Mostrando postagens com marcador Qatar. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Qatar. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

EUA-CCG - atração fatal

 Pepe Escobar - 20/1/2012, Asia Times Online - “The U.S. – GCC fatal attraction” - Redecastorphoto - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Não há como entender o affair EUA-Irã, psicodrama maior que a vida, o ímpeto ocidental para mudar os regimes de Síria e Irã e os padecimentos e atribulações da(s) Primavera(s) Árabe(s) – já ameaçada(s) de inverno perpétuo – sem examinar de perto a atração fatal entre Washington e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). [1]

O Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), clube de seis ricas monarquias do Golfo Persa (Arábia Saudita, Qatar, Omã, Kuwait, Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, EAU), foi fundado em 1981 e imediatamente configurado como principal quintal estratégico dos EUA para as invasões do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, para a longa batalha no Novo Grande Jogo na Eurásia, e, também, como quartel-general para “conter” o Irã.

A 5a. Frota dos EUA está estacionada no Bahrain e o quartel-general avançado do Comando Central (Centcom) dos EUA está localizado no Qatar; o Centcom policia nada menos de 27 países, do Chifre da África à Ásia Central – que o Pentágono, até recentemente definia como “o arco de instabilidade”. Em resumo, o Conselho de Cooperação do Golfo é como um porta-aviões dos EUA no Golfo, ampliado para dimensões de Star Trek.


Prefiro falar do CCG como Clube Contrarrevolucionário do Golfo – por causa da performance destacada que teve na supressão da democracia no mundo árabe, desde antes de Mohammed Bouazizi atear fogo ao próprio corpo na Tunísia há mais de um ano.

Na linha de Orson Welles em Cidadão Kane, o Rosebud do CCG é que a Casa de Saud só vende seu petróleo em troca de dólares dos EUA – daí a proeminência do petrodólar – e, em troca disso, recebe apoio militar e político massivo e incondicional dos EUA. Além disso, os sauditas impedem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) – afinal, a Arábia Saudita é o maior produtor mundial de petróleo – faça preço e venda petróleo numa cesta de moedas. Assim, esses rios de petróleo fluem diretamente para comprar produtos financeiros à venda na bolsa dos EUA e para os papéis do Tesouro dos EUA.

Durante décadas, todo o planeta viveu como refém dessa atração fatal. Até agora.

Quero todos os seus brinquedos! O Conselho de Cooperação do Golfo é, essencialmente, o núcleo duro do império no mundo árabe. Sim, trata-se essencialmente de petróleo; o Conselho de Cooperação do Golfo será responsável por mais de 25% da produção global de petróleo nas décadas imediatamente futuras. Aquela microscópica classe dominante – as monarquias e seus sócios comerciais – opera como um anexo crucialmente decisivo para que o poder dos EUA se projete pelo Oriente Médio e adiante.

(Clique no link abaixo para ampliar o mapa)

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVBh0s3xL1F1l8YsF9gungw1d5Mvwwydu3llCmjmBHPmpfpWVzb5Wy454_2TRi2j1gGgUa-iK6JTb_dOpbZGlM4QvLaRs-ZFOyODMxEoCKK_oR72WLVMh6qpwrdMp86m0WVH4KimPECmO5/s1600/Golfo+P%25C3%25A9rsicousa%252520iran%252520800.jpg

Isso explica, dentre outros fatores, por que em outubro do ano passado Washington fechou sumarento negócio de US$67 bilhões – o maior negócio bilateral na história dos EUA – para abastecer a Casa de Saud com monumental coleção de flamantes modelos F-15s, Black Hawks, Apaches, bombas explode-bunker, mísseis Patriot-2 e navios de guerra último tipo.

Isso explica por que Washington encheu os arsenais dos Emirados Árabes Unidos com milhares de bombas explode-bunker; e os arsenais de Omã, com mísseis Stinger. Para nem falar de outro mega sumarento mega negócio – de US$ 53 bilhões – com o Bahrain, que só não está ainda assinado porque organizações de direitos humanos – diga-se a favor delas – denunciaram ferozmente o negócio.

E há também o deslocamento – ou, em idioma do Pentágono, o “reposicionamento” – de 15 mil soldados dos EUA, do Iraque para o Kuwait.

A justificativa para toda essa orgia armamentista nos é impingida pela lógica suspeita de sempre: seria necessário construir uma “coalizão de vontades” para “conter” o Irã. Por que o Irã? Meio-piada, meio a sério: porque o Irã não faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo – quer dizer, porque já não é satrapia subserviente dos EUA, como antigamente, naqueles bons velhos tempos do Xá.

Adam Hanieh, professor de estudos do desenvolvimento na School of Oriental and African Studies (SOAS) em Londres, e autor de Capitalism and Class in the Gulf Arab States [Capitalismo e Classes nos Estados Árabes do Golfo] foi dos poucos analistas globais que se empenhou em decodificar a centralidade do Conselho de Cooperação do Golfo na estratégia imperial. Em entrevista radicalmente importante, alinha o que é preciso saber. E não é bonito. [2]

Como Asia Times Online tem documentado extensamente, a Primavera Árabe morreu, praticamente, quando o Conselho de Cooperação do Golfo entrou em cena. Em Omã, o sultão Qaboos basicamente distribuiu montanhas de dinheiro. Na Arábia Saudita, houve feroz prevenção e repressão hardcore sustentada, na província do Leste, de maioria xiita, próxima do Bahrain, e província onde está o petróleo dos sauditas.

E no próprio Bahrain, houve não só repressão violentíssima – com prisões e tortura documentadas de centenas de manifestantes pró-democracia – mas o país foi invadido por soldados e tanques da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.

A invasão talvez tenha dado ao Conselho de Cooperação do Golfo o prazer adocicado da expansão territorial. O Marrocos e a Jordânia – embora, em termos geográficos básicos, não estejam no Golfo – foram “convidados” a participar do clube dos ricos: afinal, são também monarquias sunitas reacionárias como se exige; não são repúblicas árabes seculares “decadentes” como Líbia e Síria.

Questão interessante é por que a Primavera Árabe não irrompeu na Jordânia – uma vez que o mesmo vulcão socioeconômico que entrou em erupção na Tunísia e no Egito é ativo também na Jordânia. A parte chave da resposta é que o Conselho de Cooperação do Golfo – ainda mais que Washington, capitais europeias e Israel – vive sob medo pânico de que o trono hashemita seja derrubado.

Para a imensa riqueza do CCG, é facílimo controlar a Jordânia – país pequeno, onde a maior parte da população é, de fato, de palestinos, com oposição mínima (não é surpresa: a inteligência jordaniana prendeu ou matou todos os dissidentes). O que gasta para manter essa situação é dinheiro de bolso para o Conselho de Cooperação do Golfo, se comparado aos bilhões de dólares destinados a Egito e Tunísia, para que ninguém ali se atreva a tornar-se democrático “demais”.

Não havia outra via, para o Conselho de Cooperação do Golfo, além de converter-se em Central da Contrarrevolução, depois da onda democrática inicial que varreu o Norte da África. Como Hanieh destaca, as massas empobrecidas no Oriente Médio/Norte da África [ing. MENA (Middle East-Northern Africa)] jamais preocuparam os autocratas reinantes no Golfo.

A culminação desse processo foi o nascimento de uma nova monstruosidade geopolítica – OTANCCG ou CCGOTAN, na qual se corporificou o papel central que Qatar e os Emirados Árabes Unidos tiveram na invasão – e destruição – da Líbia, pela OTAN. A Líbia foi "operação especial” do CCG – do dinheiro vivo e armas entregues diretamente aos “rebeldes”, aos agentes treinados e à inteligência e por fim, mas não menos importante, à legitimação política (que obtiveram num arremedo de votação na Liga Árabe, para conseguir que a ONU aprovasse a implantação de uma zona aérea de exclusão; nesse arremedo de votação só 22 membros da Liga Árabe votaram “sim”; e, desses, seis eram membros do CCG; os outros três outros votos foram comprados; e Síria e Argélia votaram “não”).

A piada trágica mãe de todas as piadas trágicas vem agora: o CCG está tentando intervir e, de fato, já financia os sunitas fundamentalistas extremistas na Síria, que aparecem travestidos como manifestantes pró-democracia. Quando o débil secretário-geral da ONU Ban Ki-moon conclama o presidente Bashar al-Assad a pôr fim à violência contra manifestantes sírios e diz que acabou o tempo das dinastias e ditaduras de um só homem no mundo árabe, ele crê, obviamente, que o Conselho de Cooperação do Golfo seja colônia instalada num dos anéis de Saturno.

Depois que venceu na Líbia, o monstro CCGOTAN ganhou ímpeto. A estratégia do CCG de mudança de regime na Síria foi selecionada porque pareceu ser a melhor para enfraquecer o Irã e o chamado “crescente xiita” – ficção inventada durante o governo de George W Bush, pelo reizinho de Playstation da Jordânia e pela Casa de Saud.

O que nos leva a uma pergunta inevitável: e o que os dois principais BRICS – Rússia e China – estão fazendo em relação a tudo isso?

E entra o dragão!

O imensamente poderoso secretário do Conselho Nacional de Segurança da Rússia e ex-chefe da FSB (sucessora da KGB), Nikolai Patrushev – que visita frequentemente o Irã – já alertou sobre “o perigo real” de os EUA atacarem o Irã; os EUA, diz ele, “querem converter o Irã, de inimigo, em parceiro apoiador; e, para conseguir isso, o plano é mudar o atual regime, pelos meios necessários.” [3]

Para a Rússia, mudança de regime no Irã é questão “não-não”. O vice-primeiro ministro da Rússia e ex-enviado à OTAN, Dmitry Rogozin, já declarou, sem meias palavras: “o Irã é nosso vizinho próximo, logo ao sul do Cáucaso. Se algo acontecer ao Irã, se o Irã for arrastado a dificuldades políticas e militares, o que acontecer ali ameaçará diretamente nossa segurança nacional”. [4]

O que implica que, de um lado, temos Washington, OTAN, Israel e o CCG. Não se pode chamar de “comunidade internacional” como diz o coro de especialistas nos jornais. E, do outro lado, temos Irã, Síria, um Paquistão-já-farto-das-conversas-de-Washington, Rússia, China e vários dos 120 países reunidos no Movimento dos Não Alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)].

A posição da China frente ao CCG provoca deslumbramento, suprema fascinação. O primeiro-ministro chinês Wen Jiabao acaba de visitar os três países chave do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar.

Imaginem Wen Jiabao a dizer ao Príncipe Coroado Nayef (meio irmão do rei Abdullah), em Riad, que Pequim deseja que “empresas chinesas fortes e de sólida reputação” invistam fortunas em portos, estradas e no desenvolvimento da infra-estrutura na Arábia Saudita – como parte de uma “cooperação ampliada”, para enfrentar tendências regionais e internacionais complexas e mutáveis”. Imaginem Nayef salivando por baixo daquele poderoso bigode, reafirmando que a Casa de Saud, sim, sim, deseja “expandir a cooperação” em energia e infraestrutura.

O que acrescenta tempero à mistura é que Pequim também mantém relacionamento estratégico com o Irã – e saudável relacionamento comercial com a Síria. Assim sendo, no que tenha a ver com o Oriente Médio e a Ásia Central, Pequim está apostando – diferente do Pentágono – num verdadeiro “arco de estabilidade”.

Como a agência Xinhua noticiou, naquele estilo amplamente inclusivo que não tem rival no mundo, o que interessa à liderança em Pequim é que China, sudoeste asiático e Ásia Central tirem “pleno proveito de suas potencialidades respectivas e busquem, juntas, o desenvolvimento comum”. Por que, diabos, Washington nunca aparece com ideia simples assim?

É verdade que quem domine o Conselho de Cooperação do Golfo – com armas e apoio político – projeta globalmente o próprio poder. O Conselho de Cooperação do Golfo tem sido absolutamente decisivo para a hegemonia dos EUA dentro do que Immanuel Wallerstein define como sistema-mundo.

Passemos os olhos por alguns números. Desde o ano passado, a Arábia Saudita exporta mais petróleo para a China que para os EUA – parte de um processo inexorável pelo qual as exportações de bens e energia dos países do CCG estão-se mudando para a Ásia.

Ano que vem, com o petróleo a $70/barril, o CCG acumulará $3,8 trilhões em recebimentos estrangeiros. Com a infindável “tensão” no Golfo Persa, nada sugere, no futuro próximo, que o petróleo seja vendido a menos de $100. Nesse caso, os recebimentos com que o CCG contará alcançarão espantosos $5,7 trilhões – 160% a mais que antes da crise de 2008, e mais de $1 trilhão acima das reservas chinesas em moeda estrangeira.

Simultaneamente, a China estará fazendo mais negócios com o GCC. O GCC está importando mais da Ásia – embora a principal fonte de importações ainda seja a União Europeia. E o comércio entre EUA e o CCG está encolhendo. Em 2025, a China estará importando três vezes mais petróleo do CCG, que os EUA. Claro que a Casa de Saud está – para não exagerar – loucamente entusiasmada com Pequim.

No momento, vê-se predomínio militar do CCGOTAN e, em termos geopolíticos, do CCGEUA. Mas antes do que se supõe Pequim pode chegar ao ouvido da Casa de Saud e sussurrar “E se eu lhe pagar por esse petróleo, em Yuan?”. A China já compra petróleo e gás iranianos em Yuan. Quem sabe... petroyuan, em vez de petrodólar? Quem sabe? Afinal, sim, pode ser Star Trek.

--------------------------------------------------------------------------------

Notas dos tradutores
[1] 18/1/2012. Pepe Escobar “O mito do Irã isolado”, Ásia Times & Tom Dispatch
[2] LEWIS, Ed & HANIEH, Adam (entrevista) sobre Capitalism and Class in the Gulf Arab States, New Left Project,
[3] 14/1/2012 MK Bhadrakumar; “A avaliação dos russos: “Já se vê no horizonte uma nova guerra dos EUA no Oriente Médio”
[4] 15/1/2012, Washington’s blog: Rússia: “Shoud Anything Happen to Iran... This Will Be a Direct Threat to our National Security”

sábado, 14 de janeiro de 2012

A POSSÍVEL BATALHA PELO ESTREITO DE ORMUZ

sábado, 14 de janeiro de 2012 - Mahdi Darius Nazemroaya - blog Democracia & Política

Depois de ouvir ameaças dos EUA durante anos, o Irã está tomando medidas que sugerem que considera fechar o Estreito de Ormuz e que tem capacidade para fazê-lo. No dia 24 de dezembro, o Irã iniciou exercícios navais (Operação Velayat-90) no e à volta do Estreito de Ormuz, do Golfo Persa e Golfo de Omã (Mar de Omã), ao Golfo de Aden e Mar da Arábia.


Desde o início daqueles exercícios, cresce a guerra de palavras entre Washington e Teerã. Mas nada do que o governo Obama ou o Pentágono disseram ou fizeram, até agora, dissuadiu Teerã de dar prosseguimento aos seus exercícios navais.

A NATUREZA GEOPOLÍTICA DO ESTREITO DE ORMUZ
À parte ser ponto vital de trânsito para recursos energéticos globais e gargalo estratégico, dois outros aspectos devem ser considerados se se analisa o Estreito de Ormuz e a importância que tem para o Irã:

(1) a própria geografia do Estreito; e
(2) o papel do Irã na coadministração do estreito, nos termos da legislação internacional e das leis nacionais iranianas.

As embarcações de todos os tipos que passam pelo Estreito de Ormuz sempre mantiveram contato com as forças navais iranianas – a Marinha Regular Iraniana e a Marinha da Guarda Revolucionária do Irã. As forças navais iranianas monitoram e policiam o Estreito de Ormuz, administração compartilhada com o Sultanato de Omã, através de um enclave omanita que há ali, Musandam. Mais importante que isso: para navegar através do Estreito de Ormuz, todo o tráfego marítimo, inclusive a Marinha dos EUA, é obrigado a navegar por águas territoriais iranianas; para sair, em muitos casos, cruzam-se águas territoriais de Omã.

O Irã sempre permitiu que embarcações estrangeiras amigas cruzem suas águas territoriais, nos termos, também, da Parte III da Convenção da ONU sobre “Lei do Mar e de trânsito por mar”, que estipula que as embarcações são livres para navegar pelo Estreito de Ormuz e outros corpos d’água semelhantes, em velocidade constante e sem se deterem, de um porto aberto até águas internacionais. Embora as autoridades de Teerã sigam as rotinas da “Lei do Mar”, Teerã não é legalmente obrigada a segui-las. Como Washington, Teerã também assinou seu específico tratado internacional e jamais o ratificou.

TENSÕES ENTRE EUA E IRÃ NO GOLFO PERSA
Atualmente, o Parlamento (Majlis) iraniano está reexaminando o uso de águas iranianas no Estreito de Ormuz por embarcações estrangeiras. Há projetos de lei em exame, para bloquear o trânsito de embarcações de guerra estrangeiras por águas territoriais iranianas através do Estreito de Ormuz sem prévia permissão das autoridades iranianas; a Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior do Parlamento do Irã está examinando projetos de lei que manifestarão a posição oficial do Irã, orientada pelos interesses estratégicos e da segurança nacional do Irã. [1]

Dia 30/12/2011, o porta-aviões USS John C. Stennis passou pela área na qual o Irã desenvolvia exercícios navais. O Comandante das Forças Iranianas Regulares, major-general Ataollah Salehi, alertou o USS John C. Stennis e outros navios dos EUA para que não voltassem ao Golfo Persa enquanto durassem as manobras navais do Irã; acrescentou que o Irã não tem o hábito de dar o mesmo aviso duas vezes. [2] Pouco depois do duro aviso iraniano, o secretário de imprensa do Pentágono respondeu, em declaração em que se lia: “Ninguém, neste governo procura confrontação [com o Irã] no Estreito de Ormuz. É importante baixar a temperatura.” [3]

Num cenário real de conflito militar com o Irã, é bastante provável que porta-aviões dos EUA tenham de, realmente, operar de fora do Golfo Persa, do sul, do Golfo de Omã e do Mar da Arábia. A menos que já seja operacional o sistema de mísseis que Washington está desenvolvendo nas petromonarquias ao sul do Golfo Persa, deve-se contar com a proibição de que grandes naves de guerra dos EUA cheguem ao Golfo Persa. Isso por causas associadas à geografia local e às capacidades de defesa do Irã.

A GEOGRAFIA CONTRA O PENTÁGONO: NO GOLFO PERSA, A FORÇA NAVAL DOS EUA É LIMITADA
As forças navais dos EUA – a Marinha e a Guarda Costeira dos EUA – são as maiores do mundo. Nada se compara às capacidades dos EUA em águas profundas e oceânicas. Mas ser a maior e a mais potente não implica que seja invencível. No Golfo Persa e no Estreito de Ormuz, as forças navais dos EUA são vulneráveis.

Apesar do poder e das muitas capacidades, a geografia trabalha literalmente contra o poder naval dos EUA no Estreito de Ormuz e no Golfo Persa. O Golfo Persa, pelo menos em contexto estratégico e militar, é como um canal. Em termos figurativos, os porta-aviões e grandes navios de guerra dos EUA ficam ali confinados, pode-se dizer, “presos”, nas águas costeiras do Golfo Persa.

É isso, precisamente, que amplia muito as já altas capacidades dos mísseis iranianos. O arsenal de mísseis e torpedos do Irã tem potencial para neutralizar as armas navais dos EUA em águas do Golfo Persa. Por isso, os EUA tanto se empenham hoje para construir um “escudo” de mísseis no Golfo Persa, associando nessa empreitada os países do Conselho de Cooperação do Golfo, já há alguns anos.

Até os pequenos barcos-patrulha iranianos no Golfo Persa, que parecem insignificantes e muito pequenos comparados a um porta-aviões ou a um destróier gigantes, são ameaça considerável às naves de guerra dos EUA naquele cenário. Os barcos-patrulha podem disparar uma barreira de mísseis que, sim, podem danificar muito e, mesmo, destruir grandes navios de guerra. Além disso, os barcos-patrulha iranianos são quase indetectáveis e são alvos difíceis, porque são pequenos e rápidos.

As forças iranianas também podem minar as capacidades navais dos EUA no Golfo com mísseis lançados de terra, do interior do país, nas áreas próximas do norte do Golfo Persa. Já em 2008, o ‘Washington Institute for Near East Policy’ reconheceu a ameaça, para forças navais dos EUA no Golfo, das baterias de mísseis costeiros, dos mísseis terra-mar e dos pequenos barcos armados com mísseis. [4] A Marinha do Irã também conta com drones, veículos anfíbios, minas, equipes de mergulhadores e minissubmarinos, que serão mobilizados em qualquer guerra naval assimétrica contra a 5ª Frota dos EUA.

O próprio Pentágono já comprovou, em simulações, que uma guerra no Golfo Persa seria desastrosa para os EUA. Exemplo disso é a operação “Millennium Challenge 2002” (MC02), simulação de guerra no Golfo Persa, feita entre 24/7/2002 e 15/8/2002, cuja preparação consumiu quase dois anos. Essa manobra naval gigante foi das maiores e mais caras jamais organizadas pelo Pentágono. “Millennium Challenge 2002” foi criada pouco depois de o Pentágono decidir que poderia fazer avançar a guerra no Afeganistão se atacasse Iraque, Somália, Sudão, Líbia, Líbano e Síria, recolhendo, ao final, como grande prêmio, o Irã – numa ampla campanha militar que daria aos EUA a primazia no milênio que se iniciava.

Depois de terminada a operação “Millennium Challenge 2002”, a operação foi oficialmente apresentada como simulação de guerra contra o Iraque de Saddam Hussein. De fato, sempre se tratou do Irã. [5] Os EUA já tinham as avaliações necessárias para a invasão do Iraque, por EUA e Grã-Bretanha, que aconteceria pouco depois. E, detalhe importante, o Iraque jamais teve força naval que exigisse empenho total da Marinha dos EUA.

A Operação “Millennium Challenge 2002” foi, sim, simulação de guerra contra o Irã (na simulação chamado de “Red” [Vermelho] e apresentado como estado “bandido” [orig. “rogue”] do Oriente Médio no Golfo Persa). Só o Irã tem todas as características de território e forças militares apresentadas como de “Red” – dos botes-patrulha armados com mísseis até as unidades de motociclistas. Aquela simulação monstro foi feita porque Washington planejava atacar o Irã imediatamente depois de invadir o Iraque em 2003. (…)

Não há qualquer dúvida entre os especialistas de que o formidável poder naval dos EUA resulta muito reduzido, pela geografia e pelas capacidades militares dos iranianos, no caso de combate no Golfo Persa e, de fato, em grandes partes também do Golfo de Omã. Longe de águas abertas, como no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, os EUA teriam de combater sob condições extremas, sem a garantia de suficiente tempo de resposta e, mais importante, ficarão impedidos de combater de distância (considerada militarmente) segura. Setores inteiros das defesas navais dos EUA, concebidos para combates navais em águas abertas e grandes distâncias entre os combatentes, são absolutamente imprestáveis nas condições de combate no Golfo Persa.

REDUZIR A IMPORTÂNCIA DO ESTREITO DE ORMUZ, PARA ENFRAQUECER O IRÃ?
O mundo inteiro sabe da importância do Estreito de Ormuz. E Washington e seus aliados sabem perfeitamente que os iranianos podem fechar militarmente o estreito por período significativo de tempo. Essa é a razão pela qual os EUA estão trabalhando com países do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Qatar, Bahrain, Kuwait, Omã e Emirados Árabes Unidos – para alterar o trajeto de oleodutos que evitem o Estreito de Ormuz e levem o petróleo do CCG diretamente ao Oceano Índico, Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo. Washington também tem pressionado o Iraque para que busque vias alternativas em conversações com a Turquia, a Jordânia e a Arábia Saudita.

Esse projeto estratégico interessa muito também a Israel e à Turquia. Ancara tem mantido discussões com o Qatar sobre a instalação de um oleoduto que chegaria à Turquia através do Iraque. O governo turco tentou que o Iraque se interessasse por ligar os campos de petróleo do sul e do norte a rotas de trânsito que atravessariam a Turquia. É o projeto dos turcos, que se vêem, no futuro, como corredor e importante elo de trânsito e ligação de energia.

Se o petróleo puder ser “desviado”, de modo a não ter de passar pelo Golfo Persa, ter-se-á removido importante elemento de vantagem estratégica a favor do Irã e contra Washington e seus aliados (removendo-se, ao mesmo tempo, parte considerável da importância do Estreito de Ormuz. Esse “desvio” do petróleo pode bem ser considerado exigência importante, em qualquer preparação dos EUA para guerra contra o Irã. Sem isso, pode-se dizer que os EUA não farão guerra ao Irã.

Nesse contexto, inscrevem-se os oleodutos "Abu Dhabi Crude Oil Pipeline” ou “Hashan-Fujairah Oil Pipeline”, projeto patrocinado pelos Emirados Árabes Unidos e que dispensaria rota marítima pelo Golfo Persa e o Estreito de Ormuz. O projeto foi concluído em 2006, o contrato assinado em 2007 e a construção começou em 2008. [8] Esse oleoduto liga diretamente Abdu Dhabi ao porto de Fujairah no litoral do Golfo de Omã, no Mar da Arábia. Em outras palavras, levará o petróleo exportado pelos Emirados Árabes Unidos diretamente ao Oceano Índico. Foi apresentado oficialmente como meio para garantir segurança energética, evitando Ormuz (e tentando evitar também o exército iraniano). Além do oleoduto, o projeto prevê, também, a construção de um reservatório para armazenamento de petróleo em Fujairah – que está previsto para manter o fluxo de petróleo para o mercado internacional, no caso de o Golfo Persa ser fechado. [9]

Além do oleoduto “Petroline” (oleoduto saudita, leste-oeste), a Arábia Saudita também procura rotas alternativas, examinando portos vizinhos na costa sul, na Península Arábica, em Omã e no Iêmen. O porto de Mukalla, no Iêmen, no litoral do Golfo de Aden tem atraído especial atenção de Riad. Em 2007, fontes israelenses informaram, com algum alarde, que começava a ser projetado um oleoduto que ligaria os campos de petróleo sauditas aos portos de Fujairah nos Emirados Árabes, Muscat em Omã e Mukalla no Iêmen. A reabertura do “Oleoduto Iraque-Arábia Saudita” [orig. Iraq-Saudi Arabia Pipeline (IPSA)] – o qual, por ironia, foi construído por Saddam Hussein, que tentava escapar também do Estreito de Ormuz e do Irã – também foi discutida entre sauditas e governo do Iraque em Bagdá.

Se Síria e Líbano fossem convertidos em estados-clientes de Washington, seria possível ressuscitar o falecido oleoduto “Trans-Arabian” (Tapline), além de outras rotas que vão da Península Arábica à costa do Mediterrâneo pelo Levante. Cronologicamente, esse projeto explica os esforços de Washington para derrubar os governos de Síria e Líbano, tentando isolar o Irã, antes de os EUA atacarem diretamente Teerã.

Os exercícios navais da Marinha do Irã, “Operação Velayat-90”, que se realizaram em área bem próxima da entrada do Mar Vermelho no Golfo de Aden, fora de águas territoriais do Iêmen, também se estenderam pela parte do Golfo de Omã frente ao litoral de Omã e litoral leste dos Emirados Árabes Unidos. Dentre outras coisas, a operação “Velayat-90“ deve ser interpretada como sinal de que Teerã está preparada para operar também fora do Golfo Persa; e que pode bombardear ou bloquear também os oleodutos que tentam ‘desviar’ do Estreito de Ormuz.

Também nesse caso, a geografia joga a favor do Irã. As rotas ditas “alternativas”, porque evitam o Estreito de Ormuz, nem por isso alteram o fato de que a maioria dos campos de petróleo dos países que integram o “Conselho de Cooperação do Golfo” localiza-se no Golfo Persa ou em áreas próximas do litoral – o que implica que são alcançáveis pelos mísseis de longa distância dos iranianos. Como no caso do “oleoduto Hashan-Fujairah”, os iranianos podem facilmente interromper o fluxo de petróleo, pode-se dizer, na origem. Teerã, sem dúvida, deslocaria forças de terra, mar e ar, além dos mísseis, e forças anfíbias para todas essas áreas. De fato, o Irã nem precisa fechar o Estreito de Ormuz; os iranianos, de fato, têm ameaçado bloquear o fluxo de petróleo (o que não precisa ser feito, necessariamente, com bloqueio do Estreito de Ormuz).

AOS EUA SÓ RESTOU GUERRA FRIA, NA DISPUTA CONTRA O IRÃ
Washington está em ofensiva contra o Irã, usando todos os meios ao seu alcance. As tensões em torno do Estreito de Ormuz e do Golfo Persa são apenas um dos fronts de uma muito perigosa guerra fria regional, de muitos fronts no Oriente Médio expandido, entre Teerã e Washington. Desde 2001, o Pentágono está em processo de reestruturação para “guerras não convencionais”, pensando em inimigos como o Irã [10]. Mas a geografia sempre operou contra o Pentágono e os EUA – e é o que explica que ainda não tenham encontrado solução para o dilema naval no Golfo Persa. Sem poder recorrer à guerra convencional, os EUA tiveram de recorrer, no caso do Irã, à guerra de espionagem, guerra econômica e guerra diplomática.


NOTAS DO AUTOR
[1] 4/1/2012, Xinhuanet, “Foreign Warships Will Need Iran’s Permission to Pass through Strait of Hormuz”.
[2] 4/1/2012, Fars News Agency, “Iran Warns US against Sending Back Aircraft Carrier to Persian Gulf” January 4, 2011.
[3] 4/1/2012, Reuters, Parisa Hafezi, “Iran threatens U.S Navy as sanctions hit economy”.[4] Fariborz Haghshenass, “Iran’s Asymmetric Naval Warfare” Policy Focus, no.87 (Washington, D.C.: Washington Institute for Near Eastern Policy, September 2010). Livro para download.
[5] 6/9/2002, Julian Borger, “Wake-up call” - The Guardian.
[8] 12/6/2011, Himendra Mohan Kumar, “Fujairah poised to be become oil export hub” Gulf News.
[9] Ibid.
[10] John Arquilla, “The New Rules of War” Foreign Policy, 178 (March-April, 2010): pp. 60-67.”