20/06/2012 - original do “Discurso de Pepe Mujica en Río”, por ocasião da Rio+20 (junho/2012)
- extraído do El Heraldo, da Argentina, de 21-11-2012
- Tradução: Christina Iuppen
“El discurso ya se está considerando
histórico, Mujica habló ante una audiencia de mandatarios que con desgano
escucharon las verdades brutales que les decía, recien a días del discurso, la
prensa internacional y el mundo comienzan a tener en cuenta que no fue un
simple discurso el que dijo el presidente uruguayo.” (El Heraldo)
Autoridades presentes de todas as
latitudes e organismos, muito obrigado. Muito obrigado ao Brasil e à Senhora sua
Presidente, Dilma Roussef. Muito obrigado também à boa-fé manifestada por
todos os oradores que me precederam.
Expressamos a íntima vontade, como
governantes, de apoiar todos os acordos que esta nossa pobre humanidade possa
subscrever. No entanto, permitam-nos fazer algumas perguntas em voz alta.
Tem-se falado por toda a tarde do desenvolvimento
sustentável. De retirar as imensas massas da pobreza.
Que nos vem à mente?
O modelo de
desenvolvimento e consumo que queremos é o modelo atual das sociedades ricas?
Faço-me esta pergunta: que aconteceria
com o planeta se os indianos tivessem a mesma proporção de carros por família
que têm os alemães?
Quanto oxigênio nos
restaria para respirar?
Mais claro: tem o mundo os elementos
materiais para possibilitar que 7 ou 8 bilhões de pessoas possam ter o mesmo
grau de consumo e desperdício que têm as mais opulentas sociedades ocidentais?
Será isto possível?
Ou teremos que dar-nos outro tipo de
discussão?
Criamos esta civilização em que vivemos:
filha do mercado, filha da competição, que redundou num portentoso e explosivo
progresso material.
Mas a economia de mercado criou
sociedades de mercado. E nos deparamos com esta globalização cujo olhar alcança
todo o planeta.
Estamos governando esta globalização ou
é ela que nos governa a todos?
É possível falar de solidariedade e de
que ‘estamos todos juntos’ numa economia embasada na competição sem piedade?
Até onde vai nossa fraternidade?
Não digo isto para negar a importância deste evento. Pelo contrário: o desafio
que temos pela frente é de uma magnitude e caráter colossais, e a grande crise
que temos não é ecológica, é política.
O homem não governa hoje as forças que desencadeou, mas essas forças desatadas
governam o homem. E a vida.
Não viemos ao planeta para
desenvolver-nos, simples e generalizadamente. Viemos ao planeta para ser
felizes. Porque a vida é curta e se nos esvai. E bem nenhum vale tanto como a
vida. Isto é elementar.
Mas a vida me vai escapar, trabalhando e
trabalhando para consumir um ‘plus’,
e a sociedade de consumo é o motor disto. Porque, definitivamente, se se
paralisa o consumo, detém-se a economia, e se se detém a economia aparece o
fantasma da estagnação para cada um de nós.
Mas é esse hiper-consumo que vem
agredindo o planeta.
E é preciso
gerar esse hiper-consumo, fazer com que as coisas durem pouco, porque é preciso
vender muito. E uma lâmpada elétrica, então, não pode durar mais de 1000 horas
acesa.
Mas há lâmpadas que podem durar 100 mil horas acesas! Mas essas não, não
podem ser feitas; porque o problema é o mercado, porque temos que trabalhar e
temos que manter uma civilização de ‘use-o e jogue-o fora’. E assim estamos em
um círculo vicioso.
Estes são
problemas de caráter político.
Indicam-nos que é tempo de começar a lutar por
outra cultura.
Não se trata de
reivindicarmos a volta do homem às cavernas, nem de erguer um monumento ao
atraso. Mas não podemos seguir,
indefinidamente, governados pelo mercado: temos nós que governá-lo.
Os velhos
pensadores – Epicuro, Sêneca, e também os aymarás, definiam: ‘pobre não é o que tem pouco, mas o que
necessita infinitamente muito’. E deseja ainda mais. Essa é uma chave de caráter cultural.
Sendo assim, vou
saudar o esforço dos acordos que se façam. E vou acompanhá-los, como
governante.
Sei que algumas
coisas que estou dizendo ‘rangem’.
Mas precisamos dar-nos conta de que a crise da água e da agressão ao meio
ambiente não é causa.
A causa é o modelo de civilização que montamos. O que
temos que repensar é nossa forma de viver.
Pertenço a um
pequeno país muito bem dotado de recursos naturais para viver. No meu país há
pouco mais de 3 milhões de habitantes.
Mas há uns 13
milhões de vacas, as melhores do mundo. E uns 8 ou 10
milhões de estupendas ovelhas.
Meu país é
exportador de comida, de lácteos, de carne. É uma peneplanície, e quase 90% de seu território é aproveitável.
Meus
companheiros trabalhadores lutaram muito pelas 8 horas de trabalho. E estão
conseguindo agora as 6 horas. Mas o que tem 6
horas consegue dois trabalhos e, portanto, trabalha mais do que antes.
Por quê? Porque
tem que pagar uma quantidade de coisas: a moto, o carro, quotas e quotas e,
quando acorda, vê que é um velho cuja vida se foi.
E fica a pergunta: é esse o destino da
vida humana?
Apenas consumir?
Tem que ser a favor da felicidade
humana, do amor à terra, do cuidado com os filhos, junto aos amigos. E ter,
sim, o essencial. Precisamente porque é o mais importante
tesouro que temos.
Quando lutamos pelo meio ambiente, temos que recordar que o
primeiro elemento do meio ambiente se chama ‘felicidade humana’.
Fonte:
http://www.elheraldo.com.ar/noticias/79643_discurso-de-pepe-mujica-en-rio.html
Não
deixe de ler:
- “É preciso sair do capitalismo” – Marcela Valente (entrevista com o escritor
francês Hervé Kempf)
- Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte final 6/6 - UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM - Antonio
Fernando Araujo
Nota:
A inserção das imagens, quase todas
capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou
outra, inexistem no texto original.