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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

“Mensalão”: por que reabrir o caso

18/09/2013 - Antonio Martins (*)
– blog Quem Tem Medo da Democracia (QTMD)

Celso-de-Mello: o decano do STF calou muita gente.

Obs: O artigo a seguir foi escrito um dia antes do voto proferido nesta quarta-feira, 18/09/2013, em que Celso de Mello aceitou os embargos infringentes, reabrindo o caso do chamado “mensalão.

"Um erro primário do STF virá à tona.
E surgirá oportunidade de debater o financiamento empresarial dos partidos, principal mecanismo de corrupção política no Brasil" (Antonio Martins) 

Se o voto do ministro Celso de Mello encerrar, nesta quarta-feira (18/9), o julgamento do chamado “Mensalão” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 
milhões de brasileiros irão sentir-se aliviados e engrandecidos.

Tendo acompanhado o episódio, durante oito anos, por meio dos jornais e da TV, eles acreditarão que surgiu, enfim, um caso em que o desvio de verbas públicas não ficará impune. Certas circunstâncias ampliarão seu júbilo. 

Entre os condenados, haverá “peixes graúdos”. Não será poupado o PT, partido no governo há dez anos. E, glória máxima, parte dos réus irá para a 
cadeia – o símbolo maior e mais humilhante dos sistemas punitivos modernos.

Ficará aberto caminho, pensarão estes milhões, para moralizar a vida política e resgatar a República.

Será um engano trágico, por dois motivos.

Do ponto de vista factual, surgiram, nos últimos meses, sinais concretos de que o chamado “Mensalão” não envolveu desvio de recursos públicos.

O ministro Joaquim Barbosa (foto), relator do processo e hoje presidente do STF, ignorou estes sinais; teme que este erro primário torne-se claro; é, também por isso, um opositor ferrenho da reabertura do caso.

Mas o engano principal seria político. O encerramento do processo, no pé em que está, evitará que a sociedade debata a corrupção da vida política por meio do dinheiro oferecido pelas empresas aos partidos e a suas campanhas eleitorais.

Este é, de longe, o principal mecanismo para submeter as decisões políticas ao poder econômico, e para promover o enriquecimento ilícito de ocupantes de cargos públicos. Está exposto, em detalhes, no episódio do “Mensalão”.

Encarcerar José Dirceu e seus colegas, e não examiná-lo, satisfará o ímpeto punitivo com que alguns julgam possível enfrentar a corrupção. Mas varrerá para debaixo do tapete o motor que a impulsiona.


 * * *

A derrubada do mito segundo o qual o “Mensalão” envolveu apropriação e desvio de recursos públicos é obra de um mestre: o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, que dirigiu, nos anos 1970 e 80 algumas das principais publicações da imprensa de resistência à ditadura (1).

Hoje, toca a revista Retrato do Brasil.

Lá, ele e a repórter Lia Imanishi, escrevem, desde fevereiro de 2012, uma série de reportagens investigativas sobre o julgamento, pelo STF, da Ação Penal 470 (AP-470) – a que examina o “Mensalão”.

Seu trabalho estende-se por ao menos nove edições regulares da revista [1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, um número especial e um livro.]

Os textos expõe em detalhes como dois Procuradores-Gerais da República e diversos ministros do Supremo, a começar por Joaquim Barbosa, passaram por cima dos fatos e construíram, para o episódio, a versão que mais interessava à mídia, à opinião pública conservadora e… ao próprio sistema político.

Denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em junho de 2005, o “Mensalão” chegou à Procuradoria-Geral (PGR) e ao STF um mês depois.


Alguns fatos muito graves eram conhecidos, mostram as reportagens. No início do governo Lula, a direção nacional do PT repassou, por orientação de seu tesoureiro, Delúbio Soares, e com apoio do publicitário Marcos Valério (foto), cerca de R$ 55,3 milhões a políticos de cinco partidos: o próprio PT, PL, PP, PMDB e PTB.

Os pagamentos foram feitos por meio do chamado “valerioduto” – um esquema que incluía os bancos Rural e BMG, mais a agência de publicidade de Valério e empresas de seus sócios.

Além disso, desde agosto daquele ano Delúbio admitiu que cometera crimes eleitorais: arrecadação de fundos junto a empresas sem contabilização (“Caixa 2”); distribuição de somas a correligionários e aliados, também “por fora”.


No entanto, mostra o Retrato do Brasil, os procuradores-gerais Antonio Fernando de Souza (E) (que atuou no caso até o final de seu mandato, em junho de 2009) e seu sucessor, Roberto Gurgel (D), omitiram-se da investigação deste delito.

Estavam empenhados em argumentar que a admissão do “Caixa 2” era mera estratégia para ocultar outro crime.

Os dirigentes PT, no governo federal, teriam abastecido o partido e as agremiações aliadas com recursos desviados do Estado.

Formular hipóteses é parte das atribuições do procurador-geral, responsável por comandar inquéritos. Mas nem Antonio Fernando de Souza, nem Roberto Gurgel preocuparam-se com os passos posteriores indispensáveis: investigar; demonstrar a suposição; reunir provas.

Ao denunciar ao STF, em abril de 2006, quarenta pessoas envolvidas no episódio, o primeiro assegurou que houvera desvio de recursos públicos. À falta de provas, serviu-se de um atalho.

Henrique Pizzolato (foto), diretor de marketing do Banco do Brasil (BB) à época dos fatos, figurava ao mesmo tempo em duas pontas do inquérito.

Ele havia recebido, por meio do valerioduto, R$ 326 mil. E, na condição de dirigente do BB, autorizara o pagamento de R$ 72,8 milhões à DNA, agência de publicidade de Marcos Valério.

Isso bastou para que o procurador juntasse as pontas. A origem primeira do dinheiro repassado ao PT e aliados seria o Banco do Brasil.

Pizzolato desviara os R$ 72,8 milhões da instituição que ajudava a dirigir; como recompensa, recebera suborno de R$ 326 mil.

A “demonstração” foi aceita e repetida acriticamente (e à exaustão), nos últimos sete anos – a começar pelo sucessor de Souza e pela maioria dos 
ministros do STF.

Num de seus textos, Raimundo Pereira descreve, com humor, o discurso empolado que o ministro Gilmar Mendes proferiu na sessão do tribunal, transmitida ao vivo pela TV, em 29/8/12.

Está no YouTube. Voz empostada, gestos teatrais, Mendes indigna-se: “O que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?

E prossegue: “Em operações singelas, se tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum. […] Eu fico a imaginar […] como nós descemos na escala das de-gra-da-ções”.

Três semanas antes, ao apresentar sua acusação, no plenário do Supremo, o procurar-geral Roberto Gurgel, assegurara: “Foi sem dúvida o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro publico realizado no Brasil”.

Em nenhum momento, Pizzolato admitiu as acusações que lhe foram feitas. Os R$ 326 mil recebidos via valerioduto, sustentou, foram para o PT. 

Todos os pagamentos do BB à DNA correspondiam a serviços efetivamente prestados pela agência. Conforme reza um princípio elementar do Direito, 
cabia aos que o acusavam provar sua culpa.

Poucos sabem, mas o princípio básico da presunção de inocência não foi respeitado, no julgamento da AP-470.

O STF considerou que, sendo os réus pessoas “muito poderosas”, e tendo eles supostamente formado uma quadrilha para apagar as marcas de seus crimes, era possível condená-los com base em indícios consistentes.


Pizzolato, por exemplo, foi condenado por unanimidade, em três das acusações que enfrentou e, por 11 votos contra um, numa quarta.

Devido à ampla diferença de votos, não poderá beneficiar-se do direito a apresentar “embargos infringentes”, mesmo que o ministro Celso de Mello considere-os legítimos. Sua pena está fixada em 12 anos e 7 meses de prisão mais multa em torno de R$ 1,3 milhão.

A partir de outubro, no entanto, restou-lhe um alento moral. As reportagens de Retrato do Brasil (ao lado) refizeram a trilha de seus argumentos e comprovaram sua veracidade.

O STF não permite a Pizzolato reivindicar sua presunção de inocência, mas Raimundo Pereira e Lia Imanishi estão conseguindo comprovar que ele não é culpado do que lhe atribui o Supremo.

A partir dos próprios autos do processo, flagrantemente ignorados por dois procuradores-gerais e diversos ministros do Supremo, levantaram 99 notas fiscais que comprovam: os R$ 72,8 milhões pagos à DNA referem-se a promoções e eventos reais, que ocorreram às vistas de milhares ou milhões de brasileiros e têm documentação fiscal regular.

Se estivessem interessados em cumprir sua função constitucional, e não em condenar de antemão, os procuradores e ministros poderiam ter chegado às mesmas conclusões dos repórteres.

Verificariam que os recursos pagos pelo BB à DNA não “tiraram da instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum”. Custearam eventos patrocinados pelo cartão de crédito do banco (bandeira Visa), ou promoções para divulgá-lo.

Entre elas, o Réveillon do Rio de Janeiro; o Círio de Nazaré, em Belém; o Festival de Inverno de Campos do Jordão; a exposição de cultura africana Projeto África, no Centro Cultural do banco no Rio de Janeiro; a publicidade do BB nos biquínis, sutiãs e bandanas das campeãs mundiais de vôlei de praia, Shelda e Adriana (foto); dezenas de peças publicitárias veiculadas pela Rede Globo…

As descobertas de Raimundo e Lia, que desmentem os vereditos do STF, foram feitas em outubro do ano passado e têm sido apresentadas, desde então, com profundidade e detalhes cada vez maiores, nas sucessivas edições do Retrato do Brasil.

Foram tema central de debates e atos de protesto contra a forma como se deu o julgamento do “Mensalão”.

Até agora, não foram contestadas por nenhum ministro do Supremo, nenhum dos procuradores-gerais da República envolvidos no caso, nenhum dos jornais ou jornalistas que defendem a tese do “desvio de dinheiro público”. Todos usam, como defesa, o silêncio e a inércia.


* * *

 Ao desprezarem a investigação de crime eleitoral e optarem pela tentativa de caracterizar desvio de dinheiro público, ministros e procuradores fizeram uma opção política e de, digamos, marketing pessoal.

Desvio atrai manchetes e holofotes, além de evocar cadeia.

Afirmar que a AP-470 tratou do “mais atrevido caso de corrupção da História” reforça a tese, sempre repetida pelos jornais e TVs, de que o Brasil seria melhor se jamais tivesse sido governado pela esquerda.

Em contraste, caixa dois de campanha parece coisa banal e corriqueira, algo que todos os partidos praticam, assunto desimportante. Será?

O economista Ladislau Dowbor (foto), professor da PUC-SP e consultor de diversas agências da ONU, tem se empenhado em demonstrar o contrário.

Numa série de artigos e entrevistas publicados nos últimos meses (inclusive em Outras Palavras), ele sustenta que o modelo empresarial de financiamento dos partidos e dos políticos, no Brasil, é a principal causa do esvaziamento da democracia, do sequestro da política pelo poder econômico e do enriquecimento ilícito dos governantes.

Sem desmontar este modelo, diz Ladislau, combater a corrupção será sempre uma caça catártica – porém vã – a bodes expiatórios.

Nas “sociedades de espetáculo”, altamente midiatizadas, explica o professor, eleger um político tornou-se extremamente caro; e possuir recursos para bancar muitos mandatos assegura enorme poder político.

Em 1997, o Congresso Nacional modificou a legislação eleitoral e autorizou as empresas a investir em partidos e políticos.

Desde então, os gastos globais dos candidatos nas eleições dispararam. Segundo o TSE, saltaram de R$ 827 milhões, em 2002, para R$ 4,09 bilhões, em 2012 – um aumento de 591%, em apenas uma década – isso, sem contar o caixa dois. “Eleger um simples deputado, em qualquer Estado do país, não 
custa menos de R$ 2,5 milhões”, diz Ladislau.

Quem é capaz de mobilizar estes recursos?

Uma pesquisa dos professores Wagner Praion Mancuso (USP) e Bruno Speck (Unicamp) revela que “os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras.

Em 2010, corresponderam a 74,4% de todo dinheiro aplicado nas eleições”. Mais uma vez, sem contar os recursos transferidos “por fora”. Quais os efeitos deste vínculo entre poder econômico e mandatos?

Ladislau retorna: “Os interesses manifestam-se do lado das políticas que serão aprovadas – por exemplo, contratos de construção de viadutos e de pistas para mais carros, ainda que se saiba que as cidades estão ficando paralisadas. As empreiteiras e as montadoras agradecem."

"Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição.

"Quatro anos passam rápido. Entre representar interesses legítimos do povo – por exemplo, mais transporte coletivo, mais saúde preventiva – e assegurar a próxima eleição, ele […] sabe quem manda, está preso numa sinuca”.

As consequências deste controle são claras. Ladislau fornece um exemplo, entre inúmeros.

“Existe uma bancada Friboi no Congresso, com 41 deputados federais e sete senadores."

"Dos 41 deputados financiados pela empresa, só um, o gaúcho Vieira da Cunha, votou contra as mudanças no Código Florestal. O próprio relator do Código, Paulo Piau, recebeu R$ 1,25 milhão de agropecuárias (…)"

"Com o financiamento corporativo, temos bancadas ruralista, da grande mídia, das montadoras, dos grandes bancos, das empreiteiras, e temos de ficar à procura de uma bancada do cidadão”

De que forma este fenômento se desdobra também em lesão direta aos cofres públicos?

Uma dimensão importante deste círculo vicioso”, arremata Ladislau, “é o sobrefaturamento."

"Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas, mais a pressão empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas."

"Quando são poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição organizada dos contratos, que reduz as concorrências públicas a simulacros e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os lucros assim adquiridos permitirão financiar as campanhas da eleição seguinte…"
* * *

Nas eleições de 2012, o PT foi, segundo o TSE, o partido que mais recebeu financiamento privado para suas campanhas: R$ 255 milhões. As grandes 
empresas são pragmáticas: investem em quem é mais capaz de reunir votos, eleger-se e defender seus interesses: importa-lhes pouco a cor partidária.

A entrada dos petistas no circuito das campanhas sustentadas por empresas é, porém, uma das explicações centrais para o retrocesso político do partido – reconhecido por algumas de suas lideranças, como o governador gaúcho Tarso Genro.

Nas eleições para o Executivo, os choques são mais crus. Mas na atuação parlamentar, por exemplo, estão se dissolvendo as diferenças – antes nítidas – entre as bancadas petistas e as dos partidos conservadores.

Também por isso, a conduta dos procuradores-gerais e da maioria dos ministros do STF, no julgamento da AP-470, foi grotesco.

Tendo em mãos um caso que poderia revelar alguns dos mecanismos centrais de corrupção da política – desde que investigado a fundo –, eles optaram pela busca fácil e preguiçosa de “culpados” individuais, por “jogar para a plateia”, por buscar sem descanso os holofotes.

Ao fazê-lo, cometeram, como se viu, injustiças e erros primários.

Se o ministro Celso de Mello optar, nesta quarta-feira, por reconhecer o direito dos réus aos embargos infringentes, haverá alguma esperança de reparar o estrago.

Tecnicamente, o espaço para corrigir as sentenças é exíguo.

No plano do debate político, serão outros quinhentos.

Reaberto o caso, é provável que as revelações factuais recentes feitas pelo trabalho jornalístico de Raimundo Pereira e Lia Imanishi ganhem novo destaque.

– muito mais importante – talvez surja uma brecha para argumentar que o resgate da democracia começa com uma vastíssima reforma política, não com um espetáculo ritual de encarceramento.

(1) Raimundo Pereira (foto) criou e editou Opinião (1971-1977) e Movimento (1975-1980), sobre o qual há um livro, disponível na Internet. Antes disso, dirigiu, entre outros trabalhos, a edição especial da revista Realidade sobre a Amazônia, considerada por alguns como “a maior de todas as reportagens da imprensa brasileira”.

(*) Antonio Martins é jornalista. Tem no “Quem tem medo da democracia?” a coluna “Outras Palavras”.

Nota: Este texto inaugura uma parceria entre os sites “Outras Palavras” e “Carta Capital”.

Fonte:
http://quemtemmedodademocracia.com/2013/09/18/antonio-martins-mensalao-por-que-reabrir-o-caso/

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Nassif: análise dura do STF e da mídia

15/09/2013 - Nassif faz análise dura do STF e da mídia
- Miguel do Rosário - Tijolaço

O blogueiro Luis Nassif [foto] acaba de publicar uma duríssima análise sobre os arbítrios que marcaram a cobertura do julgamento do mensalão.

Nassif observou que Celso de Mello deverá aceitar os embargos infringentes, mas em seguida tenderá a ser o mais severo dos ministros, num julgamento que, de há muito, perdeu o rumo.

Não há jurista ou advogado, estudante ou doutorado sério deste país que não tenha entendido o julgamento como o exercício abusivo do poder discricionário e da militância partidária.

A mídia, naturalmente, é peça fundamental nesse jogo de pressões para um julgamento político e de exceção.

Trata-se da estratégia Rupert Murdoch (o dono da Fox, canal que ficou conhecido nos EUA por um republicanismo reacionário de caráter histérico).

A estratégia demandava insuflar a classe média, ainda seguidora da mídia, com os mesmos recursos que marcaram grandes e tristes momentos da história, como o macarthismo, o nazi-fascismo europeu dos anos 20 e 30, a Klu Klux Klan nos anos 60."

"Essa estratégia exige uma linguagem virulenta, que bata no intestino do público, e pregadores alucinados, que espalhem o ódio."

"Qualquer espécie de juízo – isto é, da capacidade de separar vícios e virtudes – compromete a estratégia, porque ela se funda na dramaturgia, no maniqueísmo mais primário, na personificação do mal, na luta de extermínio.

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Íntegra do artigo de Nassif

Fonte:
http://tijolaco.com.br/index.php/nassif-faz-analise-dura-do-stf-e-da-midia/

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15/09/2013 - Celso de Mello é a última tentativa de legitimar o enforcamento
- Luis Nassif - GGN-O jornal de todos os Brasis

Não se iludam com Celso de Mello.

Suas atitudes mais prováveis serão:

1.     Votar pela aceitação dos embargos de infringência.

2.     No segundo julgamento, ser o mais severo dos julgadores, fortalecido pelo voto anterior.

A aceitação dos embargos será uma vitória de Pirro.

O resultado mais provável da AP 470 será um segundo julgamento rápido, em torno da tipificação  do crime de formação de quadrilha.

Poderá resultar em condenações um pouco menores, mas não o suficiente para livrar os condenados da prisão.

Com isso, se dará um mínimo de legitimidade às condenações.

Celso de Mello é um garantista circunstancial, apenas a última tentativa de legitimar um poder que perdeu o rumo.

A deslegitimação do STF
Para entender melhor o jogo.

No primeiro julgamento, devido à atuação do grupo dos 5 – Gilmar Mendes, Luiz Fux, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e o próprio Celso – o STF foi alvo de críticas generalizadas – embora veladas – do meio jurídico.

Não há jurista ou advogado, estudante de direito ou doutor sério deste país que não tenha entendido o julgamento como o exercício abusivo do poder discricionário.

Apenas uma coisa diferencia Celso de Mello de seus pares.  

Este tentou preservar o mínimo apreço pela liturgia do cargo.

Os demais perderam o pudor, exercem a politicagem mais malandra, típica das assembleias político-estudantis  – como adiar o julgamento para permitir pressão da mídia sobre o voto de desempate de Celso – sem nenhuma estratégia de imagem.

Querem exercer o poder plena e abusivamente.

Não pensam na história, nem sequer na legitimação das sentenças, mas no gozo imediato do poder.

Lembram – em muito – os burgueses da revolução industrial, os texanos barões de petróleo invadindo a Europa, pisando no Louvre de botas, agindo 
sem nenhum apreço pela liturgia do cargo.

Mal comparando, Celso é o juiz do leste que ouve todos os réus, trata civilizada, mas severamente, as partes e, cumprindo os rituais, manda todos 
para a forca, com carrasco oficial seguindo o cerimonial.

Os demais se assemelham ao juiz do velho oeste, de barriga de fora, em um saloon improvisado de sala de julgamento, que interrompe o julgamento no meio, para não perder tempo, e manda enforcar os acusados na árvore mesmo.

São tão truculentos e primários que seguem a truculência primária da mídia, não cedendo em nenhum ponto, pretendendo o aniquilamento total, o extermínio, a vitória em todos os quadrantes, mesmo nas questões menos decisivas.

Tivessem um mínimo de esperteza, aceitariam os embargos, atrasariam por algumas semanas o final do julgamento, e profeririam as mesmas sentenças 
duras mas, agora, legitimadas pela aceitação dos embargos.

Mas são muito primários e arrogantes. 

A deslegitimação do padrão Murdoch
Essa é a perna mais fraca da estratégia de Rupert Murdoch e de sua repetição pelo Truste da Mídia (e pelo cinco do STF), quando decidiu conquistar o espaço político para enfrentar os verdadeiros inimigos – redes sociais – que surgiram no mercado.

A estratégia demandava insuflar a classe média, ainda seguidora da mídia, com os mesmos recursos que marcaram grandes e tristes momentos da história, como o macarthismo, o nazi-fascismo europeu dos anos 20 e 30, a Klu Klux Klan nos anos 60.

Essa estratégia exige uma linguagem virulenta, que bata no intestino do público, e pregadores alucinados, que espalhem o ódio

Qualquer espécie de juízo – isto é, da capacidade de separar vícios e virtudes – compromete a estratégia, porque ela se funda na dramaturgia, no maniqueísmo mais primário, na personificação do mal, na luta de extermínio, no pavor de qualquer mudança no status quo.


Não há espaço para nenhuma forma de grandeza, respeito ao adversário caído, pequenas pausas de dignidade que permitissem dar um mínimo de 
conforto aos seguidores de melhor nível.

Por isso mesmo, nenhuma personalidade de peso ousou aderir a esse novo mercado que se abria.

E ele passou a ser ocupado pelos aventureiros catárticos, despejando impropérios, arrotando poder, mostrando os músculos, ameaçando com o fogo do inferno, todos vergando o mesmo figurino de um Joseph McCarthy e outros personagens que foram jogados no lixo da história.

Guardadas as devidas proporções, foi essa divisão que se viu no Supremo.

A recuperação dos rituais
O universo jurídico ainda é o mais conservador do país, o mais refratário às mudanças políticas e sociais, aos novos atores que surgem na cena pública. Certamente apoiaria maciçamente a condenação dos réus.

Mas o que viam no julgamento?

Do lado dos acusadores, Ministros sem nenhum apreço pela Justiça e pelos rituais, exercitando a agressividade mais tosca (Gilmar), o autoritarismo e deslumbramento mais provinciano (Joaquim), a malandragem mais ostensiva (Fux), a mediocridade fulgurante (Ayres Britto) a hipocrisia sem retoques (Marco Aurélio) [foto].

Do lado contrário, a dignidade de Ricardo Lewandowski, um seguidor das tradições das Arcadas, percorrendo o roteiro que todo juiz admira, mas poucos se arriscam a trilhar: o julgador solitário, enfrentando o mundo, se for o caso, em defesa de suas convicções.

Aí se deu o nó.

Por mais que desejassem a condenação dos “mensaleiros”, para a maior parte dos operadores de direito houve enorme desconforto de se ver na companhia de um Joaquim, um Gilmar, um Ayres Brito e do lado oposto de Lewandowski.

Pelo menos no meio jurídico paulista, ocorreu o que não se imaginava: assim como os petistas são “outsiders” do universo político, os quatro do Supremo tornaram-se “outsiders” do universo jurídico.

E Lewandowski, achincalhado nas ruas, virou – com justiça – alvo da admiração jurídica. 

Além de ser um autêntico filho das Arcadas.

É aí que surge Celso de Mello para devolver a solenidade, remontar os cacos da dignidade perdida da corte, promover a degola dos condenados mas sem atropelar os rituais.

Ele não é melhor que seus companheiros.

Apenas sabe usar adequadamente os talheres, no grande festim que levará os condenados à forca.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/celso-de-mello-e-a-ultima-tentativa-de-legitimar-o-enforcamento

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Para entender o xadrez da política

[Dado o voto do Ministro Celso de Mello, nesta segunda-feira, 17/12, em que, segundo Rodrigo Sérvulo da Cunha, "sustentou-se em Chico Ciência, Francisco Campos, o redator das Constituições ditatoriais de Vargas para assegurar categoricamente: cabe ao Supremo o poder de interpretar e FORMULAR a Constituição". Como se não bastasse, ainda "advertiu e acusou o Presidente da Câmara, Marco Maia [PT-RS], de “corporativismo”. Mais do nunca é necessário percebermos com clareza o que está em jogo. (Equipe Educom)]


11/12/2012 - Luis Nassif em seu blog Luis Nassif Online


Vamos entender o xadrez político atual.

Há um jogo em que o objetivo maior é capturar o rei – a Presidência da República.

O ponto central da estratégia consiste em destruir a principal peça do xadrez adversário: o mito Lula.

Na fase inicial – quando explodiu o “mensalão” – havia um arco restrito e confuso, formado pela velha mídia e pelo PSDB e uma estratégia difusa, que consistia em “sangrar” o adversário e aguardar os resultados nas eleições presidenciais seguintes.


A tática falhou em 2006 e 2010, apesar da ficha falsa de Dilma, do consultor respeitado que havia acabado de sair da cadeia, dos 200 mil dólares em um envelope gigante entrando no Palácio do Planalto, das FARCs invadindo o Brasil e todo aquele arsenal utilizado nas duas eleições.

A partir da saída de Lula da presidência, tentou-se uma segunda tática: a de construir um mito anti-Lula. À falta de candidatos, apostou-se em Dilma Rousseff, com seu perfil de classe média intelectualizada, preocupações de gestora, discrição etc. Imaginava-se que caísse no canto de sereia em que se jogaram tantas criaturas contra o criador.


Não colou. Dilma é dotada de uma lealdade pessoal acima de qualquer tentação.

O “republicanismo”
Mas as campanhas sistemáticas de denúncias acabaram sendo bem sucedidas por linhas tortas. Primeiro, ao moldar uma opinião pública midiática ferozmente anti-Lula.

Depois, por ter incutido no governo um senso de republicanismo que o fez abrir mão até de instrumentos legítimos de autodefesa.


Descuidou-se na nomeação de Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), abriu-se mão da indicação do Procurador Geral da República (PGR) e descentralizaram-se as ações da Polícia Federal.

Qualquer ação contra o governo passou a ser interpretada como sinal de republicanismo; qualquer ação contra a oposição, sinal de aparelhamento do Estado.


Caindo nesse canto de sereia, o governo permitiu o desenvolvimento de três novos protagonistas no jogo de “captura o rei”.

STF
Gradativamente, formou-se uma bancada pró-crise institucional, composta por Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e  Luiz Fux, à qual aderiram Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Há um Ministro que milita do lado do PT, José Antonio Toffolli. E três legalistas: Lewandowski, Carmen Lucia e Rosa Weber.


O capítulo mais importante, nesse trabalho pró-crise, é o da criação de um confronto com o Congresso, que não terá resultados imediatos mas ajudará a alimentar a escandalização e o processo reiterado de deslegitimação da política.

Para o lugar de César Peluso, apostou-se em um ministro legalista, Teori Zavascki. Na sabatina no Senado, Teori defendeu que a prerrogativa de cassar parlamentares era do Parlamento. Ontem [10/12], eximiu-se de votar. Não se tratava de matéria ligada ao “mensalão”, mas de um tema constitucional. Mesmo assim, não quis entrar na fogueira.

Procuradoria Geral da República (PGR)
Há claramente um movimento de alimentar a mídia com vazamentos de inquéritos. O último foi esse do Marcos Valério ao Ministério Público Federal.

Sem direito à delação premiada, não haveria nenhum interesse de vazamento da parte de Valério e seu advogado. Todos os sinais apontam para a PGR. Nem a PGR nem Ministros do STF haviam aceitado o depoimento, por não verem valor nele. No entanto, permitiu-se o vazamento para posterior escandalização pela mídia.


Gurgel é o mais político dos Procuradores Gerais da história recente do país.


A maneira como conquistou o apoio de Demóstenes Torres à sua indicação, as manobras no Senado, para evitar a indicação de um crítico ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), revelam um político habilidosíssimo, conhecedor dos meandros do poder em Brasília.


E que tem uma noção do exercício do poder muito mais elaborada que a do Ministro da Justiça e da própria Presidente da República. Um craque!

Polícia Federal em São Paulo
Movimento semelhante. Vazam-se os e-mails particulares da secretária Rosemary Noronha. Mas mantém-se a sete chaves o relatório da Operação Castelo de Areia.

O jogo político
De 2005 para cá, muita água rolou. Inicialmente havia uma aliança mídia-PSDB. Agora, como se observa, um arco  mais amplo, com Ministros do STF, PGR e setores da PF.

E muito bem articulado agora porque, pela primeira vez, a mídia acertou na veia.


A vantagem de quem tem muito poder, aliás, é essa: pode se dar ao luxo de errar muitas vezes, até acertar o caminho.


Daqui para frente, o jogo está dado: um processo interminável de auto-alimentação de denúncias.

Vaza-se um inquérito aqui, monta-se o show midiático, que leva a desdobramentos, a novos vazamentos, em uma cadeia interminável.

Essa estratégia poderia ter uma saída constitucional: mais uma vez “sangrar” e esperar as próximas eleições. Dificilmente será bem sucedida no campo eleitoral.

Mas, com ela, tenta-se abortar dois movimentos positivos do governo para 2014:

É questão de tempo para as medidas econômicas adotadas nos últimos meses surtirem efeito. Hoje em dia, há certo mal-estar localizado por parte de grupos que tiveram suas margens afetadas pelas últimas medidas.

Até 2014 haverá tempo de sobra para a economia se recuperar e esse mal-estar se diluir. Jogar contra a economia é uma faca de dois gumes: pode-se atrasar a recuperação, mas pratica-se a política do “quanto pior melhor” que marcou pesadamente o PT do início dos anos 90.

Em 2014, com um mínimo de recuperação da economia, o governo Dilma estará montado em uma soma de realizações: os resultados do Brasil Sorridente, resultados palpáveis do PAC, os efeitos da nova política econômica, os avanços nas formas de gestão. Terá o que mostrar para os mais pobres e para os mais ricos.


No campo político, a ampliação do arco de alianças do governo Dilma.

Há pouca fé na viabilidade da candidatura Aécio, principalmente se a economia reagir aos estímulos da política econômica. Além disso, a base da pirâmide já se mostrou pouco influenciada pelas campanhas midiáticas.

À medida que essa estratégia de desgaste se mostrar pouco eficaz no campo eleitoral, se sairá desses movimentos de aquecimento para o da luta aberta.

Próximos passos
Aí se entra em um campo delicado, o do confronto.

Ao mesmo tempo em que se fragilizou no campo jurídico, o “republicanismo” de Lula e Dilma minimizou o principal discurso legitimador de golpes: a tese do “contragolpe”. Na Argentina, massas de classe média estão mobilizadas contra Cristina Kirchner devido à imagem de “autoritária” que se pegou nela.



No Brasil, apesar de todos os esforços da mídia, a tese não pegou. Principalmente devido ao fato de que, quando o STF achou que tinha capturado o PT, já havia um novo em campo – de Dilma Rousseff, Fernando Haddad, Padilha – sem o viés aparelhista do PT original.

E Dilma tem se revelado uma legalista até a raiz dos cabelos e o limite da prudência.

Aparentemente, não irá abrir mão do “republicanismo”, mas, de agora em diante, devidamente mitigado. E ela tem um conjunto de instrumentos à mão.

Por exemplo, dificilmente será indicado para a PGR alguém ligado ao grupo de Roberto Gurgel.


Espera-se que, nas próximas substituições do STF, busquem-se juristas com compromissos firmados e história de vida em defesa da democracia – e com notório saber, peloamordeDeus.

De qualquer modo, o núcleo duro do STF ainda tem muitos anos de mandato pela frente.

Muito provavelmente, baixada a poeira, se providenciará um Ministro da Justiça mais dinâmico, com mais ascendência sobre a PF.

Do outro lado do tabuleiro, se aproveitará os efeitos do pibinho para iniciar o processo de desconstrução de Dilma.

Mas o próximo capítulo será o do confronto, que ocorrerá quando toda essa teia que está sendo tecida chegar em Lula. E Lula facilitou o trabalho com esse inacreditável episódio Rosemary Noronha.


Esse momento exigirá bons estrategistas do lado do governo: como reagir, sem alimentar a tese do contragolpe.

E exigirá também um material escasso no jogo político-midiático atual: moderadores, mediadores, na mídia, no Judiciário, no Congresso e no Executivo, que impeçam que se jogue mais gasolina na fogueira.

Fonte:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/para-entender-o-xadrez-da-politica

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, não constam do texto original.