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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Considere estes países


04/06/2012 - Escrito por Otaviano Helene
- original publicado no site Correio da Cidadania

O país A tem um sistema de ensino bastante orientado pelos e para testes aplicados periodicamente aos estudantes. Como o desempenho dos estudantes nesses testes é considerado fundamental, professores são premiados ou punidos em função dos resultados obtidos por seus alunos. Escolas podem ser entregues à eficiência da administração privada com o objetivo de melhorar o desempenho dos estudantes. Com a mesma finalidade, aulas de Artes, História e atividades físicas são reduzidas em favor das disciplinas incluídas nos testes. Esse país A aplica, entre investimentos públicos e privados, 7,4% do seu PIB em educação. E, ainda, as dificuldades econômicas desse país têm sido atribuídas aos professores, que preparam mal suas crianças e seus jovens. Por causa disso e considerando os resultados dos alunos, professores ineficientes devem ser descartados rapidamente e normas e leis que dificultam ou impedem isso devem ser (e têm sido) eliminadas.

No país B não há testes padronizados aplicados às crianças. Segundo um pesquisador acadêmico desse país, caso os professores fossem avaliados a partir de teste aplicados a seus alunos, eles simplesmente abandonariam a profissão “e não retornariam até que as autoridades abandonassem essa idéia maluca”. As escolas do país B são administradas apenas pelo setor público e professores e professoras são estáveis, sendo muito difícil removê-los de suas funções. Nesse país, os professores têm liberdade do que e de como ensinar, desde que os currículos nacionais sejam respeitados. Esse país aplica, no total, 7,0% do PIB em educação e sua renda per capita é cerca de 20% inferior à renda per capita do país A.

Como se saem os estudantes desses dois países quando submetidos aos testes padronizados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), (1), aplicados a estudantes de 15 anos de idade? Será que os estudantes do país A, mais rico e que tem suas escolas e professores orientados para os testes, se saem melhor? Não. Os estudantes do país B se saem melhor, até mesmo, muito melhor. Paradoxal?

Não. De fato, há aspectos fundamentais que explicam esse aparente paradoxo. Os países A e B são, respectivamente, os EUA e Finlândia (2) e os resultados obtidos no PISA aplicado em 2009 aparecem, resumidamente, na tabela 1. Os testes aplicados são em leitura, matemática e ciências e em cada um desses quesitos o desempenho dos estudantes é classificado em níveis de um a seis. Os valores que aparecem na tabela correspondem a médias simples dos resultados naquelas três áreas avaliadas. Todos os resultados mostram um desempenho significativamente melhor dos estudantes finlandeses. E além da média finlandesa ser significativamente superior à média estadunidense, aquele país tem um percentual muito menor de estudantes com desempenho muito baixo (abaixo do nível 1) e um percentual significativamente maior de estudantes classificados no nível mais alto (nível 6). E, mais ainda, e possivelmente refletindo a menor desigualdade de renda, a dispersão relativa das notas recebidas pelos estudantes finlandeses, de 16%, é menor do que a dispersão das notas dos estadunidenses, de 19%.

Tabela 1 – Resultados do PISA 2009 (médias simples dos resultados em leitura, matemática e ciências).

                     Porcentagem dos estudantes
                     Abaixo do nível 1      Nível 6      Média      Dispersão das notas (%)
Finlândia                 1,0                    3,3           544                    16
EUA                         4,3                    1,6           496                    19
 


O que pode explicar as diferenças entre os dois países?
Certamente, o modelo educacional dos dois países faz a grande diferença. Entretanto, tentou-se procurar explicações para a diferença de desempenho entre os dois países em várias causas, evitando culpar o estilo empresarial de administração escolar e baseado em avalições permanentes de estudantes e em premiações e punições aos professores com base no desempenho dos seus alunos e das escolas onde trabalham. Um dos argumentos foi baseado na maior homogeneidade étnica populacional da Finlândia, um argumento de viés racista. Entretanto, esse argumento não sobreviveu, uma vez que, entre os 65 países ou regiões participantes do PISA, havia países homogêneos e heterogêneos nos dois extremos da classificação. Ou seja, o desempenho não está correlacionado com a homogeneidade da população. Outro argumento baseou-se no tamanho relativo das duas populações, 314 milhões nos EUA e 5,4 milhões na Finlândia. Entretanto, esse argumento também não prosperou. Primeiro, porque, como no caso da heterogeneidade da população, há países populosos e não populosos distribuídos entre os de melhor e pior desempenho: não há uma correlação entre o tamanho do país e o desempenho de seus estudantes. Além disso, nos EUA, como em muitos países mais populosos, a educação é administrada autonomamente pelos estados e muitos deles têm populações bastante pequenas, menores do que a finlandesa.

As explicações estão em outros lugares. Uma delas é quanto às condições de trabalho dos professores. Embora em ambos os países os salários iniciais na carreira sejam aproximadamente os mesmo, após 15 anos de experiência, os professores finlandeses são mais bem pagos, existindo, portanto, alguma motivação de caráter econômico para se dedicar à profissão. Outro fator, ainda, é que na Finlândia há uma distribuição de renda bem mais homogênea que nos EUA e, portanto, rendas aproximadamente equivalentes nos dois países podem significar reconhecimentos sociais muito diferentes.

Outro aspecto diz respeito às condições (educativas e acadêmicas) de trabalho dos professores. Na Finlândia, idéias que incluem a cultura dos testes, dos vouchers (que permitem mercantilizar o acesso às escolas), do pagamento de professores por mérito medido pelo desempenho dos estudantes em testes padronizados e da competição e avaliação dos professores a partir do desempenho de seus alunos são totalmente rejeitadas. Provas são usadas apenas para informar aos professores o andamento do trabalho, jamais para classificar, punir ou recompensar alunos, escolas ou professores. Como a profissão é respeitada e há boas e agradáveis condições de trabalho, as instituições de formação de professores são bastante procuradas e formam excelentes profissionais.

Avaliações comparativas por meio de testes, prêmios e punições não fazem parte do panorama educacional finlandês. A responsabilidade e a liberdade de adaptar o ensino aos seus estudantes são práticas usuais das escolas, dos diretores e dos professores.


Investimentos públicos versus privados
E quanto ao financiamento? Afinal os EUA aplicam um percentual maior do seu PIB em educação, 7,4%, contra 7,0% na Finlândia. Há aqui outro paradoxo? Não. O financiamento da educação na Finlândia é quase totalmente público, com apenas 0,2% do PIB correspondendo a gastos privados. Nos EUA, os gastos privados chegam a 2,0% do PIB. Portanto, o gasto público anual por estudante em comparação com a renda per capita é mais alto na Finlândia do que nos EUA, como mostra a tabela 2. Aparentemente, a relevância dos investimentos por estudante parece estar relacionada não apenas ao valor total, mas, especialmente, à origem, pública ou privada da fonte.

(Vale a pena observar aqui que esse mesmo efeito da maior eficiência dos gastos públicos em relação aos privados existe também na área de saúde. Enquanto os EUA gastam em saúde, por pessoa, mais do que 15% de sua renda per capita, contra uma média da ordem de 9% a 10% nos países europeus mais avançados, os seus indicadores de saúde são piores. De fato, a mortalidade infantil nos EUA é mais do que 50% superior à dos países europeus mais avançados e a expectativa de vida é entre um e dois anos menor. Mais um paradoxo? Não. Novamente, a grande diferença é possivelmente devida ao fato de que mais do que a metade dos gastos nos EUA são privados, contra cerca da quinta parte nos outros países considerados. Parece, portanto, que, como em educação, os gastos privados em saúde são muito menos eficientes do que os gastos públicos no que diz respeito a se alcançarem os objetivos básicos que se esperaria.)

Tabela 2 – Investimentos públicos e privados em educação e investimentos públicos por estudante como percentual da renda per capita. (Fonte: UIS, Unesco Institute for Statistics)
                                                                                                                                              Finl   EUA
Investimentos públicos (% do PIB) ......................................................... 6,8   5,4
Investimentos privados (% do PIB) em instituições educacionais ................... 0,2   2,0
Investimentos públicos por estudante como porcentagem da renda/capita .... 29,6  21,7


Com quem devemos aprender?
A comparação entre os dois países, EUA e Finlândia, mostra que caminho tomar. Premiação e punição de professores e escolas baseadas no desempenho dos estudantes em testes padronizados, feitos à exaustão, não são boa idéia, até mesmo para se conseguir bom desempenho em testes padronizados! Professores muito bem formados, respeitados e com liberdade de trabalho são condições fundamentais para o bom funcionamento de um sistema educacional. Escolas administradas pelo setor público, por mais altissonante que possa parecer o discurso em favor de uma administração empresarial e eficiente, são melhores quando todas as demais condições são equivalentes. Respeito às necessidades dos estudantes, tanto individuais como coletivas, é outro caminho para se construir um bom sistema educacional. E, também, uma melhor distribuição de renda pode tanto contribuir para a qualidade de vida dos professores como para o desempenho dos estudantes.

Além dos fatores considerados, vários outros problemas afetam o sistema estadunidense de educação. Entre esses problemas estão: o fundamentalismo religioso, que interfere nos currículos das escolas; as limitações de recursos materiais e institucionais que impeçam que as desigualdades entrem nas escolas e afetem seu funcionamento; a existência de grandes contingentes populacionais marginalizados, em especial no que diz respeito a crianças vivendo em situação de pobreza; ensino superior pago, mesmo quando público, constituindo-se uma barreira a mais no caminho dos estudantes; tratamento negativamente diferenciado para crianças e jovens provenientes de famílias de imigrantes. Muitos desses fatores têm origem em princípios religiosos, políticos e ideológicos e como e com que intensidade cada um deles afeta negativamente o desenvolvimento educacional das crianças e jovens naquele país tem sido motivo de estudos acadêmicos.


Embora a comparação até aqui tenha sido apenas entre Finlândia e EUA, as conclusões se repetem quando examinamos outros países.

Por exemplo, entre quatro países latino-americanos similares em vários aspectos e cujas rendas per capita estão na faixa entre 9 e 12 mil dólares anuais (pelo critério PPC), Cuba, Venezuela, Brasil e Colômbia, os dois primeiros, menos afetados por políticas de avaliação quantitativa e por práticas liberais do tipo vauchers, mostram indicadores educacionais quantitativos e qualitativos melhores ou muito melhores do que os dois últimos.

Outros quatro países também similares quanto à renda per capita (próximas a 15 mil dólares) e demais características, Argentina, Uruguai, Chile e México, os dois primeiros, menos liberalizados e menos voltados a uma educação de resultados (nos testes), apresentam melhores desempenhos.

Cabe, assim, uma pergunta impertinente. Por que, apesar das evidências, imitamos, especialmente no estado de São Paulo, políticas e práticas educacionais e sociais que já se mostraram tão perniciosas em muitos países? Por que não aprendemos com aqueles que melhor acertam?

Notas:
(1) O PISA, Programme for International Student Assessment, é um teste padronizado, aplicado a cada três anos a estudantes de dezenas de países e que inclui avaliações de leitura, matemática e ciências.

(2) Parte das informações e das análises deste texto são baseadas no artigo Schools We Can Envy (Escolas que nós podemos invejar), escrito por Diane Ravitch e publicado no New York Review of Books em 8 de março de 2012. A autora ocupou cargos relativamente altos na Secretaria (equivalente ao nosso Ministério) de Educação dos EUA.
 
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