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domingo, 2 de março de 2014

Carnaval na Criméia

28/02/2014 - Pepe Escobar - Asia Times Online
– The Roving Eye - “Carnival in Crimea”
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu - Redecastorphoto

Mapa político da Ucrânia e principais cidades e fronteiras - ao sul, a península da Crimeia

O tempo não espera por ninguém, mas, parece, esperará pela Crimeia.

O presidente do Parlamento da Crimeia, Vladimir Konstantinov, confirmou que haverá um referendo, que decidirá sobre maior autonomia em relação à Ucrânia, dia 25 de maio.

Até lá, a Crimeia permanecerá tão quente e fumegante quanto o carnaval no Rio – porque na Crimeia tudo tem a ver, sempre, com Sebastopol, o porto de atracação da Frota Russa do Mar Negro.

Se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é um touro, esse é o pano vermelho mãe de todos os panos vermelhos.

Ainda que você esteja tentando afogar todas as suas mágoas no nirvana movido a álcool e pulando para suar todos os seus problemas no carnaval no Rio – ou em Nova Orleans, ou Veneza, ou Trinidad e Tobago – mesmo assim seu cérebro registrou que o sonho mais molhado dos sonhos molhados da OTAN é instalar um governo fantoche do ocidente na Ucrânia, para despachar de lá, de sua base em Sebastopol, a marinha russa.

O arrendamento negociado do porto é vigente até 2042. Já há rumores e ameaças de que o arrendamento será cancelado.

Mapa da Crimeia com suas cidades principais e a vizinhança da Rússia

A península da Crimeia é habitada por maioria absoluta de falantes de russo. Pouquíssimos ucranianos vivem ali. Em 1954, o ucraniano Nikita Krushchev – aquele, o que bateu o sapato na mesa, na Assembleia Geral da ONU [1] – precisou só de 15 minutos para dar a Crimeia de presente à Ucrânia (então, parte da União Soviética). Na Rússia, a Crimeia é vista como russa. Nada mudará esse fato.

Ainda não estamos diante de uma nova Guerra da Crimeia – ainda não. Só um pouco. O sonho molhado da OTAN é uma coisa; outra coisa, muito diferente, é fazê-lo acontecer: tipo pôr fim para sempre à rotina de a frota russa deixar Sebastopol pelo Mar Negro, pelo Bósforo, e assim chegar a Tartus, o porto mediterrâneo da Síria. Assim sendo, sim, sim, trata-se tanto de Crimeia, quanto de Síria.

Mapa Étnico linguístico-cultural da Ucrânia atual

A nova revolução ucraniana cor de laranja, de tangerina, de Campari, de Aperol Spritz ou de Tequila Sunrise parece, até aqui, ser resposta às preces da OTAN. Mas ainda há estrada longa e sinuosa a percorrer, antes de a OTAN conseguir reencenar os anos 1850s e produzir o remix da Guerra da Crimeia original.

No futuro à vista e previsível, seremos afogados num mar branco de platitudes. Como o El Supremo do Pentágono, Chuck Hagel [caricatura], “avisando” a Rússia que fique longe do torvelinho, enquanto ministros da Defesa da OTAN lançam toda a pilha indispensável de declarações, em nenhuma das quais se lê “garantindo integral apoio” à nova liderança, e paus mandados da imprensa-empresa universal repetem sem parar que não se trata de Nova Guerra Fria, para tranquilizar a população. [2]

Dancem conforme a minha estratégia, otários

Onde está HL Mencken, quando se precisa dele? Ninguém jamais perdeu dinheiro subestimando a capacidade de mentir do sistema Pentágono/OTAN/CIA/Departamento de Estado dos EUA. 

Especialmente agora, quando a política para a Ucrânia do governo Obama parece ter sido subalugada à turma da neoconservadora Victoria "Foda-se a União EuropeiaNuland, casada com Robert Kagan, neoconservador queridinho de Dábliu Bush.

Como Immanuel Wallerstein já observou, Nuland, Kagan e a gangue neoconservadora estão tão aterrorizados ante a possibilidade de a Rússia dominar” quanto ante o surgimento de uma aliança geoestratégica que pode emergir lentamente, e bastante possível, entre a Alemanha (com a França como parceiro júnior) e a Rússia. 

Significaria o coração da União Europeia constituindo um contrapoder, de oposição ao abalado e oscilante poder norte-americano.

E, como atual encarnação do abalado poder norte-americano, o governo Obama é, sim, um fenômeno. 

Agora, estão perdidos no pântano que eles próprios inventaram, do tal “pivô”. Que pivô vem primeiro? Aquele na direção da China? Mas, nesse caso, temos de pivotear-nos, antes, para o Irã – para pôr fim à ação dispersiva, lá, no Oriente Médio. Ou quem sabe...? Talvez não.

Ouçam essa, a melhor, do secretário de Estado John Kerry [foto fantasia abaixo], sobre o Irã:

"Tomamos a iniciativa e lideramos o esforço para tentar ver se antes de irmos à guerra realmente poderia haver uma solução pacífica."

Quer dizer então que já não se trata de acordo nuclear a ser alcançado, talvez, em 2014. Nada disso. Agora se trata de “antes de irmos à guerra”. Trata-se de bombardear um possível acordo, para que o Império possa bombardear mais um país – outra vez. Ou, talvez, não passa de sonho molhado fornecido pelos patrões dos fantoches Likudniks.

O grande Michael Hudson especulou que um “xadrez multidimensional” poderia estar “guiando os movimentos dos EUA na Ucrânia”

Nada disso. Está mais para “se não podemos nos pivotear para a China – ainda – e se a pivotagem para o Irã vai falhar (porque desejamos que falhe), podemos nos pivotear para algum outro lugar...” 

Oh yes, tem aquele maldito país que nos impediu de bombardear a Síria; chamado “Rússia”. E tudo isso sobre o comando ilustrado de Victoria Foda-se a União Europeia” Nuland. Onde está um neo-Aristófanes, para escrever a história dessas comédias?

E ninguém jamais esqueça a imprensa-empresa. A CNN já começou a “Amanpourear” [ref. a Christiane Amanpour [foto]; equivale aos verbos “Jaborizar (derivado de Jabor)” ou “Waackear (der. de Waack)”, em português do Brasil (NTs)] sobre o Acordo de Budapeste – e só fazem repetir que a Rússia tem de ficar fora da Ucrânia.

Visivelmente, uma horda de produtores, todos com “índices” de audiência desabados, sequer se deram o trabalho de ler o Acordo de Budapeste, o qual, como o professor Francis Boyle da Universidade de Illinois lembrou "determina, isso sim, que EUA, Rússia, Ucrânia e Grã-Bretanha têm de reunir-se imediatamente, para “consulta” conjunta – e que a reunião tem de ser feita no nível de ministros de Relações Exteriores, pelo menos”.

Assim sendo, então... Quem paga as contas?

O novo primeiro-ministro da Ucrânia, Arseniy Yatsenyuk, é – e o que mais seria?! – um tecnocrata reformador”, expressão em código para “fantoche do ocidente”. [3]

Ucrânia está convertida em caso perdido (rebentado). A moeda caiu 20% desde o início de 2014. Milhões de desempregados europeus sabem que a União Europeia não tem dinheiro para resgatar o país (talvez os ucranianos devam pedir algumas dicas ao ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi).

Em termos do Oleogasodutostão, a Ucrânia é apêndice da Rússia; o gás que transita pela Ucrânia para mercados europeus é gás russo. E a indústria ucraniana depende do mercado russo.

Examinemos mais de perto os bolsos dos novos “revolucionários” cor de Aperol Spritz. Todos os meses, a conta de gás natural importado da Rússia fica em torno de US$ 1 bilhão. Em janeiro, o país teve de despender também US$ 1,1 bilhão para pagar dívidas. As reservas em moeda estrangeira caíram, de US$ 20,4 bilhões, para US$ 17,8 bilhões. A Ucrânia tem de pagar, como 
pagamento mínimo da dívida, nada menos de $17 bilhões  em 2014. E tiveram até de cancelar um lançamento de $2 bilhões de eurobonds, semana passada.

Francamente: o presidente Vladimir Putin – codinome “Vlad, A Marreta” – deve estar rindo feito o gato de Cheshire [4] [imagem].

Pode simplesmente cancelar o significativo desconto de 33% no preço do gás natural importado, que deu a Kiev, no final do ano passado. 

Rumores insistentes já dizem –desesperançados – que os revolucionários da revolução cor de Aperol Spritz não terão dinheiro para pagar aposentadorias e salários dos funcionários públicos.

Em junho, vence uma dívida monstro, em mãos de vários credores (no total, cerca de US$ 1 bilhão). Depois disso, a coisa é mais sinistra, desolada e escura que o norte da Sibéria no inverno.

A oferta dos EUA, de $1 bilhão, é piada. E tudo isso, depois que a estratégia de “Foda-se a União Europeia” de Victoria Nuland torpedeou um governo ucraniano de transição – transição, por falar dela, negociada pela União Europeia – que teria mantido os russos a bordo, e o dinheiro deles.

Sem a Rússia, a Ucrânia dependerá totalmente do ocidente para pagar as próprias contas, para nem falar de tentar evitar o calote de todas as dívidas. O total alcança vertiginosos $30 bilhões, até o final de 2014.

Diferente do Egito, a Ucrânia não pode telefonar para a Casa de Saud e pedir cataratas de petrodólares. Aquele empréstimo de US$ 15 bilhões que a Rússia ofereceu recentemente chegaria em boa hora – mas Moscou tem de receber algo em troca.

A ideia de que Vladimir Putin [imagem por Maurício Porto] ordenará ataque militar contra a Ucrânia explica-se pelo quociente subzoológico de inteligência da imprensa-empresa nos EUA.

Vlad, A Marreta” só precisa assistir ao circo – o ocidente batendo cabeça para ver se arranja aqueles bilhões a serem desperdiçados num caso perdido (rebentado).

Ou ao Fundo Monetário Internacional e aquela conversa sinistra de mais um monstruoso “ajuste estrutural” para mandar a população da Ucrânia de volta ao Paleolítico, de vez.

A Crimeia pode até encenar seu próprio carnaval adiado, votando não só para ter mais autonomia, mas, também, para livrar-se do tal caso perdido (rebentado). Nesse caso, Putin receberá a Crimeia de presente, grátis – à moda Krushchev. Não é mau negócio.

E tudo graças àquela oh! tão estratééégica pivoteação contra a Rússia, com o “Foda-se a União Europeia”.
________________________

Notas de rodapé
- Khrushchev e o sapato 
[1] A foto da primeira página do New York Times do dia 12/10/1960 mostrava Khrushchev com um sapato na mão e a manchete “Rússia novamente ameaça o mundo. Dessa vez, com o sapato do líder”. 
Mas, pouco depois, pessoas presentes à Assembleia Geral da ONU que se realizara na véspera corrigiram a notícia e a manchete: Khrushchev não batera com o sapato no púlpito principal, mas na própria mesa; e não para ameaçar alguém, apenas para chamar a atenção.

Sergei Khrushchev conta
Quando Nikita Sergeevich entrou no salão, estava cercado de jornalistas; um deles pisou no seu calcanhar e arrancou-lhe o sapato. Khrushchev, bastante gordo, não quis expor-se ao ridículo de procurar o próprio sapato e calçá-lo ali, em pé, à vista das câmeras. Andou então diretamente para sua mesa e sentou-se; o sapato, embrulhado num guardanapo, foi trazido por alguém e posto sobre a mesa.
Naquele momento, um delegado filipino disse que a União Soviética havia engolido’ a Europa Oriental, “privando-a de seus direitos civis e políticos”. A frase causou tumulto e protestos na sala. Um delegado romeno saltou em pé e pôs-se a gritar contra o diplomata filipino. Nesse ponto, Khrushchev quis intervir na discussão, mas o delegado irlandês, que presidia a discussão, não o viu. Khrushchev acenou com uma mão, depois com a outra. Sem resultado, ele pegou o sapato que ainda estava sobre a mesa e o agitou no ar. Ainda sem resultado, ele bateu o sapato, com força, na mesa. O irlandês afinal olhou na direção dele e o viu

[2] 26/2/2014, Daily Telegraph em: “US and Britain say Ucrânia is not a battleground between East and West”.

[3] 27/2/2014, Voice of America, em: “Biden: U.S. Supports Ucrânia's New Government” 

[4] Cheshire Cat com a banda Blinck 182 com letra mostrada no vídeo (em inglês) a seguir:


_________________

[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.

Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007. 
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/02/pepe-escobar-carnaval-na-crimeia.html

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Líderes europeus rejeitam apoio a missões militares francesas na África

20/12/2013 - Por Redação, com DW - de Brasília - Correio do Brasil

Líderes da UE rejeitaram ajuda financeira pedida por Hollande para apoiar missões militares francesas no continente africano

O presidente da França, François Hollande [foto], sofreu uma derrota no primeiro dia do encontro de cúpula da União Europeia (UE), em Bruxelas. Os líderes da UE rejeitaram a ajuda financeira pedida por Hollande para apoiar as missões militares francesas no continente africano.

Na reunião, os 28 países-membros da UE aprovaram somente uma avaliação das regras que preveem o financiamento conjunto de missões militares realizadas por um ou mais parceiros do bloco europeu.

- Não podemos financiar nenhuma missão em que não estivemos envolvidos no processo de decisão – declarou a chanceler federal alemã, Angela Merkel [foto], no final do primeiro dia do encontro.

Merkel declarou ainda que a Alemanha e outros países-membros da UE esperam, no futuro, uma mudança de comportamento da França.

Segundo Merkel, uma decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas não é suficiente para que um país-membro da UE empreenda uma missão militar.

É necessário também que a missão seja coordenada e aprovada pelos parceiros da UE caso se almeje uma corresponsabilidade europeia.

Merkel afirmou que já teria dito isso a Hollande, em encontro bilateral na quarta-feira em Paris.

Solidariedade europeia em estruturas europeias
No ano passado, Hollande mandou tropas francesas para o Mali e, recentemente, enviou 1.600 soldados para a República Centro-Africana, com o objetivo de reprimir revoltas e pacificar países que se localizam em tradicional zona de influência francesa na África Ocidental.

A França está, portanto, agindo em interesse próprio.

Mas, devido ao alto custo das missões militares, Hollande sugeriu um fundo europeu permanente para o financiamento de tais missões.

O presidente francês, por sua vez, afirmou no primeiro dia de reuniões que a Polônia se dispôs a apoiar, com 50 técnicos da Força Aérea, a missão militar francesa na República Centro-Africana.

Antes do encontro, Hollande havia dito que tanto a ONU quanto a União Europeia teriam apoiado a intervenção no Mali e na República Centro-Africana (RCA).

“E ao financiamento deve seguir o apoio político”, exigira Hollande.

O presidente, no entanto, parece ter se enganado.

Além de Merkel, também o primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt [foto], afirmou que, “quando se pede a solidariedade europeia, então a tomada de decisão deve se encontrar dentro de estruturas europeias”.

Cameron, Rasmussen e a Otan
O primeiro-ministro britânico, David Cameron [foto], afirmou que considera sensata uma cooperação militar entre os europeus.

Mas não é correto que a União Europeia possua tais capacidades – um Exército próprio, Força Aérea etc.

Cameron não quer de maneira alguma estruturas paralelas à Otan.

Isso não somente seria um desperdício de dinheiro, argumenta, mas também poderia vir a enfraquecer a Otan.

Nesse ponto, no entanto, Cameron contradisse ninguém menos que o próprio secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen [foto abaixo], que também foi convidado para as negociações em Bruxelas.

Rasmussen não disse ver nenhuma contradição entre um aumento da capacidade de defesa da Europa e uma Otan forte.

“Se nós, europeus, não pudermos mais cuidar da nossa segurança, corremos o risco de que os EUA se afastem de nós.”

Para acalmar os ânimos de Cameron, defensor das relações com os EUA e com a Otan, Rasmussen acresceu que não se trata de criar um Exército europeu.

As Forças Armadas continuam a pertencer aos diversos países.

Cooperação em tempos de crise
De qualquer forma, em tempos de “vacas magras”, os chefes de Estado e governo aprovaram em Bruxelas uma cooperação europeia mais estreita na política de segurança e armamentos.

Em 2014, a UE pretende aprovar ao menos uma estratégia de segurança marítima comum e pretende chegar a um acordo sobre um enquadramento legal para a defesa contra ataques cibernéticos.

Além disso, entre 2020 e 2025, os países-membros da UE pretendem desenvolver um drone europeu.

Isso poderia ajudar a encontrar uma solução para o problema da partida e aterrissagem de aviões militares não tripulados em espaço aéreo civil, o que foi um dos motivos para o fracasso na Alemanha do desenvolvimento do drone Euro Hawk.

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/lideres-europeus-rejeitam-apoio-a-missoes-militares-francesas-na-africa/672066/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20131221

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Leia também:
- Duas aventuras pan-europeias: na África e na Ucrânia - Rui Peralta, de Luanda

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Síria: paraíso “jihadi”

10/01/2013 - Redecastorphoto
- 11/01/2013, por Pepe Escobar, Asia Times Online, The Roving Eye
- “Syria: A jihadi paradise
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Bashar al-Assad, pois, falou em tom marcial – pela primeira vez em sete meses.

Como se poderia prever, culpou “terroristas” e “fantoches do ocidente” pela guerra civil na Síria.

O ministro turco das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu (foto), aquele dos (antigamente) “zero problemas com os vizinhos”, comentou que Assad só lê relatórios do seu serviço secreto.

Calma-lá, Ahmet! Bashar pode não ser nenhum Stephen Hawking, mas está administrando bastante bem os seus buracos negros.

E Assad tem um plano: diálogo nacional, que levará a uma carta constitucional nacional – a ser submetida a referendo popular – e, depois, governo ampliado e anistia geral.


Bashar al-Assad  no Opera House, Damasco em 6/1/2013
A questão é quem conseguirá usufruir toda essa felicidade engarrafada, porque Assad descarta total e absolutamente, não só nova oposição síria, mas também o Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian Army (FSA)], todas as forças que, para ele, não passam de gangues de mercenários recrutados que recebem ordens de potências estrangeiras cujo único objetivo é dividir a Síria.

Seja como for, Assad tem um plano.

Primeiro estágio: as potências estrangeiras que hoje financiam os “terroristas” – como o conglomerado CCGOTAN, Conselho de Cooperação do Golfo + Organização do Tratado do Atlântico Norte – terão de parar de financiar os terroristas.

Quanto a isso não há qualquer concessão: só no estágio seguinte o Exército Sírio fará cessar todas as suas operações, embora sempre se reservando o direito de responder a provocações que não se possam evitar.

O plano de Assad nada diz sobre o que acontecerá ao próprio Assad. O único ponto sobre o qual nunca houve divergência entre as várias correntes da oposição sempre foi que “o ditador tem de partir”, antes de ser possível alguma negociação.

Nada disso, respondeu Assad. Assad será candidato à própria sucessão, em eleições que aconteçam em 2014.

Como se isso já não bastasse para torpedear de vez, para pôr a pique, todas as arquiteturas inventadas pelo atual mediador da ONU, Lakhdar Brahimi (foto abaixo) [1], há também o ponto crucialmente complexo de Brahimi insistir em incluir a Fraternidade Muçulmana (FM) em qualquer governo sírio de transição.

Brahimi deveria prestar mais atenção em onde se mete. É como se a ONU insistisse em rezar por um milagre (a abdicação de Assad).

A Síria não é Tora Bora [2]

Quem queira saber o que está realmente acontecendo na Síria, basta prestar atenção ao que diga o secretário-geral do Hezbollah, Sheikh Hassan Nasrallah (foto-E), que fala das coisas como as coisas são.

Há também o que Ammar al-Musawi (foto-abaixo), terceiro homem do Hezbollah – é o ministro de Relações Exteriores de facto do Partido de Deus – disse a meu colega italiano Ugo Tramballi. [3] O cenário mais provável pós-Assad, se houver, será “não um estado unitário, mas uma série de emirados próximos à fronteira turca, e alguém proclamará um estado islâmico”.

A inteligência do Hezbollah – a melhor que há no mundo, sobre a Síria – é clara: “um terço dos combatentes na oposição síria são extremistas religiosos; e dois terços das armas que circulam são controladas por eles”.

Resumo da ópera: trata-se de guerra do ocidente, lutada na Síria por procuração; o Conselho de Cooperação Golfo (CCG) operando como “linha de frente” para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Leitores de Asia Times Online já sabem disso há eras, como também sabem da mentira de proporções tectônicas segundo a qual haveria alguma autocracia do Golfo promovendo alguma “democracia” na Síria.

A Casa de Saud abençoada pelos deuses da geologia usou até o último grão de areia para subornar quem pudesse subornar para tentar imunizar-se contra os miasmas da Primavera Árabe, mas, pelo menos no Kuwait, os ventos de mudança já forçam a família Al-Sabah a aceitar um primeiro-ministro que não é fantoche do emir.

Sim, petromonarcas! Mais dia menos dia, vocês todos virão abaixo!

Quem quiser continuar a ignorar Musawi, que meta a cabeça na areia o quanto queira; nem por isso evitarão a volta do chicote no lombo do chicoteador, “como no Afeganistão”.

E Musawi acrescenta:
A Síria não é Tora Bora; está no litoral mediterrâneo, praticamente na Europa”.

A Sírianos anos 2010s é remix do Afeganistão nos anos 1980s – com altíssima probabilidade de o chicote voltar sobre o lombo vocês sabem de quem.

E os que sigam os mais cegos que vivem a repetir que o Hezbollah seria organização “terrorista”, anotem aí: o Hezbollah está trabalhando em íntima cooperação com a ONU, nas fronteiras do campo de combate, ao lado dos mais de 10 mil Capacetes Azuis comandados pelo general italiano Paolo Serra – para manter o sul do Líbano protegido contra qualquer contágio/contaminação pela guerra civil síria.

O ditador deixará o poder. É inevitável...
De novo?!

Não surpreendentemente, as gangues de mercenários apresentadas e rotuladas como se fossem alguma “oposição síria” rejeitaram em bloco o plano de Assad.

Para a Fraternidade Muçulmana (ao lado) – aspirante ao trono sírio, ou, no mínimo, a uma parte dele – Assad seria “criminoso de guerra” e terá de ser julgado.

Para Georges Sabra, vice-presidente do tal “combinado” norte-americano/qatari chamado “Coalizão Nacional”, as palavras de Assad teriam sido “declaração de guerra contra o povo sírio”.

Como se previa, o Departamento de Estado dos EUA – ainda não comandado por John Kerry – disse que Assad estaria “descolado da realidade”.

Londres decretou que o discurso não passaria de hipocrisia e, imediatamente, inventou mais dois dias de reunião “secreta”, agendada para essa semana no Wilton Park em West Sussex, em que se misturarão os membros da tal “coalizão” e o velho selecionado de sempre de “especialistas”, professores de universidades, funcionários de governos do CCG e as tais “agências multilaterais”.

William Hague (foto), o espetacularmente patético ministro de Relações Exteriores do Reino Unido tuitou – pela centésima milésima vez – que “Assad deixará o poder em breve. É inevitável”.

Fatos em campo sugerem fortemente que Assad não deixará coisa alguma nem irá a parte alguma em futuro próximo.

Quanto ao que dizem os britânicos, que “a comunidade internacional pode dar apoio a um governo de transição”, nenhum sírio bem informado – dos que sabem que essa guerra civil está sendo financiada, mantida e amplamente coordenada pelo ocidente, especificamente pela parte OTAN do grupo CCGOTAN – deu qualquer importância à “novidade”.

Os sírios bem informados farejam a ação de um rato – ocidental – na obsessiva repetição de que a guerra na síria seria “guerra sectária”; para ter certeza de que nada é bem assim, consideram a quantidade imensa de sunitas influentes que permanecem leais ao governo sírio.

Farejam o rato – ocidental – quando olham para trás e veem que tudo começou exatamente no momento em que o gasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões (que passa ao largo da Turquia, membro crucial da OTAN) começou a ser viabilizado, com chances reais de ser construído.

Seria enorme impulso econômico para uma Síria independente, balde de água geladíssima, gesto não-e-não, contra tudo que tenha a ver com interesses ocidentais.

O governo Obama 2.0 – e Israel – gostariam muitíssimo de ver a Fraternidade Muçulmana no poder na Síria, acompanhando o modus operandi do que está sendo feito no Egito. A Fraternidade promove a ideia de um “estado civil”; basta examinar as poucas “áreas libertadas” na Síria, para saber o de que civilidade se trata, quando encarna em degoladores de vários matizes, seguidores linha-dura da Xaria.

Mas o que o CCGOTAN e Israel realmente desejam é um modelo à Iêmen, para a Síria: ditadura militar, sem o ditador. Pelo que se pode ver, continuarão a só obter, no curto prazo, um Paraíso Jihadista.

Cortem a cabeça deles!
Há quase um ano, o número 1 da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri (foto), convocou todos os fiéis sunitas linha-dura do Iraque e Jordânia ao Líbano, Turquia, e de toda parte, para viajar à Síria e, alegremente, derrubar, esmagar Assad.

E eles começaram a viajar, e continuam a chegar, incluindo – como aconteceu no Afeganistão – chechenos e uigures e asiáticos do sudeste da Ásia, reunindo gente de todo o tipo, do Exército Sírio Livre à Frente al-Nusra – principal milícia de assassinos, que hoje já reúne mais de 5.000 jihadistas.

Matéria publicada essa semana pela Quilliam Foundation [4], instituto de estudos de contraterrorismo com sede em Londres, confirma o papel da Frente Al-Nusra. O principal autor do relatório, Noman Benotman, é líbio, ex-jihadi, com laços muito estreitos com al-Zawahiri e com o falecido Geronimo”, também conhecido como Osama bin Laden.

Frente al-Nusra, braço sírio da al-Qaeda

A Frente Al-Nusra é, de fato, o braço sírio da al-Qaeda no Iraque (AQI), marca terrorista registrada do falecido Abu Musab al-Zarqawi, também conhecida como Estado Islâmico do Iraque, depois que Zarqawi foi incinerado por um míssil dos EUA, em 2006.

Até o Departamento de Estado sabe que o emir da al-Qaeda no Iraque, Abu Du’a comanda ambos os grupos, a AQI e a Frente al-Nusra, cujo emir é Abu Muhammad al-Jawlani.

É a al-Qaeda no Iraque que facilita o vai-e-vem de comandantes iraquianos – todos com vasta experiência de luta em terra contra os norte-americanos – para e de áreas sensíveis na Síria, enquanto os sírios, iraquianos e jordanianos da Frente al-Nusra também trabalham pelo telefone, para arrancar financiamentos de fontes do Golfo.

A Frente Al-Nusra quer – claro, e o que mais quereria?! – um Estado Islâmico, não só na Síria, mas em todo o Levante.

Tática favorita: carros e caminhões-bomba, com suicidas-bomba, e carros-bomba acionados por controle remoto. No momento, a Frente Al-Nusra mantém um regime tenso de colaboração/concorrência com o Exército Sírio Livre.

E o que acontecerá a seguir?
A nova Coalizão Nacional Síria é piada.

Aqueles bastiões de democracia organizados no CCG estão já completamente submergidos no tsunami jihadista. A Rússia demarcou a linha vermelha e a OTAN não se atreverá a bombardear; russos e norte-americanos estão discutindo detalhes.


Mais dia, menos dia, Ancara afinal lerá a mensagem que grita pelos muros – e voltará atrás, revertendo para uma política de, pelo menos, reduzir ao mínimo qualquer problema com os vizinhos.

Assad viu e entendeu com clareza O Grande Quadro – daí o tom “confiante” de seu discurso. Agora se trata de Assad contra os jihadistas.

A menos que, ou até que, a nova CIA, agora sob o comando de John Brennan, o Exterminador & seus drones, opte por intrometer-se diretamente no quadro da guerra clandestina-suja, para vingar-se.

Notas dos tradutores
[1]Brahimi é o especialista em conflitos que envolvam forças islamistas (...) preferido do ocidente. Tem currículo consistente na arte de criar a ilusão e que haja negociações em curso onde nenhuma negociação exista, e a real discussão prossiga, inalterada, no campo de batalha. Kofi é independente demais; Brahimi obedece em tempo integral” (12/8/2012, redecastorphoto, MK Bhadrakumar, em: “A proposta do Irã ao ocidente, sobre a Síria”).

[2] Sobre isso ver: “Batalha de Tora Bora

[3] 8/1/2013, “Al-Mussawi, numero tre di Hezbollah: ‘Se crolla Assad l'estremismo islamico si avvicinerà all'Europa’” [Al-Mussawi, número 3 do Hezbollah: “Se Assad cair, o extremismo islâmico se aproximará da Europa”], entrevista ao enviado Ugo Tramballi, Il sole 24 ore, Itália.

[4]  8/1/2013, em Quilliam Foundation, press release: QUILLIAM RELEASES NEW STRATEGIC BRIEFING “JABHAT AL-NUSRA” 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/01/pepe-escobar-siria-paraiso-jihadi.html

Ver também:
07/01/2013 – redecastorphoto, Teatro da Ópera, Damasco:Discurso do presidente Bashar al-Assad: Passos para a paz na Síria”.
08/01/2013 – redecastorphoto, Franklin Lamb em:Assad no Teatro de Ópera de Damasco”.
- Um beabá para a al-QaedaHassan N. Gardezi

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 1 de abril de 2012

Lições da Líbia

06/03/2012 - A contrarrevolução na Líbia, os preparativos de novos ataques do império e a necessidade de uma Frente Única Antiimperialista Mundial
- Jornal Revolução Socialista

O golpe de estado da OTAN que derrubou o governo de Kadafi na Líbia é um perigosíssimo passo dado pelo imperialismo, com novas formas de agressões, de cooptações de setores do campo progressista e manipulação de organismos internacionais e da mídia, para impor a ocupação militar e econômica de países estratégicos, visando um enfrentamento global contra países que podem representar uma alternativa transformadora frente ao acelerado processo de decomposição do sistema capitalista em escala internacional. 

Não se tratou de nenhuma libertação da Líbia ou de um fenômeno progressista como parte da chamada Primavera Árabe que sacode as ditaduras reacionárias e pró-ianques da região.

Prova disso é que logo após o anúncio oficial da vitória pelo CNT, órgão montado e dirigido pela OTAN, já houve a imposição de um representante da indústria petroleira dos EUA para fazer as funções ilegítimas de chefe-de-estado na Líbia. Além disso, já foi anunciada a decisão de construir uma base militar da OTAN no território líbio, ampliando a presença militar imperialista na região.

Muitas lições podem ser tiradas deste retrocesso no processo revolucionário da Líbia.

A primeira delas, reconhecendo o heroísmo de Kadafi que resistiu com seus combatentes e seu povo a 203 dias de bombardeio sustentado por 28 países contra 1 país, implica dizer das grandes dificuldades para formar um projeto de sociedade com capacidade de se articular internacionalmente e resistir ao imperialismo, está relacionado também com as dificuldades e os retrocessos havidos na URSS. A desorganização da URSS alterou negativamente as relações mundiais de força contra os países e movimentos progressistas e antiimperialistas. Países que haviam avançado combativamente em enfrentamentos com o imperialismo, como a Líbia, que ofereceu importante apoio aos movimentos revolucionários de vários continentes, repentinamente, com o retrocesso na URSS, viram-se desprotegidos, isolados, sem uma base organizada mundialmente para enfrentar os novos desafios. Para isto também contribui uma relativa paralisia e enfraquecimento do Movimento dos Não-Alinhados.

Enquanto a Líbia não possuía nenhuma estratégia para enfrentar os novos desafios criados pela agressiva política intervencionista dos países imperialistas, o Pentágono tem uma política de multiplicar os investimentos na indústria bélica, desprezar qualquer legalidade internacional, seqüestrar a ONU para seus desígnios, e, com isso, ir avançando na ocupação militar e econômica do mundo, onde já possui mais de mil unidades militares instaladas.

Aproveitando-se do recuo na URSS estraçalharam a Yugoslávia, ocuparam o Kossovo, demoliram a infraestrutura do antigo Estado Operário construído sob a direção de Tito, e submeteram várias ex-repúblicas, como a Slovenia, a Croácia, à condição de colônias financeiras do império, particularmente da Alemanha.

Além da agressividade do imperialismo ocupando o Iraque, o Afeganistão, a imposição de sanções contra a Líbia, o Irã, a Coréia do Norte e Cuba, a desorientação que se abate sobre o movimento comunista e revolucionário internacional após a desestruturação da URSS, também é um fator que desafiou a direção de Kadafi que buscou desenvolver relações políticas com países imperialistas, fazendo concessões políticas, econômicas e até militares (desarme parcial unilateral, abandono do programa nuclear, etc), com o objetivo de ganhar tempo, de sair da linha de tiro. Eram manobras para sobreviver, com escassas possibilidades de terem algum efeito, como por exemplo com suas relações com Sarkosy e Berlusconi.

Se a própria Rússia e China relutam, vacilam e também fazem concessões, o que não dizer da Líbia, já sem uma aliança militar como a que possuía com a ex-URSS e sem o apoio de um Movimento dos Não-Alinhados ativo e unido, vinculado com a URSS, como já foi no passado? Assim, as dificuldades de Kadafi não foram apenas resultado de suas políticas, de eventuais invenções, de tentativas de projetar uma nova forma de democracia participativa basista, limitada ao não desenvolvimento político de uma direção, com a organização de um movimento internacional orgânico, cuja necessidade Hugo Chávez percebe quando lançou o debate sobre a formação de uma V Internacional, momentaneamente adiado. As dificuldades da Líbia de Kadafi são as dificuldades enfrentadas por todo o movimento revolucionário internacional, pelos países com governos revolucionários ou mais ou menos antiimperialistas e progressistas. O campo socialista se desmantelou, os partidos comunistas e movimentos de esquerda possuem reduzida articulação internacional, registram, além disso, crises teóricas e políticas que os levam ao absurdo de apoiar a agressão da OTAN à Líbia como se fosse a libertação do país, como muitos partidos de esquerda, sobretudo da Europa, reconheceram em nota pública.

Para o imperialismo a agressão à Líbia, um golpe de estado comandado pela OTAN, a partir de milhares de bombardeios sobre alvos generalizados, matando mais de 130 mil pessoas, aproximadamente, é fundamental um teste para novas ações mais agressivas, inclusive para o teste de novos armamentos, como os utilizados contra o povo líbio. Kadafi resistiu a 203 dias de um dilúvio de bombas, uma extrapolação criminosa de uma resolução arrancada na marra no Conselho de Segurança da ONU, baseada, uma vez mais, numa mentira midiática, mil vezes repetida. A mentira de que Kadafi havia mandado a aviação bombardear alvos civis. Até mesmo o Secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates foi obrigado a reconhecer a veracidade de informações da Inteligência Russa, baseada em imagens de satélites que esquadrinham cada metro daquela região, afirmando que realmente não havia qualquer prova material de que os bombardeios atribuídos a Kadafi haviam ocorrido.

Mas, como uma torrente de desinformações e manipulações, a mídia capitalista mundial, sustentada pela TV Al Jazeera, controlada pela oligarquia reacionário do Qatar, país ocupado militarmente pelos EUA – ali está a maior base militar na região – e fronteiriço a Líbia, a humanidade recebeu um bombardeio de mentiras e mentiras e mentiras. Até mesmo alguns jornalistas progressistas experientes sucumbiram a esta coerção psicológica e passaram a defender a legalidade de uma suposta Ajuda Humanitária aos Civis da Líbia, modalidade em que se travestiu o que na verdade foi um golpe de estado e uma guerra de rapina, pois o petróleo já está sob controle das transnacionais, além do confisco, ilegal, das reservas do estado líbio no sistema financeiro internacional.

O comportamento dos países da OTAN é banditismo puro!


O imperialismo levou 42 anos para matar Kadafi!
Desde a Revolução Líbia de 1969, quando o jovem coronel Kadafi, seguindo o exemplo do coronel egípcio Nasser e liderando um levante militar-popular deu início às transformações da República Árabe Jamahyria Socialista, o imperialismo planejou matá-lo. Foram muitas sabotagens, agressões, sanções e, inclusive, o bombardeio do avião italiano de passageiros que cruzava o Mediterrâneo, em Ústica na década de 80, a partir de uma base militar ianque em Lampedusa na Itália, supondo que aquela aeronave transportava Kadafi. Morreram todos os passageiros, inclusive todas as testemunhas, operadores de radares que trabalhavam neste dia na Base Militar controlada pela Otan, impedidas de prestar depoimentos no processo judicial até hoje inconcluso. Mas, sabe-se que um míssil derrubou o avião! Em 42 anos, o movimento liderado por Kadafi transformou a Líbia, que era uma monarquia, uma colônia atrasada e miserável, no mais culto país da África, dotando-o de um sistema educacional e de saúde modernos, avançados e inteiramente gratuitos, transformando desertos em terras irrigáveis e produtivas para alimentos, além de oferecer apoio generoso a muitos movimentos revolucionários, como a Mandela, a Agostinho Neto, a Samora Machel, à Revolução Sadinista, ao Frente Polisário de Libertação Nacional, etc.

Em outra etapa, com outras relações de forças internacionais, com a existência da URSS, a Angola de Agostinho Neto e do MPLA resistiu a mais de duas décadas de agressão comandada pelo imperialismo, operada pelo exécito racista da África do Sul, que foi derrotado pela fundamental presença das tropas de Cuba na memorável Batalha de Cuito Cuanavale, em 1988. O que levou Nelson Mandela, em agradecimento a Cuba, declarar: “A Batalha de Cuito Cuanavale foi o começo do fim do Apartheid!”. A Líbia apoiou a independência de Angola e a Libertaçao da África do Sul do regime do Apartheid.

Eis aí parte importante da função revolucionária desempenhada pela Líbia sob a direção de Kadafi. Uma das suas propostas foi a Conferencia de Organização da União Africana, apoiada por Samora Machel (morto numa suspeitosa queda de avião) e Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso, assassinado em 1987 por golpistas, opositores a este passo revolucionário. Hoje, com a desorganização da URSS, do bloco de Estados Operários, chamado campo socialista, Cuba está politicamente impedida de repetir aquela memorável façanha de enviar mais de 350 mil homens e mulheres para a África em apoio à Revolução de Angola, nas décadas de 70 e 80. Nenhum país pode oferecer apoio militar a Kadafi agora.

Testemunhos informam que em seus últimos dias de vida, ele tentava desesperadamente fazer contatos internacionais. Nem mesmo a Argélia, que já foi uma espécie de Cuba na África, premida por outras circunstâncias, pôde fazer qualquer movimento de apoio militar à Líbia. E para isto pesou decididamente o apoio da Rússia e da China à Resolução da ONU que praticamente deu à OTAN a condição para a agressão militar, que, extrapolou completamente a autorização delimitada para criar apenas uma Zona de Exclusão Aérea.


Rússia e China
Após terem autorizado a aprovação para uma ação humanitária da OTAN contra a Líbia – prontamente usada arbitrária e ilegalmente pelo imperialismo para um golpe de estado e para executar Kadafi e seus quadros – Rússia e China são obrigados a rever este cheque em branco dado ao imperialismo, o que já se observa em razão da nova postura frente à pressão do império de intervir militarmente na Síria, onde, aliás, há uma base militar russa. Mais que isso, a trágica experiência da Líbia faz com que Rússia e China reavaliem muitas das políticas de compenetração com o capitalismo, o que certamente fortalecerá as posições de setores militares mais vinculados à tradição anticapitalista, da URSS sobretudo, para uma estratégia que considere sem margem a qualquer ingenuidade que o imperialismo prepara-se para uma guerra de grandes proporções. O aprofundamento e extensão de sua crise econômico-financeira também o empurra nesta direção, de resolver pelas armas o que não pode mais resolver pelos modos convencionais da política. Isto inclui o seqüestro, na prática, do funcionamento da ONU, inclui imposições aos países endividados, como a Grécia, Portugal e Itália, com claras interferências internas, mudanças de governos, com o alcance de golpes de estado.

De certo modo, as advertências feitas por chefes militares da Rússia contra a pretensão de instalar um propalado escudo anti-míssil na Polônia – inclusive avisando a este país que haverá uma resposta heterodoxa – bem como a presença massiva e ostensiva da Marinha Russa no Báltico, com a multiplicação de tropas, navios e submarinos, alertando aquelas ex-repúblicas soviéticas para que não sirvam concretamente como peões da OTAN na região – o que só pode ser uma política contra a Rússia – já indica uma revisão de muitos planos que calculavam, falsamente, uma possibilidade de coexistência com o imperialismo.

Uma política totalmente irreal. Um claro sinal indicando que está sendo feita uma leitura dura e realista sobre a trágicas lições da Líbia é o anúncio da candidatura de Putin. Em vários momentos ele expressou sua insatisfação com o apoio russo à Resolução anti-Líbia. E agora, além de anunciar muito antecipadamente a sua candidatura, já busca entendimentos com a China, para onde deve viajar em breve, sinalizando que o quadro que surge depois da intervenção na Líbia e as ameaças ao Iran e à Síria é um quadro de enfrentamento do sistema imperial contra os países que podem constituir uma alternativa política, militar, econômica para a formação de um bloco de países com capacidade de fazer frente, se unificados, às crescentes ameaças do império.


A esquerda latinoamericana e a crise da esquerda na Europa
Não poderia ser mais nefasta e reacionária a posição de muitos partidos comunistas, socialistas e alas da social-democracia européias apoiando a intervenção imperialista na Líbia, seja sob qual argumento for. Não havia crise humanitária na Líbia, jamais se comprovou um massacre de civis por tropas de Kadafi, ao contrário, comprovou-se a organização de uma tremenda farsa televisiva, com o canal Al Jazeera, sob controle da indústria petroleira ianque, construindo no Qatar um cenário cinematográfico que era uma cópia da Praça Verde, de Trípoli. Essas imagens percorreram o mundo, foram repetidas em dilúvio por todas as emissoras do mundo. Apenas Telesur e a TV Rússia denunciaram esta farsa, mostrando que não havia massacres na Líbia e que havia tranqüilidade absoluta na Praça Verde de Trípoli, naquele exato momento.

Sob o lema conservador e omisso “Nem OTAN, nem Kadafi” os partidos de esquerda da Europa, em quase sua totalidade, contribuíram para o cometimento de um bárbaro crime com o povo líbio e seu processo revolucionário. Em nenhuma hipótese a existência de limitações políticas e de erros na direção comandada por Kadafi justificam uma aliança prática com a OTAN e, na prática com seus governos, cujas políticas de desemprego, cortes nos direitos sociais, retrocessos políticos e sociais, as massas estão combatendo nas ruas de várias capitais européias. Boa parte dos recursos públicos que são negados ao povo europeu e aos manifestantes Indignados para o pagamento de salários, de aposentadorias e a geração de empregos, foram esterilizados nos milhares de bombardeios contra a população da Líbia, guerra apoiada como legítima pela maioria da direção dos partidos da esquerda européia. Ou seja, ela apoiou a ação de guerra dos governos membros da OTAN contra os quais estão lutando nas ruas suas bases, trabalhadores e jovens desempregados! Desmoralização completa, que levou à vitória eleitoral da direita nas últimas eleições espanholas!

Exemplar foi a posição dos governos dos países da ALBA, que condenaram o criminoso papel da ONU, solicitaram um cessar-fogo, responsabilizaram sobretudo os principais líderes imperiais.

Sobre isto é muito importante reproduzir trechos de Carta Hugo Chávez à Assembléia Geral da ONU denunciando o imperialismo e responsabilizando a própria ONU pelo massacre na Líbia:

“Imediatamente, existe uma gravíssima ameaça para a paz mundial: o desencadear de um novo ciclo de guerras coloniais, que começou na Líbia, com o macabro objetivo de dar um segundo ar ao sistema-mundo capitalista, hoje, em crise estrutural, mas sem por nenhum tipo de limite à sua voracidade consumista e destrutiva. O caso da Líbia nos deve alertar sobre a pretensão de implementar um novo formato imperial de colonização: o da intervenção militar com o aval dos órgãos anti-democráticos das Nações Unidas e justificada no apoio das mentiras mediáticas pré-fabricadas”.

“A humanidade está ao borde de uma catástrofe inimaginável: o planeta marcha inexoravelmente rumo ao mais devastador ecocídio; o aquecimento global prenuncia isso, através de suas pavorosas consequências, mas a ideologia dos Cortês e dos Pizarros com relação ao ecossistema, como bem disse o notável pensador francês Edgar Morin, os leva a seguir depredando e destruindo. As crises energética e alimentarias se agudizam, mas o capitalismo continua ultrapassando impunemente todos os limites”

Que diferença da posição de Chávez e dos presidentes dos países da ALBA ante a criminosa prostração da esquerda e da social-democracia européia e de muitos dos seus intelectuais, que chegaram ao ponto de insinuar que a esquerda latino-americana errava ao enfrentar o imperialismo e defender a soberania da Líbia!

Que moral possuem esses setores da esquerda na Europa, chamados de otanistas, de criticar os que lutam concretamente contra o imperialismo seja na Líbia ou na Síria, no Irã, se ela própria está apoiando a guerra dos governos da OTAN contra os quais luta nas ruas?

Nunca se pode olvidar que durante a 2ª. Guerra mundial, os trotskistas da URSS, que estavam na prisão, perseguidos por Stalin, quando houve a invasão das hordas nazistas, saíram do cárcere e pegaram nas armas na luta contra Hitler, defendendo a União Soviética, ombro a ombro com os stalisnistas e todo o povo acima de tudo, numa demonstração de clareza tática e objetividade frente ao inimigo principal que era o nazismo.


A fórmula líbia é fascista!
Atropelar a ONU, arrancar Resoluções com base em mentiras e manipulações informativas, organizar uma cadeia desinformativa que deturpa toda e qualquer realidade, com o que se cooptou e neutralizou uma boa parte das sociedades européias, além de paralisar a esquerda que sequer levantou a voz para denunciar os bombardeios genocidas, todos estes ingredientes conformam um modo fascista de agir. O bloqueio midiático que levou ao paroxismo da apresentação de Kadafi como um monstro e os mercenários da OTAN como “rebeldes” alcança o objetivo que antes era feito por Hitler e Goebells, repetindo uma mentira até que ela seja engolida, assumida, repetida e se transforme em “verdade”, utilizada como argumento por boa parte da esquerda que lavou as mãos diante do trágico destino da Líbia. E isso sem perceber que amanhã poderá ser o próximo alvo.

Agora já existem organizações não-governamentais, muitas remuneradas pelo imperialismo, condenando a violação dos direitos humanos na Síria, como haviam feito na Líbia, adotando como verdade a manipulação midiática do império. Agora na Síria há agentes infiltrados que atiram eles próprios nos manifestantes com a culpa sendo atribuída ao governo sírio. Tal modalidade de atentados também já havia sido utilizada no golpe midiático contra Chávez em 2002, quando franco atiradores da própria direita atiravam nos manifestantes da própria oposição de direita para culpar o governo chavista.

O papel antes desempenhado pela juventude hitlerista, pelos camisas negras, para agredir e intimidar o movimento comunista, os sindicatos, é agora cumprido por este bloqueio midiático que produz uma catarse psíquica política para justificar até mesmo a carnificina feita contra a população líbia, tudo era aceito desde que fosse para destruir Kadafi. Linchamentos, crimes de guerra, sevícias, tudo isto foi praticado pelos supostos “rebeldes” apresentados como heróis e libertadores pela mídia capitalista. Sem política adequada, sem meios de comunicação próprios, a esquerda, particularmente na Europa, intimidou-se. “Não dá para defender Kadafi”, com o que se paralisava e autorizava o massacre da OTAN ao povo líbio.

Até mesmo a prática de crimes raciais, tendo sido a cidade de Tawarga, povoada majoritariamente por negros, alvo de chacina, com os negros considerados todos kadafistas. De fato, de origem subsaariana, só na Líbia, que possuía o mais elevado IDH da África, estas populações encontraram emprego decente, educação e saúde gratuitas, uma raridade para povos que vivem na indigência africana. A rapina da OTAN, não só de seu petróleo mas também de suas riquezas culturais imensas, poderá fazer a culta Líbia retroceder a uma nova Somália, que a propaganda imperialista finge ajudar, como denunciou o próprio Kadafi em uma de suas mensagens finais.

A fórmula Líbia, já denunciada por Chávez implica em tomar uma cidade no país alvo e mobilizar apoio internacional do imperialismo, com ampla cobertura midiática, para fazer crer ao mundo que trata-se de um processo de libertação que mereceria ser apoiado pela ONU, com autorização de “ajudas humanitárias” que logo se revelam ações militares de rapina e opressão. Na Síria, a manobra do imperialismo busca tomar a cidade de Homs e a partir daí produzir auto-atentados que justificariam a aprovação de sanções pela ONU. Rússia e China acordaram do pesadelo líbio. Um pouco tarde, mas ali na Síria o desfecho pode não ser uma vitória da contrarrevolução como na Líbia.


A política externa do Brasil
Houve muitas declarações ambíguas do chanceler brasileiro sobre a Síria. Aparentemente, o Itamaraty preparava-se para dar sustentação a algum tipo de sanção , mas esta tendência foi corrigida, tendo sido importante a declaração do Assessor Internacional da Presidente Dilma sobre a Líbia, afirmando que a Resolução da ONU autorizou uma verdadeira matança. Juntamente com os BRICS o Brasil condenou os bombardeios à Líbia, mesmo tendo se abstido na votação no Conselho de Segurança.

As ambigüidades do Itamaraty contrastam-se com a declaração de Lula sobre a Líbia após reunião com militares na Escola Superior de Guerra.O que fizeram com a Líbia, amanhã podem fazer com qualquer outro país”, disse.

O que indica ser também uma constatação também no seio militar, haja visto declarações recentes de chefes militares brasileiros no Senado afirmando que o Brasil deve estar preparado para dar uma “pronta-resposta” em caso de ataque de potências estrangeiras ao petróleo pré-sal. São igualmente importantes as novas resoluções do Ministério da Defesa para que a Aeronáutica seja dotada de aviões de fabricação nacional.

É importante que as forças de esquerda no Brasil, os movimentos sociais, a CUT e demais centrais, atuem para consolidar a linha da política externa praticada durante o governo Lula com claríssima prioridade na criação de um amplo leque de relações com países que possuem políticas de independência frente ao imperialismo. A gravidade do quadro internacional, a Mensagem da Líbia que o imperialismo enviou ao mundo, exige que os movimentos de esquerda e progressistas do mundo se articulem globalmente, estimulando uma coordenação muito mais efetiva entre os governos dos países chamados emergentes, não apenas na esfera econômica, mas também do ponto de vista militar, já que o processo internacional, o intervencionismo crescente e ilegal do imperialismo, indica que esta é realmente a natureza da fase de enfrentamento que a humanidade está passando. A reunião imediata do Conselho de Defesa da UNASUR no Peru, é uma sinalização dessa necessidade.


A nova etapa da resistência na Líbia
Muito provavelmente, o povo líbio terá que travar uma luta tenaz, em condições muito duras, para derrotar este novo governo fantoche montado pela OTAN. A nomeação de um dos mais importantes executivos da indústria petroleira nos EUA, Abdel Rahim Al Kib, cidadão líbio lá radicado há mais de 39 anos, para a chefia do governo na Líbia já demonstra uma luta de abutres pelo controle do petróleo líbio. Um governo montado por homens treinados pela CIA, mercenários com sinistros vínculos com a Al Qaeda, criada pela CIA, com o apoio das oligarquias árabes, será impiedoso com a resistência líbia.

Nestas condições, com baixas importantes, a começar pelo assassinato de sua liderança fundamental, o movimento revolucionário líbio, apeado do controle do poder de estado, será obrigado a tirar amargas lições sobre a política que aplicou durante décadas, quando teve a oportunidade e os meios concretos para construir instrumentos de efetivo controle popular, o que o sistema de Conselhos Populares não assegurava de fato, permitindo que o governo enveredasse por políticas de aproximação com o imperialismo, políticas de privatizações parciais, o que facilitou enormemente a corrupção de muitos dirigentes próximos a Kadafi. Os Conselhos Populares não tiveram nunca um papel de discussão, planejamento e execução das políticas de estado. Tampouco todo este período de Revolução Líbia, que elevou enormente as condições de vida das massas, não foi aproveitada também para consolidar um sistema mais profundo e direto de participação popular, caso contrário jamais Kadafi teria apoio para, por exemplo, ajudar na eleição de um direitista como Nicolas Sarkozy. Muito menos puderam agir de forma decisiva para impedir que Kadafi tomasse a decisão determinante de abandonar seu programa de mísseis nucleares, o que foi faltal para que o imperialismo se animasse em seus planos de agressão, com o apoio de muitos membros do próprio governo de Kadafi, então já corrompidos e atuando em favor da OTAN.

A idéia de que o sistema de Conselhos Populares era algo superior de democracia, gerou em grande parte da direção líbia uma sensação de auto-suficiência e até mesmo de arrogância diante das experiências revolucionárias do mundo.

Essa sensação era ainda mais expandida e sem questionamentos internos em razão da inexistência de uma vida política, de uma democracia sindical verdadeira, que inclui a possibilidade de participação direta, com direito de críticas construtivas. O elevado nível de vida, uma boa distribuição das receitas do estado, possibilitada pelas elevadas receitas do petróleo, gerava esta sensação de que tudo caminhava sem problemas. Se houvesse a discussão concreta e realista sobre o que significava de fato a intervenção militar no Iraque, igualmente justificada em base a grosseiras mentiras midiáticas de existência de armas químicas de destruição em massa por parte de Sadan, outra política internacional deveria ter sido desenvolvida pelo governo líbio. E entre tantas medidas que não se tomaram foi a construção de uma televisão de alcance internacional para uma comunicação efetiva com as massas do mundo, informando-as sobre a vida na Líbia, sua política, suas conquistas sociais, tal como Chávez proporcionou o nascimento da Telesur.

Reconhecemos todos os avanços sociais e econômicos alcançados pela Revolução Líbia, sua generosa solidariedade para com a revolução mundial. Mas, uma insuficiente estruturação de mecanismos e órgãos que permitisse uma participação dirigente das massas impediu um maior amadurecimento político da direção para compreender que, com o fim da URSS, uma nova relação mundial de forças surgia, exigindo a construção de uma aliança de todos os países do mundo que possuem qualquer grau de enfrentamento programático e político com o imperialismo. Era indispensável ter construído laços muito amplos e mais sólidos com os movimentos revolucionários internacionais e um uma política que tivesse condições de impor uma resistência ainda maior e com condições de aproveitar crise e estimular as massas nos países capitalistas para uma ação muito mais ousada contra estes governos, derrotando-os ou paralisando-os em boa medida suas ações criminosas contra a Líbia.

É bem verdade que Kadafi deu-se conta dos limites e da ineficiência de sua política de aproximação com os países imperialistas, fazendo um jogo perigoso, uma manobra que resultou desastrosa, sobretudo por ter facilitado a contaminação e a corrupção de alas de seu governo, seduzidos pela idéia da privatização e estimulados pelo retrocesso mundial da luta pelo socialismo. Sem existir na Líbia um partido com funcionamento político revolucionário, que alertasse para os riscos do novo quadro mundial, e que desenvolvesse uma política de maior vinculação com os governos populares da América Latina, quando Kadafi percebeu a gravidade do beco sem saída em que havia se metido, era tarde. Ele ainda tentou reorientar a política da Líbia. Propôs ao Putin a construção de uma base naval russa na costa líbia.

Propôs a formação da OTAS (Organização do Tratado do Atlântico Sul), em contraposição à OTAN e também a reativação da IV Frota Naval pelos EUA para a região. No entanto, a esta altura seu governo já se encontrava contaminado, infiltrado; a contrarrevolução se organizava internamente e em rápida coordenação com os serviços de inteligência da França e da Inglaterra, portanto, já se configurara uma situação de perda relativa de controle por parte de Kadafi. Uma retomada do controle exigia aquilo que de fato não foi desenvolvido durante as 4 décadas da Revolução Líbia, apesar de seu enorme progresso: uma direção política revolucionária marxista, a construção de organismos para a participação direta e dirigente das massas. Mesmo a corajosa e necessária distribuição massiva de armas ao povo líbio, embora indicasse uma decisão de resistir a qualquer custo, também já se revelava tardia e insuficiente diante do desarmamento essencial feito em anos anteriores e do grau de infiltração ocorrido, com informações estratégicas entregues ao imperialismo, dificultando qualquer estratégia de defesa.


Construção de uma Frente Única Antiimperialista Mundial
Poucos dias antes de ser vilmente executado, execução esta estimulada pelo comportamento de carrasco de Obama e de Hillary Clinton, revelando a baixa estatura moral dos dirigentes imperiais, Kadafi fez um candente apelo para a formação de um Movimento Antiimperialista Mundial.

Tragicamente, chegava à conclusão sobre uma tarefa indispensável e central e que poderia ter sido priorizada por ele mesmo durante as 4 décadas de revolução líbia. A convocação de um Encontro Internacional entre os países dos BRICs e da ALBA , bem como países do Movimento dos Não-Alinhados, hoje em fase de recesso, é urgente. Discutir experiências como as da Líbia, da Yugoslávia, os ataques à Síria, as ameaças ao Iran, as sabotagens contra a Venezuela, a Coréia do Norte, as tentativas de desestabilização da Bolívia, do Equador, etc, e daí traçar uma linha de ação coordenada, seja na diplomacia no âmbito da ONU, mas principalmente em acordos de cooperação mais audazes e concretos, sobretudo incluindo Rússia e China, pelo seu grau de desenvolvimento militar-tecnológico e econômico.

Com o que fez na Líbia o imperialismo está mandando uma mensagem para intimidar o mundo sobre a adoção cada vez mais acentuada de métodos fascistas para emparedar o mundo.

A criação do Conselho de Defesa da América do Sul, logo após a reanimação de IV Frota pelos EUA é indicadora de uma medida necessária, mas que deve se desenvolver praticamente na estruturação conjunta de políticas de defesa. Que incluam cooperação tecnológica, a exemplo do que vem sendo feito entre a Rússia e a Venezuela no setor militar, ou entre Argentina e Brasil na construção de carros de combate.

Evidentemente, estes países também necessitam fazer uma debate para formular uma nova política de defesa – que individualmente muitos já possuem – mas agora, depois do que se viu na Líbia, com um enquadramento baseado na cooperação internacional.

Individualmente, poucos países têm capacidade para fazer qualquer enfrentamento com o imperialismo, que no caso da Líbia, atuou movimentando forças de 28 países contra um. Isoladamente, sequer todo o poderio militar que ainda restava às forças de Kadafi pôde ser utilizado, dado a disparidade de forças em combate, com o predomínio dos milhares de bombardeiros ininterruptos por 203 dias seguidos.

O debate da trágica lição da Líbia, não apenas militar, mas sobretudo política, é fundamental para o amadurecimento do campo progressista e antiimperialista que só terá condições de fazer frente à agressão da OTAN se atuarem de maneira unida, planejada, coordenada.
  

Que expressam as convicções progressistas da América Latina
 «Nós, os venezuelanos, depositamos nossas esperanças numa grande aliança das agrupações regionais do Sul, como a UNASUR, a CARICOM, o SICA, a União Africana, a ASEAN ou a ECO e, muito especialmente, nas instâncias inter-regionais de articulação de potências emergentes como o BRICSs que se devem converter num pólo de atração articulado com os povos do Sul».