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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Síria: paraíso “jihadi”

10/01/2013 - Redecastorphoto
- 11/01/2013, por Pepe Escobar, Asia Times Online, The Roving Eye
- “Syria: A jihadi paradise
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Bashar al-Assad, pois, falou em tom marcial – pela primeira vez em sete meses.

Como se poderia prever, culpou “terroristas” e “fantoches do ocidente” pela guerra civil na Síria.

O ministro turco das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu (foto), aquele dos (antigamente) “zero problemas com os vizinhos”, comentou que Assad só lê relatórios do seu serviço secreto.

Calma-lá, Ahmet! Bashar pode não ser nenhum Stephen Hawking, mas está administrando bastante bem os seus buracos negros.

E Assad tem um plano: diálogo nacional, que levará a uma carta constitucional nacional – a ser submetida a referendo popular – e, depois, governo ampliado e anistia geral.


Bashar al-Assad  no Opera House, Damasco em 6/1/2013
A questão é quem conseguirá usufruir toda essa felicidade engarrafada, porque Assad descarta total e absolutamente, não só nova oposição síria, mas também o Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian Army (FSA)], todas as forças que, para ele, não passam de gangues de mercenários recrutados que recebem ordens de potências estrangeiras cujo único objetivo é dividir a Síria.

Seja como for, Assad tem um plano.

Primeiro estágio: as potências estrangeiras que hoje financiam os “terroristas” – como o conglomerado CCGOTAN, Conselho de Cooperação do Golfo + Organização do Tratado do Atlântico Norte – terão de parar de financiar os terroristas.

Quanto a isso não há qualquer concessão: só no estágio seguinte o Exército Sírio fará cessar todas as suas operações, embora sempre se reservando o direito de responder a provocações que não se possam evitar.

O plano de Assad nada diz sobre o que acontecerá ao próprio Assad. O único ponto sobre o qual nunca houve divergência entre as várias correntes da oposição sempre foi que “o ditador tem de partir”, antes de ser possível alguma negociação.

Nada disso, respondeu Assad. Assad será candidato à própria sucessão, em eleições que aconteçam em 2014.

Como se isso já não bastasse para torpedear de vez, para pôr a pique, todas as arquiteturas inventadas pelo atual mediador da ONU, Lakhdar Brahimi (foto abaixo) [1], há também o ponto crucialmente complexo de Brahimi insistir em incluir a Fraternidade Muçulmana (FM) em qualquer governo sírio de transição.

Brahimi deveria prestar mais atenção em onde se mete. É como se a ONU insistisse em rezar por um milagre (a abdicação de Assad).

A Síria não é Tora Bora [2]

Quem queira saber o que está realmente acontecendo na Síria, basta prestar atenção ao que diga o secretário-geral do Hezbollah, Sheikh Hassan Nasrallah (foto-E), que fala das coisas como as coisas são.

Há também o que Ammar al-Musawi (foto-abaixo), terceiro homem do Hezbollah – é o ministro de Relações Exteriores de facto do Partido de Deus – disse a meu colega italiano Ugo Tramballi. [3] O cenário mais provável pós-Assad, se houver, será “não um estado unitário, mas uma série de emirados próximos à fronteira turca, e alguém proclamará um estado islâmico”.

A inteligência do Hezbollah – a melhor que há no mundo, sobre a Síria – é clara: “um terço dos combatentes na oposição síria são extremistas religiosos; e dois terços das armas que circulam são controladas por eles”.

Resumo da ópera: trata-se de guerra do ocidente, lutada na Síria por procuração; o Conselho de Cooperação Golfo (CCG) operando como “linha de frente” para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Leitores de Asia Times Online já sabem disso há eras, como também sabem da mentira de proporções tectônicas segundo a qual haveria alguma autocracia do Golfo promovendo alguma “democracia” na Síria.

A Casa de Saud abençoada pelos deuses da geologia usou até o último grão de areia para subornar quem pudesse subornar para tentar imunizar-se contra os miasmas da Primavera Árabe, mas, pelo menos no Kuwait, os ventos de mudança já forçam a família Al-Sabah a aceitar um primeiro-ministro que não é fantoche do emir.

Sim, petromonarcas! Mais dia menos dia, vocês todos virão abaixo!

Quem quiser continuar a ignorar Musawi, que meta a cabeça na areia o quanto queira; nem por isso evitarão a volta do chicote no lombo do chicoteador, “como no Afeganistão”.

E Musawi acrescenta:
A Síria não é Tora Bora; está no litoral mediterrâneo, praticamente na Europa”.

A Sírianos anos 2010s é remix do Afeganistão nos anos 1980s – com altíssima probabilidade de o chicote voltar sobre o lombo vocês sabem de quem.

E os que sigam os mais cegos que vivem a repetir que o Hezbollah seria organização “terrorista”, anotem aí: o Hezbollah está trabalhando em íntima cooperação com a ONU, nas fronteiras do campo de combate, ao lado dos mais de 10 mil Capacetes Azuis comandados pelo general italiano Paolo Serra – para manter o sul do Líbano protegido contra qualquer contágio/contaminação pela guerra civil síria.

O ditador deixará o poder. É inevitável...
De novo?!

Não surpreendentemente, as gangues de mercenários apresentadas e rotuladas como se fossem alguma “oposição síria” rejeitaram em bloco o plano de Assad.

Para a Fraternidade Muçulmana (ao lado) – aspirante ao trono sírio, ou, no mínimo, a uma parte dele – Assad seria “criminoso de guerra” e terá de ser julgado.

Para Georges Sabra, vice-presidente do tal “combinado” norte-americano/qatari chamado “Coalizão Nacional”, as palavras de Assad teriam sido “declaração de guerra contra o povo sírio”.

Como se previa, o Departamento de Estado dos EUA – ainda não comandado por John Kerry – disse que Assad estaria “descolado da realidade”.

Londres decretou que o discurso não passaria de hipocrisia e, imediatamente, inventou mais dois dias de reunião “secreta”, agendada para essa semana no Wilton Park em West Sussex, em que se misturarão os membros da tal “coalizão” e o velho selecionado de sempre de “especialistas”, professores de universidades, funcionários de governos do CCG e as tais “agências multilaterais”.

William Hague (foto), o espetacularmente patético ministro de Relações Exteriores do Reino Unido tuitou – pela centésima milésima vez – que “Assad deixará o poder em breve. É inevitável”.

Fatos em campo sugerem fortemente que Assad não deixará coisa alguma nem irá a parte alguma em futuro próximo.

Quanto ao que dizem os britânicos, que “a comunidade internacional pode dar apoio a um governo de transição”, nenhum sírio bem informado – dos que sabem que essa guerra civil está sendo financiada, mantida e amplamente coordenada pelo ocidente, especificamente pela parte OTAN do grupo CCGOTAN – deu qualquer importância à “novidade”.

Os sírios bem informados farejam a ação de um rato – ocidental – na obsessiva repetição de que a guerra na síria seria “guerra sectária”; para ter certeza de que nada é bem assim, consideram a quantidade imensa de sunitas influentes que permanecem leais ao governo sírio.

Farejam o rato – ocidental – quando olham para trás e veem que tudo começou exatamente no momento em que o gasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões (que passa ao largo da Turquia, membro crucial da OTAN) começou a ser viabilizado, com chances reais de ser construído.

Seria enorme impulso econômico para uma Síria independente, balde de água geladíssima, gesto não-e-não, contra tudo que tenha a ver com interesses ocidentais.

O governo Obama 2.0 – e Israel – gostariam muitíssimo de ver a Fraternidade Muçulmana no poder na Síria, acompanhando o modus operandi do que está sendo feito no Egito. A Fraternidade promove a ideia de um “estado civil”; basta examinar as poucas “áreas libertadas” na Síria, para saber o de que civilidade se trata, quando encarna em degoladores de vários matizes, seguidores linha-dura da Xaria.

Mas o que o CCGOTAN e Israel realmente desejam é um modelo à Iêmen, para a Síria: ditadura militar, sem o ditador. Pelo que se pode ver, continuarão a só obter, no curto prazo, um Paraíso Jihadista.

Cortem a cabeça deles!
Há quase um ano, o número 1 da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri (foto), convocou todos os fiéis sunitas linha-dura do Iraque e Jordânia ao Líbano, Turquia, e de toda parte, para viajar à Síria e, alegremente, derrubar, esmagar Assad.

E eles começaram a viajar, e continuam a chegar, incluindo – como aconteceu no Afeganistão – chechenos e uigures e asiáticos do sudeste da Ásia, reunindo gente de todo o tipo, do Exército Sírio Livre à Frente al-Nusra – principal milícia de assassinos, que hoje já reúne mais de 5.000 jihadistas.

Matéria publicada essa semana pela Quilliam Foundation [4], instituto de estudos de contraterrorismo com sede em Londres, confirma o papel da Frente Al-Nusra. O principal autor do relatório, Noman Benotman, é líbio, ex-jihadi, com laços muito estreitos com al-Zawahiri e com o falecido Geronimo”, também conhecido como Osama bin Laden.

Frente al-Nusra, braço sírio da al-Qaeda

A Frente Al-Nusra é, de fato, o braço sírio da al-Qaeda no Iraque (AQI), marca terrorista registrada do falecido Abu Musab al-Zarqawi, também conhecida como Estado Islâmico do Iraque, depois que Zarqawi foi incinerado por um míssil dos EUA, em 2006.

Até o Departamento de Estado sabe que o emir da al-Qaeda no Iraque, Abu Du’a comanda ambos os grupos, a AQI e a Frente al-Nusra, cujo emir é Abu Muhammad al-Jawlani.

É a al-Qaeda no Iraque que facilita o vai-e-vem de comandantes iraquianos – todos com vasta experiência de luta em terra contra os norte-americanos – para e de áreas sensíveis na Síria, enquanto os sírios, iraquianos e jordanianos da Frente al-Nusra também trabalham pelo telefone, para arrancar financiamentos de fontes do Golfo.

A Frente Al-Nusra quer – claro, e o que mais quereria?! – um Estado Islâmico, não só na Síria, mas em todo o Levante.

Tática favorita: carros e caminhões-bomba, com suicidas-bomba, e carros-bomba acionados por controle remoto. No momento, a Frente Al-Nusra mantém um regime tenso de colaboração/concorrência com o Exército Sírio Livre.

E o que acontecerá a seguir?
A nova Coalizão Nacional Síria é piada.

Aqueles bastiões de democracia organizados no CCG estão já completamente submergidos no tsunami jihadista. A Rússia demarcou a linha vermelha e a OTAN não se atreverá a bombardear; russos e norte-americanos estão discutindo detalhes.


Mais dia, menos dia, Ancara afinal lerá a mensagem que grita pelos muros – e voltará atrás, revertendo para uma política de, pelo menos, reduzir ao mínimo qualquer problema com os vizinhos.

Assad viu e entendeu com clareza O Grande Quadro – daí o tom “confiante” de seu discurso. Agora se trata de Assad contra os jihadistas.

A menos que, ou até que, a nova CIA, agora sob o comando de John Brennan, o Exterminador & seus drones, opte por intrometer-se diretamente no quadro da guerra clandestina-suja, para vingar-se.

Notas dos tradutores
[1]Brahimi é o especialista em conflitos que envolvam forças islamistas (...) preferido do ocidente. Tem currículo consistente na arte de criar a ilusão e que haja negociações em curso onde nenhuma negociação exista, e a real discussão prossiga, inalterada, no campo de batalha. Kofi é independente demais; Brahimi obedece em tempo integral” (12/8/2012, redecastorphoto, MK Bhadrakumar, em: “A proposta do Irã ao ocidente, sobre a Síria”).

[2] Sobre isso ver: “Batalha de Tora Bora

[3] 8/1/2013, “Al-Mussawi, numero tre di Hezbollah: ‘Se crolla Assad l'estremismo islamico si avvicinerà all'Europa’” [Al-Mussawi, número 3 do Hezbollah: “Se Assad cair, o extremismo islâmico se aproximará da Europa”], entrevista ao enviado Ugo Tramballi, Il sole 24 ore, Itália.

[4]  8/1/2013, em Quilliam Foundation, press release: QUILLIAM RELEASES NEW STRATEGIC BRIEFING “JABHAT AL-NUSRA” 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/01/pepe-escobar-siria-paraiso-jihadi.html

Ver também:
07/01/2013 – redecastorphoto, Teatro da Ópera, Damasco:Discurso do presidente Bashar al-Assad: Passos para a paz na Síria”.
08/01/2013 – redecastorphoto, Franklin Lamb em:Assad no Teatro de Ópera de Damasco”.
- Um beabá para a al-QaedaHassan N. Gardezi

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 22 de janeiro de 2012

China dá o primeiro passo para reciclar os petrodólares

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012 - redecastorphoto - MK Bhadrakumar
quinta-feira, 19/1/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline China tiptoes to petrodollar recycling
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

 Ver também neste blog:
19/1/2012, Pepe Escobar, “EUA-CCG: atração fatal”
20/1/2012, Adam Hanieh, “Classe e Capitalismo no Golfo”
 
O acordo de troca de moedas assinado entre China e Emirados Árabes Unidos (EAU) durante a viagem do premiê Wen Jiabao pela região do Golfo Persa, que termina hoje, provocará incômodo nas capitais ocidentais, especialmente em Londres e Washington. A lista de países com os quais a China já tem esse tipo de acordo vai aumentando lenta e continuadamente, e esse é o primeiro desses acordos assinado com estado do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).


Visita de Wen Jiabao aos Emirados Árabes Unidos
O acordo com os EAU cobre $5,5 bilhões – o comércio bilateral no ano passado, com as exportações chinesas responsáveis por 2/3, alcançou $36 bilhões – e visa a “fortalecer a cooperação financeira bilateral, promovendo o comércio e os investimentos e, simultaneamente, salvaguarda a estabilidade financeira regional” – segundo o Banco Central da China. A China está, essencialmente, fornecendo “seed money” [lit. “dinheiro semente”], para que os comerciantes não precisem converter ao dólar todas as transações, o que reduz os custos de câmbio.

À primeira vista, o critério é da conveniência, mas evidentemente lança sombras sobre vários outros campos. Bem visivelmente, a China está tratando de “sensibilizar” o Oriente Médio, em relação à função do renminbi [1]. Estar guardado como moeda de reserva nos cofres dos Emirados Árabes Unidos aumenta o prestígio do renminbi. Quanto aos Emirados Árabes Unidos, ter o poderoso Yuan em suas reservas é a medida mais segura que jamais tomaram no mundo da alta finança, dado que a valorização da moeda chinesa é evento praticamente garantido para o futuro.

Além disso, a troca de moedas chama a atenção para o rápido crescimento dos laços econômicos da China com a região do CCG. É uma declaração política de que a China trabalha para ampliar seus laços com os Emirados Árabes Unidos que, até agora, historicamente, sempre viveram como “bolsão” dos britânicos no Oriente Médio. Dos dhows [2], ouvem-se os gritos “Yo, ho, os chineses estão chegando!”

Mas estão chegando também com propósito bem claro. Abu Dhabi controla 7% das reservas comprovadas de petróleo do mundo, o preço do barril já está ultrapassando os $100, os EAU estarão renovando suas concessões de petróleo em 2014, e, então, as empresas chinesas com certeza estarão posicionadas para dar trabalho, na disputa pelas concessões, à Royal Dutch Shell, à ExxonMobil e à Total francesa. Claro, os EAU são mercado difícil, no qual a cultura de negócios ocidental está profundamente enraizada, mas... Nunca subestimem os chineses.

Acima de tudo, a China dá seus primeiros passos no mundo embriagador da reciclagem de petrodólares, e é difícil imaginar que Pequim não saiba o que está fazendo agora, nessa troca de moedas com os Emirados Árabes Unidos. A China é país milenar e sabe muito bem que qualquer longa marcha começa num pequeno primeiro passo.

EAU - Emirados Árabes Unidos, o "outro lado" do Estreito de Ormuz
O xis da questão é que as moedas dos países do Conselho de Cooperação do Golfo são aderidas ao papel verde, e seus massivos lucros são em grande parte encaminhados para os cofres dos bancos de Londres ou New York, ou são usadas para comprar ações e bônus do Tesouro dos EUA – e, isso, quando não são usadas para comprar armas ou noutros gastos extravagantes.

O negócio agora assinado entre China e Emirados Árabes Unidos meteu um pensamento muito excitante na cabeça dos estados do CCG: a possibilidade de faturar em renminbis – que muito preocupará o ocidente. Atualmente, ninguém precisará perder o sono, porque Pequim restringe rigidamente os fluxos de sua moeda fora das fronteiras chinesas, mas não há dúvidas de que a China já está implantando toda a infraestrutura indispensável para uma era, não muito distante, quando poderá dar adeus às estritas restrições hoje vigentes para o fluxo de moedas, se se interessar por usar o renminbi no comércio internacional.

É possível que em 2025 a China esteja importando três vezes mais petróleo dos países do CCG, do que Tio Sam.

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Notas dos tradutores:
[1] Renminbi [lit. “moeda do povo”] é o nome oficial da moeda oficial da China, introduzida pelo Partido Comunista da República Popular da China, na fundação, em 1949. Também chamado “Yuan” (abr. RMB; símbolo ¥; código CNY, CN¥, ? e CN?).
[2] Dhow - Embarcação mercante tradicional na região.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Classe e capitalismo no Golfo - A Economia Política do Conselho de Cooperação do Golfo

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012 - Adam Hanieh - redecastorphoto

Adam Hanieh (entrevistado por Ed Lewis), Socialist Register, New Left Project Class and Capitalism inthe Gulf – The Political Economy of the GCC
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


- Para o senhor, os seis estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrain e Omã – são o centro político e econômico do Oriente Médio, mas não só pelas reservas de petróleo. O que, para o senhor, explica que os estados do Golfo tenham assumido essa posição de centralidade?
Há aí vários fatores. Primeiro, claro, o petróleo. Os estados do CCG estão entre os maiores fornecedores de gás e petróleo do mundo. Os números variam, mas pode-se dizer, repetindo o número mais citado, que 40-45% das reservas comprovadas de petróleo do mundo estão nos países do CCG, e 20% de todo o gás do mundo. Atualmente, se extrai ali cerca de 20% do petróleo extraído no mundo. Dada a importância dos combustíveis fósseis – como fonte de energia e matéria prima para a indústria petroquímica –, é enorme a importância dessa região para os padrões de acumulação da economia global.

Oriente Médio - mapa político

Outro fator, relacionado ao primeiro, são os altos níveis de capital excedente que acorreram para aquela região, como resultado das vendas de cru, gás e petroquímicos. Esses “petrodólares” foram fator-chave no desenvolvimento da arquitetura financeira global. Não é novidade. Durante os anos 1970s os fluxos financeiros que saíam do Golfo foram parte essencial do desenvolvimento dos mercados do eurodólar (depósitos em dólares norte-americanos em bancos fora dos EUA) e também como lastro para os bônus do Tesouro dos EUA (sobre isso, ver o trabalho de David Spiro). Assim, os petrodólares foram fator chave para empurrar adiante a hegemonia do dólar norte-americano e dar sustentação aos desequilíbrios financeiros globais que caracterizaram o mercado mundial ao longo das últimas décadas. A rápida financeirização da economia global, portanto, dependeu, em parte, da integração dos países do CCG no mercado mundial e nos circuitos financeiros.

Isso implica que o modo como o mercado mundial desenvolveu-se ao longo das últimas poucas décadas, com complexas cadeias de produção que iam da manufatura de bens em áreas de baixos salários, até a venda de commodities nos países capitalistas avançados, depende fortemente da produção de commodity do Golfo, tanto quanto de excedentes financeiros. Nesse sentido, as classes e o Estado na região do CCG constituíram paralelamente (e a formação de ambos é estreitamente ligada) ao desenvolvimento mais amplo do mercado capitalista mundial.

Por tudo isso, os países do Conselho de Cooperação do Golfo são altamente significativos em escala global. Mas, propriamente no Oriente Médio e no Norte da África, houve algumas transformações fundamentais ao longo das décadas recentes; e essas transformações dão caráter muito particular ao papel que o Golfo desempenha dentro da região.

O traço mais marcante das duas últimas décadas foi a generalização de políticas neoliberais em praticamente todos os estados da região. Aconteceu cooperação entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, grupos regionais como o Conselho Empresarial Árabe do Fórum Econômico Mundial e o Conselho da Agenda Regional sobre Oriente Médio e Norte da África, além de outras instituições bilaterais, como a USAID. Políticas chaves dentre essas políticas neoliberais foram: a liberalização das leis de propriedade, sobretudo nos setores imobiliário, financeiro e de telecomunicações, o que abriu caminhos para fortes fluxos de investimento externo; a privatização de indústrias estatais; reformas nos regimes tributários; fim dos subsídios para alimentos e energia; e o relaxamento de barreiras comerciais.

MENA (em azul)

Essas políticas tiveram acentuado impacto em escala nacional, o que levou ao empobrecimento das populações, por um lado; e, por outro lado, levou à concentração da riqueza. Em muitas economias árabes houve forte crescimento do setor ‘informal’, e migração de centenas de milhares de pessoas para áreas urbanas (ou através de fronteiras), à medida que se foi tornando mais difícil extrair da terra a sobrevivência. A estreita relação que liga a região MENA [orig. Middle East/North of Africa] ao mercado mundial – caracterizada pelo desenvolvimento orientado para as exportações, migrações e oscilação nos preços dos alimentos e da energia – expôs muitos países aos ventos da economia global. Todos esses fatores são relevantes para que se possa entender como a região foi atingida pela crise econômica de 2008, e o possível impacto, nessa parte do mundo, do atual torvelinho que sacode a economia global.

Mas o fator mais importante, é que essas medidas neoliberais não apenas reconfiguraram o poder de classe em escala nacional. Elas reconfiguraram o poder de classe também em escala regional. No Oriente Médio não se pode entender o “estado-nação” como uma economia política limitada internamente, sem considerar os laços que unem todas as economias ‘nacionais’ numa escala regional mais ampla. Há vários aspectos importantes a destacar aqui, mas o fundamental é a rápida internacionalização do capital baseado nos países do CCG, sobretudo depois do aumento dos excedentes financeiros que começou em 1999 e chegou ao pico em 2008. Claro que o núcleo do capital excedente do CCG continua a ser investido fora da região. Mas, nas duas últimas décadas, muitos daqueles fluxos foram dirigidos para outros estados do Oriente Médio. Tomado na escala regional – o CCG foi um dos principais beneficiários da cerca de uma década de privatização, desregulação e abertura dos mercados.

Alguns números ajudam a ilustrar. No período 2008-2010, segundo números do banco de dados Anima, da União Europeia, que rastreia investimentos na região, o Conselho de Cooperação do Golfo, como bloco, foi a principal fonte de investimento externo direto [orig. FDI] para Egito, Jordânia, Líbano, Líbia, Palestina, Tunísia, e a segunda para Marrocos e Síria. Em 2010, o capital baseado em países do CCG foi responsável por todos os grandes projetos alimentados com investimento externo direto anunciados na Argélia, Líbano, Líbia e Tunísia. São números impressionantes. E não se incluem aí os investimentos nos portfólios de ações na região ou outras formas de “empréstimos para o desenvolvimento” que fluem do Golfo para o resto do Oriente Médio. Deve-se observar também que, ao contrário do que pretendem muitos, esses fluxos não são necessariamente dirigidos por fundos soberanos ou empresas estatais dos países do CCG. Grande proporção daqueles fluxos vem de capitais privados nos países do CCG dirigidos a grandes projetos imobiliários, instituições financeiras, shopping-centers, telecomunicações e outros investimentos.

Os processos que comentei até aqui foram acentuados pela diferenciação regional cada vez mais marcada, que começou nos primeiros momentos da crise econômica de 2008. No próprio CCG, embora tenha havido alguns pequenos desastres financeiros causados por alto endividamento em alguns grandes conglomerados, o principal efeito da crise foi reforçar a posição das classes dominantes do Golfo. A natureza da formação de classe nos países do CCG (mais sobre isso, adiante) deslocou a crise na direção dos trabalhadores migrantes; e isso, somado ao apoio estatal que receberam as grandes entidades financeiras e industriais, significou que as elites do Golfo mantiveram-se fortemente protegidas contra os piores impactos dos tumultos econômicos.

A experiência da crise, diferente em diferentes partes da região, indica não só o relativo fortalecimento dos maiores conglomerados e das famílias reinantes do Golfo, mas, também, o alargamento da fissura que separa os estados do CCG e outros estados no Oriente Médio. Isso indica que o neoliberalismo, observado na escala regional, teve dois efeitos: enriqueceu as classes capitalistas nacionais e, simultaneamente, consolidou a posição do CCG, como bloco, dentro da região.


- De que modo o relacionamento entre o CCG e as potências externas, sobretudo os EUA, mas também outras, modela hoje a política interior, entre os estados do Oriente Médio?
Como já dissemos, a importância do CCG para o mercado mundial foi aumentada com a maior internacionalização e a financeirização do capital no plano global. Indicação disso é a deriva rumo ao leste do petróleo do Golfo e dos petroquímicos exportados, que desempenhou papel importante no processo de conter a produção chinesa. De 2000 a 2006, o consumo de energia no mundo aumentou cerca de 20%, com, só a China, responsável por 45% do aumento da energia consumida no mundo nesse período Em 2007, cerca de 50% das importações chinesas de petróleo cru saíam do Oriente Médio. Hoje, metade de todo o petróleo que a Arábia Saudita extrai vai para a China, mais do que os sauditas exportam para os EUA; e em 2025 as importações chinesas de petróleo do Golfo devem equivaler a três vezes as importações dos EUA dessa região. O fluxo de excedentes financeiros do CCG para os mercados dos países de capitalismo avançado acompanha essas exportações de hidrocarbonetos.

No contexto de relativo declínio do poder dos EUA, e com a emergência de um mundo cada vez mais multiplolar, isso significa que o ‘bloco’ CCG (e, por extensão, o Oriente Médio) é zona chave para decidir que rumo tomarão as rivalidades entre os principais países capitalistas em disputa. Por isso, precisamente, a estratégica de longo prazo dos EUA põe em lugar central o estreito relacionamento militar e político com os estados do CCG. Esse relacionamento foi forjado no pós-II Guerra Mundial, mas continuou a aprofundar-se durante os anos 1980s (de fato, a própria formação do CCG em 1981 foi em grande parte uma consolidação dos estados do Golfo sob o guarda-chuva militar dos EUA, no contexto da guerra Irã-Iraque). O domínio na região foi fator estratégico chave nas invasões do Iraque e do Afeganistão comandadas pelos EUA e também é fator estratégico importante nas atuais disputas pelo controle da Ásia Central.

A crescente beligerância contra o Irã também tem de ser analisada sob essa luz. O anúncio, pelos EUA, há poucas semanas, de que reposicionarão suas forças militares localizadas no Iraque, para estados do CCG, é mais uma confirmação. Os estados do CCG já hospedam, hoje, a 5ª-Frota dos EUA (no Bahrain) e o quartel-general avançado do Comando Central dos EUA (Centcom) (no Qatar) – responsáveis por todo o engajamento militar, pelo planejamento e por operações em 27 países, do Chifre da África à Ásia Central. As monarquias do CCG dependem absolutamente da proteção militar que os EUA lhes dão, e dependem também de firme apoio político do ocidente (como mostra a reação contra o levante popular no Bahrain). Evidentemente, há rivalidades e pontos de tensão nas relações entre os EUA e os países do DDG (como há também entre os próprios estados do ‘bloco’ CCG), mas o ponto central é que esse relacionamento é fator decisivo para o domínio dos EUA em escala global.

Esse é o quadro geral para que se possa entender como os EUA e outras potências estrangeiras veem o Oriente Médio como um todo. Outras explicações – como os argumentos ocos e, na essência, liberais, sobre um “lobby israelense” que se supõe que ‘mande’ na construção da política externa dos EUA – são falsas explicações que nada explicam e, em minha opinião, devem ser descartadas.

Mas também as rivalidades entre estados que competem no mercado do mundo capitalista também de ser vistas à luz, também, de interesses que aqueles estados compartilham. A formação de classe nos CCG é profundamente atravessada pelo desenvolvimento do capitalismo como processo total, e o maior medo de qualquer dos países que hoje lideram o mercado mundial – mercado que, vale lembrar, inclui a China e a Rússia – é que haja alguma mudança significativa naquela estrutura de classe.

Em outras palavras, uma preocupação da qual partilham todos os grandes estados capitalistas é assegurar que os estados que constituem o CCG permaneçam completamente alinhados com os interesses do capitalismo mundial. As políticas das grandes potências no Oriente Médio, por isso, têm um caráter duplo: por um lado, todas querem ampliar seus interesses específicos competitivos; e, por outro lado, todas trabalham de modo cooperativo para evitar qualquer tipo de ‘desafio’ popular que sugira que a riqueza regional venha a ser usada para beneficiar mais as massas pobres, que a microscópica camada das elites parasitas ricas. Esse é o significado profundo dos levantes que ocorreram ao longo de 2011.


- Exceto o Bahrain, os estados do Golfo são conhecidos por apresentar baixo nível de insatisfação política, o que dá aos regimes autoritários assento firme no poder, apesar das profundas desigualdades materiais. Por quê? Será mais o resultado de fatores domésticos, ou é resultado modelado significativamente pelo tipo de relacionamento que há entre o Golfo e a ordem global?
Há uma história oculta e em boa parte esquecida, das importantes lutas sociais no Golfo. Dos anos 1950s aos anos 1970s, houve vários bem organizados movimentos de militantes árabes nacionalistas e de grupos de esquerda na região. Vê-se a importância desses movimentos, para mencionar apenas alguns, nas greves e manifestações de protesto nos campos de petróleo sauditas, na guerrilha na região de Dhofar em Omã, e no amplo apoio, no Kuwait e em toda a região, à luta dos palestinos. Sempre houve forte solidariedade nas populações do Golfo à causa palestina e a causas árabes nacionalistas, quase sempre associadas à presença de trabalhadores árabes palestinos, egípcios, sírios, do Iêmen etc.

Esses movimentos sempre foram reprimidos pelas monarquias no poder (apoiadas fortemente por assessores britânicos e norte-americanos). Mas, além da repressão, também se viu uma transformação na natureza do mercado de trabalho na região, que se tornou bem evidente ao longo dos anos 1980s e 1990s. Durante esse tempo, sobretudo depois das deportações feitas nos anos da Guerra do Golfo de 1990-1991, houve uma deriva, de operários árabes, que se converteram em trabalhadores migrantes temporários no sul e no leste da Ásia. Esses trabalhadores deslocados assinavam contratos de trabalho de curto prazo, quase sempre eram alojados em campos distanciados de qualquer contato com a população local e submetidos a restrições de todos os direitos trabalhistas e políticos. Em muitos casos, sobretudo nos setores nos quais os salários são mais baixos, esses trabalhadores migrantes sequer podiam levar a família.

Hoje, os estados do Golfo dependem muito fortemente desse tipo de trabalho migrante temporário (cerca de 70% dos trabalhadores vindos do sul e leste da Ásia, e 30%, do Oriente Médio (proporção que é praticamente o inverso do que se via em meados dos anos 1970s). Esses fluxos de trabalho diferem dos fluxos de migração permanente que se veem em outras partes do mundo, porque são migrações de curto prazo, não se discutem nesse caso qualquer tipo de direitos de cidadania, e tudo se faz com vistas a conseguir mandar a maior quantidade possível de dinheiro para o país de origem dos trabalhadores. Em todos os estados do CCG, os trabalhadores migrantes temporários representam mais da metade de toda a força de trabalho; e em quatro deles (Kuwait, Qatar, Omã e Emirados Árabes Unidos) os trabalhadores migrantes temporários ultrapassam os 80% da força de trabalho local. Fluxos de trabalho temporário que dependem quase completamente da estrutura do trabalho que se vê ali, associam firmemente as regiões exportadoras de trabalho aos padrões de acumulação típicos do CCG.

A relativa estabilidade e a ‘adaptabilidade’ do capitalismo no Golfo e de suas elites governantes estão intimamente conectadas àquela estrutura de classes. Altos níveis de exploração são possíveis, porque o visto de residente para o trabalhador é diretamente associado a manter-se empregado. Se desempregado, o trabalhador torna-se ‘ilegal’ e tem de deixar o país. Em outras palavras, uma vez que o direito de permanecer no país é condicionado ao emprego, o empregador tem imenso poder desigual sobre o trabalhador. Além disso, a reprodução generacional de classe é muito fragmentada, porque os trabalhadores quase sempre voltam para casa ao final dos contratos – laços de memória ou de solidariedade de classe são muito frágeis, e a ação coletiva é quase impossível, ou muito difícil. E há também restrições legais que impedem ações de classe: os sindicatos são absolutamente proibidos na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos; e muito limitados nos demais estados.

Contrariamente ao quadro geralmente aceito dessas sociedades, a pobreza relativa não existe entre os cidadãos de países como a Arábia Saudita (e nos demais países do Golfo). Mas a ausência de uma classe trabalhadora de cidadãos locais implica que as lutas políticas não têm efetiva base social. O conflito político nesses estados (exceto no Bahrain, que discutirei adiante) assim origina-se em geral da discórdia dentro da elite (como entre diferentes ramos da família real, e os conflitos entre intelectuais religiosos e a monarquia) ou entre movimentos islamistas – não de alguma ampla luta de classes. Essa relativa calma política pode ser comparada à situação em dois países vizinhos, também ricos em petróleo, o Iraque e o Irã, onde a classe trabalhadora tem longa história de mobilização e de persistente oposição às políticas ocidentais no Golfo e, em geral, no Oriente Médio.

Podem-se ver as implicações disso na reação à crise econômica de 2008. Imediatamente depois da eclosão da crise, os estados do Golfo praticamente não conheceram protestos ou fúria populares. É indiscutível verdade que alguns projetos muito propagandeados foram suspensos, que o consumo despencou e que vários negócios cerraram as portas – mas a população de cidadãos passou pela crise sem maiores danos. O que se viu foi uma diminuição na contratação de trabalhadores migrantes e – por exemplo em Dubai – milhares deles foram mandados para casa. Isso implica dizer que a real dor da crise só foi sentida nos números sempre crescentes de desempregados nas regiões em volta do Golfo.

O Bahrain, porém, é importante exceção parcial a esse padrão. O Bahrain tem menos riqueza auferida do petróleo que outros estados do CCG (só 0,03% das reservas comprovadas do CCG), e as peculiaridades de seu desenvolvimento histórico deixam ver uma considerável divisão sectária entre uma elite governante sunita (dominada pela monarquia Al Khalifa) e a população majoritariamente xiita. Apesar disso, a estrutura social no Bahrain não é efeito de algum conflito religioso persistente entre xiitas e sunitas (como em geral se lê na imprensa, e é a versão divulgada pela monarquia bahraini). De fato, a discriminação contra a maioria xiita que vive no país não pode ser compreendida se não se consideram as vias da formação das classes no país. Enquanto o país continua a depender pesadamente do trabalho migrante – em 2005, cerca de 58% da população do Bahrain eram trabalhadores migrantes não cidadãos – a maioria da população xiita permanece desempregada, é extremamente pobre e enfrenta dura discriminação sistêmica.

Em anos recentes, viu-se no Bahrain uma longa e mais avançada experiência de neoliberalismo (se comparada à dos outros estados do CCG). Isso acentuou muito o desenvolvimento capitalista desigual – aumentando as distâncias entre os cidadãos mais pobres (concentradamente xiitas) e as elites do setor privado e do estado, que se beneficiaram da posição do Bahrain, como “a economia mais livre do Oriente Médio” (segundo o índice de liberdade econômica da Heritage Foundation 2010). Em 2004, o Bahrain Centre for Human Rights estimava que mais da metade dos cidadãos bahraini viviam na pobreza e, simultaneamente, os 5.200 bahrainis mais ricos acumulavam, somada, riqueza de mais de $20 bilhões. O caráter mais proletarizado da população de cidadãos bahrainis, que se sobrepõe às vítimas da discriminação sectária, e tem sido reforçado pelo profundo impacto do neoliberalismo, explica que movimentos de esquerda e de caráter trabalhista continuem a ser significativo no país. Em períodos de poucos anos, e repetidamente, acontecer grandes greves e levantes de trabalhadores no país – e a intifada de 2011 é o exemplo mais recente.

Mas a importância do Bahrain estende-se além do próprio país. Há considerável população xiita na província leste da Arábia Saudita, região rica em petróleo – bem próxima da fronteira do Bahrain. Nessa região houve protestos no início de 2011, e há grande temor entre os estados do Golfo (e entre as potências ocidentais que os apóiam) de que um movimento bem sucedido no Bahrain deflagraria lutas semelhantes na Arábia Saudita e em outros pontos. Isso explica a furiosa repressão desfechada contra o povo bahraini ao longo de 2011, que incluiu envio de tropas sauditas, dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar ao país, para sufocar o levante. Mas não há dúvidas de que a história dos levantes no Bahrain ainda não terminou.


- Que importância tem a batalha pelos preços do petróleo? Que interesses estão em jogo, e como isso modela as políticas dos estados da região e as políticas externas das potências estrangeiras (dos EUA, por exemplo)?
Os fatores que determinam o preço do petróleo têm a ver com a oferta de diferentes tipos de petróleo e de outras fontes de energia, com a demanda global, com níveis de capital investido na indústria, com especulação e com a situação política no Oriente Médio. Tem havido tendência geral de alta desde 1999 (pontuada por forte queda logo depois do início da crise econômica de 2008) e, se as estimativas de oferta e procura globais são acuradas, o preço deve permanecer alto no médio prazo.

Petróleo caro mantém forte correlação com períodos de recessão, e como os anos 1970s mostraram, os países que mais dependam de petróleo importado podem ser duramente atingidos pelos preços altos. De fato, esse foi fator importante (facilitado em parte pela reciclagem dos petrodólares do Golfo) na explosão da dívida do sul, dos anos 1970s em diante. A tendência de alta dos preços dos alimentos que se vê hoje (em parte ligada ao preço dos hidrocarbonetos) indica que altos preços do petróleo pode ter impacto devastador, em vários sentidos.

O verso dessa medalha é, porém, o interesse que os estados do Golfo (e, claro, também as empresas de petróleo) tem em conseguir preços máximos. Há várias estimativas de qual seria o ‘ponto de equilíbrio’ para os estados do Golfo – o preço mínimo do petróleo para que aqueles estados cumpram seus compromissos fiscais. O FMI estimava, em 2008, que a Arábia Saudita precisava do petróleo a $49/barril para equilibrar seu orçamento fiscal naquele ano. Os valores mais baixos estimados pelo FMI para os estados do Golfo foram $23 para os Emirados Árabes Unidos e $33 para o Kwait; os mais altos $75 para o Bahrain e $77 para Omã. Na média, os países do CCG precisavam vender petróleo a $47/barril. Mas essas estimativas, muito provavelmente, são baixas demais. Temos de lembrar que os estados do CCG lançaram massivos programas de gastos, logo no início dos levantes, para tentar conter qualquer tipo de insatisfação popular interna. O Institute of International Finance, associação que reúne os maiores bancos do mundo, estimava, em março de 2011, que a Arábia Saudita precisaria vender o barril de petróleo, em média, a $88, em 2011 para que as contas do estado fechassem equilibradas. A Arábia Saudita é produtor chave, porque é dos poucos estados com potencial para aumentar a oferta mundial e, assim, fazer cair o preço do petróleo (embora alguns analistas da indústria discutam se essa possibilidade realmente existe e dizem que as reservas sauditas teriam sido superestimadas). Em resumo, há inúmeros diferentes fatores, interligados aqui de modo complexo. Mas me parece que o cenário mais provável em futuro próximo é alta continuada de preços e crescimento continuado de excedentes nos estados do CCG.


- A “Primavera Árabe” pode ameaçar o equilíbrio regional de poder e o equilíbrio das forças de classe dentro dos estados do Golfo?
Esse é, precisamente, o verdadeiro potencial dos levantes que se viram ao longo de 2011. Os dois processos que comentei – o peso crescente da economia regional e o impacto diferenciado da crise global – implicam a impossibilidade de tratar as escalas nacional e regional como esferas políticas diferentes. O que se vê à superfície como lutas ‘nacionais’ limitadas dentro de estados-nação individualizados, cresce inevitavelmente e desafia as hierarquias regionais mais amplas. Nesse contexto aconteceram os levantes da ‘Primavera Árabe’.

Há aí diferentes aspectos. Por um lado, pode-se ver o papel dos EUA e outras potências estrangeiras na região e, muito importante, também a posição de Israel. Os levantes (sobretudo o dos egípcios) fazem frente a todos esses aspectos, porque os regimes que estão sendo desafiados eram centrais para o modo como essa ordem regional foi construída. É errado, portanto, ver nos levantes exclusivamente uma questão de ‘democracia’ – como se a luta ‘política’ pudesse ser separada da luta ‘econômica’, ou a luta ‘nacional’, da luta ‘regional’.

E o mesmo se pode dizer do papel que os estados do CCG desempenham na economia política regional. Não estou dizendo que os slogans e demandas dos levantes visassem explicitamente os estados do CCG dessa maneira (ou que visassem explicitamente os EUA ou Israel), mas eles tinham, em sua lógica própria, um desafio implícito à ordem regional, que se veio desenvolvendo ao longo das duas últimas décadas.

As estruturas sociais que caracterizavam o regime político no Egito, na Tunísia e em outros pontos eram, elas mesmas, parte do modo como o Conselho de Cooperação do Golfo – associado à dominação pelas potências estrangeiras e à posição de Israel – estabeleceu o seu lugar baseado nas hierarquias do mercado regional. As lutas contra a ditadura que os levantes populares fizeram são, simultaneamente, interconectadas ao modo como o capitalismo desenvolveu-se em toda a região e, nesse sentido, são lutas contra o Golfo.

Isso explica as tentativas furiosas que os estados do Conselho de Cooperação do Golfo fizeram para conter e esvaziar os levantes – são tentativas absolutamente centrais na onda contrarrevolucionária que se vê hoje na região.

Parece-me que se pode dizer, convincentemente, que o imperialismo na região está articulado com – e em larga medida opera através dos – estados do CCG. A invasão da Líbia, em operação conduzida pela OTAN, é claro exemplo disso, com o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, em especial, desempenhando papel importante naquela invasão. Os estados do Golfo enviaram soldados, dinheiro e equipamento e – mais importante – encarregaram de garantir legitimidade política para o ataque à Líbia. Há vários outros exemplos – dentre outros, nos bilhões de dólares que os estados do Golfo prometeram aos regimes no Egito e na Tunísia; a intervenção militar no Bahrain; o convite a Jordânia e Marrocos, para que se juntem ao CCG (com o quê, todas as monarquias reacionárias da região ficam afinal reunidas num só bloco); e o papel central do CCG nas tentativas para mediar e controlar os levantes na Síria e no Iêmen. E, talvez o mais importante, as ameaças sempre crescentes que estão sendo feitas contra o Irã. De fato, a questão do Irã é tanto questão do CCG, quanto de Israel.

Portanto, sim, os levantes representam real possibilidade de alterar a ordem regional. O Egito, com sua ampla e bem organizada classe trabalhadora e organizações de esquerda muito mais fortes, é ponto chave da luta. Mas, voltando aos temas acima, no longo prazo não há soluções ‘nacionais’ para os grandes problemas do desenvolvimento desigual que o Oriente Médio e o Norte da África enfrentam. Esses problemas exigem solução pan-regional, e – e aqui está o ponto central – essa solução pan-regional implica confrontar a posição dos estados do CCG, que é o núcleo duro do capitalismo na região.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

EUA-CCG - atração fatal

 Pepe Escobar - 20/1/2012, Asia Times Online - “The U.S. – GCC fatal attraction” - Redecastorphoto - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Não há como entender o affair EUA-Irã, psicodrama maior que a vida, o ímpeto ocidental para mudar os regimes de Síria e Irã e os padecimentos e atribulações da(s) Primavera(s) Árabe(s) – já ameaçada(s) de inverno perpétuo – sem examinar de perto a atração fatal entre Washington e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). [1]

O Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), clube de seis ricas monarquias do Golfo Persa (Arábia Saudita, Qatar, Omã, Kuwait, Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, EAU), foi fundado em 1981 e imediatamente configurado como principal quintal estratégico dos EUA para as invasões do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, para a longa batalha no Novo Grande Jogo na Eurásia, e, também, como quartel-general para “conter” o Irã.

A 5a. Frota dos EUA está estacionada no Bahrain e o quartel-general avançado do Comando Central (Centcom) dos EUA está localizado no Qatar; o Centcom policia nada menos de 27 países, do Chifre da África à Ásia Central – que o Pentágono, até recentemente definia como “o arco de instabilidade”. Em resumo, o Conselho de Cooperação do Golfo é como um porta-aviões dos EUA no Golfo, ampliado para dimensões de Star Trek.


Prefiro falar do CCG como Clube Contrarrevolucionário do Golfo – por causa da performance destacada que teve na supressão da democracia no mundo árabe, desde antes de Mohammed Bouazizi atear fogo ao próprio corpo na Tunísia há mais de um ano.

Na linha de Orson Welles em Cidadão Kane, o Rosebud do CCG é que a Casa de Saud só vende seu petróleo em troca de dólares dos EUA – daí a proeminência do petrodólar – e, em troca disso, recebe apoio militar e político massivo e incondicional dos EUA. Além disso, os sauditas impedem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) – afinal, a Arábia Saudita é o maior produtor mundial de petróleo – faça preço e venda petróleo numa cesta de moedas. Assim, esses rios de petróleo fluem diretamente para comprar produtos financeiros à venda na bolsa dos EUA e para os papéis do Tesouro dos EUA.

Durante décadas, todo o planeta viveu como refém dessa atração fatal. Até agora.

Quero todos os seus brinquedos! O Conselho de Cooperação do Golfo é, essencialmente, o núcleo duro do império no mundo árabe. Sim, trata-se essencialmente de petróleo; o Conselho de Cooperação do Golfo será responsável por mais de 25% da produção global de petróleo nas décadas imediatamente futuras. Aquela microscópica classe dominante – as monarquias e seus sócios comerciais – opera como um anexo crucialmente decisivo para que o poder dos EUA se projete pelo Oriente Médio e adiante.

(Clique no link abaixo para ampliar o mapa)

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Isso explica, dentre outros fatores, por que em outubro do ano passado Washington fechou sumarento negócio de US$67 bilhões – o maior negócio bilateral na história dos EUA – para abastecer a Casa de Saud com monumental coleção de flamantes modelos F-15s, Black Hawks, Apaches, bombas explode-bunker, mísseis Patriot-2 e navios de guerra último tipo.

Isso explica por que Washington encheu os arsenais dos Emirados Árabes Unidos com milhares de bombas explode-bunker; e os arsenais de Omã, com mísseis Stinger. Para nem falar de outro mega sumarento mega negócio – de US$ 53 bilhões – com o Bahrain, que só não está ainda assinado porque organizações de direitos humanos – diga-se a favor delas – denunciaram ferozmente o negócio.

E há também o deslocamento – ou, em idioma do Pentágono, o “reposicionamento” – de 15 mil soldados dos EUA, do Iraque para o Kuwait.

A justificativa para toda essa orgia armamentista nos é impingida pela lógica suspeita de sempre: seria necessário construir uma “coalizão de vontades” para “conter” o Irã. Por que o Irã? Meio-piada, meio a sério: porque o Irã não faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo – quer dizer, porque já não é satrapia subserviente dos EUA, como antigamente, naqueles bons velhos tempos do Xá.

Adam Hanieh, professor de estudos do desenvolvimento na School of Oriental and African Studies (SOAS) em Londres, e autor de Capitalism and Class in the Gulf Arab States [Capitalismo e Classes nos Estados Árabes do Golfo] foi dos poucos analistas globais que se empenhou em decodificar a centralidade do Conselho de Cooperação do Golfo na estratégia imperial. Em entrevista radicalmente importante, alinha o que é preciso saber. E não é bonito. [2]

Como Asia Times Online tem documentado extensamente, a Primavera Árabe morreu, praticamente, quando o Conselho de Cooperação do Golfo entrou em cena. Em Omã, o sultão Qaboos basicamente distribuiu montanhas de dinheiro. Na Arábia Saudita, houve feroz prevenção e repressão hardcore sustentada, na província do Leste, de maioria xiita, próxima do Bahrain, e província onde está o petróleo dos sauditas.

E no próprio Bahrain, houve não só repressão violentíssima – com prisões e tortura documentadas de centenas de manifestantes pró-democracia – mas o país foi invadido por soldados e tanques da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.

A invasão talvez tenha dado ao Conselho de Cooperação do Golfo o prazer adocicado da expansão territorial. O Marrocos e a Jordânia – embora, em termos geográficos básicos, não estejam no Golfo – foram “convidados” a participar do clube dos ricos: afinal, são também monarquias sunitas reacionárias como se exige; não são repúblicas árabes seculares “decadentes” como Líbia e Síria.

Questão interessante é por que a Primavera Árabe não irrompeu na Jordânia – uma vez que o mesmo vulcão socioeconômico que entrou em erupção na Tunísia e no Egito é ativo também na Jordânia. A parte chave da resposta é que o Conselho de Cooperação do Golfo – ainda mais que Washington, capitais europeias e Israel – vive sob medo pânico de que o trono hashemita seja derrubado.

Para a imensa riqueza do CCG, é facílimo controlar a Jordânia – país pequeno, onde a maior parte da população é, de fato, de palestinos, com oposição mínima (não é surpresa: a inteligência jordaniana prendeu ou matou todos os dissidentes). O que gasta para manter essa situação é dinheiro de bolso para o Conselho de Cooperação do Golfo, se comparado aos bilhões de dólares destinados a Egito e Tunísia, para que ninguém ali se atreva a tornar-se democrático “demais”.

Não havia outra via, para o Conselho de Cooperação do Golfo, além de converter-se em Central da Contrarrevolução, depois da onda democrática inicial que varreu o Norte da África. Como Hanieh destaca, as massas empobrecidas no Oriente Médio/Norte da África [ing. MENA (Middle East-Northern Africa)] jamais preocuparam os autocratas reinantes no Golfo.

A culminação desse processo foi o nascimento de uma nova monstruosidade geopolítica – OTANCCG ou CCGOTAN, na qual se corporificou o papel central que Qatar e os Emirados Árabes Unidos tiveram na invasão – e destruição – da Líbia, pela OTAN. A Líbia foi "operação especial” do CCG – do dinheiro vivo e armas entregues diretamente aos “rebeldes”, aos agentes treinados e à inteligência e por fim, mas não menos importante, à legitimação política (que obtiveram num arremedo de votação na Liga Árabe, para conseguir que a ONU aprovasse a implantação de uma zona aérea de exclusão; nesse arremedo de votação só 22 membros da Liga Árabe votaram “sim”; e, desses, seis eram membros do CCG; os outros três outros votos foram comprados; e Síria e Argélia votaram “não”).

A piada trágica mãe de todas as piadas trágicas vem agora: o CCG está tentando intervir e, de fato, já financia os sunitas fundamentalistas extremistas na Síria, que aparecem travestidos como manifestantes pró-democracia. Quando o débil secretário-geral da ONU Ban Ki-moon conclama o presidente Bashar al-Assad a pôr fim à violência contra manifestantes sírios e diz que acabou o tempo das dinastias e ditaduras de um só homem no mundo árabe, ele crê, obviamente, que o Conselho de Cooperação do Golfo seja colônia instalada num dos anéis de Saturno.

Depois que venceu na Líbia, o monstro CCGOTAN ganhou ímpeto. A estratégia do CCG de mudança de regime na Síria foi selecionada porque pareceu ser a melhor para enfraquecer o Irã e o chamado “crescente xiita” – ficção inventada durante o governo de George W Bush, pelo reizinho de Playstation da Jordânia e pela Casa de Saud.

O que nos leva a uma pergunta inevitável: e o que os dois principais BRICS – Rússia e China – estão fazendo em relação a tudo isso?

E entra o dragão!

O imensamente poderoso secretário do Conselho Nacional de Segurança da Rússia e ex-chefe da FSB (sucessora da KGB), Nikolai Patrushev – que visita frequentemente o Irã – já alertou sobre “o perigo real” de os EUA atacarem o Irã; os EUA, diz ele, “querem converter o Irã, de inimigo, em parceiro apoiador; e, para conseguir isso, o plano é mudar o atual regime, pelos meios necessários.” [3]

Para a Rússia, mudança de regime no Irã é questão “não-não”. O vice-primeiro ministro da Rússia e ex-enviado à OTAN, Dmitry Rogozin, já declarou, sem meias palavras: “o Irã é nosso vizinho próximo, logo ao sul do Cáucaso. Se algo acontecer ao Irã, se o Irã for arrastado a dificuldades políticas e militares, o que acontecer ali ameaçará diretamente nossa segurança nacional”. [4]

O que implica que, de um lado, temos Washington, OTAN, Israel e o CCG. Não se pode chamar de “comunidade internacional” como diz o coro de especialistas nos jornais. E, do outro lado, temos Irã, Síria, um Paquistão-já-farto-das-conversas-de-Washington, Rússia, China e vários dos 120 países reunidos no Movimento dos Não Alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)].

A posição da China frente ao CCG provoca deslumbramento, suprema fascinação. O primeiro-ministro chinês Wen Jiabao acaba de visitar os três países chave do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar.

Imaginem Wen Jiabao a dizer ao Príncipe Coroado Nayef (meio irmão do rei Abdullah), em Riad, que Pequim deseja que “empresas chinesas fortes e de sólida reputação” invistam fortunas em portos, estradas e no desenvolvimento da infra-estrutura na Arábia Saudita – como parte de uma “cooperação ampliada”, para enfrentar tendências regionais e internacionais complexas e mutáveis”. Imaginem Nayef salivando por baixo daquele poderoso bigode, reafirmando que a Casa de Saud, sim, sim, deseja “expandir a cooperação” em energia e infraestrutura.

O que acrescenta tempero à mistura é que Pequim também mantém relacionamento estratégico com o Irã – e saudável relacionamento comercial com a Síria. Assim sendo, no que tenha a ver com o Oriente Médio e a Ásia Central, Pequim está apostando – diferente do Pentágono – num verdadeiro “arco de estabilidade”.

Como a agência Xinhua noticiou, naquele estilo amplamente inclusivo que não tem rival no mundo, o que interessa à liderança em Pequim é que China, sudoeste asiático e Ásia Central tirem “pleno proveito de suas potencialidades respectivas e busquem, juntas, o desenvolvimento comum”. Por que, diabos, Washington nunca aparece com ideia simples assim?

É verdade que quem domine o Conselho de Cooperação do Golfo – com armas e apoio político – projeta globalmente o próprio poder. O Conselho de Cooperação do Golfo tem sido absolutamente decisivo para a hegemonia dos EUA dentro do que Immanuel Wallerstein define como sistema-mundo.

Passemos os olhos por alguns números. Desde o ano passado, a Arábia Saudita exporta mais petróleo para a China que para os EUA – parte de um processo inexorável pelo qual as exportações de bens e energia dos países do CCG estão-se mudando para a Ásia.

Ano que vem, com o petróleo a $70/barril, o CCG acumulará $3,8 trilhões em recebimentos estrangeiros. Com a infindável “tensão” no Golfo Persa, nada sugere, no futuro próximo, que o petróleo seja vendido a menos de $100. Nesse caso, os recebimentos com que o CCG contará alcançarão espantosos $5,7 trilhões – 160% a mais que antes da crise de 2008, e mais de $1 trilhão acima das reservas chinesas em moeda estrangeira.

Simultaneamente, a China estará fazendo mais negócios com o GCC. O GCC está importando mais da Ásia – embora a principal fonte de importações ainda seja a União Europeia. E o comércio entre EUA e o CCG está encolhendo. Em 2025, a China estará importando três vezes mais petróleo do CCG, que os EUA. Claro que a Casa de Saud está – para não exagerar – loucamente entusiasmada com Pequim.

No momento, vê-se predomínio militar do CCGOTAN e, em termos geopolíticos, do CCGEUA. Mas antes do que se supõe Pequim pode chegar ao ouvido da Casa de Saud e sussurrar “E se eu lhe pagar por esse petróleo, em Yuan?”. A China já compra petróleo e gás iranianos em Yuan. Quem sabe... petroyuan, em vez de petrodólar? Quem sabe? Afinal, sim, pode ser Star Trek.

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Notas dos tradutores
[1] 18/1/2012. Pepe Escobar “O mito do Irã isolado”, Ásia Times & Tom Dispatch
[2] LEWIS, Ed & HANIEH, Adam (entrevista) sobre Capitalism and Class in the Gulf Arab States, New Left Project,
[3] 14/1/2012 MK Bhadrakumar; “A avaliação dos russos: “Já se vê no horizonte uma nova guerra dos EUA no Oriente Médio”
[4] 15/1/2012, Washington’s blog: Rússia: “Shoud Anything Happen to Iran... This Will Be a Direct Threat to our National Security”