Mostrando postagens com marcador sociedade de consumo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador sociedade de consumo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Black Friday e a depressão das compras

28/11/2013 - Black Friday: cuidado com a depressão que surge depois de compras inúteis
- Leonardo Sakamoto em seu blog do Sakamoto

Não entendo as pessoas que têm um prazer orgásmico no ato de comprar sem motivo.

Quer dizer, entendo, antropologicamente falando, dá mesma forma que compreendo o porquê de uma ave migratória europeia ir para o Sul no inverno ou os fantasmas atacarem o velho e bom  パックマン, vulgo Pac-Man. Ou seja, programação.

Sei que há um milhão de justificativas que podem ser dadas para tal ato: como a ardente materialização do desejo, passando pela projeção no objeto de uma série de sentimentos que você não terá tempo para viver por conta própria (ou alguém aqui acha que é mais livre por ingerir xarope com água gaseificada?) até pela simples possibilidade de deixar claro que está acima no estrato social via símbolos de status e poder.

Estamos chegando a mais uma Black Friday, uma sexta-feira de grandes descontos, ideia que nasceu nos Estados Unidos depois do Dia de Ação de Graças e foi importada para cá por razões óbvias.

Alguns sites mais-que-honestos de compras já estão se preparando para subir o preço em 80% para, assim que virar a meia-noite, dar um incrível desconto de 75%.

[Tornou-se o Black FRAUDEI, em sua versão tupiniquim - Educom]

Em outros, realmente o bicho vai pegar.

Comprar é importante, gira a economia, gera empregos, realiza desejos, supre necessidades, compensa frustrações, controla o povo.

A possibilidade de que a aquisição de um bem esteja no horizonte de uma pessoa dá a ela um sentido para a sua existência.

Bizarro, mas é a vida – e isso traz ansiedade e esperança para as “hordas de bárbaros'', que aprenderam que esses produtos são os passaportes para se transformarem de nada em alguém.

Por tudo isso, um pedido: não compre com o fígado.

Ao acordar de manhã, cheque a fatura do seu cartão de crédito, os extratos bancários e os empréstimos – dos CDCs, passando pelas consignados até aquela grana que você tomou emprestado da sogra e nunca devolveu.

E reflita se o seu emprego está minimamente garantido pelo próximo ano antes de cair na esbórnia e comprar aquele descascador eletrônico de ovo cozido que você nunca vai usar, mas que o cara da TV disse que, sem ele, você é um zero à esquerda.

Lembre-se: não é a demanda que gera oferta. Mas a publicidade ostensiva sobre a oferta que cria a demanda.

Como já disse aqui, não estou peidando regras ao vento, achando que sou leve feito um elfo. Tenho meus desejos de consumo.

Mas se está com aquele vazio difícil de preencher ou ficando “transparente'' para seus amigos e colegas, a solução é realmente adquirir um produto e, através dele, o pacote simbólico de cura e inserção que traz consigo?

Você acha realmente que precisa dar um presente para alguém a fim de mostrar que a ama? Você se lembra como escrever cartas com as próprias mãos?

Não precisamos ser aquilo que compramos.

Ou, melhor, você não precisa comprar para ser alguém.

Esses objetos de desejo serão realmente úteis para você?

Ou só procura um estilo de vida do que gostaríamos de ser, mas não podemos ou não tempos tempo para isso?

Presenteamos nossos filhos para demonstrar amor em nossa ausência achando que isso resolve?

Aliás, “o que deveríamos ser'' normalmente não é resultado de uma autoreflexão, mas de alguém martelando isso em nossa cabeça, dia após dia, em comerciais, anúncios, novelas e filmes.

Quanto tempo depois de uma compra impulsiva você percebe que aquilo não lhe trouxe felicidade?

E a culpa vai te consumindo por dentro (afinal, somos uma país católico ou não somos!) ou, pior: o vazio da falta de significado que aquilo tudo lhe traz para a vida dá uma paúra que anti-ácido não resolve.

A “classe baixa com poder de consumo mas ainda fora de patamares mínimos de dignidade'', conhecida como “nova classe média'', está alcançando a inclusão social através do consumo.

A pessoa deixa de ser vista como uma ignorante completa, uma outsider, porque tem um iPhone.

Sendo que seria melhor que sua inclusão ocorresse via a garantia de serviços de educação, saúde, cultura e lazer de qualidade e as consequências positivas que isso traz.

Não é novidade neste blog quando digo que muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta.

Em promoções, como esta, em que a porteira está aberta e o convite está feito, nem se fala.

Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco.

Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada para dar, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém.

As próprias campanhas contra o consumismo desenfreado e pela proteção ao meio ambiente podem ser, quando superficiais, bons pacotes fechados para o consumo imediato e o alívio rápido da consciência, a compra de uma indulgência social ou ambiental.

Já que a contradição é inerente ao capitalismo e à sociedade de consumo, por que ter pudores ao explorar isso?

Sextas-feiras como esta só ajudam a catalisar o processo.

Boas compras


Mas lembre-se que montar uma pipa com papel de seda, organizar um piquenique no parque, ir a algumas exposições bem legais, pegar emprestado um bom livro ou ir a um sarau literário não custam quase nada.

Mas são tão grandes que não cabem em caixas de papelão.

Fonte:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/11/28/black-friday-cuidado-com-a-depressao-que-surge-depois-de-compras-inuteis/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

terça-feira, 5 de março de 2013

Discurso de Pepe Mujica no Rio de Janeiro

20/06/2012 - original do “Discurso de Pepe Mujica en Río”, por ocasião da Rio+20 (junho/2012)
- extraído do El Heraldo, da Argentina, de 21-11-2012
Tradução: Christina Iuppen

“El discurso ya se está considerando histórico, Mujica habló ante una audiencia de mandatarios que con desgano escucharon las verdades brutales que les decía, recien a días del discurso, la prensa internacional y el mundo comienzan a tener en cuenta que no fue un simple discurso el que dijo el presidente uruguayo.” (El Heraldo)

Autoridades presentes de todas as latitudes e organismos, muito obrigado. Muito obrigado ao Brasil e à Senhora sua Presidente, Dilma Roussef. Muito obrigado também à boa-fé manifestada por todos os oradores que me precederam.

Expressamos a íntima vontade, como governantes, de apoiar todos os acordos que esta nossa pobre humanidade possa subscrever. No entanto, permitam-nos fazer algumas perguntas em voz alta.

Tem-se falado por toda a tarde do desenvolvimento sustentável. De retirar as imensas massas da pobreza.

Que nos vem à mente?

O modelo de desenvolvimento e consumo que queremos é o modelo atual das sociedades ricas?

Faço-me esta pergunta: que aconteceria com o planeta se os indianos tivessem a mesma proporção de carros por família que têm os alemães?

Quanto oxigênio nos restaria para respirar?

Mais claro: tem o mundo os elementos materiais para possibilitar que 7 ou 8 bilhões de pessoas possam ter o mesmo grau de consumo e desperdício que têm as mais opulentas sociedades ocidentais?

Será isto possível?

Ou teremos que dar-nos outro tipo de discussão?

Criamos esta civilização em que vivemos: filha do mercado, filha da competição, que redundou num portentoso e explosivo progresso material.

Mas a economia de mercado criou sociedades de mercado. E nos deparamos com esta globalização cujo olhar alcança todo o planeta.

Estamos governando esta globalização ou é ela que nos governa a todos?

É possível falar de solidariedade e de que ‘estamos todos juntos’ numa economia embasada na competição sem piedade?

Até onde vai nossa fraternidade?

Não digo isto para negar a importância deste evento. Pelo contrário: o desafio que temos pela frente é de uma magnitude e caráter colossais, e a grande crise que temos não é ecológica, é política.

O homem não governa hoje as forças que desencadeou, mas essas forças desatadas governam o homem. E a vida.

Não viemos ao planeta para desenvolver-nos, simples e generalizadamente. Viemos ao planeta para ser felizes. Porque a vida é curta e se nos esvai. E bem nenhum vale tanto como a vida. Isto é elementar.

Mas a vida me vai escapar, trabalhando e trabalhando para consumir um ‘plus’, e a sociedade de consumo é o motor disto. Porque, definitivamente, se se paralisa o consumo, detém-se a economia, e se se detém a economia aparece o fantasma da estagnação para cada um de nós.

Mas é esse hiper-consumo que vem agredindo o planeta.

E é preciso gerar esse hiper-consumo, fazer com que as coisas durem pouco, porque é preciso vender muito. E uma lâmpada elétrica, então, não pode durar mais de 1000 horas acesa.

Mas há lâmpadas que podem durar 100 mil horas acesas! Mas essas não, não podem ser feitas; porque o problema é o mercado, porque temos que trabalhar e temos que manter uma civilização de ‘use-o e jogue-o fora’. E assim estamos em um círculo vicioso.

Estes são problemas de caráter político.

Indicam-nos que é tempo de começar a lutar por outra cultura.

Não se trata de reivindicarmos a volta do homem às cavernas, nem de erguer um monumento ao atraso. Mas não podemos seguir, indefinidamente, governados pelo mercado: temos nós que governá-lo.

Por isto digo, em minha humilde maneira de pensar, que o problema que temos é de caráter político.

Os velhos pensadores – Epicuro, Sêneca, e também os aymarás, definiam: ‘pobre não é o que tem pouco, mas o que necessita infinitamente muito’. E deseja ainda mais. Essa é uma chave de caráter cultural.

Sendo assim, vou saudar o esforço dos acordos que se façam. E vou acompanhá-los, como governante.

Sei que algumas coisas que estou dizendo ‘rangem’. Mas precisamos dar-nos conta de que a crise da água e da agressão ao meio ambiente não é causa.

A causa é o modelo de civilização que montamos. O que temos que repensar é nossa forma de viver.

Pertenço a um pequeno país muito bem dotado de recursos naturais para viver. No meu país há pouco mais de 3 milhões de habitantes.

Mas há uns 13 milhões de vacas, as melhores do mundo. E uns 8 ou 10 milhões de estupendas ovelhas.

Meu país é exportador de comida, de lácteos, de carne. É uma peneplanície, e quase 90% de seu território é aproveitável.

Meus companheiros trabalhadores lutaram muito pelas 8 horas de trabalho. E estão conseguindo agora as 6 horas. Mas o que tem 6 horas consegue dois trabalhos e, portanto, trabalha mais do que antes.

Por quê? Porque tem que pagar uma quantidade de coisas: a moto, o carro, quotas e quotas e, quando acorda, vê que é um velho cuja vida se foi.

E fica a pergunta: é esse o destino da vida humana?

Apenas consumir?

Essas coisas que digo são muito elementares: o desenvolvimento não pode ser contra a felicidade.

Tem que ser a favor da felicidade humana, do amor à terra, do cuidado com os filhos, junto aos amigos. E ter, sim, o essencial. Precisamente porque é o mais importante tesouro que temos.

Quando lutamos pelo meio ambiente, temos que recordar que o primeiro elemento do meio ambiente se chama ‘felicidade humana’.

Fonte:
http://www.elheraldo.com.ar/noticias/79643_discurso-de-pepe-mujica-en-rio.html

Não deixe de ler:
- “É preciso sair do capitalismo” – Marcela Valente (entrevista com o escritor francês Hervé Kempf)
- Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte final 6/6 - UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM - Antonio Fernando Araujo

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.