03/04/2013 - Por Immanuel Wallerstein (*)
- Tradução de Gabriela Leite para o blog Outras Palavras
Immanuel Wallerstein resenha as principais polêmicas que marcaram FSM-2013 na Tunísia. E frisa: elas confirmam enorme importância do encontro.

Foi vastamente ignorado pela imprensa mundial mainstream.
Muitos de seus participantes eram céticos que falavam de sua irrelevância, algo que acontece a cada encontro desde sua segunda edição, em 2002.
Foi marcado por debates sobre sua própria estrutura e esteve repleto de polêmicas sobre qual a estratégia política correta para o mundo da esquerda.
Apesar disso, foi um enorme sucesso.
Uma maneira de medir seu êxito é relembrar o que ocorreu no último dia do último FSM, em Dakar, em 2011.
Neste dia, Hosni Mubarak foi forçado a abandonar a presidência do Egito. Todos no Fórum aplaudiram.
Mas muitos disseram que esse ato em si provava a irrelevância do encontro.
Algum dos revolucionários na Tunísia ou no Egito buscou inspiração no evento?
Eles ao menos tinham ouvido falar sobre o Fórum Social Mundial?
Mas, dois anos depois, o Fórum reuniu-se em Túnis, a convite dos próprios grupos que iniciaram a revolução na Tunísia.

O slogan de longa data do FSM é “outro mundo é possível”.
Os tunisianos insistiram em adicionar um novo, exibido com igual proeminência no encontro.
A palavra era “Dignidade” (ao lado) — nos crachás de todos, em sete línguas.
De muitas maneiras, o slogan adicional enfatiza o elemento essencial que une as organizações e indivíduos presentes no Fórum — a busca por igualdade verdadeira, que respeita e aumenta a dignidade de todos, em todos os lugares.
Não significa que houve total acordo no Fórum. Longe disso!
Uma maneira de analisar as diferenças é observá-las como reflexo do contraste entre a ênfase na esperança e a ênfase no medo.
Em sua composição, o FSM tem sido sempre uma grande e inclusiva arena de participantes, que situam-se desde a extrema esquerda até o centro-esquerda.
Para alguns, isso tem sido sua força, permitindo educação recíproca entre pessoas e organizações ligadas diversas tendências, ou com foco em distintos temas — uma educação mútua que levaria a médio prazo a unir ações, para transformar nosso sistema capitalista existente.
Para outros, isso parece ser o caminho da cooptação por aqueles que desejam meramente atenuar as desigualdades existentes, sem fazer nenhuma mudança fundamental. Esperança versus medo.
Outra fonte de constante discussão foi o papel dos partidos políticos de esquerda no processo de transformação.
Para alguns, não é possível fazer mudanças significativas, tanto em curto quanto em médio prazos, sem partidos de esquerda no poder. E uma vez no poder, essas pessoas sentem que é essencial mantê-los lá.
Outros resistem a essa ideia. Sentem que, mesmo se ajudarem tais partidos a chegarem ao poder, os movimentos sociais devem permanecer de fora, como controle crítico destes partidos, que com a prática quase certamente descumprirão suas promessas. Mais uma vez, esperança versus medo.
A atitude a adotar diante dos novos países emergentes — os chamados BRICS e outros — é outra fonte de divisão.
Para alguns, os BRICS representam uma importante contra-força ao norte clássico — Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão.
Para outros, eles levantam suspeitas sobre um novo grupo de poderes imperialistas. O papel da China na Ásia, África e América Latina hoje é particularmente controverso. Esperança versus medo.
O estado concreto da esquerda mundial é outra fonte de debate interno.
Para alguns, o FSM tem sido bom na negação — oposição ao imperialismo e neoliberalismo. Mas está, lamentavelmente, atrasado na formulação de alternativas específicas. Essas pessoas clamam pelo desenvolvimento de objetivos programáticos concretos para a esquerda mundial.
Mas para outros, a tentativa de fazê-lo serviria primariamente para dividir e enfraquecer as forças unidas no Fórum. Esperança versus medo.
Outra discussão constante é sobre o que tem sido chamada de “descolonização” do FSM.
Para alguns, ele está exageradamente, desde seu início, em mãos de gente do mundo pan-Europeu: de homens, pessoas mais velhas, das chamadas populações privilegiadas do mundo.

Isso tem sido um esforço contínuo, e ao comparar cada edição sucessiva do Fórum, percebe-se que ele tem se tornando, neste aspecto, cada vez mais inclusivo.
A presença em Túnis de todos os tipos de “novas” organizações — Occupy, Indignados, etc — é prova disso.
Para outros, este objetivo está longe de ser alcançado, a ponto de produzir dúvidas sobre se há uma real intenção de cumprir este objetivo. Esperança versus medo.
O FSM fundou um espaço de resistência. Doze anos depois, permanece o único lugar onde todas partes destes debates reúnem-se para continuar a discussão.
Existem pessoas que estão cansadas dos mesmos debates contínuos? Sim, é claro.
Mas também parece sempre haver novas pessoas e grupos chegando, que buscam participar e contribuir para a construção de um mundo de esquerda eficaz.
O Fórum Social Mundial está vivo e está bem.
(*) Immanuel Wallerstein é um dos intelectuais de maior projeção internacional na atualidade. Seus estudos e análises abrangem temas sociológicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. É professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Mantém um site. Seus textos traduzidos publicados por Outras Palavras podem ser lidos aqui
Fonte:
http://www.outraspalavras.net/2013/04/03/forum-social-mundial-entre-esperanca-e-medo/
Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.