domingo, 20 de fevereiro de 2011

Colômbia é líder mundial em deslocamento forçado


Por Helda Martinez, da IPS 

Bogotá, Colômbia, 18/2/2011 – “Queremos gritar ao mundo e ninguém poderá nos calar: o deslocamento forçado de pessoas continua na Colômbia e por isso pedimos solidariedade. Não somos terroristas, não somos criminosos, somos camponeses que tiveram roubados seus direitos e sua dignidade”. Assim disse à IPS, com raiva e tristeza, um líder popular do departamento de Tolima, que pediu para não ser identificado devido a ameaças, diante da Agência Presidencial para a Ação Social e a Cooperação Internacional, onde forças de segurança impediram, na semana passada, outro protesto de camponeses que perderam suas terras por causa dos enfrentamentos armados.

Cerca de 5,2 milhões de pessoas, entre 1985 e 2010, foram tiradas das zonas rurais, segundo um informe, divulgado no dia 16, pela não governamental Consultoria para os Direitos Humanos e o Deslocamento (Codhes). Este número confirma que a Colômbia continua no topo da lista de países com maior quantidade de pessoas obrigadas a deixar suas casas e refugiadas pela violência política, como já havia indicado em 2009 o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

O estudo “Consolidação do que?. Um informe sobre deslocamento, conflito armado e direitos humanos na Colômbia em 2010” foi concluído no período de transição do governo de Álvaro Uribe (2002-2010) para o atual de Juan Manuel Santos, afirmaram os autores. “Ao contrário de seu antecessor, o presidente Santos promove o diálogo nacional e político, inclui a paz em sua agenda e reivindica o direito das vítimas”, ressaltaram.

Acrescentaram que “é cedo para saber se a virada se consolidará”, mas a esperança é conseguir uma “solução militar para o conflito armado que afeta o país” desde começo dos anos 1960. Esta guerra obrigou, nos últimos 25 anos, “11,4% da população colombiana a mudar de residência, porque sua vida, integridade física ou liberdade ficaram vulneráveis ou ameaçadas”, diz o documento de 140 páginas. Somente nos dois mandatos de Uribe aconteceu metade dos deslocamentos contabilizados.

A Ação Social Presidencial afirmou que 86.312 pessoas tiveram que abandonar suas casas em 2010, mas a Codhes elevou esse número para 280 mil, baseando-se no acompanhamento diário do fenômeno, na verificação de informação e adição de fontes secundárias. Estatísticas analisadas no contexto da violência e do deslocamento em regiões de execução do Plano Nacional de Consolidação Territorial indicam que 32,7% dos refugiados são oriundos de municípios incluídos nessa política de luta contra as guerrilhas esquerdistas.

Esse programa foi adotado por Uribe em 2007 com o pretexto de “cumprir os objetivos de consolidação da Segurança Democrática, manter a confiança dos investidores e avançar na política social efetiva”. Incluiu 86 dos 1.141 municípios em que se divide o país. Em 21 deles foram desenvolvidos projetos de prospecção, exploração ou exportação de minerais, e em outros 14 o plantio de forma intensiva da palma e substituição de cultivos agrícolas pelos destinados a produzir biocombustíveis. Todos são projetos produtivos relacionados com o despojo violento de terras, segundo a Codhes.

A Comissão de Acompanhamento da Política Pública sobre Deslocamento Forçado, formada como resultado de decisões da Corte Constitucional em 2004, assegura que entre 1980 e julho de 2010 foram confiscados mais de 6,6 milhões de hectares por ações violentas atribuídas a grupos armados ilegais. Os departamentos afetados coincidem com as regiões nas quais se desenvolve o Plano, com ênfase nos departamentos de Antioquia e Chocó, com 1,9 milhão de hectares alienados.

A Codhes informa que 44 municípios dos 86 incluídos no Plano fazem parte dos que registraram a maior expulsão de moradores no ano passado, com seis episódios que afetaram mais de 2.684 pessoas e onde foram cometidos 19 massacres nos quais morreram 92 pessoas. Acrescenta que nessa zona foram registrados 176 assassinatos, incluindo indígenas, funcionários públicos, líderes comunitários, um ativista pelos direitos humanos e um jornalista.

O processo de restituição de terras ou concessão se viu envolvido em outra violência extrema, que custou a vida, entre março de 2002 e janeiro de 2011, de 44 líderes de populações deslocadas. A isso se soma a pobreza na qual essas pessoas caem quando têm de se radicar longe de sua origem, com indicadores que chegam a até 70%.

“Meu marido criava animais, tínhamos mulas de arreio, também cultivávamos mandioca, banana, cacau e negociávamos nossa colheita em Norte de Santander. Eles o mataram e tudo ficou lá, enterrado, nas mãos de outros”, contou à IPS Miryam Rojas em 2009, durante a ocupação que refugiados mantiveram por três meses no parque central Tercer Milenio, em Bogotá. “Foi muito difícil. Olhava as escrituras das minhas terras e chorava”, acrescentou.

O diretor da Codehs, Jorge Rojas, disse que o informe questiona a política de Uribe e seu Plano Nacional de Consolidação, porque “em seus primeiros três anos de execução há muitas dúvidas sobre sua efetividade”. Os 5,2 milhões de deslocados colocam este país em primeiro lugar no mundo nessa matéria, seguido de Sudão, Iraque e Afeganistão, segundo o informe da Codhes. Envolverde/IPS

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Crédito:
Helda Martínez/IPS
Legenda: Jorge Rojas, diretor da Codhes.

(IPS/Envolverde)