Laerte Braga, jornalista e analista político
Não houve nem precipitação, tampouco fazer o jogo da direita ao criticar a carta enviada pela presidente Dilma Rousseff ao presidente da Itália (confira o pé deste post), a propósito do caso Cesare Battisti.
O fato da presidente da República pertencer a um partido supostamente comprometido com lutas populares e ter sucedido a um governo – Lula – que malgrado as críticas possíveis e passíveis, superou obstáculos e dificuldades os mais variados, bombas de efeito retardado deixadas pelo governo FHC, é preciso enxergar além de um outro fato, ver o todo, o conjunto.
A carta de Dilma foi resultado de uma discussão ampla sobre o assunto – a extradição de Cesare Battisti – e foi sim um ato de submissão, qualquer que tenha a expressão usada ou o “STF DECIDIR”, ou o “STF MANIFESTAR-SE”.
A corte dita suprema já se manifestou em julgamento anterior e como bem alertou o ministro Marco Aurélio Mello, a competência é do presidente da República. A de extraditar ou não.
Dilma Roussef teve conhecimento da decisão do então presidente Lula e apoiou-a. Mesmo porque fez parte do seu governo até a desincompatibilização para candidatar-se à presidente.
O assunto Battisti virou preocupação dentro do governo federal, o atual, seja pela reação do governo italiano, da carta do presidente da Itália ou pela descabida e lamentável atitude do presidente do STF o ministro Cesar Peluso. Ato contínuo ao decreto de Lula deveria ter sido expedido o alvará de soltura, ou mandado de soltura de Battisti e o ministro iria fazê-lo, cientificou o ex-presidente disso, até que contatado por Gilmar Mendes e o embaixador italiano resolveu participar, dar a partida nessa farsa de tentar um confronto com o Executivo.
A visão pragmática de Dilma levou-a em reuniões com assessores a lamentar o fato num primeiro momento, para em seguida, reclamar, notem bem RECLAMAR da “tardia decisão de Lula que teria deixado a bomba em suas mãos”.
Os que tiverem boa memória hão de lembrar-se de uma reprimenda do ex-presidente ao seu ministro da Fazenda, Guido Mantega – que permanece no cargo – dias antes da posse de Dilma. Mantega anunciou cortes no orçamento e paralisação e suspensão de algumas obras previstas. A reprimenda de Lula foi para lembrar ao ministro que ainda era ele o presidente da República e não havia autorizado nada daquilo que Manteca falara.
Este fato serve para ilustrar a campanha sórdida desfechada por figuras como Marco Aurélio Garcia (pelego petista) contra os ministros Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães. E coincidentemente parte dos documentos revelados pelo WIKILEAKS mostram Garcia íntimo dos embaixadores dos EUA, funcionando como uma espécie de consultor.
A luta interna que precedeu a posse de Dilma tinha objetivos claros como manter Jobim na Defesa, afastar Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães. O chanceler e o ministro, apesar de todo o esforço de Marco Aurélio Garcia para destruir, construíram uma política externa que transformou o Brasil em protagonista da história que vivemos nos dias atuais.
Neste momento o que poderíamos chamar de lado pragmático do governo Dilma, os que pensam e transformam a economia em fator principal deixando de lado o político, os compromissos de mudanças, fizeram ver a presidente que era necessário entender que se preciso for “sacrificar” Battisti para evitar um confronto com o Judiciário, que Battisti seja sacrificado.
Apostam em convencer ministros do STF a reiterar a competência final do presidente para extraditar ou não, no que estaria convalidado um ato de Lula e isenta Dilma de qualquer responsabilidade no processo.
É evidente que o ex-presidente Lula não vai falar sobre o assunto. Tomou o bonde errado e começa a amargar o abandono de alguns “companheiros” ávidos, sempre, de poder, cargos para ser mais franco.
Vai até o fim da linha, ou enquanto suportar e isso é dele, ninguém pode marcar data para suportar ou não suportar.
As concessões feitas no governo Lula, vamos admitir, por consequência das bombas de efeito retardado deixadas pelo governo FHC foram superadas com êxito. O papel da presidente Dilma seria o de buscar caminhos de mudanças estruturais e avanços efetivos em todas as áreas, mantendo o Brasil, acima de tudo, como o que assumia posição de destaque no primeiro plano mundial, deixava de ser coadjuvante.
O governo da Itália enfrenta uma grave crise. O primeiro-ministro é um banqueiro repulsivo por si e por tudo, precisa exibir um escalpo para suportar pressões entre elas a de evitar que a crise arraste o país a uma situação de desemprego elevado, de quebradeira em alguns setores, enfim, esse momento vivido pelo mundo neoliberal.
A carta de Dilma se insere nesse contexto.
As pressões para entregar Battisti não são apenas da Itália. Diplomatas norte-americanos já “aconselharam” o Brasil a ser “livrar” desse problema.
A mídia privada brasileira é cúmplice dessa ordem mundial. Faz o jogo dos interesses internacionais, dos grandes conglomerados.
O latifúndio aqui não está sendo aquinhoado pelo DEM, mas por trabalhos do líder do PT, deputado Vacarezza (semente terminal), pelo deputado do PC do B Aldo Rebelo (código florestal).
Patrulhar críticas ao governo Dilma tentando rotulá-las de “fazer o jogo da direita, do PIG” é tão somente agarrar-se a achegos num governo que vive uma disputa interna intensa, da qual a presidente não está dando conta, e na qual as forças à direita começam a triunfar.
Ou não perceber todo esse jogo.
É claro que algumas reações ao artigo que escrevi são leais e refletem aspirações de companheiros e camaradas íntegros.
“Lula elege até um poste” foi uma frase do ex-ministro da ditadura Delfim Neto.
Dilma, evidente, não é Lula. Mas é produto dos resultados do governo Lula e dos compromissos assumidos em praça pública quando da campanha eleitoral. Isso está longe do aparelhamento do Estado, ou da doação de partes do Estado a “aliados” que nada têm a ver com os compromissos de avanços políticos, econômicos e sociais.
Não passam nem pelo latifúndio, nem pelos bancos, muito menos, noutra ponta, pelo peleguismo de grupos sindicais.
A política de alianças pode implicar em concessões, evidente, mas nunca em realmente cair de quatro e a expressão não significa nenhuma ofensa à condição de mulher da presidente, pois é usual até em conversas informais, corriqueiras.
O que se pretendeu com a carta, reitero, onde a expressão DECIDIR, ou MANIFESTAR-SE é submissão, o ato final é privativo do presidente, ou da presidente, foi apenas jogar o problema para a frente e em qualquer situação, atribuí-lo a Lula.
Se for o caso de extraditar Battisti uma capitulação e uma traição sem tamanho, embora ache isso difícil, tudo bem (mas não impossível, depende de como vai ser encaminhado). Caso contrário, para o governo da Itália a presidente vai dar de ombros e dizer que o problema foi criado por Lula.
Foi isso que ela fez.
A carta poderia, tranquilamente ter reafirmado os laços que unem Brasil e Itália, mas ao mesmo tempo a soberania do Brasil sobre a matéria, tanto quanto lamentar, no mínimo, a interferência do governo italiano em questões internas do Brasil. O envolvimento de dois lamentáveis ministros do STF no assunto, à revelia, rasgando a constituição.
Ou tentando rasgar.
Por fim, se qualquer crítica a Dilma, dura ou não, for vista como “equívoco”, “conclusão apressada”, expondo o crítico a execrações quaisquer que sejam elas, aí some qualquer prurido ou chance de debate político sério no Brasil.
E é aí que vamos cair nas mãos da direita.
Dilma não é Lula, repito, mas os compromissos assumidos e o respeito devido a Lula transcendem a jogos e disputas por cargos, vantagens, por aparelhar o Estado num burocratismo economicista que não vai nos levar a lugar algum, a não ser abrir espaços para figuras como Aécio Neves, loucos travestidos de políticos sérios.
Entramos num jogo de clube de amigos e inimigos cordiais.
Vale lembrar as declarações de Marco Aurélio Garcia em 2000, quando do Congresso do PT em Belo Horizonte e as reivindicações de um amplo debate político sobre programa etc.
“A minha base me obedece e não quer saber disso, Nem entende disso”.
Tomara que o governo Dilma não mergulhe no economicismo burocrático desse jogo dito institucional (mas eu duvido, vai cair direitinho, está caindo, nessa armadilha).
A certeza que essa luta não vai ser ganha nesse plano.
E como disse, se criticar Dilma for sacrilégio, que ela seja ungida papisa. A infalível.
Laerte Braga: 'Cai fora Dilma - chega de cair de quatro'
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