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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Esta terça-feira [06/11/2012] e o mundo

Embora as urnas já tenham consagrado a reeleição de Barack Obama por uma escassa maioria (50% a 49%) por isso e pelo teor do artigo achamos que ainda valeria a pena publicá-lo. (Equipe Educom)


06/11/2012 - Mauro Santayana em seu blog


(JB) - Seria muito melhor que assim não fosse, mas do resultado das eleições norte-americanas de hoje [06/11] dependerá o futuro imediato do mundo.


As pesquisas mostram que Obama parece vitorioso, quando se trata dos votos populares, mas no sistema norte-americano é preciso que ele disponha da maioria do colégio eleitoral – o que é outra coisa.


Basta lembrar que, em 2000, Al Gore obteve meio milhão de votos diretos a mais do que Bush, mas a estranha recontagem de votos na Flórida, aprovada por uma Suprema Corte engajada na direita, garantiu os sufrágios dos delegados eleitores daquele estado a Bush.



Os resultados dessa violência judiciária são os que conhecemos: atentado às Torres Gêmeas; a invasão do Iraque e do Afeganistão; milhares de soldados ianques e de seus aliados  mortos; centenas de milhares de civis chacinados naqueles países e nos outros que se seguiram; o retorno da barbárie de Estado, com os sequestros de suspeitos no mundo inteiro, pelos agentes da CIA, Guantánamo, Abu Ghraib e outros centros de tortura e morte. São os estigmas de um tempo orgulhoso de seus amplos conhecimentos científicos. Uma época em que o iluminismo se dissolve nas trevas da selvageria.

Muitos são os estudos sobre a relação entre o mito e a realidade na formação espiritual dos Estados Unidos. Esses estudos remontam aos passageiros do Mayflower, animados pela visão teológica do contrato dos homens com Deus e com o destino, fundado na Última Ceia de Jesus com seus discípulos. The convenants, se chamava a seita protestante chefiada por William Bradford, o líder dos peregrinos que chegaram em 1620 à baía de Plymouth, e fundaram a colônia que deu origem política à Nova Inglaterra. Os convenants, reconhecem os historiadores, eram uma dissidência – ou heresia - de esquerda no anglicanismo, e com essa orientação Bradford governou diretamente a comunidade, durante 30 anos. A mesma orientação seguiu John Winthrop, na Colônia de Massachusetts, um pouco mais ao norte.


O melhor dos Estados Unidos surgiu ali, na Baía de Massachusetts, com a educação universalizada, as decisões tomadas democraticamente, o trabalho persistente e a solidariedade.

O pior, também, com o fanatismo religioso, a repressão ao amor não convencional, a caça às bruxas.

Não é por acaso que Arthur Miller recorre às feiticeiras de Salém a fim de explicar o irracional processo do macarthismo, em sua peça clássica, The Crucible, de 1952. 



Uma análise mais acurada da história dos Estados Unidos encontrará na palavra escrita o grande vetor de seu desenvolvimento. No primeiro século, foram a Bíblia e os textos religiosos impressos que construíram o mito, ao qual se ajustava a realidade. No século 18, foram os textos jornalísticos, inspirados na filosofia moral e política inglesa, fundada no pensamento greco-romano. Esses textos impressos na Nova Inglaterra – alguns deles traduzidos para o entendimento popular, como os de Thomas Payne, entre os quais o mais lúcido de todos, The Common Sense - mobilizaram as colônias para a autonomia.

Meditados e discutidos, foram  o germe da Declaração da Independência e da Constituição de 1787. A partir de então, os papéis impressos se encarregam de fazer a realidade norte-americana, na reconstrução mítica da História, e na projeção ficcional da contemporaneidade de cada tempo. Tratou-se de um processo dialético, no qual a ficção e a contrafacção histórica alimentaram a realidade e essa realidade induzida realimentou o mito. E, nisso, chegamos às eleições de hoje.

Em texto publicado anteontem na edição online do New York Times, o professor de História da Academia Naval dos Estados Unidos, e ex-oficial da Marinha, Aaron O’Connell, trata da permanente militarização dos Estados Unidos, contra a qual Eisenhower advertira, há 51 anos, e a atribui, entre outras razões, ao mito da superioridade militar norte-americana no mundo.

Nossa cultura militarizou-se desde Eisenhower – escreve O’Connel – e os civis, não os serviços armados, são a causa principal disso. Dos congressistas que apelam para o apoio às nossas tropas, a fim de justificar os gastos com as guerras, aos programas de televisão e aos jogos como os “NCIS”, “Homeland” e “Call of Duty” ao vergonhoso e irreal reality show “Stern earn Stripes”, os norte-americanos são submetidos à sua dieta diária de estórias que valorizam o militarismo, enquanto os redatores dessas estórias cumprem a sua tarefa por oportunismo político e seus resultados comerciais”.

O’Connell poderia ir mais atrás em suas reflexões, lembrar “O Destino Manifesto” de John Sullivan e o endeusamento dos assassinos de índios, como o general Custler, e os heróis de fancaria, como Buffalo Bill e os reles assassinos do Oeste, elevados à glória pelas revistas de cinco centavos, entre eles Jesse James, Billy the Kid, Doc Holliday – e, do outro lado, o lendário Wyatt Earp, também muito menor do que a sua lenda.

O’Connell pondera que os veteranos de guerra merecem todo o respeito e o afeto de seus concidadãos, como os merecem também os policiais, os que se dedicam aos trabalhos nas emergências, e os professores. Mas nenhuma instituição, e menos ainda as que são mantidas com o dinheiro dos contribuintes, está imune às críticas.

O mesmo autor cita, ainda, outra frase de Eisenhower, ao assumir a presidência, em 1953: “Cada arma que é fabricada, cada nave de guerra lançada, cada foguete disparado, significa, em seu sentido final,  um roubo contra aqueles cuja fome não foi satisfeita, contra aqueles que têm frio e não foram agasalhados”.

É conhecido o telegrama do grande magnata do jornalismo ianque, na passagem do século 19 para o século 20, William Hearst, a seu repórter-ilustrador Frederic Remington enviado a Havana – que comunicara ao patrão a inexistência de fatos em Cuba que merecessem cartoons de denúncia contra os espanhóis: “você me forneça os desenhos, e eu fornecerei a guerra”. O envenenamento da opinião pública foi de tal intensidade, pelas duas grandes cadeias de jornais (a de Hearst e a de Pullitzer) que William James, ao falar para os estudantes de Harvard, e se opor à guerra que a imprensa pedia, foi intensamente vaiado.

Um dos mais respeitáveis pensadores do mundo, James – pai da psicologia moderna – comparou os jovens que o insultavam, por pedir a paz, a uma imensa horda de lobos sedentos de sangue. Com esse passado de ambiguidades e conflitos morais e ideológicos, os Estados Unidos vão hoje [06/11] às urnas. O mais antigo e respeitado jornal americano, o The New York Times, que não se somara ao belicismo de Pullitzer e Hearst, na Guerra da Espanha, declarou seu apoio a Obama. Murdoch, com seus jornais e sua televisão, prefere Mitt Romney.

Romney, em declaração durante a campanha, reafirma a doutrina do direito ao império universal pelos Estados Unidos, a do Destino Manifesto, de 1845, ao dizer que "Deus não criou este país para que fosse uma nação de seguidores. Os Estados Unidos não estão destinados a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os Estados Unidos devem conduzir o mundo ou outros o farão."


Se Frederic Remington [foto] não houvesse fornecido as imagens falsas de Cuba, Hearst talvez não tivesse conseguido a guerra, e a história dos Estados Unidos no século 20 fosse outra.

O governo de McKinley [foto] relutara o máximo em seguir os belicistas.

Esta é uma lição para muitos jornalistas brasileiros, que sabem muito bem do que estamos falando.

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/11/esta-terca-feira-e-o-mundo.html

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Tanto cá como acolá, mídias que se parecem

04.11.2012 - Mídias que se parecem - Claudio Bernabucci (*)
- extraído da revista Carta Capital

A poética imagem do arco-íris no céu de Brasília, imortalizada na primeira página do Globo no dia seguinte à condenação de José Dirceu, não tem representado o pano de fundo desejado pelos conservadores para as recentes eleições administrativas.

Não obstante a instrumentalização eleitoral do “mensalão” e os tons de cruzada utilizados, a direita saiu do pleito redimensionada e a base governista fortalecida.

Isso denota, entre outras coisas, que o eleitor brasileiro tem mais maturidade de quanto apostava a reação justiceira da grande imprensa e que o excesso de agressividade política pode resultar contraproducente no resultado das urnas.


É de se esperar que dinâmica similar possa se verificar daqui a poucos dias no outro hemisfério, na disputa estratégica pela Presidência dos Unidos Unidos.


Nas últimas semanas da campanha que opõe Obama a Romney, aconteceram fatos graves mas pouco divulgados no Brasil: os eleitores americanos sofreram pressões inéditas e autênticas chantagens por parte de poderosos oligarcas, inconformados com a possibilidade de vitória do candidato democrata.

Vale a pena mencionar alguns episódios para dar ideia da violência do combate. Era fato sabido que os Koch, donos de uma das maiores fortunas dos EUA, torciam pela direita mais retrógrada.

Nesta campanha, pela primeira vez, eles se atreveram a escrever aos 50 mil funcionários do seu grupo petroquímico, de que poderiam “sofrer consequências em caso de vitória de um candidato que queira impor outras regulamentações aos negócios”.

Outro exemplo: David Siguel [sic: 'Siegel', foto] é um bilionário do setor imobiliário da Flórida, já famoso por algumas extravagâncias como a construção da maior mansão do país, chamada com sobriedade de Versailles. Siguel [sic] teve o mérito de ser mais franco com os trabalhadores: declarou em entrevista que em caso de vitória de Obama ele poderia “fechar a empresa e despedir os 7 mil dependentes”.


Enredos do gênero apareceram aos magotes na imprensa americana.

Representam, porém, e apenas a ponta mais radical de uma aliança integrada pela finança e grandes corporações, visceralmente contra Obama, réu de querer lhes impor regras e limites depois da crise iniciada em 2008. Dois enredos talvez tenham marcado a fogo tal coligação antidemocrata.



O primeiro foi a pesada indenização de 25 bilhões de dólares imposta pelo governo a cinco bancos comprometidos com os escândalos dos empréstimos bilionários subprime: JP Morgan Chase, Bank of America, City Group, Wells Fargo e Ally Financial.



O segundo, mais recentemente, é constituído pela acusação formal de fraude contra a Bear Stearns, financeira controlada pela JP Morgan, acusada pelo procurador-geral de Nova York de ter enganado os investidores nos escândalos acima citados.

Esse processo é o primeiro fruto importante da task force, iniciativa do governo Obama, que visa indagar a respeito das irregularidades financeiras originárias da crise.

Caso as acusações contra o JP Morgan sejam confirmadas em juízo, elas estabeleceriam uma jurisprudência muito perigosa para todo o sistema financeiro americano. Não por acaso Wall Street virou as costas a Obama, com quem simpatizou na primeira eleição, e agora financia, copiosamente, o adversário Romney. Como resultado dessa situação, a atual campanha é destinada a ser a mais cara da história americana, com orçamento total de aproximadamente 6 bilhões de dólares.

Os financiamentos das corporações, liberados e sem limites em base a duas sentenças da Justiça em 2010, tem resultado na tremenda distorção da campanha, oferecendo ao candidato republicano uma vantagem nunca vista: entre os “grandes contribuintes”, ele recolheu quatro vezes mais do que o democrata.

Obama se confirma mais forte nas numerosas doações individuais e em alguns setores industriais de vanguarda, como a eletrônica, mas a desproporção dos meios materiais é brutal. Ao violar o sagrado princípio das oportunidades iguais, em tempos normais essa disparidade seria tomada como ameaça à democracia.


Hoje, no calor do combate, parece não haver espaço para sutilezas.

É certo que, em tais condições, uma vitória de Obama representaria um autêntico milagre: a supremacia da participação dos cidadãos contra o poder do dinheiro. Sobretudo, poderia significar a aplicação de novas regras contra a prepotência da finança e das grandes corporações, além de um primeiro passo para reequilibrar as relações de força entre política e setor econômico-financeiro, de sorte a beneficiar o futuro da nossa civilização.


De regresso às nossas latitudes, é certo que as mudanças encarnadas por Obama são exatamente as que os nossos donos do poder detestam profundamente.


Portanto, é necessária toda a atenção aos maus exemplos americanos, porque, aí sempre nasceu inspiração para as tragédias pátrias.

(*) Claudio Bernabucci, formado em Ciência Política na Universidade La Sapienza, em Roma, é ex-assessor internacional da prefeitura da capital italiana e ex-funcionário da ONU. Interpreta o Brasil, país que escolheu para morar a partir de 2010, aos olhos do mundo.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/midias-que-se-parecem/?autor=1347

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

“A Nascente” [Romney, Ryan e o Instituto Milênio]


25/08/2012 - original em Gush Shalom [Bloco da Paz], Israel - “The Fountainhead”
- por Uri Avnery
- traduzido pelo pessoal da Vila Vudu - redecastorphoto

Paul Ryan
O nome do homem que será indicado candidato a vice-presidente dos EUA na chapa do Partido Republicano absolutamente não me interessava, até que surgiu, associado a ele, o nome de Ayn Rand.

Ayn Rand
O que se diz é que Ayn Rand é uma das fontes inspiracionais que anima o específico pensamento filosófico de Paul Ryan, candidato a vice-presidente dos EUA.

Mitt Romney
E, dado que o mesmo Paul Ryan está sendo apresentado não como político mequetrefe padrão, como Mitt Romney, mas como profundo pensador de política e economia, a tal fonte inspiracional merece algum exame.

Como no caso de muita gente em Israel, Ayn Rand entrou na minha vida como autora de The Fountainhead [1] [A Nascente], romance lançado quatro anos antes do nascimento do Estado de Israel e que rapidamente se tornou bestseller [2]. O filme baseado no romance, com Gary Cooper no papel principal (no Brasil e em Portugal, Vontade Indômita, 1949 [3]) tornou-se ainda mais popular.

É a história de um arquiteto de gênio (semelhante, nos traços gerais, a Frank Lloyd Wright) que segue o próprio estilo individual e desdenha as preferências das massas. Quando seu projeto arquitetônico para uma casa é modificado pelos construtores, o arquiteto destrói os prédios e, em seguida, defende os próprios atos nos tribunais, num apaixonado discurso a favor do individualismo.

(Honestamente: Muitas vezes tive ímpetos de fazer o mesmo que ele a alguns prédios em Telavive, sobretudo aos hotéis de luxo erguidos entre minha janela e o mar.)

Comecei a ler o segundo bestseller da mesma autora, Atlas Shrugged [1957 (2008), A revolta de Atlas, SP: ed. Ed. Sextante e Instituto Milênio [4]], no qual expõe detalhadamente a própria filosofia. Nesse caso, tenho de confessar que, para minha eterna vergonha, não consegui avançar e jamais concluí a leitura.

Um dia, em 1974, meu amigo Dan Ben-Amotz telefonou-me para pedir que eu recebesse um jovem que ele acabava de conhecer, Dr. Moshe Kroy. “Um gênio!”, disse ele.

Ben-Amotz já era, só ele, personagem notável. Tinha mais ou menos a minha idade e, em 1974, era conhecido humorista e ícone da geração que fez a guerra de 1948 e criou a nova cultura hebraica. Ben-Amotz, como muitos de nós, era self-made man; mais propriamente dito, era autoinventado e fez-se conhecido como exemplo consumado do sabra [israelense nativo] perfeito. Um dia, muitos anos depois, transpirou que teria nascido na Polônia e chegara menino à Palestina, onde adotara o nome de amplas sonoridades hebraicas pelo qual se tornou conhecido, em substituição ao nome que trazia da Polônia, Moshe Tehilimzeigger (em ídiche, “recitador de salmos”).

Ben-Amotz trouxe Kroy à minha casa. Tinha 24 anos e era impressionantemente erudito, já professor na Universidade de Telavive, com óculos grossos e conversa muito altamente filosófica. Fiquei impressionadíssimo.

Logo ficou bem claro que era Crente Fiel dos ensinamentos de Ayn Rand, apresentados pela autora como “objetivismo”. O objetivismo ensinava (e pelo visto, como fazem o tal candidato Republicano à vice-presidência dos EUA e a rede Fox, ainda ensina) que o principal e básico dever de todos os seres humanos é o egoísmo. Qualquer tipo de envolvimento ou compromisso social é pecado contra a natureza. Só quando luta pelos próprios interesses pessoais, limpando-se de qualquer traço de altruísmo, o ser humano realiza o destino para o qual veio ao mundo. A sociedade só progride quando constituída de e baseada em indivíduos assim furiosamente egoístas, cada um lutando para promover só os próprios interesses pessoais.

É filosofia que pode ser irresistivelmente atraente para certo tipo de gente. Garante a esse tipo de gente a justificativa filosófica de que precisam para ser furiosamente egoístas, vivendo sem dar a mínima a quem que seja, além deles mesmos.

Kroy, e também é claro, Ben-Amotz, eram religiosamente devotados àquele novo credo, militantes do egoísmo. (Há aí evidente oximoro, porque a própria Ayn Rand era absolutamente não crente, condenando todas as religiões, inclusive a religião dos judeus de sua família.) Em certo momento, apanhei Ben-Amotz com a boca na botija, fazendo algo que, sim, bem poderia implicar benefício a outras pessoas. Ele deu-se muito trabalho para explicar que, naquele ato, de fato, no longo prazo, visava exclusivamente a obter vantagens só para ele mesmo.

Kroy, como já então era bem visível, era pessoa bastante perturbada. Matou-se, aos 41 anos. Nunca consegui definir se Ayn Rand perturbou-o além do suportável, ou se foi atraído para ela porque já era suficientemente perturbado antes de conhecer o objetivismo. 

AYN RAND foi pseudônimo de Alisa Zinovyevna Rosenbaum, nascida em São Petersburgo, que depois foi Petrogrado, que depois foi Leningrado. Tinha 12 anos quando eclodiu naquela cidade a Revolução Bolchevique. A farmácia de seus pais foi tomada pelo regime, e a família burguesa fugiu para a Crimeia, então defendida pelas forças dos Russos Brancos. Adiante retornaram à cidade natal, onde Alisa estudou filosofia e até publicou um livro em russo. Em 1926, ela chegou, sozinha, aos EUA.

Adotou o nome “Ayn” (que rima com “swine” [suíno(a)], como ela mesma explicava). Provavelmente recolheu a palavra do hebraico, em que significa “olho”. O sobrenome Rand pode ser contração do sobrenome original judeu-alemão da família.

Sua história inicial, em certa medida, explica o ódio imorredouro que o Comunismo sempre lhe inspirou, como todas as modalidades de coletivismo, inclusive a social-democracia, além do ódio a todas as formas de religião ou estatismo. Para ela, o Estado é o inimigo do indivíduo idealmente totalmente livre. Esse ideário levou-a naturalmente a abraçar um capitalismo de laissez-faire absolutamente desatinado (que Shimon Peres chamou de “capitalismo swinish [lit. “suíno”] e a rejeitar toda e qualquer forma de estado de bem-estar e rede de proteção social.

Tudo isso aparecia bem estruturado na filosofia dela, que foi adotada por crentes adoradores em todo o mundo. Certa vez, ela se autoapresentou como “o(a) mais criativo(a) pensador(a) vivo.” Noutra ocasião, disse que em todos os anais da filosofia há só três grandes pensadores, todos na letra A: Aristóteles, Santo Tomás de Aquino e Ayn Rand.

Com toda a probabilidade, foi também racista do tipo furioso: durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, disse que “homens civilizados enfrentavam selvagens” e comparou os israelenses aos brancos, nos EUA, enfrentando bárbaros peles vermelhas.
Não surpreende que, no post-mortem, Ayn Rand tenha-se tornado leitura preferencial dos fanáticos do Tea Party, que hoje dominam o Partido Republicano. Não surpreende tampouco que o candidato à vice-presidência Paul Ryan refira-se a ela, orgulhosamente, como um de seus mais importantes mentores intelectuais. (Ayn Rand morreu em 1982, com 77 anos. Ao funeral compareceram vários crentes devotos, entre os quais Alan Greenspan, um dos coveiros da economia dos EUA. [E é cultuada até hoje, no Brasil, pelo Instituto Liberal e pelo Instituto Milênio, que co-editam seus livros, os quais podem ser lidos gratuitamente na página Internet do IM (NTs)].

Há algo nos ensinamentos dessa pregadora fundamentalista judeu-russa branca do egoísmo total, que os torna sedutores aos olhos dos que cultivam os mitos norte-americanos primitivos e o individualismo absoluto; dos que cultivam a autoconfiança enlouquecida dos “mocinhos” sempre armados na luta contra o Oeste Selvagem; dos que padecem de desconfiança mórbida contra o Estado arrecadador (mitos que chegam ao Rei Eduardo III). Mas, Santo Deus! O mundo já ultrapassou o século 18!

Nunca estudei filosofia, mas ao longo da vida, aqui e ali, li alguma coisa. E as teorias de Ayn Rand sempre me pareceram, digamos, infanto-juvenis.

Há uma lembrança que sempre me acompanha. O falecido Ministro israelense Pinchas, contando como, ainda adolescente, escalou uma escada do kibbutz, encontrou numa das prateleiras mais altas um livro de Nietzsche e lá ficou, a metros do chão, horas a fio, sem conseguir parar de ler. Se bem me lembro, foi Assim falou Zarathustra, livro perigoso para jovens. Pois esse livro também teve poderoso impacto sobre Ayn Rand na adolescência.

Nietzsche deblatera contra a “moral da piedade judaica”, que infectava as adoráveis “bestas louras”. Compaixão pelos fracos é pecado, porque mina as capacidades dos fortes em vias de tornarem-se super-homens. Ayn Rand, no caso, sentiu rugir dentro dela as potências da super-mulher. (...)

Na minha juventude, também fui capturado por Nietzsche. Mas a “moral da piedade judaica” venceu. Por isso eu, como muitos israelenses, absolutamente não conseguimos entender muitas das atitudes sociais dos norte-americanos, algumas das quais se veem bem ilustradas na atual campanha eleitoral.

Para mim, é autoevidente que o Estado tem o dever de amparar os doentes, os velhos, as crianças, os incapazes e os mais pobres. Um velho dito ensina que “cada judeu é responsável por todos os judeus”. Pouco tempo depois de criado o Estado de Israel, já havia constituído aqui um sólido sistema de assistência pública à saúde e serviços sociais. A necessidade da segurança social, instituída na Alemanha por Otto von Bismarck, político de direita, no tempo de Nietzsche, é autoevidente para os israelenses, ainda hoje.

Benyamin Netanyahu é direitista à moda dos Republicanos dos EUA, empenhado apoiador de Mitt Romney. Provocou dano incalculável à rede de amparo social em Israel, primeiro como Ministro das Finanças, depois como Primeiro-Ministro. Pois nem “Bibi” atreveu-se a apresentar-se como discípulo de Ayn Rand.

Mas “Bibi” partilha pelo menos um traço com Paul Ryan, crente fundamentalista da igreja de Ayn Rand: Netanyahu e Ryan são, ambos, promovidos e financiados por Sheldon Adelson.

Acho que não pode haver personificação mais pura da visão de Ayn Rand, que esse bilionário à moda Casino (o filme). Ayn o teria adorado! Sheldon Adelson é o egoísta perfeito. Super enriqueceu explorando os vícios dos seres humanos mais fracos. Suas práticas negociais são mais que suspeitas. Sim, mas... Mesmo assim, é preciso perguntar se Adelson gastaria centenas de milhões em gente como Romney, Ryan e Netanyahu em nome, exclusivamente, de promover os seus próprios interesses comerciais. Pouco provável. O mais provável é que haja nele um traço de altruísmo, uma crença sincera, um desejo sincero de, através dessa gente, promover alguma ideia social que lhe seja sinceramente cara, por pouco decente que nos pareça ser ou que seja.

Ayn Rand era ateia e odiava tudo que não fosse doentiamente racional. Mas o Tea Party é movimento religioso (não interessa a religião). Ayn Rand era apaixonada defensora do aborto... mas Ryan é antiabortista fundamentalista fanático. Farejo problemas.

De fato, não acredito nem na imagem de intelectual nem na imagem de político “ético” que Ryan anda divulgando. 

Há algo de falso, no homem. Acho que nem Ayn Rand confiaria nele.

Se, pelo menos, aparecesse um Gary Cooper, para a vice-presidência...



Notas dos tradutores
[1] Sobre Ayn Rand, há longo verbete em português, na página (e onde mais seria?!) do Instituto Liberal, primo irmão do facinoroso Instituto Milênio. Ver em: http://www.institutoliberal.org.br/galeria_autor.asp?cdc=921
[2] Não por coincidência, é claro, o livro “A nascente” é acessível, em .pdf, em tradução recente para o português [2008, SP: Ed. Landscape, trad. Andrea Neves Holcberg e David Holcberg], na página do portal O Globo. Ver em: http://g1.globo.com/platb/files/1045/theme/A%20Nascente_AynRand.pdf
[3] Ver sobre o filme “The Fountainhead” (dir. King Vidor, 1949) em: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Fountainhead
[4] A edição em português de “A revolta de Atlas” também foi feita em parceria entre a Ed. Sextante, de SP, e o Instituto Milênio. Pode ser baixado em .pdf do site: http://br.librosintinta.in/a-revolta-de-atlas-

Fonte:
pdf.htmlhttp://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/08/a-nascente-romney-ryan-e-o-instituto.html