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sábado, 6 de outubro de 2012

A espetacularização e a ideologização do Judiciário

04/10/2012 - Leonardo Boff (*) em seu blog


É com  muita tristeza que escrevo este artigo no final da tarde desta quarta-feira [03/10], após acompanhar as falas dos ministros do Superemo Tribunal Federal.

Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal  470 sob julgamento no STF.

Se malfeitos foram comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.

Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira das vaidades e o vezo ideológico que perpassa a maioria dos discursos.

Desde A Ideologia Alemã, de Marx/Engels (1846), até o Conhecimento e Interesse, de J. Habermas (1968 e 1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente.

Resumidamente, podemos dizer que a ideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses.

Pois, assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável.

Cabe analisar política e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente.

Como entra o povo nisso tudo?
Ele continua invisível e até desprezível?
A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito.

Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia.

O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.


Em alguns discursos, como os do ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada.


Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o mensalão seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”.

Tem-se a impressão de que as lideranças do PT e até ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocuparem com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.


Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas?

Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular.

Mais ainda: visa-se aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política;

procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.


A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto.

Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como  faxineiro e limpador dos banheiros.
Mas nunca como presidente.


Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa.

Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e a sonhar com  a reinvenção de um Brasil diferente.

Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância.

Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala.

Pois, Lula e outros líderes populares  ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.


Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos.

A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha.

Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminosíssima estrela matutina” de Aristóteles).

Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada.

Então, sim, se fará justiça neste país.



(*) Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é professor aposentado de ética da Uerj.

Fonte
http://leonardoboff.wordpress.com/2012/10/04/a-espetacularizacao-e-a-ideologizacao-do-judiciario/

Imagens: equipe do blog Educom