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sábado, 11 de fevereiro de 2012

A década da educomunicação?

Alexandre Sayad* - 07/02/12 - Portal do Aprendiz

Em dezembro de 2011, a Universidade de São Paulo (USP) organizou, como já tem virado um costume, o III Simpósio Brasileiro de Educomunicação, que reúne profissionais e pesquisadores da interface entre a educação e comunicação de diversas partes da America Latina. Participei de uma mesa de debates cujo título chamava a atenção para a década da educomunicação que se fechava (2001/2011), que teria começado quando a USP começou a sistematizar esse novo campo, assim chamado por eles, e a sociedade civil, em organizações como as que compõem a Rede CEP, iniciado a disseminação da prática Brasil afora.
Achei simpático o nome da sessão (“A década da educomunicação”), mas tentarei aqui levar aqui meu pensamento para além disso.

Sim, as práticas de comunicação e educação jamais estiveram tão presentes em escolas e comunidades. O último levantamento do MEC aponta que cerca de cinco mil instituições adotaram as mídias escolares como ação dentro do programa Mais Educação – uma ação que nasceu no bojo da Rede CEP. Em outro campo, comunidades por todo o país tem re-valorizado o caráter educativo intrínseco a seus membros, estruturas e aparelhos, por meio de programas que, como o bairro-escola, resgatam a relevância social que a educação informal e não-formal perderam para o currículo escolar nas últimas décadas.

No entanto, olhando atentamente para a história, o papel da universidade no campo da educomunicação parece percorrer um caminho contrário ao que exerce naturalmente: tem organizado uma prática um tanto quanto “mundana” e mais antiga que o conceito.

Na verdade, os acadêmicos têm exercido o papel importante em dar contorno a um novo campo e a sistematizar ações que estão ativas muito anteriormente a criação desse novo conceito. Ou seja, as práticas (agora chamadas educomunicativas) datam da década de cinquenta no Brasil, por meio das comunidades eclesiais de base; só em 2001 passaram a freqüentar as salas de aula nas pós-graduações.

Considerá-las existentes a partir de 2001 seria o mesmo que passar a acreditar que o graffiti nasceu em meados dos anos oitenta, quando algumas galerias de Nova York chamaram seus artistas a expor, levando ao Olimpo essa forma de arte. Na verdade, já tinha vinte anos à época.

O mais interessante no caso não diz respeito ao passado, mas ao futuro. Quem acredita que essa década foi a da educomunicação pode não estar preparado para o que há de vir de dentro das empresas – essas ainda pouco lembradas como atores importantes dentro do campo.

Se considerarmos o olhar da educomunicação como um comprometimento a uma comunicação de qualidade, esse movimento só está nascendo no ambiente corporativo. Cada vez mais empresas emprestarão sua credibilidade e marca apenas para a comunicação que tiver o mínimo de comprometimento com seus processos, fruto de uma onda de responsabilidade social corporativa que iniciou-se há mais de quinze anos. Está nascendo uma espécie de curadoria de qualidade.
Por outro lado, o desafio permanente das empresas em aproveitar idéias e talentos de todos os envolvidos para melhor desenvolver o negócio pode enxergar na educomunicação uma ferramenta muito útil na área de sua gestão.

Considerando passado e futuro, a década da educomunicação não foi e nem é; me parece que o conceito está começando a se emaranhar na sociedade e as surpresas maiores ainda estão mesmo por vir.

*Alexandre Sayad, jornalista especializado em Direitos Humanos, colaborou com O Estado de S.Paulo e Rádio Eldorado. Coordena programas de Civic Midia, com a Universidade de Harvard.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Pensar com a própria cabeça: educação e pensamento crítico na América Latina



por Raquel Sosa Elízaga*
proibido pensar 300x280 Pensar com a própria cabeça: educação e pensamento crítico na América LatinaAs sociedades latino-americanas devem se reinventar constantemente sempre que cada experiência de surgimento de liberdade seja seguida de golpes dos velhos e novos conquistadores.
Simón Rodríguez, o admirável mestre de todos nós que acompanhou Simón Bolívar em seu périplo, passou toda sua vida imaginando, desenhando e construindo os fundamentos de uma proposta educacional a partir da explosão da criatividade de nossos povos, a qual só pode ser explicada pelo irrenunciável desejo de liberdade perante a contínua opressão (Rodríguez, 1975). Consideremos que, se o colonialismo produz impotência e dissabor, seu efeito mais perverso é induzir o conquistado a se conformar diante do fato de que sua liberdade tenha sido cerceada, talvez para sempre, e que para continuar existindo deve inevitavelmente se dar por vencido, aceitando e repetindo aquilo que seus opressores lhe impõem. A sequência dramática é tão atroz que o conquistado acaba considerando o pensamento imposto como se fosse o seu e a obstrução de sua liberdade como parte do caminho que o levará ao aprimoramento de sua vida.
Retroceder esses passos, rompendo com esses tortuosos vínculos, para muitas pessoas pode parecer um salto no escuro, uma aventura sem destino, uma espécie de suicídio intelectual e moral. Entretanto, nenhuma geração humana pode renunciar ao seu direito de criar, de imaginar e projetar sua própria vida, sob o risco de transformar-se em um reprodutor conformista de tudo o que em verdade lhe produz um autêntico mal-estar cultural: a frustração, o desenraizamento, a perda de objetivos e o esquecimento dos sonhos – um problema do qual padecem muitos jovens em nossas doídas sociedades ainda no dia de hoje. Todos esses males não têm outra origem nem outra razão de ser além da ruptura dos vínculos com nossa realidade; uma realidade de sociedades oprimidas, empobrecidas, construídas sobre a desigualdade, a exclusão e o esquecimento, mas que também possuem a energia, a vontade e a esperança de serem capazes de remontar sua odiosa condição de submissão.
Nossa aposta, portanto, não pode ser mais irracional do que aquilo que nos impuseram os conquistadores: “inventamos ou erramos”, disse muito bem Simón Rodríguez, afirmando que o único caminho possível para nós é o que decidamos construir entre todos a partir de nossa própria experiência, de nossas próprias perguntas, de nossas necessidades e sonhos. Precisamos ser os mais radicais possíveis, isto é, capazes de desentranhar, sem medo ou falsas suposições, as raízes dos nossos problemas e o modo em que poderemos nos empenhar a remontá-los, com as forças e a capacidade de que disponhamos em cada época. Precisamos aprender a olhar uns aos outros com outros olhos, nossos olhos, para refazer o amor por nossa terra, por nossos saberes, pela cor e pelo cheiro da nossa pele. As sociedades latino-americanas devem se reinventar constantemente sempre que cada experiência de surgimento de liberdade seja seguida de golpes dos velhos e novos conquistadores. Principalmente – e talvez esta seja a condição mais dramática que enfrentamos – nossas sociedades devem se proteger do fato de que a memória perversa da opressão as chame para regressar a ela como lugar seguro, apesar de toda dor que produz. Lembro-me muito bem das frases de Norbert Lechner, que, no contexto da ditadura pinochetista, afirmava que não havia outra sociedade que a sociedade possível, que não cabia outra imaginação além daquela indicada por quem se sentia cansado dos extremos, que somente o reconhecimento da necessidade de segurança, de tranquilidade, de proteção, de ordem, podia ser a garantia de uma sociedade harmoniosamente moderna (Lechner, 1986). Descanse em paz este pensador e vida longa aos jovens chilenos que nos devolveram a esperança com sua teimosia em resistir ao colonialismo contemporâneo, com sua cruel pilhagem e sua opressão sobre a educação.
A Reforma Educacional Neoliberal: A história que vivemos e pouco vimos
Assim como os chilenos, o que todos nós latino-americanos precisamos é voltar ao momento em que as baionetas e os uniformes verdes substituíram a inteligência no país de Neruda, De Rokha, Violeta Parra e Salvador Allende. Devemos à pesquisadora Marcela Gajardo a recuperação das abomináveis circulares da Junta Militar, quando impôs um Comando de Institutos Militares, cujos delegados seriam responsáveis por:
garantir que as atividades educativas e anexas (…) sejam realizadas em todos os níveis do sistema escolar (…) com uma sujeição estrita aos postulados preconizados pela H. Junta de Governo; obedecendo fielmente às diretrizes emanadas do Ministério de Educação; observada a mais estrita disciplina e justiça; entregando-se exclusiva e totalmente a trabalhos puramente profissionais com complexa exclusão do proselitismo político ou de ações obscuras de grupos ideológicos (…).
Esta circular, emitida em agosto de 1974, forçava os diretores das escolas, sob pena de destituição imediata de seus cargos, a informar a seus superiores quando acontecessem casos nos quais os docentes, seus auxiliares ou trabalhadores administrativos da educação emitissem “comentários políticos, difusão de comentários mal intencionados sobre as atividades de governo, difusão de piadas ou histórias estranhas relacionadas à gestão da Junta, (…) distorção dos conceitos ou valores patrióticos, distorção das ideias contidas nos textos de estudo (…)”, etc. (Gajardo, 1982). A reforma da educação no Chile foi realizada no contexto de uma brutal repressão ao povo chileno, repressão esta que deixou uma parte significativa de vítimas entre os estudantes e suas famílias e os docentes e trabalhadores organizados, cuja influência acreditava-se ser ampla e completamente contrária aos fins da ditadura (Sosa, 2010).
Diferentemente do que muitos pedagogos supõem, não foram os Chicago Boys que introduziram o modelo neoliberal no Chile, mas sim a necessidade de suprimir toda a memória e experiência organizacional independente; foi o feroz empreendimento de subordinar completamente as consciências das chilenas e chilenos que abriu caminho para as concepções empresariais que hoje recebem seu primeiro grande golpe no país em que foram fundadas (Vázquez, 2010). Seguindo a lógica burguesa que bem descreveu Marx em O Manifesto Comunista, a Junta Militar e seus aliados internacionais se empenharam para – e em grande medida conseguiram – fazer com que tudo o que era sólido se dissolvesse no ar, isto é, que uma prolongada tradição democrática e de desenvolvimento da inteligência criativa e autônoma das organizações civis e sociais, dos colégios e universidades, sindicados e partidos, intelectuais, acadêmicos e artistas, fosse dissolvida no ácido da perseguição, da queima de livros, da morte, do desalojamento e do refúgio de centenas de milhares de pessoas.
Meus amigos e mestres queridos Agustín Cueva, René Zavaleta, Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos, Eduardo Ruiz Contardo, Carlos Morales Oyarzún, Hugo Zemelman, entre muitíssimos outros, beberam nesse recipiente do conhecimento que foi o Chile da Unidade Popular, e acredito que nunca deixariam de refletir sobre os desastrosos efeitos produzidos por sua destruição.
Surpreendentemente, o que foi difícil de perceber a partir dos espaços de nossas universidades foi o verdadeiro alcance do processo de colonização mental que ocorreu a partir da imposição do esquema neoliberal em nosso subcontinente. Isto se explica em grande medida por duas razões: a primeira, obviamente, é que praticamente todas as nossas universidades foram objeto de perseguição, tiveram seus professores e seus estudantes perseguidos, presos ou assassinados, tendo o desenvolvimento do pensamento crítico violentamente suspenso em seus centros de pesquisa e salas de aula.
Além disso, a falta de visão do que ocorria na educação como um todo também se deve ao fato de que foram precisamente nossas universidades as que receberam o primeiro e mais definitivo golpe da reforma educacional, com a imposição da linguagem empresarial ou mais precisamente bancária (não no sentido de Paulo Freire, mas no sentido do Banco Mundial), o qual posteriormente se generalizaria em todas as instituições sociais, da educação à saúde, do funcionamento da economia aos meios de comunicação. Foi em nossas universidades que começou a ser utilizada a linguagem das competições, da certificação, da busca pela excelência, do estabelecimento de índices de desempenho, da avaliação de acordo com parâmetros internacionais e dos estímulos à produtividade (De Moura e Levy, 1997).
Praticamente todas as nossas universidades aceitaram e incorporaram, a partir de meados dos anos 1980, as orientações e instrumentos de avaliação cuja aplicação se tornou condição para concessão de empréstimos que o Banco Mundial ofereceu para superar o desastre da redução generalizada dos orçamentos públicos, após o ajuste estrutural dos anos 1980. Estes instrumentos se transformariam nos fundamentos de uma nova concepção da vida pública e, de maneira central, da educação (De Wit, Jaramillo et al, 2010; Thorn e Soo, 2006). Não podemos deixar de insistir em que, tal e qual a orgulhosa cidade da Nova Espanha foi construída sobre as ruínas do Templo Maior dos mexicas em Tenochtitlan, os neoliberais primeiro destruíram, mas logo se empenharam em surgir como os únicos capazes de controlar e dirigir as consciências de todos nós, com a anuência e a subordinação sem limites daqueles que ficaram encarregados de nossas instituições públicas: os novos conquistados pela religião da competitividade. Os fanáticos religiosos da nova evangelização neoliberal seriam as autoridades de nossas universidades e centenas de colegas de todas as áreas do conhecimento, ungidos como professores de excelência e encarregados de avaliar e, dentro do possível, suprimir as marcas de um pensamento crítico. Durante os anos 1990 e boa parte da década passada, poucas instituições aceitaram editar e promover os trabalhos de autores qualificados como ideologizados, de escassa projeção internacional, ou cuja produtividade fosse julgada como insuficiente, particularmente porque dão conferências, participam de eventos ou ainda editam suas obras em âmbitos não arbitrados.
Um olhar para o futuro
Os neoliberais introduziram em nossa região uma estratégia de controle e coerção que consiste no abuso sistemático dos meios de comunicação para socializar suas posturas com relação a todos os assuntos da vida pública, juntamente com o desenvolvimento das forças da ordem para atemorizar e conter as populações que manifestem críticas ao fato de que alguns poucos tenham se apropriado do direito de todos de decidir sobre os assuntos vitais de seu país.
Temos também todos os elementos para afirmar que um dos pontos de destaque da chamada reforma educacional foi a eliminação de conteúdos e práticas que tinham a tendência a estimular nos estudantes a imaginação, a memória, a criatividade. Com exceção dos casos de Cuba e Venezuela, em todo o restante da América Latina a reforma impôs como eixos a supressão da capacidade de localização histórica e geográfica, assim como a eliminação do reconhecimento das peculiaridades culturais e da identidade de nossos povos, a partir da escola. Isto, obviamente, no contexto do estabelecimento de um sistema de controle-subordinação que garantisse a repetição de lemas, a execução de ordens e a identificação dos estudantes com a busca da conquista individual, a aceitação das regras do mercado, o conformismo e o desmemoriamento.
Acredito que para avaliar os danos causados à nossa capacidade de pensar, deveríamos começar estabelecendo um índice de desaprendizagem, o que significaria compreender os limites da repressão da identidade, da memória, da vontade, do projeto de futuro nos alunos formados pelo sistema educacional nas gerações do neoliberalismo. Durante estes anos, algo muito profundo se perdeu de forma acelerada e acredito que é o momento de começarmos a processar a reversão dessa perda, pois, ao não fazê-lo, corremos o grave risco de que em alguns anos fiquemos sem instrumentos de conhecimento que nos permitam lançar mão de nossas reservas estratégicas para salvar nossos saberes tradicionais, os princípios e valores sobre os quais se fundou a existência de comunidades e povos, o uso não destrutivo dos recursos naturais, sociais e estratégicos de nossos países.
Portanto, temos uma dívida com nossa memória, que é desenterrar o esquecimento e poder reconstruir, passo a passo, as nossas necessidades que podem novamente dar sentido aos atos de nossa vida. Precisamos poder voltar a nomear tudo, transformando os conceitos e categorias impostos nestes negros anos em referências secundárias e armazenando a enorme tradição intelectual e cultural que fez da América Latina a região de maior riqueza histórica viva do mundo. Temos de nos lembrar de nossos mortos e de nossos vivos, sujeitos presentes nessa longa luta por sermos nós mesmos, que herdamos e da qual fazemos parte. Precisamos ser capazes de transformar nossas bibliotecas, nossas casas e as casas de todas as famílias de nossa região em espaços de restauração de uma identidade da qual só vimos pedaços nos olhos de nossos conquistadores. É absolutamente indispensável que iniciemos uma nova e mais profunda etapa de revolução de independência e de reconquista de nossa soberania, que não é outra coisa senão nosso poder de decidir, nos mais mínimos detalhes, como queremos viver. Pensar com a própria cabeça é o começo de olhar o mundo e ter a valentia de recusar a existência de um pensamento único, da falsa religião do mercado, do comércio da morte. Pensar com um pensamento crítico deve nos levar a saber que é possível transformar nossas cabeças e nosso horizonte, confiando que as soluções que propusermos serão certamente melhores do que as que nos obrigaram a aceitar. A liberdade terá seus custos e suas consequências, mas seus caminhos se iluminam com a felicidade que sentiremos por não termos de viver à sombra de nós mesmos. Estas formosas terras e nós, os seres humanos que nelas habitamos, merecemos dar um espaço à alegria e à esperança verdadeiras.

* Raquel Sosa Elízaga é doutora em história, latino-americanista e socióloga. Professora pesquisadora do Centro de Estudos Latino-Americanos da UNAM desde 1976. Autora de Hacia la recuperación de la soberanía educativa en América Latina.

** Publicado originalmente no site Revista Fórum.
Extraído do site Envolverde

quarta-feira, 1 de junho de 2011

DA BIOPOLÍTCA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS À BATALHA NAS REDES: VOZES AUTÔNOMAS


VLADIMIR LACERDA SANTAFÉ* 

Resumo:

Palavras-chaves: movimentos sociais, multidão, redes, tecnologias digitais, biopolítica

"Digo não quando dizem sim em coro uníssono. Quero descobrir e revelar a face obscura, aquela que foi varrida dos compêndios de História por infame e degradante; quero descer ao renegado começo, sentir a consistência do barro com lama e sangue, capaz de enfrentar e superar a violência, a ambição, a mesquinhez, as leis do homem civilizado. Quero contar do amor impuro, quando ainda não se erguera um altar para a virtude. Digo não quando dizem sim, não tenho outro compromisso".
Jorge Amado, Tocaia Grande

É preciso dizer não algumas vezes, quando a violência se diz a lei e o homem civilizado não passa de uma sombra da sua ambição, algumas vezes é preciso gritar, mesmo que não se seja ouvido. O grito faz bem para os pulmões e para o futuro. Esse trabalho é um “grito” e uma tentativa de transformar em teoria as práticas e as incertezas de anos de militância. Militância que se confunde com as angústias da existência, com as “janelas quebradas”, os cacos espalhados no carpete, toda existência é um grito. Na sociedade atual, o que, com Negri e Hardt, chamamos de capitalismo cognitivo, as vozes são muitas, o poder é descentrado, mas atuante, algumas vezes essas vozes se concentram em uma única voz uníssona, mas é preciso dizer que as muitas vozes dissonantes formam um conjunto potente que faz frente a essa voz imperativa.
O que pretendemos nessas linhas tortas e inexatas, nesse feixe de representações que buscam um solo para cravar suas raízes e despedaça-las em seguida: fazer um mapa das redes desse poder difuso, e ao mesmo tempo eficaz, que molda nossos espíritos e corpos, a forma como o conjunto das informações é difundido, de como essa rede funciona estabelecendo uma axiomática, um consenso em torno de “verdades” disseminadas e represadas, pela circulação acelerada das informações e do consenso que se forma a partir delas, dos signos que se remetem infinitamente a essa rede que assegura o consenso em torno da economia de poder difundida e ressoada pelos aparelhos de Estado e seus meios de produção da informação. De como as pessoas se submetem, reproduzem e que tipo de poder atua sobre os seus corpos e mentes, quais os dispositivos tecnológicos utilizados, e até que ponto somos efeitos desses dispositivos e discursos de verdade. A informação, na realidade, que é retida e concentrada. A verdade é que não se informa, se diz o que se deve pensar. Mas até que ponto? Fazer um mapa do uso das novas tecnologias digitais, a criação das linhas de fuga e dos agenciamentos que as traçam, agenciamentos sempre animados por uma máquina de guerra, seja a partir das TVs Comunitárias, dos documentários produzidos pelos movimentos sociais, seja na utilização dos espaços disponibilizados pela Internet, um meio rizomático por excelência, seja a partir da ocupação dos espaços “tradicionais” de difusão de informações. Movimentos sociais que criam suas redes de resistência e criação, produzindo uma malha de significados que torna consistente a própria sociedade informacional que nos “alimenta”, significados não-determinados pelas grandes mídias, que perde terreno com as novas tecnologias digitais. Hoje, mais do que nunca, os movimentos sociais precisam enfrentar os desmandos das autoridades estatais e suas redes de captura, tal como o direitoso Sarkozy, que “afirmou que o controle e a regulamentação da rede devem ser impostos pelos Estados, para evitar anarquia, e que as grandes companhias da web não vivem em universo moral paralelo”, são por essas e outras que a autonomia dos grupos e das pessoas deve ser conquistada pela força das mobilizações globais, pelo grito dos divergentes que almejam um mundo sem sarkozys e monopólios midiáticos, e ainda mais profundamente, um mundo sem classes e sem mandos
.

Considerações: Esta tese de mestrado de Vladimir Lacerda  Santafé*,( que transcrevemos o resumo), reforça e fundamenta a essência da Educomunicação, embora não tenha sido  o propósito desse trabalho acadêmico. A tese ainda não foi publicada, porque foi defendida recentemente, dia 27 de maio de 2011, na ECO/UFRJ, quando  foi muita elogiada pela banca examinadora..A exposição foi gratificante para editora deste Blog, Zilda Ferreira.