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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O silencioso golpe militar que se apoderou de Washington

25/09/2013 - Por John Pilger (*) - no The Guardian, da Grã Bretanha
- extraído do Portal Carta Maior - Tradução: Liborio Júnior

Na parede tenho exposta a primeira página do Daily Express [foto] de 5 de setembro de 1945 com as seguintes palavras: "Escrevo isto como uma advertência ao mundo".

Assim começava o relatório de Wilfred Burchett [fotos] sobre Hiroshima. Foi a notícia bomba do século.

Com motivo da solitária e perigosa viagem com a qual desafiou as autoridades de ocupação estadunidenses, Burchett foi colocado na picota, sobretudo por parte de seus colegas.

Avisou que um ato premeditado de assassinato em massa a uma escala épica acabava de dar o disparo de partida para uma nova era de terror.

Na atualidade, [a advertência de] Wilfred Buirchett está sendo reivindicada pelos fatos quase todos os dias.

A criminalidade intrínseca da bomba atômica foi corroborada pelos Arquivos Nacionais dos EUA e pelas ulteriores décadas de militarismo camuflado como democracia. O psicodrama sírio é um exemplo disso.

Uma vez mais somos reféns da perspectiva de um terrorismo cuja natureza e história continuam sendo negadas inclusive pelos críticos mais liberais.

A grande verdade inominável é que o inimigo mais perigoso da humanidade está do outro lado do Atlântico.

A farsa de John Kerry e as piruetas de Barack Obama são temporais.

O acordo de paz russo sobre armas químicas será tratado ao cabo do tempo com o desprezo que todos os militaristas reservam para a diplomacia.

Com a al-Qaeda figurando agora entre seus aliados e com os golpistas armados pelos EUA solidamente instalados no Cairo, os EUA pretendem esmagar os últimos Estados independentes do Oriente Próximo: primeiro a Síria, depois o Irã.

"Esta operação [na Síria]", disse o ex-ministro de exterior francês Roland Dumas [foto] em junho, "vem de muito antes. Foi preparada, pré-concebida e planejada".

Quando o público está "psicologicamente marcado", como descreveu o repórter do Canal 4, Jonathan Rugman, a esmagadora oposição do povo britânico a um ataque contra a Síria, a supressão da verdade se converte em tarefa urgente.

Seja ou não verdade que Bashar al-Assad ou os "rebeldesutilizaram gás nos subúrbios de Damasco, são os EUA, não a Síria, o país do mundo que utiliza essas terríveis armas de forma mais prolífica.

Em 1970 o Senado informou: "Os EUA derramaram no Vietnã uma quantidade de substâncias químicas tóxicas (dioxinas) equivalente a 2,7 quilos por cabeça".

Aquela foi a denominada Operação Hades, mais tarde rebatizada mais amavelmente como Operação Ranch Hand, origem do que os médicos
vietnamitas denominam "ciclo de catástrofe fetal".

Vi gerações inteiras de crianças afetadas por deformações familiares e monstruosas [abaixo].

John Kerry, cujo expediente militar escorre sangue, seguramente que os lembra.

Também os vi no Iraque, onde os EUA utilizaram urânio empobrecido e fósforo branco, como o que fizeram os israelenses em Gaza.

Para eles não houve as "linhas vermelhas" de Obama, nem o psicodrama de enfrentamento.

O repetitivo e estéril debate sobre se "nós" devemos "tomar medidas" contra ditadores selecionados (ou seja, se devemos aplaudir os EUA e seus acólitos em outra nova matança aérea) forma parte de nosso lavado de cérebro.

Richard Falk [abaixo], professor emérito de Direito Internacional e relator especial da ONU sobre a Palestina, o descreve como "uma máscara legal/moral unidirecional com anseios de superioridade moral e cheia de imagens positivas sobre os valores ocidentais e imagens de inocência ameaçada cujo fim é legitimar uma campanha de violência política sem restrições".

Isso "está tão amplamente aceito que é praticamente impossível de questionar".

Se trata da maior mentira, parida por "realistas liberais" da política anglo-estadunidense e por acadêmicos e meios de comunicação auto proclamados gestores da crise mundial mais que como causantes dela.

Eliminando o fator humanidade do estudo dos países e congelando seu discurso com uma linguagem a serviço dos desígnios das potências ocidentais, endossam a etiqueta de "falido", "delinquente" ou malvado aos Estados aos que depois infligirão sua "intervenção humanitária".

Um ataque contra a Síria ou Irã ou contra qualquer outro demônio estadunidense se baseará em uma variante de moda, a "Responsabilidade de Proteger", ou R2P, cujo fanático pregoeiro é o ex-ministro de Relações Exteriores australiano Gareth Evans [abaixo], co-presidente de um "centro mundialcom base em Nova Iorque.

Evans e seus grupos de pressão generosamente financiados jogam um papel propagandístico vital instando a "comunidade internacional" a atacar os países sobre os quais "o Conselho de Segurança resiste aprovar alguma proposta ou que recusa abordá-la em um prazo razoável".

O de Evans vem de longe. O personagem já apareceu em meu filme de 1994, Death of a Nation, que revelou a magnitude do genocídio no Timor Leste.

risonho homem de Canberra alça sua taça de champanhe para brindar por seu homólogo indonésio enquanto sobrevoam o Timor Leste em um avião
australiano depois de haver firmado um tratado para piratear o petróleo e gás do devastado país em que o tirano Suharto assassinou ou matou de fome um terço da população.

Durante o mandato do "débil" Obama o militarismo cresceu talvez como nunca antes.

Ainda que não haja nenhum tanque no gramado da Casa Branca, em
Washington se produziu um golpe de Estado militar.

Em 2008, enquanto seus devotos liberais enxugavam as lágrimas, Obama aceitou em sua totalidade o Pentágono que lhe legava seu predecessor George W. Bush, completo com todas suas guerras e crimes de guerra.

Enquanto a Constituição vai sendo substituída por um incipiente Estado policial, os mesmos que destruíram o Iraque a base de comoção e pavor, que converteram o Afeganistão em uma pilha de escombros e que reduziram a Líbia a um pesadelo hobbesiano, esses mesmos são os que estão ascendendo na administração estadunidense.

Por trás de sua amedalhada fachada, são mais os antigos soldados estadunidenses que estão se suicidando que os que morrem nos campos de batalha.

No ano passado 6.500 veteranos tiraram suas vidas. A colocar mais bandeiras.

O historiador Norman Pollack chama isso de "liberal-fascismo":

"Em lugar de soldados marchando temos a aparentemente mais inofensiva militarização total da cultura. E em lugar do líder grandiloquente temos um reformista falido que trabalha alegremente no planejamento e execução de assassinatos sem deixar de sorrir um instante".


Todas as terças-feiras, o "humanitário" Obama supervisiona pessoalmente uma rede terrorista mundial de aviões não tripulados que reduz a mingau as pessoas, seus resgatadores e seus doentes.

Nas zonas de conforto do Ocidente, o primeiro líder negro no país da escravidão ainda se sente bem, como se sua mera existência supusesse um avanço social, independentemente do rasto de sangue que vai deixando.

Essa obediência a um símbolo destruiu praticamente o movimento estadunidense contra a guerra. Essa é a particular façanha de Obama.

Na Grã Bretanha as distrações derivadas da falsificação da imagem e da identidade políticas não triunfaram completamente.

A agitação já começou, mas as pessoas de consciência deveriam apressar-se. 

Os juízes de Nuremberg foram sucintos: "Os cidadãos particulares têm a obrigação de violar as leis nacionais para impedir que se perpetrem crimes contra a paz e a humanidade".

As pessoas normais da Síria, e muito mais gente, como nossa própria autoestima, não se merecem menos nestes momentos.

(*) John Pilger é jornalista do The Guardian, Grã Bretanha. Em “Bitácora”, do Uruguai.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22772

sábado, 21 de setembro de 2013

Breve história da guerra dos EUA contra a Síria

15/09/2013 - Uma breve história da guerra dos EUA contra a Síria: 2006-2014
- 14/9/2013, Blog Moon of Alabama, EUA
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

"O Congresso dos EUA desobedeceu ao AIPAC [American-Israel Public Affairs Committee] e ao lobby israelense."

"Foi a primeira vez que isso aconteceu, em 22 anos."

"A Síria reconquistou a própria independência."

"O mais provável é que, em 2014, Bashar al-Assad seja reeleito presidente da República Árabe Síria."

"A história síria o recordará para sempre, como governante civilizado e herói do seu povo."

"O povo dos EUA, pela primeira vez em décadas, conseguiu fazer parar uma guerra que o presidente desejava."

"Essa é vitória imensa e um precedente."

"Que todos os norte-americanos lembrem bem desses dias, quando aparecer outra guerra inventada, ou esse ou aquele país pequeno ou distante levantar-se."

"Os norte-americanos, nós, temos os meios para fazer parar qualquer guerra."

Mapa atualizado (até 22/8/2013) da guerra da Síria
(clique na imagem para aumentar)

Em 2006 os EUA estavam em guerra no Iraque. Muitas das forças inimigas contra as quais os EUA lutavam furiosamente chegavam ao Iraque através da 
Síria. No mesmo ano o Hezbollah derrotou Israel, que invadira o Líbano.

As forças armadas de Israel eram emboscadas cada vez que tentavam penetrar no Líbano, enquanto o Hezbollah [foto] usava foguetes contra as posições do exército israelense e nas cidades.

O Hezbollah recebia apoio e suporte da Síria e do Irã, que chegavam através da Síria. Os planos de longo prazo dos EUA e Irã, para manter a supremacia no Oriente Médio dependiam de interromper as vias de abastecimento para o Hezbollah.

Os países sunitas sectários do Golpe viram seus sunitas serem derrotados no Iraque e um governo xiita, apoiado pelo Irã, assumir no Iraque.

Todos esses países tinham motivos para tentar atacar a Síria. E também havia razões econômicas, que tornavam necessário derrubar uma Síria independente.

Um gasoduto, do Qatar à Turquia, competia com outro, do Irã à Síria. 

Grandes reservas de gás natural descobertas nas águas de Israel e Líbano, faziam aumentar muito a possibilidade de que também houvesse gás em águas nacionais sírias.

No final de 2006, os EUA começaram a financiar uma oposição externa ao partido Baath, que governava a Síria. 

Aqueles opositores eram na maioria exilados da Fraternidade Muçulmana expulsos da Síria depois que fracassaram várias tentativas de golpe de Estado, entre 1976 e 1982.

Em 2007, EUA, Israel e Arábia Saudita construíram um plano para “mudança de regime” na Síria. O objetivo do plano era destruir a aliança da resistência” entre o Hezbollah, Síria e Irã:

"Para minar o Irã, predominantemente xiita, o governo Bush decidiu, de fato, reconfigurar suas prioridades no Oriente Médio. No Líbano, o governo cooperara com o governo da Arábia Saudita, que é sunita, em operações clandestinas que visam a minar o Hezbollah, organização de xiitas apoiada pelo Irã."

"Os EUA também tomaram parte em operações clandestinas contra o Irã e seu aliado, a Síria. Resultado colateral dessas atividades foi provocar a radicalização de grupos sunitas extremistas, que têm uma visão militante do Islã e são hostis aos EUA e simpáticos à Al-Qaeda."

Em 2011, três anos de seca, provocada pelo aquecimento global e pela Turquia, que construiu barragens e gigantescos projetos de irrigação na região, haviam enfraquecido a economia síria.

Grandes populações, das áreas rurais mais pobres, perderam seus meios de sobrevivência e acorreram às cidades. Esses fatores criaram o terreno fértil a partir do qual lançar um golpe contra o estado sírio.

A parte que coube aos EUA naquele plano foi garantir cobertura “midiática” e o necessário “clima de opinião”, na opinião pública global, para viabilizar o golpe. Para isso, os EUA usaram as ferramentas que conhecem bem, de criar “revoluções coloridas”.

Jornalistas cidadãos” foram recrutados, treinados e armados com o necessário equipamento de vídeo e comunicações bem conhecidos da “mídia comercial” de propaganda, em todo o mundo. Outros foram treinados para organizar “manifestações civis pacíficas”.

Os sauditas [ao lado] encarregaram-se da parte mais tenebrosa do plano: financiaram e armaram grupos rebeldes, muitos deles associados à exilada Fraternidade Muçulmana, com a tarefa de instigar movimento mais amplo e atacar forças do estado sírio, além de atacarem também manifestantes civis pacíficos.

Uma manifestação local em Deraa, perto da fronteira da Jordânia, foi usada para iniciar o golpe. Manifestações começaram pacíficas, mas logo começaram os ataques à bala contra manifestantes e contra a polícia. Inevitavelmente, os dois lados escalaram.

Grupos armados pelos sauditas passaram a atirar consistentemente contra soldados do estado sírio.

Com colegas mortos e feridos, as forças do exército sírio retaliaram contra os manifestantes. Grupos de manifestantes armaram-se, eles também, para enfrentar o exército sírio.

Os “cidadãos jornalistas” entraram em cena, com propaganda de que só haveria vítimas entre os “manifestantes pacíficos” e jamais noticiaram o 
número de vítimas entre os soldados sírios.

As agências “ocidentais” de noticiário integraram-se ao esquema. Ativaram-se células já organizadas em outras cidades da Síria.

Mais uma vez, a expressão “manifestantes pacíficos” foi apresentada como cobertura para “uma terceira força”, como disse a comissão de investigação da Liga Árabe, que lutava contra as forças do governo sírio e também instigava os manifestantes a armarem-se.

O governo dos EUA ajudou com sua própria campanha de propaganda; por exemplo, quando mentiu sobre ataques da artilharia síria contra manifestantes – que não haviam acontecido.

Organizações para-governamentais norte-americanas, como  Avaaz, Anistia Internacional e Human Rights Watch, uniram-se à campanha contra o governo 
sírio.

E a ciberguerra, movida contra agências noticiosas sírias, suprimiu completamente o outro lado da história. Até hoje, a Agência Sírio-Árabe de Notícias [orig. Syrian Arab News Agency, sana.sy] continua expurgada dos resultados de procura no Google. [1] 

Rapidamente se tornou visível que a estratégia concebida para criar uma “revolução colorida” não funcionara.

O estado sírio mostrou-se mais capaz de resistir do que parecia. O presidente sírio Bashar al-Assad [foto] era mais respeitado e querido pelos sírios do que os instigadores do golpe haviam suposto.

E o presidente atendeu rapidamente várias das demandas dos manifestantes autênticos.

A Constituição síria for reformada, criaram-se novos partidos, houve eleições e as forças de segurança mais violentas e abusivas foram contidas, postas sob 
controle estrito. As grandes cidades, mesmo aquelas nas quais a maioria era de sunitas, não apoiaram e nem se uniram à violência crescente dos milicianos sectários.

As deserções do exército sírio e de quadros políticos foram poucas e sem importância. Durante algum tempo, até a economia conseguiu resultados bastante satisfatórios.

Os inimigos da Síria tiveram de aumentar o “envolvimento”.

Arábia Saudita e Qatar usaram todas as suas capacidades para recrutar jihadis de outros países dispostos a lutar na Síria.

A CIA, alimentada com dinheiro saudita, enviou para lá toneladas de armas e munição, recolhida de seus arsenais pelo mundo. Grupos terroristas foram criados, com treinamento e inteligência de combate.

E criou-se um grupo de exilados, para começar a ser apresentado ao mundo como futuro governo possível para a Síria. O governo sírio foi forçado a recolher-se, para preservar seus soldados.

Grandes porções da Síria rural foram tomadas pelos grupos terroristas. A 
população dessas áreas fugiu pelas fronteiras ou para as cidades maiores. 

Nas áreas urbanas onde os terroristas se acastelaram, tornou-se difícil 
desalojá-los sem causar vasto dano aos prédios e à infraestrutura. Mas o governo sírio, dessa vez, já sabia o que fazer.

Com a ajuda de aliados, unidades armadas do Irã, unidades armadas do Hezbollah foram retreinadas para guerra contra grupos terroristas insurgentes. 

E criaram-se unidades paramilitares locais, para reocupar as áreas das quais o exército já desalojara os terroristas. A Rússia cuidou de manter o suprimento de artigos necessários à sobrevivência dos civis e armamento para as forças do exército sírio.

Do lado dos instigadores do golpe as coisas começaram a dar errado.

Os Jihadis providenciados pela Arábia Saudita se mostraram combatentes eficientes, mas fanáticos religiosos, e não encontraram espaço no contexto 
social da Síria – de governo laico e sociedade multirreligiosa liberal inclusiva. 

Começaram os confrontos com a população e com combatentes locais pró-Assad. Ainda hoje chegaram notícias de luta violenta no nordeste da Síria, entre terroristas jihadistas e bandidos locais.

Questões sobre suprimentos de armas a serem recebidas da Líbia, entre os EUA e grupos da Al-Qaeda, mataram o embaixador dos EUA em Benghazi.

Apesar de ter sido “reformatado” pelo menos três vezes, o planejado grupo para um governo no exílio mostrou-se inefetivo, dadas as disputas internas entre os vários grupos entre si e entre seus patrocinadores.

A campanha de imprensa sobre “manifestantes pacíficos” começou a fazer água, à medida que mais e mais imagens e histórias emergiam, mostrando massacres cometidos pelos grupos golpistas, contra soldados sírios.

população nos países que inicialmente apoiara o que supunha ser um levante democrático mudou de opinião, e passou a opor-se a qualquer 
envolvimento naquele conflito.

Quando se tornou mais evidente que os golpistas não conseguiriam derrotar o exército sírio, o presidente Barack Obama dos EUA apareceu com sua linha vermelha” sobre o uso de armas químicas.

Foi como um convite aos golpistas, para que usassem armas químicas no cenário da guerra, para em seguida culpar o governo sírio.

Assim se criaria a necessidade, dado o que dissera o presidente, de os EUA intervirem militarmente, ao lado dos jihadistas terroristas. Tentaram fazer isso algumas vezes, mas Obama não deu sinal de disposição para usar a força.

Para tentar impedir que, no caso de os terroristas conseguirem tomar o governo sírio, eles assumissem o poder, os EUA alteraram o plano: agora, haveria terroristas moderados”, treinados pelos EUA, que assumiriam o controle dos combates, sobretudo em torno da capital Damasco.

Em meados de agosto de 2013, um grupo de 300 combatentes treinados pela CIA entraram na Síria pela Jordânia. (Hoje, o governo Obama está tentando alterar essa data).

A tarefa deles era ir até Damasco e assumir, eles mesmos, a luta contra o governo sírio. Foram impedidos. Pararam, sem conseguir avançar mais, a 
caminho de um subúrbio de Damasco. Sem o apoio aéreo dos EUA, como havia acontecido na Líbia, o uso de forças especiais treinadas pelos EUA revelou-se 
inútil. Foi ativado então o plano “linha vermelha”.

Locais dos ataques com gás em bairo de Damasco em 21/8/2013
(clique na imagem para visualizar)

Dia 21 de agosto, algum produto químico venenoso foi liberado no ar em alguns subúrbios de Damasco. Instantaneamente surgiram pelo canal YouTube enorme quantidade de vídeos em que se viam cadáveres enfileirados de supostas vítimas de ataque “químico” [abaixo].

Mas os vídeos não indicavam nenhum dos sintomas corretos de vítimas de exposição ao gás sarin, nem os atingidos que se via estavam recebendo os cuidados médicos de protocolo para o caso de ataque real com armas químicas. Tudo era falso.

A conclusão de que se tratava de falsa operação “armada” para inculpar o governo Assad correu o mundo.

Mas Obama ainda tentou convencer o mundo de que o governo sírio usara armas químicas, e insistiu em distribuir fiapos de evidências, mas, de 

fato, não exibiu qualquer prova. E convocou aliados para que se unissem a ele numa intervenção militar.

O Parlamento britânico votou e decidiu que não. O povo britânico, como o povo norte-americano já não tem estômago para mais guerras. [David Cameron, ao lado]

Obama viu-se preso num “ardil 22”: [2] podia ir à guerra sem consultar o Congresso; nesse caso, corria o risco de ser tirado da presidência por impeachment, de uma Câmara de Representantes muito hostil; ou pedia autorização ao Congresso para ir à guerra.

Em pouco tempo Obama desceu da posição de “faço a guerra sozinho[3] e pediu autorização ao Congresso.

O povo dos EUA já era amplamente contrário a mais uma guerra no Oriente Médio, e os militares também.

Pressionados pelos eleitores, e ante o fato de que não havia prova alguma do tal “massacre”, o Congresso negou a licença para matar que Obama lhe pedira.

O Congresso dos EUA desobedeceu ao AIPAC e ao lobby israelense. Foi a primeira vez que isso aconteceu, em 22 anos.

Obama tem agenda urgente a cuidar, no plano doméstico. Há o Obama-care, o orçamento, e disputa já iminente pelo teto da dívida. Depois de perder a guerra no Congresso, Obama não poderia, baseado só em pressupostos poderes presidenciais, ir à guerra. Os riscos eram altos demais: ou um 
impeachment imediato, ou status de pato manco até o final do mandato. O que fazer?

Foi quando o cavaleiro russo, Vladimir Putin [foto], acorreu em socorro de Obama.

Putin ofereceu um negócio: a Síria aceitaria entregar armas não convencionais; e os EUA aceitariam que o governo sírio e o presidente Assad permanecessem no poder.

Não é ideia nova: apareceu há um ano, em agosto de 2012, quando o ex-senador Richard Lugar propôs exatamente isso, em Moscou.

As armas químicas sírias são praticamente inúteis, no campo tático. Mas podem ser usadas contra centros de população israelenses – e têm, por isso, importante poder dissuasório e de contenção, contra a violência de Israel. Mas nas atuais circunstâncias converteram-se em risco a evitar. 

Ao mesmo tempo, os mísseis convencionais do Hezbollah já se comprovaram muito efetivos, como força de contenção; e não implicam os mesmos problemas associados às armas não convencionais.

A Síria pode, com segurança, entregar parte de seu armamento de contenção dissuasória. E confia que seus aliados Irã e Rússia providenciarão substitutos efetivos, se necessário.

Obama agarrou-se à boia que Putin lançou para ele.

Sabia que entrar abertamente em guerra contra oponente bem preparado e aliados significaria guerra longa e incerta. Metera-se em situação de perde-perde, mas agora voltava a ainda parecer vencedor.

Resgatou Israel de uma situação em que estava ameaçada por bombas de gás e ainda arranjou a alguma coisinha para fazer trotar seu cavalinho de batalha premiado – o desarmamento de armas de destruição em massa.

Hoje, os ministros de Relações Exteriores da Federação Russa e dos EUA assinaram umas “Linhas Gerais para a Eliminação das Armas Químicas Sírias” [orig. 
Framework for Elimination of Syrian Chemical Weaponsp].

Exige-se que, sendo possível, todas as armas químicas sírias estejam eliminadas até meados de 2014.

O documento nada diz sobre o futuro do governo Assad.

Mas a Rússia com certeza já providenciou para dar e obter as necessárias garantias.

Nem a Síria teria entregado suas armas sem negociação precisa e suficiente.

A Rússia, tanto quanto a Síria, sabe que Obama tem de manter a imagem, e ninguém falará sobre o real acordo firmado horas antes em Genebra. 

Agiram, aliás, como Nikita Khrushchev, que manteve silêncio sobre seu acordo com Kennedy, sobre a remoção dos mísseis nucleares norte-americanos da Turquia, depois da crise dos mísseis em Cuba.

À parte as garantias anunciadas, o cumprimento das garantias de desarmamento, que pode demorar um pouco mais do que foi acordado hoje, depende da sobrevivência do governo de Assad.

Derrubar Assad é assunto que, por hora, os russos proibiram.

Daqui em diante, Obama começará, aos poucos, a reduzir o apoio aos terroristas na Síria. Pressionará Israel, Arábia Saudita e Turquia para que 
façam o mesmo. Quanto mais rapidamente a Síria promover a eliminação das armas químicas, mais rapidamente Obama se recolherá.

A imprensa-empresa nos EUA rapidamente descobrirá a disputa pelo orçamento e o negócio da espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos EUA, que voltarão às manchetes. E, aos poucos, a opinião pública dos EUA esquecerá que existe Síria.

A oposição síria não está gostando do acordo e não deseja que dê certo. O Conselho Militar Sírio fará o possível para que dê errado. Mas logo perceberá que ficou sem apoio político e sem dinheiro.

Enquanto isso, as forças locais do CMS combatem contra grupos aliados da al-Qaeda. É bem possível que alguns grupos locais anti-Assad rapidamente se aliem ao exército sírio, contra os terroristas jihadistas. O general Selim Idris talvez consiga algum emprego burocrático de baixo escalão em Dubai ou no Qatar.

                                     Rei Abdullah, da Arábia Saudita, o grande derrotado

O rei saudita [acima] odeia os ideólogos da al-Qaeda tanto quanto odeia a Fraternidade Muçulmana e todos os persas. Concordará em pôr fim à guerra e 
atacará o bolso dos que insistam em continuar a financiá-la.

O príncipe Bandar [ao lado], responsável por recrutar terroristas jihadistas, deu-se muito mal (outra vez) e não fez o que foi pago para fazer, porque disse que controlava, mas não controlava seus jihadistas alugados. Pode ser mandado de volta para o deserto bravio.

Os estados do Golfo seguirão (terão de seguir) o exemplo dos sauditas.

Em Israel, Netanyahoo já viu que, essa, ele perdeu. A derrota do AIPAC no Congresso já o informou disso. 

Embora esse round contra a Resistência não tenha sido decisivo, é verdade que grande parte da Síria foi destruída e que o arsenal estratégico sírio está, por hora, reduzido.

Netanyahoo também concordará com o plano dos EUA de reduzir os latidos pró-guerra, mas exigirá alguma “compensação” imerecida. É o que ele sempre faz, e Obama sempre cede.

O premiê turco Erdogan [foto] tentará continuar a apoiar os jihadistas na Síria. É o único estadista do planeta que o faz por razões ideológicas: Erdogan é crente fiel.

Mas tem também muitos problemas com outros vizinhos e a economia turca movida a empréstimos externos está à beira de precipício profundo.

Há sinais vindos da Rússia e do Irã, de que pode haver algumas dificuldades técnicas, motivadas pelo inverno, com os suprimentos de gás para a Turquia. Provavelmente bastarão para induzir Erdogan a jogar a toalha.

Há também gente dentro de seu próprio partido, sobretudo empresários da Anatólia, que já não o aceitam como líder. Podem usar a fraqueza política de Erdogan para trazer outro ator para o palco.

Sem apoio e sem qualquer possibilidade de vencer a luta, a parte síria da oposição que se armou provavelmente deporá armas e tentará algum acordo 
de anistia com o governo.

Os quadros estrangeiros da al-Qaeda continuarão a lutar. Mas têm mínima base ideológica de apoio entre a população síria; e não têm qualquer chance contra exército experiente e plenamente mecanizado. Haverá bloqueio contra seus financiadores.

Mas o terrorismo é duro de matar. É possível que, em breve, os EUA ajudem a Síria, com inteligência ou drones, a combatê-los.

Claramente, a Rússia é a grande vitoriosa estratégica na guerra à Síria. Está de volta ao cenário do Oriente Médio, em condições de aí permanecer por algum tempo.

Ganhou por larga margem de pontos, a batalha pela opinião pública global.

A Gazprom ficará feliz se puder ajudar a Síria na prospecção e na extração de gás de suas reservas oceânicas. Daí virão os fundos para reconstruir e rearmar a Síria.

A Gazprom pode também comprar gás do gasoduto Irã-Síria, vendê-lo à Europa e reforçar seu monopólio por ali.

O Irã reforçou seu papel estratégico e está hoje bem posicionado para negociar um bom entendimento com os EUA, que pode pôr fim a 30 anos de 
hostilidades quentes e frias. Investiu muito na Síria e mais gastará para ajudar a reconstruir o país, mas o resultado estratégico – vitória do 
eixo da Resistência” – vale bem o que custou.

A Síria e o povo sírio venceram a guerra e perderam muito.

Serão precisos muitos anos para reintegrar os refugiados, para reconstruir o país e esperar que cicatrizem feridas profundas.

Mas a Síria também reconquistou a própria independência. O mais provável é que, em 2014, Bashar al-Assad seja reeleito presidente da República Árabe Síria. A história síria o recordará para sempre, como governante civilizado e herói do seu povo.

O povo dos EUA, pela primeira vez em décadas, conseguiu fazer parar uma guerra que o presidente desejava. Essa é vitória imensa e um precedente.

Que todos os norte-americanos lembrem bem desses dias, quando aparecer outra guerra inventada, ou esse ou aquele país pequeno ou distante levantar-se. Os norte-americanos, nós, temos os meios para fazer parar qualquer guerra.

Notas dos tradutores:
[1] TALVEZ ISSO ACONTEÇA SÓ NOS EUA. No Brasil, encontra-se o que se vê em Syrian Free Press, acessada às 19h04, 14/9/2013; e encontramos facilmente a Agência SANA, acessada, às 19h03, 14/9/2013.

[2] Ardil 22 é título de um famoso romance-sátira da 2ª Guerra Mundial, lançado em 1961, depois, filme. O “ardil 22” é uma lei-armadilha pela qual os pilotos-personagens sempre
acabavam obrigados a voar em missões de guerra: "Você pode se declarar louco, para não ser mandado voar a missão que eles inventam. Mas se eles perceberem que você não quer voar a missão, prova-se que você não está louco, e eles mandam você voar a missão."

[3] 31/8/2013, Moon of Alabama em: “Syria: Obama’s Climb-down - Congress Vote On All Out War”

"Naquele momento, Obama só poderia ter uma de duas ideias na cabeça: ou
(a) ele não quer guerra e espera que o Congresso o salve daquela estúpida “linha vermelha”, armadilha que ele mesmo inventou para si próprio e que foi a causa real da operação clandestina, falsa, no subúrbio de Damasco; ou
(b) ele quer guerra e espera que o AIPAC, com seu descomunal lobby, ponha ordem no Congresso e lhe dê sua guerra, para benefício do sionismo universal."

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.co.at/2013/09/uma-breve-historia-da-guerra-dos-eua.html

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Um beabá para a al-Qaeda


12/12/2012 - EUA e al-Qaeda: estranhos companheiros de cama?
- original em 10/12/2012 por Hassan N. Gardezi, no blog Countercurrents
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

(...) there is no other shelter hereabout. Misery acquaints a man with strange bedfellows.
(...) Não há outro abrigo à vista, para mim. A miséria nos apresenta a bem estranhos companheiros de cama...
[Trinculo, em The Tempest, William Shakespeare, ato II, cena 2 [*]]

Introdução
Há guerra, nos dias que correm, ainda, entre uma coalizão de estados liderada pelos EUA, e al-Qaeda, que já entra na segunda década.

Um dos lados em Guerra, os EUA, dispensa introdução. Depois do colapso da União Soviética, passou a ser a única superpotência e é conhecida nos quatro cantos do mundo como a nação mais poderosa em termos políticos, militares, econômicos e socioculturais.

A al-Qaeda (acima), contudo, não é vista assim tão claramente como força global e exige definições e alguma introdução.

A al-Qaeda surgiu da jihad dos anos 1980s contra o Partido Popular Democrático do Afeganistão [orig.Peoples Democratic Party of Afghanistan
(PDPA)] em Kabul. Essa jihad foi mobilizada pelos EUA, [1] em colaboração com a realeza saudita e o ditador militar paquistanês, general Zia. Os sauditas financiaram abundantemente a jihad com a riqueza advinda de seu petróleo, mas a contribuição dos sauditas que, ao final, revelou-se a mais decisiva, foi Osama bin Laden, cuja chegada ao Afeganistão foi acertada entre a CIA e o chefe do serviço secreto saudita, príncipe Faisal al Turki (foto).

Depois que a União Soviética retirou suas tropas do Afeganistão, em 1989, Osama, figura encarnada do guerreiro jihadista perfeito, e alguns de seus companheiros árabes fundaram a organização chamada al-Qaeda, com o objetivo de prosseguir sua jihad contra o “infiel” norte-americano, o qual, para eles, desnaturava a terra santa do Islã com seus soldados já se implantando na Arábia Saudita, no início da primeira Guerra do Golfo.

Mas, depois do início, a organização passara por modificações na constituição, na esfera geográfica de atividade e nas crenças e objetivos. A al-Qaeda que há hoje, seja como constructo político brotado de dentro do establishment norte-americano, seja como realidade existencial, reúne, por laços fluidos de associação, uma pluralidade de grupos e indivíduos, que operam num plano transnacional, com missão partilhada e táticas comuns a todos, com vistas a cumprir aquela missão. Os grupos associados à al-Qaeda hoje vão do Talibã afegão e paquistanês, aos grupos Ansar al Sharia da Líbia e Frente Al Nusra síria.

A missão da al-Qaeda e a Guerra ao Terror
A principal missão da al-Qaeda é dominar o mundo, em particular o mundo muçulmano, impondo sua específica griffe de ordem sociopolítica baseada nas leis da Xaria sunita-salafista da Arábia Saudita. Assim, a al-Qaeda pôs-se em conflito com os EUA, que também têm projeto para dominar o mundo, embora por razões diferentes que, no caso dos EUA, têm a ver com posse e controle imperiais. A al-Qaeda não tem qualquer interesse em domínio imperial, nem no fenômeno imperial, porque crê que não alcançará seu objetivo de dominar o mundo sem superar os “inimigos do Islã”, definidos, em primeiro lugar, como infiéis. Os EUA, na posição de potência global líder, é o principal dos inimigos infiéis da al-Qaeda.

George W. Bush (foto) declarou formalmente sua Guerra ao Terror, em 2001, em retaliação contra a declaração, pela a-Qaeda, de que seu alvo passava a ser os EUA, “inimigo do Islã”.

A “guerra ao terror”, apesar da denominação ambígua, é essencialmente guerra de dominação, como as duas guerras mundiais anteriores, embora com alguns trações anômalos específicos. A primeira e principal anomalia dessa guerra é o fato de que um dos combatentes não é entidade estatal: é uma entidade transnacional denominada al-Qaeda. Como o presidente Obama gosta de repetir, o objetivo da guerra ao terror é “desmontar, desmantelar e derrotar a al-Qaeda”. Embora, com sua política para o “Af-Pak” [Afeganistão-Paquistão], Obama tenha expandido o teatro da guerra para incluir o Paquistão com o Afeganistão, as operações da al-Qaeda não se limitam a esses dois países.

Nenhum continente ou país parece hoje livre de ataques reais ou potenciais dos guerreiros flutuantes da al-Qaeda. O problema complica-se imensamente, quando os EUA passam a entender, como hoje, que seria necessário fazer pactos com a chamada al-Qaeda inimiga quando parece conveniente aos EUA – exatamente o que se viu acontecer na Líbia e está acontecendo hoje, novamente, na Síria.

O pesadelo líbio
Dia 15/2/2011, houve em Benghazi, no leste da Líbia, uma manifestação pacífica de opositores ao regime de Gaddafi (foto). Enquanto o regime movia-se para dispersar a manifestação, o Conselho de Segurança da ONU entrava em ação com espantosa agilidade: dia 26/2/2011 já aprovava a primeira resolução que congelava, em bancos ocidentais, bens de Gaddafi e de vários membros de seu governo, e os impedia de viajar ao exterior; e o regime foi acusado de usar força excessiva contra os manifestantes em Benghazi.

Rapidamente, dia 17/3/2011, o Conselho de Segurança aprovou sua segunda resolução, dessa vez implantando uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia, depois do que os países da OTAN, liderados pelos EUA, obtiveram condições ideais para usar suas forças aéreas para atacar a Líbia.

Os canais globais de notícias, entre os quais Al-Jazeera, que tem sede no Qatar, e que, antes, criara a esperança de ser algum rosto emergente de alguma via alternativa à propaganda imperialista, pôs-se imediatamente a repetir que os ataques explicavam-se perfeitamente, e que seriam efeito de uma “preocupação humanitária” pela segurança do povo líbio.

Dia 28/3/2011, o presidente Obama falou à nação, para dizer, dentre outras coisas, que:

"Confrontado por repressão brutal e crise crescente, ordenei que navios americanos posicionem-se no Mediterrâneo. Aliados europeus declaram-se desejosos de aplicar recursos para fazer parar as mortes. A oposição líbia e a Liga Árabe apelaram ao mundo, que salve vidas na Líbia. Sob meu comando, os EUA lideraram o esforço com nossos aliados no Conselho de Segurança da ONU, para aprovar a resolução histórica que autorizou a zona aérea de exclusão para deter os ataques do regime pelo ar, e autorizar todos os meios necessários para proteger o povo líbio." [2]

É citação extraordinariamente reveladora, da fala do presidente dos EUA. Aí está bem claro que os EUA controlavam e conduziam as reuniões do Conselho de Segurança; e as resoluções para a intervenção militar na Líbia foram aprovadas bem pouco tempo depois que acontecera, em Benghazi, a primeira manifestação pacífica.

Além disso, a história que Obama conta, sobre Gaddafi estar provocando “as mortes” entre seu próprio povo, e sobre “os meios necessários para proteger o povo líbio” soa, de fato, como replay da história que Bush contou sobre as “armas de destruição em massa” do Iraque. Mas, se Obama bem pode ter contado a verdade sobre mensagens que diz que recebeu dos aliados e da Liga Árabe, a referência que fez a uma “oposição líbia”, essa, sim, tem de ser examinada mais a fundo.

Desde o início dos confrontos armados, a mídia estatal líbia sempre insistiu que a oposição a Gaddafi era liderada por impiedosos agentes de operação da al-Qaeda. Mas fontes dos EUA e da OTAN ou desmentiram ou, simplesmente, não comentaram. Os seus aviões continuaram a atacar furiosamente as forças de defesa líbias, derrubaram as defesas de Gaddafi, enquanto milícias de uma oposição pesadamente armada marchava em direção a Trípoli, deixando pelo caminho um rastro de sangue e destruição.

Finalmente, dia 20/10/2011, imagens horrendas de um Muamar Gaddafi linchado até a morte, por assassinos que gritavam allah-o-akbar (Deus é grande) explodiram pelas redes globais de televisão. A narrativa dizia que estaria tentando escapar de sua cidade natal, Sirte, quando o comboio em que viajava foi atacado por aviões da OTAN, ataque que deu às milícias em terra a oportunidade para capturar Gaddafi e matá-lo.

A reação da secretária de Estado Hillary Clinton (foto abaixo), que se vê em vídeo que circulou por todo o mundo, reflete, ao que parece, correta e eloquentemente o estado de espírito de todo o establishment nos EUA ante a notícia do assassinato de Gaddafi.

A gentil e boa senhora acabava de sentar-se para uma entrevista a uma rede de televisão norte-americana em Kabul, quando lhe deram a notícia. Ela fez um segundo de silêncio e irrompeu em sonora gargalhada. Foi quando disse, sacudindo os braços no ar: “Viemos, vimos, ele está morto”.

A morte horrível de Gaddafi talvez tenha servido como alerta a outros ditadores, sobretudo aos interessados em se opor à única superpotência mundial. Mas, com certeza, não ajudou a fazer alguma paz na Líbia, nem a introduzir ali qualquer democracia.
Depois da queda do regime, alguns ministros renegados de vários gabinetes de Gaddafi, que, antes, se haviam reunido para constituir o Conselho Nacional de Transição [orig.National Transition Council (NTC)] em Benghazi, assumiram o poder na Líbia. Mas não duraram muito.

Dia 9/8/2012, o governo da Líbia, já então fragmentado em muitos subgrupos tribais e regionais, e já naufragado em lutas entre as milícias que matavam e torturavam, foi entregue a outro corpo provisório – o Congresso Nacional Geral [orig. General National Congress (GNC)], recém inventado, composto de 200 membros. Esse Congresso elegeu como presidente Mohammed Magarief, político pró-Fraternidade Muçulmana; como presidente dos Irmãos na Líbia, Magarief viveu muitos anos nos EUA e sempre fizera oposição ao regime de Gaddafi. Esse Magarief continua no posto de presidente de uma Líbia onde já não há praticamente nenhuma lei, nenhum estado e nenhuma ordem.

A conexão al-Qaeda
Já não é segredo para ninguém que a principal milícia ativa em campo na Líbia, que liderou a oposição num processo violento de “mudança de regime” foi o Grupo de Combate Islâmico Líbio [orig. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)]. São velhos conhecidos do establishment nos EUA, desde que surgiram, dos mujahideen que partiram para o Afeganistão para combater na jihad patrocinada pela CIA nos anos 1980s. De volta à Líbia, depois daquela guerra santa, decidiram derrubar o regime secularista de Gaddafi, para substituí-lo por um estado islâmico.

Ao mesmo tempo, o LIFG cuidou de separar-se rapidamente dos patrocinadores norte-americanos, associando-se diretamente à al-Qaeda. Em 2004, os EUA formalmente declararam o LIFG “Organização Terrorista Estrangeira” [orig. Foreign Terrorist Organization (FTO)].

Depois do 11/9, foi banido pelo Conselho de Segurança da ONU. E a CIA também passou a manter vigilância ativa sobre os membros do grupo; os que fossem detidos por suspeita de associação nas atividades terroristas da al-Qaeda eram entregues à Líbia, na política já conhecida de “entregas especiais” [orig. special rendition].

Um dos que foram presos (na Malásia) e entregues à Líbia, depois de ter sido mantido durante algum tempo numa prisão secreta da CIA, foi Abdel Hakim Belhaj (foto).

Belhaj também combatera na Jihad afegã dos aos 1980s patrocinada pela CIA; adiante, se uniu à al-Qaeda. Entregue à Líbia pela CIA, Belhaj permaneceu preso; mas acabou sendo libertado, depois de algum tipo de acordo de reconciliação, no final de 2010.

Retomou então suas atividades políticas, e assim estava quando, dia 15/2, aconteceu a primeira manifestação pacífica em Benghazi, contra Gaddafi; seguida imediatamente pela intervenção militar dos EUA-OTAN.

Já então no comando de uma grande milícia pesadamente armada do LIFG, Belhadj marchou sobre Trípoli, com a cobertura dos ataques aéreos da OTAN e ocupou a capital líbia, dia 23/8/2011. Para todos os propósitos práticos, foi o fim do longo período de Gaddafi no governo da Líbia. Belhadj se autoinstalou como comandante militar de Trípoli. 

Com a mudança de regime consumada nos dois meses seguintes ao assassinato de Gaddafi, Belhadj partiu para a Síria, já planejando, com o Exército Sírio Livre, a derrubada do governo de Assad.

Mas os negócios da al-Qaeda na Líbia ainda não estavam encerrados. Em 2012, no aniversário do 11/9, outra milícia associada à al-Qaeda, autodenominada Ansar al Sharia, associada a membros destacados do LIFG, atacaram o consulado dos EUA em Benghazi e executaram o embaixador dos EUA, Chris Stevens; três membros de sua equipe morreram na mesma ação.

De início, o governo Obama tentou apresentar a morte do embaixador como ato espontâneo de muçulmanos enfurecidos por causa de um filme islamófobo que circulara nos EUA. Mas, sob feroz escrutínio, em ano eleitoral, o governo de Obama foi obrigado a admitir, pelo menos, que o embaixador fora vítima de ato planejado por grupo terrorista.

O pesadelo sírio
As primeiras manifestações contra o regime de Bashar al Assad (foto) na Síria surgiram em meados de março de 2011. Podem-se listar várias razões para os protestos, dentre as quais um efeito de contágio da chamada “primavera árabe” contra o longo domínio pelo Partido Baath, liderado pela família Assad, de uma seita alawita, minoritária. Mas não se pode ignorar um importante fator: as reformas econômicas de cunho neoliberal, que tornaram excepcionalmente difíceis as condições de sobrevivência para os trabalhadores sírios mais pobres.

Nesse contexto, é preciso lembrar que, antes das tais reformas, em meados dos anos 1990s (e reformas às quais Bashar al Assad aderiu, em passo acelerado, depois de assumir o poder em 2000), o estado sírio tinha setor público consideravelmente amplo e estável, que patrocinava inúmeros programas sociais básicos. As reformas neoliberais implicaram rápida privatização das grandes empresas estatais e o desmantelamento dos programas sociais – dentre os quais preços subsidiados para alimentos e combustível. Assim se criaram graves dificuldades de sobrevivência para grande maioria dos cidadãos sírios.

Os problemas econômicos são, sem dúvida, fator subjacente que precipitou os protestos; e potências estrangeiras, além de interesses econômicos específicos que elas também representam, rapidamente cuidaram para converter a agitação popular em luta mortal por dominação política.

Os mesmos pactários europeus da OTAN e as petromonarquias da Liga Árabe, liderados pelos EUA, que haviam trabalhado para derrubar o regime de Gaddafi começaram a sabotar o governo de Bashar na Síria. Financiaram pesadamente islamistas sírios, islamistas de outros países e grupos armados da al-Qaeda, para matar e destruir, sob a hipótese de que a matança e a destruição salvariam a Síria e a converteria – dependendo de quem interprete a matança em andamento – ou numa democracia ou num califado islâmico.

Mais uma vez, o governo Obama “liderou o esforço”, dessa vez por trás das cortinas, para arrancar do Conselho de Segurança da ONU uma resolução contra o regime de Bashar al Assad, depois da qual o embuste líbio poderia ser reencenado na Síria.

A partir de junho de 2011, várias propostas de resoluções foram encaminhadas às reuniões do Conselho de Segurança, sempre em condenação contra o regime sírio, ou criando sanções internacionais contra o país; todas aquelas propostas foram rejeitadas.

Não só porque Rússia e China vetaram, mas, também, porque estados importantes com longa tradição de governos democráticos, como Índia, Brasil e África do Sul, opuseram consistentemente contra aqueles movimentos.

Todos que se opuseram a resoluções antirregime pensavam, sobretudo, por algo que a imprensa-empresa nos EUA e em vários países ocidentais fizeram de tudo para meter por baixo do tapete: a flagrante manipulação, pelos EUA e seus aliados, do Conselho de Segurança da ONU – até arrancar dali a resolução que criou a zona aérea de exclusão que viabilizou o assassinato de Gaddafi e a derrubada violenta do governo líbio. Como disse um membro de uma missão da ONU: “O fantasma da Líbia assombra a questão Síria”. [3]

Mas nem as repetidas derrotas no Conselho de Segurança da ONU conseguiu deter os EUA e seus aliados, que se mantêm agarrados ao objetivo de derrubar Bashar al Assad do governo, não importa por quanto tempo o povo sírio tenha de sofrer.

Servindo-se dos aliados árabes, em particular da Arábia Saudita e do Qatar, os EUA conseguiram garantir suprimento constante de petrodólares e armamento pesado, incluindo mísseis antiaéreos portáteis, que se disparam do ombro, às milícias sírias; assim, os EUA conseguem manter ativa a guerra por procuração que faz na Síria, como mantêm sempre alto o número de sírios mortos. [4]

De fato, o centro de atividade anti-Síria liderado pelos EUA mudou, das salas da ONU em New York, para Doha, no Qatar. Ali, no conforto de hotéis de luxo, houve uma reunião, no início de novembro de 2012, para planejar a estratégia para obter mudança violenta de regime e para ocultar a ação de milícias islamistas, armadas e violentas, da al-Qaeda, na Síria. Ao final daquela conferência, amplamente divulgada pela imprensa-empresa global dominante, foi anunciada a formação de um corpo unificado para derrubar Assad, sob a denominação, muito pretensiosa, de “Coalizão Nacional das Forças Revolucionárias Sírias de Oposição” [orig. National Coalition for Syrian Revolutionary Opposition Forces].

Ao mesmo tempo, continuam a morrer civis sírios, outros são arrancados de casa por explosões de suicidas-bombas e de carros, explosões que, todas, levam a impressão digital da Frente Al-Nusra e da al-Qaeda.

Desde a conferência de Doha a imprensa-empresa global tem sido inundada de noticiário sobre os sucessos dos combatentes das milícias, que já teriam chegado aos subúrbios da capital síria, Damasco. A BBC tem noticiado explosões também nos subúrbios de Damasco, com alto número de vítimas; o responsável seria, sempre, Bashar, pela fúria com que se recusaria a abandonar o poder. E, caso nenhum desses atos de guerra e ações terroristas conseguir derrubar o governo sírio, sempre algum novo pretexto está em produção, a favor de intervenção do tipo que se viu na Líbia, também na Síria...

Dia 3/9/2012, vários gigantes da imprensa-empresa mundial, o New York Times, a rede CNN e outros grupos passaram a divulgar novos relatos “de inteligência”, segundo os quais Bashar al Assad estaria planejando usar armas químicas contra a oposição; na sequência, surgiram imediatamente ameaças de retaliação, partidas do presidente Obama e de sua secretária de Estado, Hillary Clinton.

Dia 3/12 a BBC dos EUA até apimentou a narrativa: disse aos telespectadores que Hafez al Assad [pai de Bashar - foto] haveria, sim, usado armas químicas contra a oposição; dia seguinte, teve de desmentir-se, quando, afinal, surgiu informação correta sobre o tal “evento”. [5]

Análise
Os EUA são a principal potência hoje engajada em guerra longa e caríssima contra a al-Qaeda no Afeganistão. No contexto dessa guerra em curso, não parece razoável que os mesmos EUA estejam hoje em colusão com a al-Qaeda na Líbia e na Síria. Mas a guerra do Afeganistão tem de ser vista na perspectiva da política externa geral dos EUA, nos termos em que evoluiu desde meados dos anos 1940s.

No final da IIa. Guerra Mundial, os EUA emergiram como superpotência que entendeu oportuno lançar programa imperial mais ambicioso de dominar o mundo politicamente e economicamente, política que imediatamente pôs os EUA em contexto de intensa rivalidade com a segunda superpotência, a União Soviética. Essa rivalidade produziu a Guerra Fria, cujas repercussões globais de longo alcance são bem conhecidas hoje.

O que não parece ser muito bem conhecido no ocidente é que, nos interstícios da Guerra Fria, emergiu também outro obstáculo que se opunha às forças do imperialismo, obstáculo regional, mas nem por isso insignificante ou desimportante: o movimento conhecido como nacionalismo panárabe, que floresceu nos anos 1950s e 60s.

O nacionalismo panárabe foi dominado, no campo político, pela personalidade de Gamal Abdel Nasser (foto); e visava a unificar a vasta região do Oriente Médio e Norte da África de língua árabe, que se estende do Mar da Arábia ao Oceano Atlântico – povos que, além da língua comum, tem história, ancestrais e até religião comuns.

Em termos ideológicos, o nacionalismo panárabe foi secular e anti-imperialista, com ênfase na modernização, no progresso, na igualdade social socialista e na propriedade nacional dos recursos naturais da região, para que beneficiassem o povo árabe.

Além de Nasser do Egito, outros chefes de Estado também se identificaram com o movimento, em graus diferentes; o projeto nacionalista panárabe reuniu Ben Bella da Argélia; Houari Boumediene da Tunísia; Gaafar Nimeiry do Sudão; Hafez al-Assad e Bashar al-Assad da Síria; Saddam Hussein do Iraque; e Muammar Gaddafi da Líbia.

Para todos os objetivos práticos, o movimento do nacionalismo panárabe dos anos 1950s e 60s entrou em colapso, confrontado com a incansável oposição de grupos islamistas, como a Fraternidade Muçulmana (acima); e sob o impacto da devastadora Guerra Israel-árabes de 1967.

Mas a memória vestigial daquele movimento e o temor de que renasça sob uma ou outra forma, por iniciativa e sob a liderança de uma geração de políticos árabes cosmopolitas, mais jovens e mais letrados, continua a aterrorizar dois grandes grupos: todos os islamistas que se reúnem no projeto guarda-chuva chamado al-Qaeda; e o establishment nos EUA.

Por isso, precisamente, os EUA e a al-Qaeda, embora estejam em guerra no Afeganistão, consideram oportuno e recomendável unirem-se e formarem gangue unificada – uma espécie de derradeira trincheira, a partir da qual entendem que podem continuar a combater os inimigos de ambos, que ainda haja na Líbia e na Síria.

Notas de rodapé
[*] Epígrafe acrescentada pelos tradutores, para explicar um título que inclui comentário/ citação ao qual estão habituados os leitores de inglês, mas não os leitores brasileiros (NTs).
[1] Zbigniew Brzezinski, entrevista a Le Nouvel Observateur, 15-21/1/1998.
[2] Citado em The Atlantic, 28/9/2012
[3] 2/2/2012, The Huffington Post.
[4] 14/10/2012, The New York Times.
[5] Sobre isso, ver 8/12/2012, Robert Fisk, “Bashar al-Assad, Síria e a verdade sobre armas químicas” (em português) [NTs].

[Comentário do leitor Saiyed Danish no rodapé da versão original em inglês:
"Bold Piece! But one thing needs a re-evaluation and that is the story of the genesis of Al-Qaeda. Jason Burke, in his book Al-Qaeda, writes that it was not Osama or his affiliates who formed Al-Qaeda but the name Al-Qaeda was designed by the US only in a Manhattan court while dealing with a defector of Osama who was ready to "accept" and "confess" everything in lieu of money and green card, whatever story the US authorities would make up. Hence, based on his "confessions", the US prepared the entire picture of a global terrorist organization named Al-Qaeda, where in fact there no such organization even in the knowledge of Osama! He was only seen as a common funding guy to various terror groups which would show up at his residences and hideouts. The footage of Osama moving with his dozens of gun brandishing cohorts was were also largely deceptive for in reality they used to be the members other splinter groups walking him for their own ends. Osama was just a felicitating body of various terror groups, he was himself more of a mercenary, just a bit exalted than others. Even Osama did not know that he US authorities had decided to give his actions and network the name of Al-Qaeda but when he heard he definitely worked hard to capitalize on it. Here is also a link of a BBC documentary, Power of Nightmares, Part 3, 
http://www.youtube.com/watch?v=qATc5jRbVOA watch the entire Part 3 or begin from 23.00 minute and go on watching for another ten minutes." Thanks.] (Equipe Educom)

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/12/eua-e-al-qaeda-estranhos-companheiros.html

Leia também:
- Síria: paraíso "jihadi" - Pepe Escobar

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.