O ponto é que, além de medidas para facilitar o comércio mútuo, as ações do bloco vão-se tornando cada vez mais políticas. Os BRICS não apenas mostram seu poder econômico como, também, tomam medidas concretas na direção acelerada rumo a mundo multipolar. Nisso, o Brasil é particularmente ativo.
Por Pepe Escobar
Notícias da morte prematura dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são muitíssimo exageradas. A imprensa-empresa ocidental está inundada dessas tolices, perpetradas, nesse específico caso, pelo presidente do Morgan Stanley Investment Management.[1]
A realidade é outra. Os BRICS reúnem-se em Durban, África do Sul, nessa 3ª-feira ,26 de março, para, dentre outros passos, criarem sua própria agência de avaliação de riscos, escapando assim da ditadura – ou, no mínimo, das “agendas enviesadas”, como diz a diplomacia indiana – das agências tipo Moody's/Standard & Poor. Também tocarão adiante a criação de um Banco de Desenvolvimento dos BRICS, com capital inicial de US$50 bilhões (faltam só se definir alguns detalhes estruturais), para ajudar em projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.
Importante, mesmo, é que EUA e União Europeia não serão acionistas desse Banco do Sul – alternativa concreta, estimulada principalmente por Índia é Brasil, ao Banco Mundial e ao sistema de Bretton Woods controlados pelo Ocidente.
Como observou o ministro das Finanças da Índia Jaswant Singh, esse banco de desenvolvimento poderá, por exemplo, canalizar o know-how de Pequim, para ajudar a financiar as obras massivas de infraestrutura das quais a Índia carece.
As grandes diferenças políticas e econômicas entre os países BRICS são autoevidentes. Mas, já agora reunidos e operando como grupo, o ponto já não é se podem proteger a economia global contra a crise non-stop do capitalismo-de-cassino avançado.
O ponto é que, além de medidas para facilitar o comércio mútuo, as ações do bloco vão-se tornando cada vez mais políticas. Os BRICS não apenas mostram seu poder econômico como, também, tomam medidas concretas na direção acelerada rumo a mundo multipolar. Nisso, o Brasil é particularmente ativo.
Inevitavelmente, os míopes fanáticos atlanticistas de sempre do consenso de Washington nada veem – miopicamente – além de “BRICS esperam mais reconhecimento das potências ocidentais”.
Claro que há problemas. O crescimento está mais lento no Brasil, China e Índia. Dado que a China, por exemplo, tornou-se principal parceiro comercial do Brasil – já ultrapassou os EUA –, vastos setores da indústria brasileira sofreram com a concorrência das manufaturas chinesas baratas.
Mas há perspectivas futuras inescapáveis. Os BRICS muito provavelmente terão mais poder no Fundo Monetário Internacional. Detalhe crucialmente importante, os BRICS passarão a negociar em suas próprias moedas nacionais, servindo-se, de um yuan globalmente conversível e afastando do dólar norte-americano e do petrodólar.
A China em momento menos acelerado
O inventor da expressão “BRIC” (no início, ainda sem a África do Sul) foi Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs, nos idos de 2001. Muito interessante e esclarecedor ouvir o que O’Neill tem a dizer hoje, sobre o mesmo tema [em longa entrevista à revista Der Spiegel (21/3/2013, “BRICS 'Have Exceeded all Expectations” [Os BRICS superaram todas as expectativas], Der Spiegel).[2]
O'Neill destaca que a China, mesmo tendo crescido “meros” 7,7% em 2012, “Criou riqueza equivalente a uma economia grega inteira, a cada 11 semanas e meia”. A desaceleração na China foi “cíclica e estrutural” – um ‘desligar a máquina’ planejado para controlar o superaquecimento e a inflação.
Os impulso adiante que se vê nos BRICS é parte de uma tendência global irresistível. Boa parte dessa tendência está bem decodificada num novo relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas [orig. United Nations Development Programme].[3] Em resumo: o norte está sendo ultrapassado na corrida econômica, pelo sul global, que corre a velocidade estonteante.
Segundo aquele relatório, “pela primeira vez em 150 anos, a soma dos resultados das três principais economias do mundo em desenvolvimento – Brasil, China e Índia – é praticamente igual aos PIBs somados das notórias potências industriais do Norte”.
A conclusão óbvia é que “o crescimento do Sul global está reformatando radicalmente o mundo do século 21, com nações em desenvolvimento comandando o crescimento econômico, arrancando da miséria centenas de milhões de pessoas e empurrando bilhões mais para uma nova classe média global.”
E no coração crucial ardente desse processo, encontramos um épico eurasiano: o desenvolvimento de relação estratégica entre Rússia e China.
Sempre o Oleogasodutostão...
O presidente Vladimir Putin da Rússia não quer saber de arrastar prisioneiros: quer empurrar os BRICS no rumo de constituir “um mecanismo de cooperação estratégica em plena escala, que nos permitirá, juntos, procurar soluções para as questões chaves da política global”.[4]
Isso implicará uma política externa comum para todos os BRICS – e não só alguma coordenação seletiva em torno de alguns temas. Não será fácil. Exigirá tempo. Putin está perfeitamente consciente disso.
O que torna tudo ainda mais fascinante é que Putin já expôs essas ideias ao novo presidente da China, Xi Jinping, que o visitou em Moscou, por três dias. Putin não mediu palavras: fez questão de dizer e repetir que as relações sino-russas “são hoje as melhores, em séculos de história”.4
Não é exatamente o que os atlanticistas hegemonistas gostariam de ouvir – sempre interessados, eles, em manter todas as relações no pé em que estavam na Guerra Fria.
Xi retribuiu em alto estilo: “Não viemos visitá-los à toa” – como se lê, parcialmente detalhado no China Daily.[5] E esperem só, que a potência criativa dos chineses comece a gerar dividendos.[6]
Inevitavelmente, o Oleogasodutostão está no coração do projeto de relações complementares entre esses dois grandes BRICS.
A China precisa do petróleo e o gás da Rússia, como item de segurança nacional. A Rússia quer vender mais e mais dos dois itens, diversificando a carteira de clientes, na direção do Oriente; mais que tudo, a Rússia receberia com enorme entusiasmo investimentos chineses no extremo oriental de seu território – a imensa região Trans-Baikal.
E, por falar nisso, não é verdade que o “perigo amarelo” esteja invadindo a Sibéria – como diz o ocidente. Só 300 mil chineses vivem hoje na Rússia.
Consequência direta da reunião de cúpula Putin-Xi é que de agora em diante Pequim pagará adiantado pelo petróleo russo que comprar – em troca de participar em inúmeros projetos, como, por exemplo, na prospecção de petróleo em alto mar nas áreas da CNPC e Rosneft no Mar de Barents e em outros pontos das águas russas.
A Gazprom, por sua vez, fechou negócio longamente esperado de gás com a CNPC: 38 bilhões de metros cúbicos por ano entregues pelo gasoduto ESPO, a partir da Sibéria, começando em 2018. E já no final de 2013, será finalizado e assinado um novo contrato chinês com a Gazprom, envolvendo fornecimento de gás para os próximos 30 anos.
As ramificações geopolíticas são imensas: importar mais gás da Rússia ajuda Pequim a, gradualmente, escapar do seu dilema Malacca e Hormuz[7] – para não mencionar a industrialização das províncias do interior da China, imensas, muito densamente povoadas, duramente dependentes ainda da agricultura, e que ficaram à margem do boom econômico.
Eis como o gás russo encaixa-se no plano máster do Partido Comunista Chinês: para configurar as províncias do interior do país como base de apoio para a classe média chinesa – 400 milhões de chineses cada vez mais ricos, mais urbanizados, que vivem na costa leste.
Putin, ao dizer e insistir que não vê o bloco BRICS como “concorrente geopolítico” contra o ocidente, fez o que faltava fazer: negou oficialmente, para não deixar dúvidas de que, sim, sim, se trata exatamente disso. Durban será, provavelmente, a ocasião em que se sacramentarão apenas os primeiros movimentos dessa competição. Desnecessário dizer que as ‘elites’ ocidentais – ainda que estagnadas e à beira da bancarrota – não cederão, senão depois de muita luta, qualquer dos seus privilégios.
[1] “Broken BRICs. Why the Rest Stopped Rising” [BRICs quebrados. Por que o resto parou de crescer], Foreign Affairs, nov.-dez.2012, emhttp://www.foreignaffairs.com/articles/138219/ruchir-sharma/broken-brics.
[4] 22/3/2013, Vladimir Putin (entrevista): “Os BRICS são grupo de integração, não de concorrência” (Agência ITAR-TASS, traduzida emhttp://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/vladimir-putin-os-brics-sao-grupo-de.html).
[5] 22/3/2013, “China-Russia ties get 'even better'” [As relações China-Rússia, cada vez melhores], China Daily, em http://www.chinadaily.com.cn/china/2013-03/22/content_16332318.htm
26/3/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-01-260313.html
http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-01-260313.html
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Fonte: Rede Democrática