Em “Índios no Brasil: História, direitos e cidadania” (Companhia das Letras), ela reúne ensaios das últimas três décadas sobre temas como a demarcação de terras e as mudanças na Constituição.

Nesta entrevista, a professora da Universidade de Chicago, convidada pelo governo federal para desenvolver um estudo sobre a relação entre os saberes tradicionais e as ciências, critica o "desenvolvimentismo acelerado" da gestão Dilma e defende "um novo pacto" da sociedade com as populações indígenas.

Índios no Brasil” é uma compilação de textos publicados desde o início da década de 1980. Ao longo desse período, quais foram as principais mudanças no debate público brasileiro sobre as populações indígenas?

Eu colocaria como marco inicial o ano de 1978, ano em que, em plena ditadura, houve uma mobilização sem precedentes em favor dos direitos dos índios. Na época, o Ministro do Interior, a pretexto de emancipar índios de qualquer tutela, queria “emancipar” as terras indígenas e colocá-las no mercado. O verdadeiro debate centrava-se no direito dos índios às suas terras, um princípio que vigorou desde a Colônia. Nesse direito não se mexia. Mas desde a Lei das Terras de 1850 pelo menos, o expediente foi o mesmo: afirmava-se que os índios estavam “confundidos com a massa da população” e distribuía-se suas terras.

Em 1978, tentou-se repetir essa mistificação. A sociedade civil, na época impedida de se manifestar em assuntos políticos, desaguou seu protesto na causa indígena. Acho que o avanço muito significativo das demarcações desde essa época teve um impulso decisivo nessa mobilização popular.

Outro marco foi a Assembleia Constituinte, dez anos mais tarde. O direito às terras tendo sido novamente proclamado e especificado, o debate transferiu-se para o que se podia e não se podia fazer nas terras indígenas, e dois temas dominaram esse debate: mineração e hidrelétricas.

Muito significativa foi a defesa feita pela Coordenação Nacional dos Geólogos de que não se minerasse em áreas indígenas, que deveriam ficar como uma reserva mineral para o país. Desde essa época, as mudanças radicais dos meios de comunicação disseminaram para um público muito amplo controvérsias como a que envolve por exemplo Belo Monte e hidrelétricas no Tapajós, e situações dramáticas como as dos awá no Maranhão ou dos kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Creio que a maior informação da sociedade civil mudou a qualidade dos debates. Um tema novo de debates surgiu com a Convenção da Biodiversidade, em 1992, o dos direitos intelectuais dos povos indígenas sobre seus conhecimentos. E finalmente, com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), está se debatendo a forma de colocar em prática o direito dos povos indígenas a serem consultados sobre projetos que os afetam.

Você observa que a população indígena no país aumentou de 250 mil pessoas, em 1993, para 897 mil, segundo o Censo de 2010. A que pode ser atribuído esse aumento? As políticas de demarcação de terras e promoção dos direitos indígenas têm correspondido a ele?

O grande aumento da população indígena se deu no período de 1991 a 2000. Entre 2000 e 2010, o aumento foi proporcionalmente menor do que na população em geral. Só uma parcela desse crescimento pode ser atribuído a uma melhora na mortalidade infantil e na fertilidade. O que realmente mudou é que ser índio deixou de ser uma identidade da qual se tem vergonha. Índios que moram nas cidades, em Manaus por exemplo, passaram a se declarar como tais. E comunidades indígenas, sobretudo no Nordeste, reemergiram. Mas, contrariamente ao que se pode imaginar (e se tenta fazer crer), essas etnias reemergentes não têm reclamos de terras de áreas significativas.

Como avalia a atuação do governo da presidente Dilma Rousseff em relação às populações indígenas, diante das críticas provocadas pela Portaria 303 (que limitaria o usufruto das terras indígenas demarcadas) e o novo Código Florestal, por exemplo?

O Executivo tem várias faces: seu programa de redistribuição de renda está sendo um sucesso; mas seu desenvolvimentismo acelerado atropela outros valores básicos. Além disso, o agronegócio só tem aumentado seu poder político, o que desembocou no decepcionante resultado do aggiornamento do Código Florestal em 2012. O governo tentou se colocar como árbitro, mas ficou refém de um setor particularmente míope do agronegócio, aquele que não mede as consequências do desmatamento e da destruição dos rios.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, em vários estudos enviados ao Congresso e publicados, apresentaram as conclusões e recomendações dos cientistas. Foram ignoradas. Agora acaba de sair um estudo do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) que reitera e quantifica uma das recomendações centrais desses estudos. Para atender à demanda crescente de alimentos, a solução não é ocupar novas terras, e sim aumentar a produtividade, particularmente na pecuária, responsável pela ocupação de novos desmatamentos.

O governo tem um papel fundamental a desempenhar: cabe a ele estabelecer segurança, regularizando o caos que hoje reina na titulação das terras no Brasil. Basta ver que, como se noticiou há dias, as terras tituladas no Brasil ultrapassam as terras que realmente existem em área equivalente a mais de dois estados de São Paulo. Um cadastro confiável é perfeitamente possível, é preciso vontade política para alcançá-lo.

Você perguntou especificamente pela Portaria 303/2012, da Advocacia Geral da União, que pretende abusivamente estender a todas as situações de terras indígenas as restrições decididas pelo STF para o caso complicadíssimo de Raposa Serra do Sol em Roraima.

Ela é mais um sintoma de tendências contraditórias dentro do Executivo, que, por um lado, conseguiu “desintrusar” pacificamente uma área xavante, mas, por outro lado, admite uma portaria como essa. Ela é um absurdo, e não é à toa que foi colocada em banho-maria pelo governo. Foi suspensa, mas não cancelada.

A própria Associação Nacional dos Advogados da União pediu em setembro sua revogação e caracterizou sua orientação como “flagrantemente inconstitucional”. Essa portaria também fere pelo menos quatro artigos da Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Em um ensaio da década de 1990, você já falava sobre a disputa por recursos minerais e hídricos em áreas indígenas. Acredita que essas disputas estão mais acirradas hoje?

Já na Constituinte, em 1988, esses dois temas foram centrais. Chegou-se a um compromisso, que estipulava condições para acesso a esses recursos: ouvir as comunidades afetadas e autorização do Congresso Nacional (artigo 231 parágrafo 3).

A disputa não mudou, mas o ambiente político atual favorece uma nova ofensiva da parte dos que nunca se conformaram. E assim surgem novas investidas no Congresso: projetos de lei para usurpar do Executivo a responsabilidade da demarcação das terras e para abrir as áreas indígenas à mineração.

Por sua vez, Belo Monte foi enfiado goela abaixo de modo autoritário: o Executivo atropelou a consulta prévia, livre e informada a que os índios têm direito, e não foram cumpridas condicionantes essenciais acordadas, por exemplo no tocante ao atendimento à saúde indígena.

No ensaio sobre a política indigenista do século XIX, você mostra como naquele momento se consolidou uma visão dos índios como povos “primitivos” que teriam por destino serem incorporados ao “progresso” ocidental. Até que ponto essa ideia persiste hoje?

Essa visão está cada vez mais obsoleta: a noção triunfalista de um progresso medido por indicadores como o PIB é hoje seriamente criticada. Valores como sustentabilidade ambiental, justiça social, desenvolvimento humano e diversidade são parte agora do modo de avaliar o verdadeiro progresso de um país.

Por outra parte, no século XIX, positivistas e evolucionistas sociais puseram em voga a ideia de uma marcha inexorável da História: qualquer que fosse a política, os índios estariam fadados ao desaparecimento, quando não simplesmente físico, pelo menos social. Essa também é uma falácia que a História ela própria desmistificou: os índios, felizmente, estão aqui para ficar.

A História não se faz por si, são pessoas que fazem a História, e seus atos têm consequências. Usa esse entulho ideológico quem carece de argumentos.

No ensaio “O futuro da questão indígena”, você defende a necessidade de “um novo pacto com as populações indígenas” e aponta a “sociodiversidade” como “condição de sobrevivência” para o mundo. Como define “sociodiversidade”, e o que seria esse “novo pacto”?

O Brasil não é só megadiverso pela sua grande diversidade de espécies, ele também é megadiverso pelas sociedades distintas que abriga. Segundo o censo do IBGE de 2010, há 305 etnias indígenas no Brasil, que falam 274 línguas. Essa sociodiversidade é, segundo Lévi-Strauss, um capital inestimável de imaginação sociológica e uma fonte de conhecimento. Um mundo sem diversidade é um mundo morto.

E quanto ao pacto com as populações indígenas que evoco, trata-se do seguinte: os índios que conservaram a floresta e a biodiversidade até agora (basta ver como o Parque Nacional do Xingu é uma ilha verde num mar de devastação) estão sujeitos a grandes pressões de madeireiras e de vários outros agentes econômicos. Nada garante, se as condições não mudarem, que possam continuar nesse rumo. Para o Brasil, que precisa com urgência de um programa de conservação da floresta em pé, um pacto com as populações indígenas para esse fim seria essencial.

Na Rio+20, você participou de um painel sobre as contribuições dos saberes indígenas para as ciências. O que pode ser feito para possibilitar esse diálogo?

O conhecimento das diversas sociedades indígenas pode continuar a trazer contribuições da maior relevância para temas como previsão e adaptação a mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, ecologia, substâncias com atividade biológica, substâncias com possíveis usos industriais e muitos outros. Isso já está reconhecido e posto em prática no âmbito da Convenção pela Diversidade Biológica e no Painel do Clima, por exemplo.

Poder-se-ia pensar que bastaria recolher essas informações e usá-las na nossa ciência quando úteis. Mas há outra dimensão importante desses saberes, que é seu modo específico de produzir conhecimento. Essa diversidade nos permite pensar diferentemente, sair dos limites de nossos axiomas. Não se trata, como fazem certos movimentos new age, de atribuir um valor superior aos conhecimentos tradicionais; não se trata de aderir a eles. Tampouco se trata de assimilá-los e diluí-los na ciência acadêmica. A importância de modos de conhecimento diferentes é nos fazer perceber que se pode pensar de outro modo.

Foi abandonando um único postulado de Euclides que Lobatchevski e Bolayi viram de modo inteiramente novo a geometria. Por isso o diálogo dos diferentes sistemas de conhecimentos entre si e com a ciência deve preservar a autonomia de cada qual.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, via CNPq, encomendou-me um estudo para lançar as bases de um novo diálogo entre ciência e sistemas de conhecimentos tradicionais. Não é simples. Mas desde já sabemos que isso implicará formas institucionais que empoderem os vários parceiros.

Um projeto-piloto que está sendo planejado nesse contexto responde a uma das diretrizes da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) que faz parte do Tratado sobre Recursos Fitogenéticos. Trata-se da conservação da diversidade agrícola de cultivares de mandioca, sob a condução de populações indígenas do Rio Negro. A escolha não é por acaso. As agricultoras do médio e do alto Rio Negro conseguiram manter, criar e acumular centenas de variedades de mandioca.

Como interpreta mobilizações populares recentes em torno de causas indígenas, como aconteceu em favor dos guarani kaiowá?

Acho salutares essas mobilizações que, como já disse, são fruto de uma nova era na informação. Diante do recuo político nas questões ambiental, indígena e quilombola, há vozes que se levantam com indignação. A situação trágica dos guarani kaiowá, pontuada por suicídios de jovens, é emblemática do absurdo que seria a aplicação da Portaria 303/2012.

Uma ampliação mais do que justa de suas terras — já que as que lhes garantiram não correspondem ao que determina o artigo 231 da Constituição — levaria a colocar em risco as poucas terras que têm.

Os suicídios kaiowá atingem cada um de nós: somos todos kaiowá.

Fonte:
http://racismoambiental.net.br/2013/02/o-futuro-dos-indios-entrevista-com-manuela-carneiro-da-cunha/

Originalmente publicado em O Globo:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/02/16/o-futuro-dos-indios-entrevista-com-manuela-carneiro-da-cunha-486492.asp

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.