sábado, 15 de setembro de 2012

Terror em Benghazi

 14/09/2012 - O dilema de informar - Por Magda Almeida
- edição 711 do Observatório da Imprensa

Os últimos episódios envolvendo os Estados Unidos e seus inimigos, mais uma vez, colocam a mídia no centro dos acontecimentos.

A foto que mostra o embaixador americano na Líbia sendo arrastado, já morto, para fora do consulado, chocou a América, dividiu opiniões mundo afora e levou as principais emissoras de televisão americanas a justificar-se perante a opinião pública – que preferia não ter visto o que viu.

Não é difícil imaginar o impacto dessas imagens no emocional de uma nação que, desde 11 de setembro de 2001, não sabe mais o que é dormir em paz.

No dia seguinte ao ataque em Benghazi (12/9), a jornalista Margaret Sullivan, ombudsman (public editor) do New York Times, escreveu um artigo respondendo às centenas de e-mails que chegavam ao jornal, protestando contra a decisão editorial de levar para a primeira página a dramática foto do diplomata, feita por um fotógrafo da agência France Presse e a única publicada, numa galeria de outras tantas ainda mais chocantes que foram deslocadas para o banco de dados.

Margaret referiu-se, principalmente, à reação de um leitora que parecia estar falando em nome de toda a nação, ainda não recuperada do tiroteio que duas semanas antes havia matado duas pessoas e ferido nove, em frente ao Empire State Building, em Nova York. As imagens de uma das vítimas sangrando até morrer numa das calçadas mais famosas do planeta provocou uma onda de protestos e debates que mobilizaram diferentes setores sociais e culturais da sociedade. E, mais uma vez, esta mesma sociedade vê-se diante de fotos e fatos que mexem com seus nervos e mentes. It’s too much...”, queixou-se a raivosa leitora, para quem a descrição dos fatos já seria o suficiente para bem informar o público. Que o Times tivesse mais cuidado da próxima vez, se quisesse manter seus fieis leitores. Outras cartas se seguiram, no mesmo tom.

Primeira vítima
A decisão de publicar a foto do embaixador foi, com toda certeza, resultado de um consenso editorial. E Margaret lembrou isso, ao mesmo tempo em que perguntava aos seus leitores por que não reagiam com o mesmo rigor e sensibilidade diante de milhares de outras imagens do Times, e de toda mídia americana, mostrando os milhares de corpos mutilados pelas ações terroristas no Iraque e na Síria, só para citar alguns países com espaço permanente na mídia internacional.

O editor Ian Fischer, que fechou a primeira página de terça-feira (11/9), foi mais veemente:

Cobrimos centenas de guerras ao longo da nossa existência, mostramos a sua crueza em todos os seus sórdidos detalhes, exibimos para o mundo inteiro as fotos exclusivas de Kadafi sendo morto e martirizado. Ninguém reclamou. Posso entender que a foto de um diplomata americano naquela situação tenha um impacto mais forte, mas não se pode brigar com a informação e com os fatos, como eles se apresentam”.

Quem está certo, pergunta Margaret em seu artigo: o leitor que hoje protesta ou os editores compromissados com a informação e com a verdade?

Se a gente aceita a ideia que a vida de cada ser humano tem o mesmo valor e a mesma dignidade, por que nos chocamos com a foto do nosso embaixador e não mostramos a mesma sensibilidade quando se trata de cidadãos de outros países, igualmente vítimas do mesmo terror?, pergunta ela.

Quarta-feira (12) à noite foi a vez do âncora de um dos principais programas da CNN, também acossada por centenas de mensagens protestando contra as imagens do embaixador morto, reservar uma parte do seu horário para defender a empresa e justificar a sua linha editorial em relação aos últimos episódios no consulado americano em Benghazi. Foi dito que a CNN entende a posição de seus telespectadores, conhece suas motivações, procura ater-se ao essencial em momentos assim, mas não pode transformar a verdade na primeira vítima dessa infame realidade.

Festa e foguetes
Vendo e ouvindo tudo isso recuei anos atrás, quando me vi escrevendo cartas a O Globo, Jornal do Brasil e O Estado de S.Paulo protestando contra a foto publicada em importante revista semanal, mostrando um já terminal Mario Covas urinando nas calças. Seu constrangimento diante da própria fragilidade física me emocionou, assim como me tirou do sério aquela foto que mal disfarçava uma intenção subliminar.

Covas estava com câncer de próstata, que tem na incontinência urinária uma de suas muitas sequelas. Não estava prevenido e não conseguiu segurar os efeitos de sua doença. Fiquei indignada, me perguntando que jornalismo era aquele, o que haveria de intencional por trás daquela decisão editorial. A revista não publicou minha indignação (que não foi a única), mas O Globo, JB e Estadão deram-lhes bastante destaque.

Agora, refletindo sobre esses últimos acontecimentos internacionais e o papel da imprensa sobre eles, fiz um passeio mental e emocional por situações semelhantes, aqui e lá fora, e as diferentes reações dos leitores. Que consequências teriam esses fatos para todos aqueles que, como nós, travam essa luta quase inglória por um jornalismo sério, justo e ético. O que é certo e o que está errado nesse processo?

Recuei para a mesma Líbia de poucos meses atrás. Ver, em tempo real, um Muamar Kadafi sendo linchado em praça pública não foi das coisas mais agradáveis de se ver e de se relembrar, mesmo sendo quem era. Mas a verdadeira Justiça não passa por aí. Entretanto, pouquíssimos foram aqueles que escreveram para seus jornais protestando contra aquelas chocantes imagens, como bem lembrou o editor do Times. Vi, isso sim, regozijo e foguetório, até na Times Square.

Jornalismo limpo
Não sei como aqui nos comportaríamos se nossa imprensa publicasse as imagens de um ilustre cidadão brasileiro em situação semelhante à do embaixador americano. Faríamos uma sádica fila nas bancas de jornais para ver e rever a cena? Escreveríamos para os jornais exigindo mais comedimento no uso das imagens? Ou simplesmente acharíamos que a vida é assim mesmo, enquanto uns nascem, outros morrem?

Não tenho respostas para essas perguntas. Mas faço aqui algumas provocações, tanto melhor se elas levarem às necessárias reflexões. Alguém se lembra de ter visto, em vídeo ou em fotos, a imagem de uma Jacqueline Kennedy dizimada fisicamente pelo câncer? Ou o pulmão do ex-presidente Ronald Reagan explodindo pelas balas que o atingiram num atentado em Nova York? Ou o corpo destroçado da princesa Diane, em meio às ferragens de seu carro, só para citar alguns poucos exemplos?

Ainda assim, ninguém deixou de ser bem informado sobre todas as circunstâncias que antecederam e precederam esses acontecimentos. Por que a mídia aceitou aqueles limites?

Lembram das rotineiras cenas dos caixões desembarcando em aeroportos militares americanos com os corpos (ou o que sobrou deles) dos militares mortos na Guerra do Vietnã, sempre transmitidas ao vivo pelas principais emissoras de TV americanas? Comoviam o público americano. Era tão intenso o impacto que isso acabou forçando um amplo debate nacional sobre sua legitimidade. Venceu a opinião pública e essas imagens nunca mais foram divulgadas. Puseram um fim àquela cobertura.

Mas, chocantes ou não, ninguém hoje duvida o quanto contribuíram para o fim daquela guerra.

Qual é o limite da informação, afinal?

Devemos permiti-lo ou vale tudo para vender mais? Dizem que uma grande parcela da população brasileira gosta não só de samba, chope e mulher, mas também de sangue, muito sangue. O sucesso dos jornais ditos populares não parece desmentir essa versão.

Trabalhei 19 anos em um deles e testemunhei as lutas internas de alguns editores para qualificar a informação que saía dos esgotos da cidade, diminuindo a sangreira, ocultando a porção diabólica do ser humano, buscando um jornalismo mais limpo.

As vendas caíram a níveis preocupantes. Era preciso atender as expectativas do público, dar o que exigiam: cenas “mais reais”.

Eis um belo e proveitoso debate.

[Magda Almeida é jornalista]

Fonte:

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A água ou a vida

12/09/2012 - por Protus Onyuango, da IPS (Inter Press Service)
extraído do site Envolverde

Nairóbi, Quênia – A escassez de água desata guerras interétnicas que continuam ceifando vidas no Quênia.


Mandera, na Província Nordeste do Quênia, palco de enfrentamentos pela água.
Foto: Protus Onyuango / IPS
Se nada for feito para educar as comunidades sobre como conservar os valiosos recursos hídricos, a situação se agravará ainda mais, alertam ambientalistas e especialistas governamentais.

No dia 9, 38 pessoas morreram em ataques de vingança no distrito do delta do Rio Tana, na Província Costeira, incluindo oito crianças, cinco mulheres, 16 homens civis e nove policiais.

O incidente aconteceu após anúncio do governo da realização de um exercício de desarme no delta do Tana, depois que enfrentamentos por água e pastagens deixaram mais de 80 mortos. O chefe de polícia da Província Costeira, Aggrey Adoli, informou à IPS que cerca de 500 cavaleiros do grupo étnico pokomo atacaram a aldeia de Kilelengwani, incendiaram um acampamento policial e destruíram várias estruturas. No dia 10, a região estava inacessível e os policiais tiveram que usar helicópteros para se trasladarem e deter a violência.

Isto foi em represália pelo incidente do dia 6, no qual 13 pokomos foram assassinados quando cavaleiros do grupo étnico orma atacaram a aldeia de Tarassa”, informou Adoli. No entanto, os conflitos pelos recursos não estão limitados a esta região. No dia 22 de agosto, quatro pessoas foram assassinadas em incidentes separados na aldeia de Muradellow, na Província Nordeste. A polícia disse que as mortes aconteceram em um manancial no qual pastores haviam levado seus animais. Em março, 22 pessoas foram mortas em Mandera, na mesma província, enquanto mais de 1,5 mil fugiram da violência na aldeia El Golicha, perto da fronteira com a Somália.

Ernest Munyi, funcionário da Província Noroeste e comissário assistente da polícia regional, contou à IPS que os combates são cada vez mais frequentes. “Os ataques de clãs são comuns na região, que agora é palco de confrontos mensais, desde fevereiro. Antes eram mais esporádicos”, acrescentou. Os choques acontecem entre “pastores nômades que dependem do gado para sobreviver e que lutam pela água e os poucos campos para pastar”, detalhou.

Líderes políticos, ativistas pelos direitos humanos e ambientalistas querem que o governo cuide do problema imediatamente. Mwalimu Mati, diretor-executivo da organização não ernamental Mars Group, que trabalha em temas de governança, disse à IPS que o governo deve distribuir equitativamente os recursos. “Os conflitos pelos recursos estarão conosco por um longo tempo porque as políticas governamentais que promovem o corte de árvores causam desmatamento”, explicou Mati, que também é advogado.

A escassa cobertura florestal tem como consequência uma redução das chuvas, segundo especialistas em água. Peter Mangich, diretor de Serviços de Água do Ministério de Água e Irrigação, disse à IPS que, devido aos efeitos da mudança climática, este país agora recebe apenas um quarto de suas históricas precipitações. “A média anual de chuva é de 630 milímetros, quando deveria ser quatro vezes maior. O Plano Nacional de Desenvolvimento 2002-2008 reconhece o Quênia como um país com escassez hídrica, onde a demanda excede os recursos renováveis”, afirmou o diretor. “O esgotamento de nossos recursos naturais devido às poucas precipitações e à escassa cobertura florestal, que chega a 3%, é um problema. As bacias hidrográficas não cobrem o país de maneira equitativa”, destacou.

Essa é a razão dos crescentes conflitos, segundo o geólogo e ambientalista Bernard Rop. “Houve confrontos por água e pastagens na maior parte da Província Nordeste, bem como entre os turkana, os samburu e os pokot na Província Costeira e na de Rift Valley nos últimos dez anos, causando a morte de 400 pessoas e o roubo de dez mil cabeças de gado”, disse à IPS.

E os conflitos não afetarão apenas as áreas secas. A mudança climática é real. O governo precisa adotar medidas para solucionar este problema”, ressaltou Rop.

Mati explicou que a necessidade de água levou Etiópia, Quênia, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia e Uganda a pedirem a revogação de um tratado de 1959, patrocinado pela Grã-Bretanha, que dá ao Egito, e em menor grau ao Sudão, direitos históricos sobre os recursos do Rio Nilo. Rop afirmou que o Quênia tem água facilmente disponível, mas que deve ser melhor aproveitada. Este país é o maior produtor de energia geotermal na África, com 290 megawatts, afirmou. Também “possui grandes quantidades de água subterrânea, que, se for aproveitada e distribuída nas áreas afetadas, acabará com o conflito”, ressaltou.

Mangich assegurou que o governo está abordando o problema. “Desde o ano passado, temos patrocinado organizações não governamentais, como a World Vision, para que cavem poços nas áreas afetadas, e os moradores possam obter água suficiente para o gado e uso doméstico”, detalhou.


Também os estimulamos a usar a água para plantar vegetais e milho, a fim de complementar a produção pecuária”, ressaltou. Porém, o diretor da Mars Group observou que é preciso exortar os pastores nômades a participarem de outras atividades econômicas mais viáveis, e sugeriu que o governo deveria promover a urbanização.

Isto permitirá a muitas pessoas viver em localidades com serviços públicos e cultivar a terra como grupo, não como indivíduos”, enfatizou Mati.

O ministro da Educação, Mutula Kilonzo, declarou à IPS que antes o governo deve implantar políticas já existentes sobre o acesso a água. “A nova Constituição tem políticas muito boas para as regiões secas, que consistem em cavar poços e promover a irrigação. Deixem que implantemos as leis sobre agricultura e os combates cessarão”, assegurou.


Envolverde/IPS

Fonte:

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Haddad no melhor momento

12/09/2012 - Paulo Moreira Leite,
na coluna Vamos Combinar, da Revista Época (*)

Já tem analista político pedindo socorro a neurologia para tentar explicar a eleição em São Paulo. Outros, em breve, vão jogar búzios.

Prova de que a política brasileira resiste aos amadores. Por que?

Porque boa parte de nossos analistas teima em fazer um exercício primário da política: confundir o desejo com a realidade. São quarentões e cinquentões que não aprenderam nada. Ou muito pouco.

O desejo: torcer por uma derrota de Fernando Haddad em São Paulo, que poderia ser anunciada como o início da desconstrução de Lula pelo eleitorado.

A realidade: Haddad está a três pontos de Serra e dificilmente ficará de fora do segundo turno.


imagem: http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br

Na curva das pesquisas, a tendência de Haddad vai para cima. A de Serra, para baixo.

A curva de Serra que sobe no momento é a rejeição, mostra o DataFolha. Chegou a 46% e é duas vezes e meia maior do que a linha de eleitores que pretendem votar nele. A eleição não está resolvida mas a tendência atual é esta.

Não se sabe se FHC poderá trazer, a Serra, eleitores novos, além dos que já estão com ele.



Marta, com certeza, irá engordar o eleitorado de Haddad.

Considerando que a campanha de Serra resolveu criticar o bilhete único – conquista que a população impediu que fosse extinta quando os tucanos recuperaram a cidade – pode-se prever que Marta não terá muita dificuldade para fazer o trabalho eleitoral.

Até porque o número de indecisos subiu e Russomano deu uma leve oscilada para baixo. Não há dúvida que a campanha de Haddad se encontra no melhor momento. A população começa a prestar atenção nele. Basta conversar na barraca da feira perto de sua casa para perceber isso.


Por isso a escolha de Marta para o Ministério da Cultura tem uma relevância política enorme.

Não é a ajuda na hora da queda, como FHC a Serra. É o reforço na hora da subida.

Já estou estranhando a ausência, até agora, daqueles balanços previsíveis, chorosos e lacrimejantes, sobre a ministra Ana de Hollanda, que sai. Não tenho a menor condição de avaliar o trabalho dela.

Mas tenho certeza de que, massacrada e criticada em vida, será lamentada fora do cargo, num esforço para esconder aquilo que a nomeação de Marta indica: ao contrário do que garantiam os adversários, os petistas se uniram para tentar vencer a eleição. Quem dizia que Dilma estava pouco ligando para a eleição deve conformar-se com a ideia de que ela fez o que pode para ajudar.

Hipocritamente, observadores que sempre acharam que o mercado deveria mandar na Cultura, deixando ao Estado a função de garantir subsídios e facilidades para investidores privados, já preparam críticas a indicação de Marta. Vão cobrar iniciativas e projetos. Vão lembrar frases infelizes e gafes. No fundo, eles acham que a pasta deveria ser extinta mas aproveitam para falar em toma-lá-dá-cá, no mesmo jogo eleitoral que acusam o governo de fazer.

Não sou otimista nem pessimista a respeito do Ministério.

Acho que a Cultura é um ministério político, como todos os outros. Não é moeda de troca eleitoral e deve ser tratado com respeito.

Há muito a ser feito ali. Muito para ser estimulado.


É preciso querer e saber.

É bom aguardar, para breve, que Marta demonstre a que veio, num ministério cuja importância nem sempre é bem compreendida - muitas vezes, nem pelos próprios ministros.

E é bom aguardar, num prazo também curto, o desfecho da eleição paulistana. Agora, que não é impossível imaginar uma vitória de Haddad, já é possível adivinhar como ela será apresentada pelos inimigos, se vier a ocorrer.

Já estão dizendo que, agora, Lula “” quer ganhar em São Paulo. A eleição mais importante, um mês atrás, agora é “” uma.

Não sei se é caso de neurologia. Quem sabe seja psiquiatria, sociologia, sei lá…



Fonte:

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Queimadas continuam a devastar um dos biomas mais ameaçados do país

11/09/2012 - por Assessoria de Imprensa - Fundação Grupo Boticário
extraído do site Envolverde

Queimadas no Cerrado. Foto: protetoresdafloresta

Ação de combate ao fogo é criada no Cerrado para conscientizar população e já apresenta reflexos positivos.

O ano de 2012 nem terminou e o número de queimadas registrado no País já ultrapassou os 32.064 focos de incêndio acumulados no ano passado, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

A situação é ainda pior na região do bioma Cerrado, que compreende principalmente o Distrito Federal e os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, parte de Minas Gerais, Bahia, Maranhão e Piauí.

Em 2011, foram registrados 22.537 focos de incêndio no Cerrado, sendo que até o dia 20 de agosto deste ano, já foram detectadas 39.892 queimadas, um aumento de 83%.

Com base nos dados do INPE, esses números alarmantes ficam ainda pior quando se faz uma previsão total para o ano de 2012 no Brasil, na qual se estima que serão registrados 79.677 focos de incêndio de janeiro a dezembro, o que representa um aumento de aproximadamente 140%, com relação a 2011.

De acordo com o coordenador de Emergências Ambientais do ICMBio, Christian Berlinck, os incêndios naturais ocorrem por causa de raios, que normalmente, precedem as chuvas. “Assim, a própria chuva ajuda a apagar os focos de fogo evitando que eles tomem grandes proporções”, afirma.

Segundo ele, a maioria dos incêndios na época das secas é causada pelas próprias pessoas da região. “Os incêndios podem ser colocados por muitos motivos, principalmente para limpeza de área para agricultura e renovação de pastagem, porém como a vegetação fica muito seca, o fogo espalha-se muito rápido, fugindo do controle”, destaca.

Berlinck afirma que o fogo em uma unidade de conservação traz grandes prejuízos para a população e para a região. “Podemos destacar a perda de biodiversidade, redução qualitativa e quantitativa da água, emissão de gases com potencial para agravar o aquecimento global, perda de nutrientes do solo, erosão, morte de animais e alteração da vegetação”.Como forma de minimizar o problema, a Reserva Natural Serra do Tombador, uma das maiores Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) do Cerrado, localizada em Cavalcante (GO), criou neste ano uma brigada voluntária comunitária de combate a incêndios.

A Reserva, criada e administrada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, foi pioneira na ação na região de Cavalcante. De acordo com a administradora da Reserva, Daniele Gidsicki, a experiência tem sido bastante positiva. “Nós unimos esforços com aqueles que estavam interessados em fazer algo a mais pela região e o retorno foi ótimo. Tivemos uma boa aderência e estamos percebendo que a população local está mais conscientizada”, explica.

Daniele conta que, após sua criação em maio deste ano, a brigada já foi chamada duas vezes: na primeira não foi preciso ir até o local do incêndio, pois o fogo foi controlado. Na segunda, ocorrida no dia 23 de agosto, a brigada agiu o mais rápido possível, o que fez com que o fogo não chegasse até a Reserva. “A equipe está de parabéns. A mobilização foi eficiente impedindo que a Reserva sofresse a ação do fogo”.

Segundo a administradora da Reserva, esse cenário de conservação contrasta com o ano passado, quando foram registrados dois grandes incêndios, sendo que um deles, ocorrido em setembro, atingiu cerca de 80% da extensão da RPPN. “Acreditamos que, embora a época das secas ainda não tenha terminado, esse já é um reflexo positivo da conscientização da população local e do esforço conjunto para preservar a natureza”, conclui.

A capacitação dos voluntários da brigada foi realizada em parceria com a Coordenação Geral de Proteção Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CGPro/ICMBio).

Segundo Berlinck, esse tipo de ação de prevenção e combate a incêndios florestais dificilmente é realizadas de forma isolada. “O Governo Federal sozinho não consegue fazer frente a eventos difusos e com diversas causas, precisa do engajamento da sociedade civil. Felizmente o ICMBio e a Fundação Grupo Boticário estão construindo uma parceria sólida e integrada para apoio mútuo nas ações de prevenção e combate a incêndios”, completa.

Fogo “colocado”
De acordo com Christian Berlinck, é preciso solicitar autorização para qualquer queima de vegetação e fala das medidas de controle. “Além disso, a pessoa deve aceirar a área, acompanhar a queimada, precisa ter água, abafadores, ferramentas de corte para controlar eventuais saídas de controle desse fogo. Existem diversas técnicas de queima controlada.

Outra medida adotada é fazer aceiros, que são faixas em que o capim é cortado para evitar que o fogo se alastre além daquele ponto. “Os incêndios são risco não só para animais e vegetação nativa, mas para as próprias pessoas. O combate ao fogo exige treinamento e equipamentos adequados”, explica.

Proteção da biodiversidade
A administradora da Reserva Natural Serra do Tombador explica que a formação da brigada voluntária faz parte de um programa mais amplo da Reserva de manejo do fogo, que inclui outras capacitações, ações de sensibilização da comunidade, monitoramento, pesquisa, entre outros. “O nosso objetivo é reduzir o risco de incêndios que possam comprometer a biodiversidade do local, já que a Reserva foi criada justamente para conservar a natureza ali presente, além de garantir a segurança das pessoas e a manutenção da infraestrutura”, afirma Gidsicki.

A Reserva Natural Serra do Tombador é a maior RPPN do estado de Goiás, com 8,7 mil hectares. Ela está localizada ao norte goiano, a cerca de 90 km do centro de Cavalcante, no sentido para Minaçu. Em linha reta, a Reserva se encontra a 24 km do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, mas engloba formações vegetais, relevo e componentes da fauna e flora diferentes das existentes no Parque. “A RPPN também tem amostras de quase todos os tipos de ambientes característicos do Cerrado, o que reforça sua importância na conservação do bioma", complementa Gidsicki.



(Fundação Grupo Boticário)

Fonte: 
http://envolverde.com.br/noticias/queimadas-continuam-a-devastar-um-dos-biomas-mais-ameacados-do-pais/

terça-feira, 11 de setembro de 2012

CARTA ABERTA A FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

[Embora seja do início de 2010 essa Carta Aberta de Theotônio dos Santos permanece atual, não só pela insistência com que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso procura se manter como artífice da projeção do Brasil na cena mundial, como, principalmente, pela desfaçatez com que a grande mídia-empresa nacional, cristalizada naquilo que se conhece como a Família GAFE da Imprensa (Globo/Abril/Folha/Estadão), vende esse mito como se não fosse outra a verdade histórica das últimas duas décadas num esforço lastimavel de vê-lo consagrado nos compêndios.]
(Equipe do blog Educom)  


09/09/2012 - Uma carta aberta a FHC que merece ir para os livros de história
Publicado por Renato Rovai em seu blog

Segue uma Carta Aberta de Theotônio dos Santos, economista, cientista político e um dos formuladores da Teoria da Dependência. Hoje é um dos principais expoentes da Teoria do Sistema Mundo.

Mestre em Ciência Política pela UnB e doutor “notório saber” pela UFMG e pela UFF. Coordenador da cátedra e rede UNU-UNESCO de Economia Global e Desenvolvimento sustentável – REGGEN.

O texto é um primor e contribui tanto para entender o quanto o governo do PSDB foi deletério para o Brasil como ajuda a impedir que a mídia tente lavar branquinho” a história e produzir uma nova versão do que foram os anos FHC.


THEOTÔNIO DOS SANTOS: CARTA ABERTA A FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Meu caro Fernando,

Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos anos 1960.

A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação.

Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo com vários estudiosos discutimos, o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população. Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da população. (Se os leitores têm interesse de conhecer o debate sobre estas bases teóricas lhe recomendo meu livro já esgotado: Teoria da Dependência: Balanço e Perspectivas, Editora Civilização Brasileira, Rio, 2000). Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartilhar com você… Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda.

Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO.

E aqui chegamos no outro mito incrível.
Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização.

 O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese?

Conclusões: O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

Segundo mito
Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade. E não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu governo.

Um governo que chegou a pagar 50% ao ano de juros por seus títulos para, em seguida, depositar os investimentos vindos do exterior em moeda forte a juros nominais de 3 a 4%, não pode fugir do fato de que criou uma dívida colossal só para atrair capitais do exterior para cobrir os déficits comerciais colossais gerados por uma moeda sobrevalorizada que impedia a exportação, agravada ainda mais pelos juros absurdos que pagava para cobrir o déficit que gerava. Este nível de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta política agravou drasticamente neste pais da maior concentração de renda no mundo. Vergonha, Fernando. Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus companheiros de partido querem se identificar com o seu governo…te obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.

Terceiro mito
Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID. Tudo isto sem nenhuma garantia.

Esperava-se aumentar as exportações do pais para gerar divisas para pagar esta dívida. O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de Lula existiu exatamente em consequência deste fracasso colossal de sua política macroeconômica. Sua política externa submissa aos interesses norte-americanos, apesar de algumas declarações críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um mercado já copado.

A recusa dos seus neoliberais de promover uma política industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações. A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de qualquer empresa.

Enfim, UM FRACASSO ECONÔMICO ROTUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar… Fernando, o Lula não era ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura econômica que você e seu partido criou para este país.

Gostaria de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha significativa. Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”.

E no plano educacional onde você não criou uma só universidade e entrou em choque com a maioria dos professores universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio profissional. Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por um medíocre presidente.

Lamento muito o destino do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas esta é a política. Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo. Vocês vão ficar na nossa história com um episódio de reação contra o verdadeiro progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política progressista.

E dessa política vocês estão fora.

Apesar de tudo isto, me dá pena colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês (e tenho a melhor recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão a frequentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do poder.

Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.

Theotônio dos Santos

Fonte:
http://revistaforum.com.br/blogdorovai/2012/09/09/uma-carta-aberta-a-fhc-que-merece-ir-para-os-livros-de-historia/

Imagens: blog Educom