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sexta-feira, 2 de março de 2012

Verdades e Mentiras sobre a Síria - Perspectivas da Revolução Árabe


("Muito já se disse sobre o que ocorre na Síria hoje. Os meios de comunicação de massa, nacionais e internacionais, expressam o que pensa o Pentágono. Com honrosas exceções, tudo que recebemos no Brasil em particular, publicados em língua pátria no Globo, Abril, Folha e Estadão [órgãos da Família GAFE da Imprensa] reproduz quase que sem retirar nenhuma frase, o que as agências noticiosas internacionais despacham para o mundo todo. Agências, diga-se de passagem, que sequer possuem um só correspondente em Damasco, capital da Síria. A seguir, para auxiliar nossos leitores, fazemos um pequeno resumo de tudo que se diz sobre a República Árabe da Síria. Resumimos 15 pontos que se destacam na atualidade." - do blog burgos4patas)


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24.02.2012 - Perspectivas da Revolução Árabe - relação com o que ocorre hoje na Síria
Por Lejeune Mirhan * - Portal da Fundação Maurício Grabois

Gostaria muito de tratar mais globalmente sobre a Revolução Árabe, iniciada há pouco mais de um ano. Poderia tratar do Egito e suas eleições, as eleições também ocorridas na Tunísia ou mesmo no Iêmen, cujo ditador de 33 anos acaba de cair de deve refugiar-se em alguma monarquia reacionária árabe da vizinhança ou mesmo nos EUA (seu vice assumiu, mas segue sendo ditadura). No entanto, a pauta segue sendo a Síria. Por isso, voltamos ao tema neste artigo que, entre outras fontes, estão as abaixo consultadas.


Verdades e Mentiras sobre a Síria

1. Governo de Bashar Al-Assad mata milhares – Mentira
Dia após dia, manchetes garrafais estampam que o governo vem matando “milhares” de sírios, todos “inocentes”. A única fonte de informação que o Ocidente inteiro possui sobre tais “dados” de mortes é de um obscuro Observatório Sírio de Direitos Humanos (sic), com sede em Londres e que recebe farto financiamento de países do Golfo Pérsico, todos, sem exceção, monarquias antidemocráticas, absolutistas e extremamente reacionárias e pró-EUA.

Como isso esta ficando uma vergonha para quem pratica um jornalismo sério, a grande imprensa, quando publica os números “assustadores” de mortos, ultimamente vem pelo menos acrescentando sempre “segundo o Observatório Sírio de DH”, que “não puderam ser comprovadas”.

De fato, os únicos dados confiáveis são os fornecidos pelo próprio governo, que atesta que pelo menos dois mil soldados, policiais e cidadãos sírios foram assassinados por grupos terroristas e mercenários, seja em ataques diretos ou em atentados a bomba que vêm ocorrendo com maior intensidade nas últimas semanas.

2. Exército Síria Livre é formado por desertores – Mentira
Não há desertores no Exército sírio. Pelo menos não em expressão. Todas as deserções em todas as divisões do Exército da República Árabe da Síria são pontuais e ocorrem apenas e exclusivamente na baixa oficialidade.

O que se tem de concreto é que essa organização é composta de mercenários altamente remunerados, usando armas contrabandeadas, inclusive do arsenal líbio. Se um AK-47, fuzil de assalto mais famoso no mundo, podia ser comprado a cem dólares tempos atrás, hoje, com os bilhões de dólares que a Arábia Saudita e o Qatar vêm despejando para a derrubada do governo do Dr. Bashar, não se compra uma arma dessa, muito popular, por menos que 1,5 mil dólares.

Esse tal “exército” esta acampado na fronteira com a Turquia e por esta é estimulado e seu comando vem de Istambul. O governo turco, que presta um péssimo papel achando que voltará a ter o comando do sultanato otomano, tem procurado dar guarida a essa milícia terrorista e facínora, apoiada por Israel e pelos EUA. Seu “comandante”, o coronel desertor Riad El Assad, esta na folha de pagamento do Departamento de Estado.

3. Liga Árabe pede Democracia e Liberdade na Síria – Mentira
(Não tem moral para isso)
A Liga Árabe, organismo multilateral fundado em 1945, é integrado pelos 21 países árabes e a OLP que representa a Palestina. Ainda que possa ser duvidoso que em algum momento tenha cumprido algum papel relevante na vida dos árabes, a certeza é de que hoje ela é um organismo fracassado.

Tomado de assalto pelas monarquias do Golfo, com seus bilhões de dólares, esse organismo presta-se hoje como auxiliar tanto do CS da ONU, quanto da União Europeia e dos EUA. De árabe essa tal Liga não tem mais nada. Não representa mais os anseios e as verdadeiras aspirações do povo árabe, que hoje são quase 400 milhões de pessoas.

Esse organismo serve apenas para propor ao CS da ONU resoluções que os EUA e a União Europeia não teriam a coragem de propor. Os petrodólares da Casa de Saud e do emirado do Qatar é que sustentam a organização. Esta completamente esvaziada. Iraque, Líbano, Argélia e a própria Síria nem mais tem comparecido às reuniões, que perderam completamente a sua eficácia.

Mas, o que é pior. Que moral tem a Arábia Saudita e o Qatar em pedir democracia na Síria? Falam em liberdade, mas não a praticam em seus países, que não tem parlamento e nenhum partido funcionando. Uma hipocrisia completa. Uma falsa moralidade. Indignam-se com o que ocorre na Síria, mas é uma indignação seletiva.

4. Rússia e China vetam resolução anti-Síria na ONU – Verdade
(E ambos têm suas razões)
Essas duas potências mundiais – ambos BRICS – ficaram escaldadas com o golpe europeu-estadunidense que, usando a OTAN, rasgaram a resolução 1973 de 17 de março de 2011, que mencionava apenas “proteção” a civis líbios. Com essa resolução a OTAN bombardeou toda a Líbia na linha da ordem dada por Obama/Hilary: derrubem o regime! A linha foi a da mudança de regime, coisa que só o povo líbio teria poder de decidir. Assassinaram mais de 200 mil líbios!

Os EUA e seus clientes europeus não aceitaram nenhuma modificação proposta por estes dois países na nova resolução proposta em 4 de fevereiro passado. E pior que isso. Expressaram sua indignação sobre o veto exercido dentro das regras da Carta das Nações. Quando os EUA vetam dezenas de resoluções contra Israel no CS/ONU nada se fala. Uma vez na vida duas potências vetam uma resolução que abriria brecha para a OTAN atacar a Síria, vem a indignação seletiva.

A embaixadora dos EUA da ONU, Susan Rice, chegou a dizer que o “mundo não poderia ficar refém de dois países” (sic). Tenho em mãos uma pesquisa sobre os vetos dos EUA contra resoluções a favor dos palestinos e que criticavam Israel. A pesquisa compreende apenas dez anos (1972 a 1982). Só nesse curto período foram exatos 43 resoluções vetadas pelos EUA!

Hoje, felizmente, tanto a China como a Rússia têm visto o que realmente ocorre no OM. Derrubar o governo da Síria hoje, passando por cima da soberania desse país árabe pode significar ainda um maior fortalecimento do imperialismo estadunidense e seus estados clientes europeus.

O fato é que a Rússia volta com força ao cenário internacional. Não titubeou nenhuma vez em defesa da soberania síria. Enviou armas e uma frota naval esta ancorada no estratégico porto de Tartous. Como já vimos falando, a unipolaridade no mundo tende ao seu fim. Vários pólos vão sendo criados e a Rússia vai ganhando seu espaço, fazendo-se ouvir depois de mais de vinte anos de um mundo unipolar.

5. EUA, Israel e seus aliados árabes são os maiores inimigos – Verdade (É preciso que sejam dados nomes aos bois)
Os maiores entraves para o avanço da Revolução no mundo Árabe são as petromonarquias. Elas têm nome: Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Qatar, Omã e Bahrein. A esses se somam países que não são fortes produtores de petróleo, mas são monarquias reacionárias e pró-EUA, como a Jordânia e o Marrocos.

O centro da resistência ao avanço revolucionário árabe vem de Riad, no reino dos sauditas. Estes reservaram em 2011 mais de cem bilhões de dólares para a contrarevolução. E contratam mercenários a peso de ouro. Apoiados pelos EUA, ainda que discretamente, e mais discretamente por Israel e sua inteligência do Mossad. Isso esta amplamente documentado. Pelo WikiLeaks e pela imprensa verdadeiramente livre e a blogosfera.

6. Se a Síria cair, isso reflete em todo o OM – Verdade
Há hoje um eixo de resistência ao imperialismo estadunidense. Esse eixo apoia as mudanças profundas no OM, apoia a causa palestina, faz oposição à Israel, defende o rompimentos dos acordos de paz assinados com esse país pelo Egito e Jordânia, de forma unilateral.

O bloco de países que integram o eixo da resistência são hoje, além da Síria, o Iraque, Líbano, a Argélia e o Irã (que é persa). O Partido de Deus (Hezbolláh), do Líbano, que forma governo com os cristãos patrióticos (maronitas do Marada e MPL de Aoun), sunitas e xiitas de várias organizações (Amal de Berri e drusos de Jumblat) e o PC Libanês de Khaled, seria o primeiro a sofrer consequências. O Hezbolláh – apesar do nome, é uma organização política e não defende no Líbano um estado religioso – além de muitos deputados e ministros, tem a maior milícia armada de resistência ao exército sionista de Israel que insiste em ocupar o Sul do país.

A própria luta de resistência palestina contra a ocupação, com todas as suas organização que compõem a OLP e o Hamas (que não integra a Organização), se enfraqueceriam imensamente com a queda do governo sírio e a instalação nesse país de um governo pró-EUA.

7. A Irmandade Muçulmana encabeça a oposição na Síria – Verdade
Essa organização tem seus tentáculos em mais de 70 países. Fundada por Hassan El-Bana em 1928, funciona como partido político, tendo uma ideologia de caráter teológico de linha islâmica fundamentalista. Na maioria das ditaduras e monarquias árabes, cujas liberdades partidárias são praticamente nenhuma, a única forma de uma parte da população expressar-se acaba sendo por essa Irmandade.

Não fiquei surpreso com o fato do seu braço político recém legalizado no Egito e na Tunísia terem ficado em primeiro lugar nas eleições ocorridas recentemente após a queda dos ditadores desses países. Não havia outra forma de expressão política além do islamismo, além da máscara de apelo ao Islã fundamentalista.

No entanto, é preciso deixar claro. Em que pese esse pessoal ter jogado algum papel na resistência à ditadura Mubarak, sempre fez acordos com ele. Aceitavam as regras do jogo, qual seja, que a oposição ao ditador pudesse chegar a no máximo 20% dos votos – eleições fraudadas – tanto para presidente como no parlamento.

A Irmandade é uma organização conservadora, que prega o fundamentalismo islâmico mais próximo do Wahabiya – linha da família Al-Saud, portanto sunitas. Sempre foi e sempre será anticomunista. Por baixo do pano sempre fez acordos, inclusive com o imperialismo britânico e mais recentemente o norte-americano. Seus líderes rapidamente disseram, depois dos resultados das eleições parlamentares no Egito, onde venceram, que não romperiam o acordo de paz com Israel.

Hoje, na Síria, os principais líderes da insurreição interna, que organizam os ataques terroristas aos prédios públicos, oleodutos, gasodutos, escolas e hospitais, são membros da Irmandade. Lamentável. Mas é a verdade amplamente documentada, mas omitida pela grande imprensa.

8. A oposição síria não tem unidade e tem força no exterior apenas – Verdade (Mas a grande imprensa não mostra isso)
É preciso que se diga. Há duas oposições na síria hoje. Uma interna e outra que funciona apenas e tão somente no exterior.

A que tem sede no exterior, seus escritórios ficam em Londres, Paris e Istambul. Esta não tem credibilidade alguma. Financiada pelas monarquias do Golfo e pelo Departamento de Estado – amplamente documentado – elas vivem para dar entrevistas na grande mídia internacional, que repercute amplamente essas “reportagens”. No Brasil, a Folha e o Estadão publicaram várias delas. Todas falsas, sem provas, com “líderes” que nunca ninguém viu. É uma oposição sem respaldo algum junto ao povo sírio. Defende abertamente uma resolução no CS/ONU que abra a possibilidade – que eles tanto sonham – da OTAN atacar a Síria. Como acreditar em “lideranças” que pedem que potências estrangeiras bombardeiem seu próprio país, ainda que a pretexto de “proteger civis inocentes”?

Há outra oposição. A interna. No entanto, esta também se divide em duas grandes partes. Uma delas, participa do chamado Diálogo Nacional. Há uma mesa de negociações formada pelo governo da Síria. No rumo das mudanças que o país precisa de fato. E, tais mudanças, vêm ocorrendo (falaremos disso mais à frente). Não se sabe o tamanho dessa oposição. As eleições marcadas para o mês que vem devem mostrar a dimensão dessa oposição. Essa oposição prega a construção de um governo de unidade nacional. Em hipótese alguma defende a intervenção externa. Diz que os problemas dos sírios devem ser resolvidos pelos próprios sírios, sem ingerência externa.

A outra parte da oposição interna, não dialoga com o governo. Esta radicalizada. Arma-se até os dentes e apoia a sabotagem de prédios públicos. Alia-se com o autointitulado Exército da Síria Livre e com o Conselho Nacional Sírio. Prega também abertamente a intervenção externa, ainda que não de forma clara defenda os ataques da OTAN. Faz, na prática, o jogo das potências imperialistas.

A oposição não se unifica. Há pelo menos 53 grupos políticos e tendências atuando de forma conflitiva no tal Conselho Nacional Sírio, organismo criado no exterior e apoiado pelos EUA. Em reuniões com autoridades europeias, essa tal oposição exige que sejam feitas várias reuniões, pois eles não conseguem sequer sentar-se à mesma mesa. Não há unidade política entre eles. Talvez o único ponto em comum seja remover Assad do poder. Nada mais. Mesmo que as reformas sejam profundas – como esta ocorrendo de fato – isso hoje pouco importa. A única agenda, a agenda da CIA, dos EUA, de Israel, da Casa de Saud e do Mossad é mudar o regime. Nada mais lhes interessa.

Tanto a externa, quanto à interna que não dialoga com o governo, possuem amplo e plena interlocução em especial com os EUA, Inglaterra e França.

9. Bashar Al-Assad é um sanguinário e genocida – Mentira
É evidente que os processos eleitorais tanto na Síria quanto em qualquer país árabe não seguem os padrões que vivemos no Brasil e no Ocidente. No entanto, não se pode falar em democracia na Síria e não se falar desse tema nos outros países árabes. Mesmo no Ocidente. Agora mesmo na Grécia se pede inclusive suspensão das eleições para que um possível novo governo de oposição não rompa os acordos de traição nacional que estão sendo assinados às claras e abertamente.

Os mesmos monarcas que falam em “democracia” na Síria, são os que mais reprimem seus próprios povos, como na Arábia Saudita, Qatar e Bahrein. Essa gente não tolera manifestação, não tolera povo organizado. Essas monarquias sequer possuem parlamento funcionando, partidos políticos são proibidos.

Em que pese todas as restrições às amplas liberdades na República Árabe da Síria, esse país ainda é o mais livre em termos de funcionamento de partidos políticos em todo o Oriente Médio. São oito os partidos políticos existentes e legalizados. Claro, o Partido Socialista Árabe Sírio, o Baath é o maior e do governo. Esta no poder há pelo menos 42 anos. Mas temos dois partidos comunistas no país funcionando. Temos o Partido Nacional Sírio e outros. Depois dos pleitos por reformas amplas, outros cinco partidos foram legalizados, ampliando para 13 o número de partidos com direito a concorrer nas próximas eleições.

O relatório dos observadores da Liga dos Estados Árabes – 160 pessoas que ficaram na síria por trinta dias – menciona em uma parte que contataram e viram funcionando 147 órgãos de imprensa nesse país árabe! Entre rádios, TVs e jornais que circulam amplamente.

Bem ou mal, as eleições para o parlamento sírio ocorrem a cada quatro anos e os oito partidos funcionam livremente. Não é a democracia mais avançada, popular, que defendemos, mas não se pode dizer que as restrições são totais. Há muito que se fazer. E esta sendo feito. Mas, a grande imprensa não divulga uma só linha sobre tudo isso. Chegou às minhas mãos – nunca divulgadas pela grande imprensa – um conjunto de 33 grandes medidas, ações governamentais, decretos e leis adotadas entre abril de 2011 e fevereiro de 2012 que mudam completamente a realidade política desse país árabe.

10. A Síria é o único país árabe hoje a apoiar com firmeza a causa palestina – Verdade
E não se pode falar em apoio pela metade, parciais. Apenas a Síria, em sua capital, funcionam escritórios de todas as organizações da resistência palestina. O enfrentamento que o povo e o governo da Síria vêm dando à Israel, contra as ocupações que o estado sionista faz em terras árabes é o maior que se te visto em todo o OM.

Desde a derrubada do governo de Saddam Hussein e seu assassinato, que procurava dar enfrentamento à ocupação estadunidense de toda a região; desde a queda e o assassinato de Muammar Khadaffi em outubro passado, um a um foram caindo todos os focos de resistência ao imperialismo estadunidense e à Israel. Restou a Síria. É preciso instalar governos dóceis aos norte-americanos e aos sionistas em todo o mundo árabe para que se complete seu projeto neocolonial na região.

E é preciso deixar claro: derrubar Bashar hoje significa enfraquecer a resistência libanesa e palestina e isolar completamente o Irã! Quem não compreender essa geopolítica no OM não entende nada nem de OM nem de política internacional!

11. A OTAN e a Al Qaeda estão em aliança – Verdade (A grande mídia esconde isso)
Aqui é preciso esclarecer muitas coisas. Ainda que isso possa parecer inacreditável, para quem foi bombardeado durante anos com a informação de que a rede Al Qaeda de Osama Bin Laden sempre foi uma rede terrorista, que teriam feito os atentados às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, isso pode parecer mesmo um verdadeiro absurdo. Mas não é.

Escritores, jornalistas independentes e intelectuais progressista a cada dia vêm trazendo informações precisas e importantes que comprovam essa informação. E os próprios comunicados da organização Al Qaeda pelo seu novo “comandante”, o médico pediatra egípcio Ayman Al Zawahiri atestam isso. Textos recentes da lavra desse senhor ou a ele atribuídos, mencionam a importância fundamental da derrubada do governo sírio em aliança com as forças do autoproclamado Exército Síria Livre. E essa organização prega o Estado Islâmico.

Essa organização faz questão de não dialogar com o governo. Foi assim na Líbia quando ela apoiou abertamente a queda de Khadaffi e fez aliança com as forças da OTAN. Agora, da mesma forma, conversações de alto (?) nível entre emissários dessa organização militar europeia – agora mundial! – com líderes da Al Qaeda que atuam na Síria mostra essa aliança, que é abastecida fartamente com dólares do petróleo árabe das monarquias do Golfo e dinheiro da CIA e do Mossad de Israel, via território curdo.

Como diz Pepe Escobar, combativo jornalista brasileiro correspondente do Asia Times, “quem imaginaria que o que a Casa de Saud deseja ver na Síria é exatamente o que a Al Qaeda deseja para a Síria? Quem imaginaria que o CCG e a OTAN desejam para a Síria é o mesmo que a Al Qaeda deseja para esse país?”.

12. A Turquia e seu governo deram as costas para os árabes – Verdade
É lamentável ter que reconhecer isso, mas o governo de Recep Tayyip Erdogan, cujo partido governa a Turquia há quase nove anos (desde 14 de março de 2003), com o seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento – PJD (em turco AKP, ou Adalet ve Kalninma Partisi), tem outros projetos para seu país e para uma liderança de toda a região.

Como bem sabemos, a região do OM é habitada por diversos povos. Além do árabe, que são a esmagadora maioria, temos ainda os persas (Irã), os judeus (Israel) e os turcos na Turquia, que é um país laico (apesar de 97% da população pertencer ao islamismo sunita) e foi ocidentalizado de tal forma que até seu alfabeto foi modificado. A separação das entidades e instituições religiosas do Estado é absoluta. No entanto, com Erdogan isso vem sendo gradativamente modificado.

Na verdade, esse Partido vem vencendo as eleições por, gradativamente, ir modificando o cenário turco de tal forma que boa parte da população já admite certa islamização da sociedade. A imprensa apresenta Erdogan como membro de um partido “muçulmano moderado” (sic) sabe-se lá o que isso significa.

No entanto, o grande sonho, o grande projeto desse Partido, o AKP (em turco), é integrar-se à Europa. Isso o falecido cientista político estadunidense Samuel Huntington já havia previsto em seu artigo clássico da Foreing Office de 1995 que causou polêmica acadêmica no mundo todo intitulado Clash of Civilization (Choque de Civilizações, posteriormente transformado em livro pela Editora Objetiva, em 1997).

A crítica que a Turquia receberia desse intelectual era de que o país viraria as costas para o mundo islâmico e teria maiores interesses em olhar para a Europa. Hungtinton afirmaria – quase que como uma profecia – que ele nunca seria admitido na Europa, por ser o continente extremamente preconceituoso, cristão e antiislâmico, por mais que a Turquia fosse um país laico. Sabe-se que o Vaticano se pronuncia contra o ingresso da Turquia na Europa. Era discreto com João Paulo II e agora é aberto com Bento XVI.

Nesse sentido, desde 2003 Erdogan vem se aproximando da Europa. Seu país é membro da OTAN e tem bases militares dessa organização militar, antes contra a URSS e hoje contra qualquer mudança progressista ou revolucionária em qualquer país do mundo. Chegou a ensaiar passos contra Israel. Não é para menos. O governo sionista de Netanyahú interceptou em 2010 uma flotilha de vários navios e fuzilou nove cidadãos turcos. Erdogan teve que subir o tom. Chegou a jogar um papel importante na tentativa de tirar o Irã do isolamento em seu programa nuclear que contou com o apoio de Lula do Brasil.

Mas, mudou de posição. Voltou ao que sempre foi. Tem um sonho de ser a grande liderança do Oriente Médio e dos árabes inclusive. Baixou completamente o tom de voz contra Israel. Apoiou os ataques da OTAN/Europa à Líbia e apoia abertamente a derrubada do governo da Síria em uma clara ingerência nos assuntos internos de um país vizinho que teria que respeitar. Dá abrigo ao exército mercenário estacionado nas suas fronteiras com a Síria. Faz uma manobra arriscada. Coloca em pé de guerra todos os milhões de curdos que vivem em território turco que odeiam o seu governo (pelo menos na Síria eles são melhores tratados). A política de Erdogan de “zero problemas com os vizinhos” hoje vemos uma situação de “zero amigos”.

Talvez sonhe com a volta do império turco-otomano. Mas não há espaço para isso. Ele terá que fazer escolha. E, neste momento, vem escolhendo o que tem de pior para o mundo árabe e para toda a Ásia, qual seja, uma aliança tácita com o imperialismo estadunidense e europeu. Lamentamos por isso.

13. Relatório sobre a Situação da Síria só Vale Quando Fala Mal do Governo – Verdade
Dois relatórios foram produzidos nos últimos 90 dias sobre a Síria. Um, da lavra do representante da ONU para Direitos Humanos na Síria, o brasileiro e meu colega sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, da USP e outro, assinado pelo general sudanês, Mohammed Ahmad Al-Dabi.

Escrevi um artigo sobre o primeiro relatório. O Prof. Paulo Sérgio sequer entrou na Síria, mas escreveu sobre o que não viu. Fez um relatório faccioso, tendencioso, parcial. Não ouviu ninguém do governo, apenas opositores no exílio. Tal relatório foi amplamente saudado pela imprensa internacional como “equilibrado”. Atacava o governo de todas as formas possíveis.

O outro relatório foi feito sob a coordenação do experiente general sudanês, ex-presidente de seu país. A comissão formada era oficial da Liga Árabe. Era integrada por 160 pessoas. Passaram trinta dias na Síria. Visitaram várias cidades, ouviram oposicionistas e o governo. Não constataram a violência que o mundo diz haver no país. Não atestaram o número exorbitante de mortos que a imprensa ocidental divulga. Ao contrário. Constaram sim milhares de mortos das forças regulares, do exército e da polícia. Presenciaram milhões nas ruas em apoio ao governo do Dr. Bashar. Mas, como disse Kissinger em recente artigo o governo é amado pelo povo, mas mesmo assim tem que cair (sic). Esse foi o relatório que apontou a existência de 147 órgãos de imprensa funcionando livremente na Síria.

Imediatamente, a Liga Árabe, que representa hoje apenas as petro-monarquias do Golfo e os interesses da OTAN prontamente rejeitou tal relatório, levando o seu presidente a renunciar aos trabalhos. De fato, dois pesos e duas medidas. Só não vê quem não quer.

14. Os EUA vivem uma Indignação Seletiva – Verdade
Nunca a famosa frase de “dois pesos e duas medidas” ficou tão claro e tão evidente como no momento atual da diplomacia norte-americana com Barak Obama. Seus planejadores do Pentágono e do Departamento de Estado são hoje mais ideólogos que planejadores. São seletivos em suas análises, facciosos.

Colocam-se contra o Irã e seu programa nuclear pacífico, mas nada falam sobre as duzentas ogivas nucleares que Israel possui. Falam o tempo todo contra o “ditador” Bashar, mas não se pronunciam contra as monarquias absolutistas, obscurantistas, fascistas e feudais do Golfo, por estes serem seus aliados, amigos e pró-Israel. Pronunciaram-se contra a “repressão” na Síria, mas calaram-se com o massacre dos xiitas no Bahrein. Falam contra o uso das forças armadas sírias que defende o país, mas calam-se contra a invasão que as forças armadas sauditas fizeram no Bahrein, sede da 5ª Frota dos EUA que patrulha o Golfo Pérsico-Arábico. Abusam do direito de veto no CS/ONU em favor de Israel, mas indignam-se contra um veto exercido dentro das regras previstas na Carta das Nações usado pela China e pela Rússia.

15. Terroristas agem abertamente na Síria – Verdade
A grande imprensa apenas acusa o governo de matar dezenas, centenas de cidadãos. No entanto, ela tem sido obrigada a noticiar mais e mais atentados terroristas contra prédios públicos, oleodutos, gasodutos, escolas e até mesmo hospitais. São feitos por mercenários contratados a peso de ouro pelo obscuro Exército da Síria Livre. O objetivo desses ataques é quebrar a infraestrutura do país e jogar a opinião pública contra o governo.

É preciso destacar que a ação desses grupos mercenários conta com apoio e total suporte da OTAN que os treina e financia, a partir de acampamentos na fronteira da Turquia. Estão envolvidos nessa operação a CIA e o MI6 inglês, além, claro, como sempre, o Mossad de Israel. Isso não vem surtindo efeito. Ao contrário. Pesquisas confiáveis de opinião mostram o grande apoio da opinião pública ao governo.

Conclusões
Nunca tivemos dúvidas, desde o início do processo da Revolução Árabe, que a Síria viveria uma situação distinta, particular. O caráter de um governo se mede pelas tarefas que assume, pelos seus objetivos, pela ação que pratica. Por isso nunca duvidamos do caráter antiimperialista, popular e em defesa dos palestinos que o governo da família Assad sempre expressaram.


Defendemos, tal qual as organizações sindicais, populares e os partidos comunistas da Síria, reformas profundas no país, ampliação das liberdades políticas e de organização. No entanto, não podemos somar nossas vozes com grupos terroristas, mercenários à soldo do imperialismos de todas as matizes, sejam eles norte-americano, inglês ou francês. Não bastasse isso, já esta claro mais que provado por diversas fontes, a ampla aliança da Al Qaeda com a OTAN. E somado a isso, os serviços secretos da CIA, MI6 e Mossad israelense.


Somamos nossas vozes às do povo e do governo da Síria, em seu projeto em defesa da soberania nacional e sua autodeterminação. Não à ingerência estrangeira nos assuntos internos da Síria. Apoiamos e defendemos o diálogo nacional. Apoiamos as eleições livres que ocorrerão no mês que vem, sob nova e democrática constituição da República Árabe da Síria.


Ao que tudo indica, o jogo parece que vai terminando. E com uma derrota fragorosa para as forças imperialistas e sionistas. Para as forças que querem barrar o avanço da Revolução Árabe. A Rússia e China estão resolutas em não apoiar qualquer intervenção externa na Síria. Já chega de destruição de uma nação árabe. Não ficou pedra sobre pedra no Iraque. Agora a mesma coisa na Líbia, antes o país de maio IDH de toda a África. Sem falar na própria destruição do Afeganistão. Agora querem destruir e tomar a síria, último bastião e pilar do verdadeiro nacionalismo e panarabismo, herdados de Gamal Abdel Nasser. A oposição externa já perdeu as ilusões de apoios. Até Sarkouzy já disse que não se ganha uma guerra de fora do país!


A OTAN não tem como intervir e já disse isso com todas as letras. Resta-lhes apoiar os terroristas da rede Al Qaeda, financiada pela CIA. A Turquia vai acabar tendo que retirar todo seu apoio aos mercenários recrutados pelos dólares sauditas, a que ela vem chamando de Exército da Síria “Livre” (Free Syrian Army – FSA em inglês). Vai ficando isolada e sem amigos no OM.


O risco de um conflito regional no OM, que já foi maior, deve estar sendo redimensionado pelos tais planejadores de Washington. Não há como um conflito dessa natureza deixar de fora as capitais Tel Aviv, Riad e Ancara. Um incêndio de razoáveis proporções.


O CS/ONU e a Liga Árabe (do Golfo...) não conseguem mais executar a política estadunidense. Não pelo menos com antes, com a desenvoltura anterior. Há resistências da Rússia e China e agora do Líbano, Iraque, Argélia, do Irã e da própria Síria e do seu bravo povo. A Liga Árabe acabou. Precisará ser, no futuro, recomposta ou outra organização surgirá. Hoje, é palco para monarquias fascistas, feudais, como as da Arábia Saudita e do Qatar.


O governo da Síria, sob o comando do seu jovem presidente, o médico Bashar El Assad, segue no caminho da tentativa de pacificação do país. Mais de 30 decretos, portarias e novas leis, editadas em oito meses vão reformando o regime, o governo, o país, dando-lhes feições mais modernas e democráticas. Avança o diálogo nacional com todas as organizações, governamentais ou não, no rumo de eleições democráticas, nova constituição e eleições presidenciais em 2013. Novos pactos, novas alianças, regionais e internacionais, devem atender aos interesses dos sírios. Novos acordos econômicos com países amigos, em especial Rússia e China, devem ser assinados em breve.


Quero registrar meu profundo lamento a uma esquerda que não consegue compreender a dimensão do que está em jogo naquela região e insiste em somar suas forças, pequenas é verdade, às do império estadunidense e seus lacaios, tentando derrubar o governo patriótico da Síria.


Posso estar enganado, mas contas feitas pelo imperialismo e sionismo, pela direita islâmica, o melhor mesmo talvez seja melhor bater em retirada. Difícil prever em detalhes, mas é esse o cenário que vislumbramos.

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Fontes Pesquisadas e Citadas


- Aisling Byrne. A realidade sempre mal contada na mídia sobre a Síria, do Asian Times Online, de 4 de janeiro de 2012;
- Assad Frangiéh, em www.elmarada.com.br em Editorial, O começo do fim. Agradeço ao Dr. Assad em particular por observações na primeira versão deste trabalho.
- Camila Carduz. Irã promete apoiar resistência libanesa e palestina contra Israel. Prensa Latina.
- Evguêni Satanóvski. Atual estratégia russa para o Oriente Médio permite ao país salvar as aparências e ganhar tempo. Presidente do Instituto de Estudos sobre o OM.
- Michel Chossudovsky. Syria: NATO’s next “humanitarian” war? http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=29234
- Pepe Escobar. Síria, a nova Líbia. Asia Times Online.
- Pepe Escobar. É que o Bahrein não é a Síria... http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/NB15Ak03.html
- Robert Fisk, Bashar Al-Assad não cairá. Não, pelo menos, agora. The Independent.
- Sharmine Narwani. Veterano diplomata americano questiona a narrativa sobre a Síria. Al-Akhbar, Beirute.
- Thierry Meyssan. Fin de partie au Prouche-Orient. Rede Voltaire Net. http://www.voltairenet.org/Fin-de-partie-au-Proche-Orient

Observação: os artigos traduzidos para o português sem menção de páginas da Internet foram realizados pelo coletivo de tradutores da Vila Vudu, a quem de público agradeço.

* Lejeune Mirhan é sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois (http://grabois.org.br/). Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br

sábado, 21 de janeiro de 2012

Classe e capitalismo no Golfo - A Economia Política do Conselho de Cooperação do Golfo

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012 - Adam Hanieh - redecastorphoto

Adam Hanieh (entrevistado por Ed Lewis), Socialist Register, New Left Project Class and Capitalism inthe Gulf – The Political Economy of the GCC
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


- Para o senhor, os seis estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrain e Omã – são o centro político e econômico do Oriente Médio, mas não só pelas reservas de petróleo. O que, para o senhor, explica que os estados do Golfo tenham assumido essa posição de centralidade?
Há aí vários fatores. Primeiro, claro, o petróleo. Os estados do CCG estão entre os maiores fornecedores de gás e petróleo do mundo. Os números variam, mas pode-se dizer, repetindo o número mais citado, que 40-45% das reservas comprovadas de petróleo do mundo estão nos países do CCG, e 20% de todo o gás do mundo. Atualmente, se extrai ali cerca de 20% do petróleo extraído no mundo. Dada a importância dos combustíveis fósseis – como fonte de energia e matéria prima para a indústria petroquímica –, é enorme a importância dessa região para os padrões de acumulação da economia global.

Oriente Médio - mapa político

Outro fator, relacionado ao primeiro, são os altos níveis de capital excedente que acorreram para aquela região, como resultado das vendas de cru, gás e petroquímicos. Esses “petrodólares” foram fator-chave no desenvolvimento da arquitetura financeira global. Não é novidade. Durante os anos 1970s os fluxos financeiros que saíam do Golfo foram parte essencial do desenvolvimento dos mercados do eurodólar (depósitos em dólares norte-americanos em bancos fora dos EUA) e também como lastro para os bônus do Tesouro dos EUA (sobre isso, ver o trabalho de David Spiro). Assim, os petrodólares foram fator chave para empurrar adiante a hegemonia do dólar norte-americano e dar sustentação aos desequilíbrios financeiros globais que caracterizaram o mercado mundial ao longo das últimas décadas. A rápida financeirização da economia global, portanto, dependeu, em parte, da integração dos países do CCG no mercado mundial e nos circuitos financeiros.

Isso implica que o modo como o mercado mundial desenvolveu-se ao longo das últimas poucas décadas, com complexas cadeias de produção que iam da manufatura de bens em áreas de baixos salários, até a venda de commodities nos países capitalistas avançados, depende fortemente da produção de commodity do Golfo, tanto quanto de excedentes financeiros. Nesse sentido, as classes e o Estado na região do CCG constituíram paralelamente (e a formação de ambos é estreitamente ligada) ao desenvolvimento mais amplo do mercado capitalista mundial.

Por tudo isso, os países do Conselho de Cooperação do Golfo são altamente significativos em escala global. Mas, propriamente no Oriente Médio e no Norte da África, houve algumas transformações fundamentais ao longo das décadas recentes; e essas transformações dão caráter muito particular ao papel que o Golfo desempenha dentro da região.

O traço mais marcante das duas últimas décadas foi a generalização de políticas neoliberais em praticamente todos os estados da região. Aconteceu cooperação entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, grupos regionais como o Conselho Empresarial Árabe do Fórum Econômico Mundial e o Conselho da Agenda Regional sobre Oriente Médio e Norte da África, além de outras instituições bilaterais, como a USAID. Políticas chaves dentre essas políticas neoliberais foram: a liberalização das leis de propriedade, sobretudo nos setores imobiliário, financeiro e de telecomunicações, o que abriu caminhos para fortes fluxos de investimento externo; a privatização de indústrias estatais; reformas nos regimes tributários; fim dos subsídios para alimentos e energia; e o relaxamento de barreiras comerciais.

MENA (em azul)

Essas políticas tiveram acentuado impacto em escala nacional, o que levou ao empobrecimento das populações, por um lado; e, por outro lado, levou à concentração da riqueza. Em muitas economias árabes houve forte crescimento do setor ‘informal’, e migração de centenas de milhares de pessoas para áreas urbanas (ou através de fronteiras), à medida que se foi tornando mais difícil extrair da terra a sobrevivência. A estreita relação que liga a região MENA [orig. Middle East/North of Africa] ao mercado mundial – caracterizada pelo desenvolvimento orientado para as exportações, migrações e oscilação nos preços dos alimentos e da energia – expôs muitos países aos ventos da economia global. Todos esses fatores são relevantes para que se possa entender como a região foi atingida pela crise econômica de 2008, e o possível impacto, nessa parte do mundo, do atual torvelinho que sacode a economia global.

Mas o fator mais importante, é que essas medidas neoliberais não apenas reconfiguraram o poder de classe em escala nacional. Elas reconfiguraram o poder de classe também em escala regional. No Oriente Médio não se pode entender o “estado-nação” como uma economia política limitada internamente, sem considerar os laços que unem todas as economias ‘nacionais’ numa escala regional mais ampla. Há vários aspectos importantes a destacar aqui, mas o fundamental é a rápida internacionalização do capital baseado nos países do CCG, sobretudo depois do aumento dos excedentes financeiros que começou em 1999 e chegou ao pico em 2008. Claro que o núcleo do capital excedente do CCG continua a ser investido fora da região. Mas, nas duas últimas décadas, muitos daqueles fluxos foram dirigidos para outros estados do Oriente Médio. Tomado na escala regional – o CCG foi um dos principais beneficiários da cerca de uma década de privatização, desregulação e abertura dos mercados.

Alguns números ajudam a ilustrar. No período 2008-2010, segundo números do banco de dados Anima, da União Europeia, que rastreia investimentos na região, o Conselho de Cooperação do Golfo, como bloco, foi a principal fonte de investimento externo direto [orig. FDI] para Egito, Jordânia, Líbano, Líbia, Palestina, Tunísia, e a segunda para Marrocos e Síria. Em 2010, o capital baseado em países do CCG foi responsável por todos os grandes projetos alimentados com investimento externo direto anunciados na Argélia, Líbano, Líbia e Tunísia. São números impressionantes. E não se incluem aí os investimentos nos portfólios de ações na região ou outras formas de “empréstimos para o desenvolvimento” que fluem do Golfo para o resto do Oriente Médio. Deve-se observar também que, ao contrário do que pretendem muitos, esses fluxos não são necessariamente dirigidos por fundos soberanos ou empresas estatais dos países do CCG. Grande proporção daqueles fluxos vem de capitais privados nos países do CCG dirigidos a grandes projetos imobiliários, instituições financeiras, shopping-centers, telecomunicações e outros investimentos.

Os processos que comentei até aqui foram acentuados pela diferenciação regional cada vez mais marcada, que começou nos primeiros momentos da crise econômica de 2008. No próprio CCG, embora tenha havido alguns pequenos desastres financeiros causados por alto endividamento em alguns grandes conglomerados, o principal efeito da crise foi reforçar a posição das classes dominantes do Golfo. A natureza da formação de classe nos países do CCG (mais sobre isso, adiante) deslocou a crise na direção dos trabalhadores migrantes; e isso, somado ao apoio estatal que receberam as grandes entidades financeiras e industriais, significou que as elites do Golfo mantiveram-se fortemente protegidas contra os piores impactos dos tumultos econômicos.

A experiência da crise, diferente em diferentes partes da região, indica não só o relativo fortalecimento dos maiores conglomerados e das famílias reinantes do Golfo, mas, também, o alargamento da fissura que separa os estados do CCG e outros estados no Oriente Médio. Isso indica que o neoliberalismo, observado na escala regional, teve dois efeitos: enriqueceu as classes capitalistas nacionais e, simultaneamente, consolidou a posição do CCG, como bloco, dentro da região.


- De que modo o relacionamento entre o CCG e as potências externas, sobretudo os EUA, mas também outras, modela hoje a política interior, entre os estados do Oriente Médio?
Como já dissemos, a importância do CCG para o mercado mundial foi aumentada com a maior internacionalização e a financeirização do capital no plano global. Indicação disso é a deriva rumo ao leste do petróleo do Golfo e dos petroquímicos exportados, que desempenhou papel importante no processo de conter a produção chinesa. De 2000 a 2006, o consumo de energia no mundo aumentou cerca de 20%, com, só a China, responsável por 45% do aumento da energia consumida no mundo nesse período Em 2007, cerca de 50% das importações chinesas de petróleo cru saíam do Oriente Médio. Hoje, metade de todo o petróleo que a Arábia Saudita extrai vai para a China, mais do que os sauditas exportam para os EUA; e em 2025 as importações chinesas de petróleo do Golfo devem equivaler a três vezes as importações dos EUA dessa região. O fluxo de excedentes financeiros do CCG para os mercados dos países de capitalismo avançado acompanha essas exportações de hidrocarbonetos.

No contexto de relativo declínio do poder dos EUA, e com a emergência de um mundo cada vez mais multiplolar, isso significa que o ‘bloco’ CCG (e, por extensão, o Oriente Médio) é zona chave para decidir que rumo tomarão as rivalidades entre os principais países capitalistas em disputa. Por isso, precisamente, a estratégica de longo prazo dos EUA põe em lugar central o estreito relacionamento militar e político com os estados do CCG. Esse relacionamento foi forjado no pós-II Guerra Mundial, mas continuou a aprofundar-se durante os anos 1980s (de fato, a própria formação do CCG em 1981 foi em grande parte uma consolidação dos estados do Golfo sob o guarda-chuva militar dos EUA, no contexto da guerra Irã-Iraque). O domínio na região foi fator estratégico chave nas invasões do Iraque e do Afeganistão comandadas pelos EUA e também é fator estratégico importante nas atuais disputas pelo controle da Ásia Central.

A crescente beligerância contra o Irã também tem de ser analisada sob essa luz. O anúncio, pelos EUA, há poucas semanas, de que reposicionarão suas forças militares localizadas no Iraque, para estados do CCG, é mais uma confirmação. Os estados do CCG já hospedam, hoje, a 5ª-Frota dos EUA (no Bahrain) e o quartel-general avançado do Comando Central dos EUA (Centcom) (no Qatar) – responsáveis por todo o engajamento militar, pelo planejamento e por operações em 27 países, do Chifre da África à Ásia Central. As monarquias do CCG dependem absolutamente da proteção militar que os EUA lhes dão, e dependem também de firme apoio político do ocidente (como mostra a reação contra o levante popular no Bahrain). Evidentemente, há rivalidades e pontos de tensão nas relações entre os EUA e os países do DDG (como há também entre os próprios estados do ‘bloco’ CCG), mas o ponto central é que esse relacionamento é fator decisivo para o domínio dos EUA em escala global.

Esse é o quadro geral para que se possa entender como os EUA e outras potências estrangeiras veem o Oriente Médio como um todo. Outras explicações – como os argumentos ocos e, na essência, liberais, sobre um “lobby israelense” que se supõe que ‘mande’ na construção da política externa dos EUA – são falsas explicações que nada explicam e, em minha opinião, devem ser descartadas.

Mas também as rivalidades entre estados que competem no mercado do mundo capitalista também de ser vistas à luz, também, de interesses que aqueles estados compartilham. A formação de classe nos CCG é profundamente atravessada pelo desenvolvimento do capitalismo como processo total, e o maior medo de qualquer dos países que hoje lideram o mercado mundial – mercado que, vale lembrar, inclui a China e a Rússia – é que haja alguma mudança significativa naquela estrutura de classe.

Em outras palavras, uma preocupação da qual partilham todos os grandes estados capitalistas é assegurar que os estados que constituem o CCG permaneçam completamente alinhados com os interesses do capitalismo mundial. As políticas das grandes potências no Oriente Médio, por isso, têm um caráter duplo: por um lado, todas querem ampliar seus interesses específicos competitivos; e, por outro lado, todas trabalham de modo cooperativo para evitar qualquer tipo de ‘desafio’ popular que sugira que a riqueza regional venha a ser usada para beneficiar mais as massas pobres, que a microscópica camada das elites parasitas ricas. Esse é o significado profundo dos levantes que ocorreram ao longo de 2011.


- Exceto o Bahrain, os estados do Golfo são conhecidos por apresentar baixo nível de insatisfação política, o que dá aos regimes autoritários assento firme no poder, apesar das profundas desigualdades materiais. Por quê? Será mais o resultado de fatores domésticos, ou é resultado modelado significativamente pelo tipo de relacionamento que há entre o Golfo e a ordem global?
Há uma história oculta e em boa parte esquecida, das importantes lutas sociais no Golfo. Dos anos 1950s aos anos 1970s, houve vários bem organizados movimentos de militantes árabes nacionalistas e de grupos de esquerda na região. Vê-se a importância desses movimentos, para mencionar apenas alguns, nas greves e manifestações de protesto nos campos de petróleo sauditas, na guerrilha na região de Dhofar em Omã, e no amplo apoio, no Kuwait e em toda a região, à luta dos palestinos. Sempre houve forte solidariedade nas populações do Golfo à causa palestina e a causas árabes nacionalistas, quase sempre associadas à presença de trabalhadores árabes palestinos, egípcios, sírios, do Iêmen etc.

Esses movimentos sempre foram reprimidos pelas monarquias no poder (apoiadas fortemente por assessores britânicos e norte-americanos). Mas, além da repressão, também se viu uma transformação na natureza do mercado de trabalho na região, que se tornou bem evidente ao longo dos anos 1980s e 1990s. Durante esse tempo, sobretudo depois das deportações feitas nos anos da Guerra do Golfo de 1990-1991, houve uma deriva, de operários árabes, que se converteram em trabalhadores migrantes temporários no sul e no leste da Ásia. Esses trabalhadores deslocados assinavam contratos de trabalho de curto prazo, quase sempre eram alojados em campos distanciados de qualquer contato com a população local e submetidos a restrições de todos os direitos trabalhistas e políticos. Em muitos casos, sobretudo nos setores nos quais os salários são mais baixos, esses trabalhadores migrantes sequer podiam levar a família.

Hoje, os estados do Golfo dependem muito fortemente desse tipo de trabalho migrante temporário (cerca de 70% dos trabalhadores vindos do sul e leste da Ásia, e 30%, do Oriente Médio (proporção que é praticamente o inverso do que se via em meados dos anos 1970s). Esses fluxos de trabalho diferem dos fluxos de migração permanente que se veem em outras partes do mundo, porque são migrações de curto prazo, não se discutem nesse caso qualquer tipo de direitos de cidadania, e tudo se faz com vistas a conseguir mandar a maior quantidade possível de dinheiro para o país de origem dos trabalhadores. Em todos os estados do CCG, os trabalhadores migrantes temporários representam mais da metade de toda a força de trabalho; e em quatro deles (Kuwait, Qatar, Omã e Emirados Árabes Unidos) os trabalhadores migrantes temporários ultrapassam os 80% da força de trabalho local. Fluxos de trabalho temporário que dependem quase completamente da estrutura do trabalho que se vê ali, associam firmemente as regiões exportadoras de trabalho aos padrões de acumulação típicos do CCG.

A relativa estabilidade e a ‘adaptabilidade’ do capitalismo no Golfo e de suas elites governantes estão intimamente conectadas àquela estrutura de classes. Altos níveis de exploração são possíveis, porque o visto de residente para o trabalhador é diretamente associado a manter-se empregado. Se desempregado, o trabalhador torna-se ‘ilegal’ e tem de deixar o país. Em outras palavras, uma vez que o direito de permanecer no país é condicionado ao emprego, o empregador tem imenso poder desigual sobre o trabalhador. Além disso, a reprodução generacional de classe é muito fragmentada, porque os trabalhadores quase sempre voltam para casa ao final dos contratos – laços de memória ou de solidariedade de classe são muito frágeis, e a ação coletiva é quase impossível, ou muito difícil. E há também restrições legais que impedem ações de classe: os sindicatos são absolutamente proibidos na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos; e muito limitados nos demais estados.

Contrariamente ao quadro geralmente aceito dessas sociedades, a pobreza relativa não existe entre os cidadãos de países como a Arábia Saudita (e nos demais países do Golfo). Mas a ausência de uma classe trabalhadora de cidadãos locais implica que as lutas políticas não têm efetiva base social. O conflito político nesses estados (exceto no Bahrain, que discutirei adiante) assim origina-se em geral da discórdia dentro da elite (como entre diferentes ramos da família real, e os conflitos entre intelectuais religiosos e a monarquia) ou entre movimentos islamistas – não de alguma ampla luta de classes. Essa relativa calma política pode ser comparada à situação em dois países vizinhos, também ricos em petróleo, o Iraque e o Irã, onde a classe trabalhadora tem longa história de mobilização e de persistente oposição às políticas ocidentais no Golfo e, em geral, no Oriente Médio.

Podem-se ver as implicações disso na reação à crise econômica de 2008. Imediatamente depois da eclosão da crise, os estados do Golfo praticamente não conheceram protestos ou fúria populares. É indiscutível verdade que alguns projetos muito propagandeados foram suspensos, que o consumo despencou e que vários negócios cerraram as portas – mas a população de cidadãos passou pela crise sem maiores danos. O que se viu foi uma diminuição na contratação de trabalhadores migrantes e – por exemplo em Dubai – milhares deles foram mandados para casa. Isso implica dizer que a real dor da crise só foi sentida nos números sempre crescentes de desempregados nas regiões em volta do Golfo.

O Bahrain, porém, é importante exceção parcial a esse padrão. O Bahrain tem menos riqueza auferida do petróleo que outros estados do CCG (só 0,03% das reservas comprovadas do CCG), e as peculiaridades de seu desenvolvimento histórico deixam ver uma considerável divisão sectária entre uma elite governante sunita (dominada pela monarquia Al Khalifa) e a população majoritariamente xiita. Apesar disso, a estrutura social no Bahrain não é efeito de algum conflito religioso persistente entre xiitas e sunitas (como em geral se lê na imprensa, e é a versão divulgada pela monarquia bahraini). De fato, a discriminação contra a maioria xiita que vive no país não pode ser compreendida se não se consideram as vias da formação das classes no país. Enquanto o país continua a depender pesadamente do trabalho migrante – em 2005, cerca de 58% da população do Bahrain eram trabalhadores migrantes não cidadãos – a maioria da população xiita permanece desempregada, é extremamente pobre e enfrenta dura discriminação sistêmica.

Em anos recentes, viu-se no Bahrain uma longa e mais avançada experiência de neoliberalismo (se comparada à dos outros estados do CCG). Isso acentuou muito o desenvolvimento capitalista desigual – aumentando as distâncias entre os cidadãos mais pobres (concentradamente xiitas) e as elites do setor privado e do estado, que se beneficiaram da posição do Bahrain, como “a economia mais livre do Oriente Médio” (segundo o índice de liberdade econômica da Heritage Foundation 2010). Em 2004, o Bahrain Centre for Human Rights estimava que mais da metade dos cidadãos bahraini viviam na pobreza e, simultaneamente, os 5.200 bahrainis mais ricos acumulavam, somada, riqueza de mais de $20 bilhões. O caráter mais proletarizado da população de cidadãos bahrainis, que se sobrepõe às vítimas da discriminação sectária, e tem sido reforçado pelo profundo impacto do neoliberalismo, explica que movimentos de esquerda e de caráter trabalhista continuem a ser significativo no país. Em períodos de poucos anos, e repetidamente, acontecer grandes greves e levantes de trabalhadores no país – e a intifada de 2011 é o exemplo mais recente.

Mas a importância do Bahrain estende-se além do próprio país. Há considerável população xiita na província leste da Arábia Saudita, região rica em petróleo – bem próxima da fronteira do Bahrain. Nessa região houve protestos no início de 2011, e há grande temor entre os estados do Golfo (e entre as potências ocidentais que os apóiam) de que um movimento bem sucedido no Bahrain deflagraria lutas semelhantes na Arábia Saudita e em outros pontos. Isso explica a furiosa repressão desfechada contra o povo bahraini ao longo de 2011, que incluiu envio de tropas sauditas, dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar ao país, para sufocar o levante. Mas não há dúvidas de que a história dos levantes no Bahrain ainda não terminou.


- Que importância tem a batalha pelos preços do petróleo? Que interesses estão em jogo, e como isso modela as políticas dos estados da região e as políticas externas das potências estrangeiras (dos EUA, por exemplo)?
Os fatores que determinam o preço do petróleo têm a ver com a oferta de diferentes tipos de petróleo e de outras fontes de energia, com a demanda global, com níveis de capital investido na indústria, com especulação e com a situação política no Oriente Médio. Tem havido tendência geral de alta desde 1999 (pontuada por forte queda logo depois do início da crise econômica de 2008) e, se as estimativas de oferta e procura globais são acuradas, o preço deve permanecer alto no médio prazo.

Petróleo caro mantém forte correlação com períodos de recessão, e como os anos 1970s mostraram, os países que mais dependam de petróleo importado podem ser duramente atingidos pelos preços altos. De fato, esse foi fator importante (facilitado em parte pela reciclagem dos petrodólares do Golfo) na explosão da dívida do sul, dos anos 1970s em diante. A tendência de alta dos preços dos alimentos que se vê hoje (em parte ligada ao preço dos hidrocarbonetos) indica que altos preços do petróleo pode ter impacto devastador, em vários sentidos.

O verso dessa medalha é, porém, o interesse que os estados do Golfo (e, claro, também as empresas de petróleo) tem em conseguir preços máximos. Há várias estimativas de qual seria o ‘ponto de equilíbrio’ para os estados do Golfo – o preço mínimo do petróleo para que aqueles estados cumpram seus compromissos fiscais. O FMI estimava, em 2008, que a Arábia Saudita precisava do petróleo a $49/barril para equilibrar seu orçamento fiscal naquele ano. Os valores mais baixos estimados pelo FMI para os estados do Golfo foram $23 para os Emirados Árabes Unidos e $33 para o Kwait; os mais altos $75 para o Bahrain e $77 para Omã. Na média, os países do CCG precisavam vender petróleo a $47/barril. Mas essas estimativas, muito provavelmente, são baixas demais. Temos de lembrar que os estados do CCG lançaram massivos programas de gastos, logo no início dos levantes, para tentar conter qualquer tipo de insatisfação popular interna. O Institute of International Finance, associação que reúne os maiores bancos do mundo, estimava, em março de 2011, que a Arábia Saudita precisaria vender o barril de petróleo, em média, a $88, em 2011 para que as contas do estado fechassem equilibradas. A Arábia Saudita é produtor chave, porque é dos poucos estados com potencial para aumentar a oferta mundial e, assim, fazer cair o preço do petróleo (embora alguns analistas da indústria discutam se essa possibilidade realmente existe e dizem que as reservas sauditas teriam sido superestimadas). Em resumo, há inúmeros diferentes fatores, interligados aqui de modo complexo. Mas me parece que o cenário mais provável em futuro próximo é alta continuada de preços e crescimento continuado de excedentes nos estados do CCG.


- A “Primavera Árabe” pode ameaçar o equilíbrio regional de poder e o equilíbrio das forças de classe dentro dos estados do Golfo?
Esse é, precisamente, o verdadeiro potencial dos levantes que se viram ao longo de 2011. Os dois processos que comentei – o peso crescente da economia regional e o impacto diferenciado da crise global – implicam a impossibilidade de tratar as escalas nacional e regional como esferas políticas diferentes. O que se vê à superfície como lutas ‘nacionais’ limitadas dentro de estados-nação individualizados, cresce inevitavelmente e desafia as hierarquias regionais mais amplas. Nesse contexto aconteceram os levantes da ‘Primavera Árabe’.

Há aí diferentes aspectos. Por um lado, pode-se ver o papel dos EUA e outras potências estrangeiras na região e, muito importante, também a posição de Israel. Os levantes (sobretudo o dos egípcios) fazem frente a todos esses aspectos, porque os regimes que estão sendo desafiados eram centrais para o modo como essa ordem regional foi construída. É errado, portanto, ver nos levantes exclusivamente uma questão de ‘democracia’ – como se a luta ‘política’ pudesse ser separada da luta ‘econômica’, ou a luta ‘nacional’, da luta ‘regional’.

E o mesmo se pode dizer do papel que os estados do CCG desempenham na economia política regional. Não estou dizendo que os slogans e demandas dos levantes visassem explicitamente os estados do CCG dessa maneira (ou que visassem explicitamente os EUA ou Israel), mas eles tinham, em sua lógica própria, um desafio implícito à ordem regional, que se veio desenvolvendo ao longo das duas últimas décadas.

As estruturas sociais que caracterizavam o regime político no Egito, na Tunísia e em outros pontos eram, elas mesmas, parte do modo como o Conselho de Cooperação do Golfo – associado à dominação pelas potências estrangeiras e à posição de Israel – estabeleceu o seu lugar baseado nas hierarquias do mercado regional. As lutas contra a ditadura que os levantes populares fizeram são, simultaneamente, interconectadas ao modo como o capitalismo desenvolveu-se em toda a região e, nesse sentido, são lutas contra o Golfo.

Isso explica as tentativas furiosas que os estados do Conselho de Cooperação do Golfo fizeram para conter e esvaziar os levantes – são tentativas absolutamente centrais na onda contrarrevolucionária que se vê hoje na região.

Parece-me que se pode dizer, convincentemente, que o imperialismo na região está articulado com – e em larga medida opera através dos – estados do CCG. A invasão da Líbia, em operação conduzida pela OTAN, é claro exemplo disso, com o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, em especial, desempenhando papel importante naquela invasão. Os estados do Golfo enviaram soldados, dinheiro e equipamento e – mais importante – encarregaram de garantir legitimidade política para o ataque à Líbia. Há vários outros exemplos – dentre outros, nos bilhões de dólares que os estados do Golfo prometeram aos regimes no Egito e na Tunísia; a intervenção militar no Bahrain; o convite a Jordânia e Marrocos, para que se juntem ao CCG (com o quê, todas as monarquias reacionárias da região ficam afinal reunidas num só bloco); e o papel central do CCG nas tentativas para mediar e controlar os levantes na Síria e no Iêmen. E, talvez o mais importante, as ameaças sempre crescentes que estão sendo feitas contra o Irã. De fato, a questão do Irã é tanto questão do CCG, quanto de Israel.

Portanto, sim, os levantes representam real possibilidade de alterar a ordem regional. O Egito, com sua ampla e bem organizada classe trabalhadora e organizações de esquerda muito mais fortes, é ponto chave da luta. Mas, voltando aos temas acima, no longo prazo não há soluções ‘nacionais’ para os grandes problemas do desenvolvimento desigual que o Oriente Médio e o Norte da África enfrentam. Esses problemas exigem solução pan-regional, e – e aqui está o ponto central – essa solução pan-regional implica confrontar a posição dos estados do CCG, que é o núcleo duro do capitalismo na região.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

EUA-CCG - atração fatal

 Pepe Escobar - 20/1/2012, Asia Times Online - “The U.S. – GCC fatal attraction” - Redecastorphoto - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Não há como entender o affair EUA-Irã, psicodrama maior que a vida, o ímpeto ocidental para mudar os regimes de Síria e Irã e os padecimentos e atribulações da(s) Primavera(s) Árabe(s) – já ameaçada(s) de inverno perpétuo – sem examinar de perto a atração fatal entre Washington e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). [1]

O Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), clube de seis ricas monarquias do Golfo Persa (Arábia Saudita, Qatar, Omã, Kuwait, Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, EAU), foi fundado em 1981 e imediatamente configurado como principal quintal estratégico dos EUA para as invasões do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, para a longa batalha no Novo Grande Jogo na Eurásia, e, também, como quartel-general para “conter” o Irã.

A 5a. Frota dos EUA está estacionada no Bahrain e o quartel-general avançado do Comando Central (Centcom) dos EUA está localizado no Qatar; o Centcom policia nada menos de 27 países, do Chifre da África à Ásia Central – que o Pentágono, até recentemente definia como “o arco de instabilidade”. Em resumo, o Conselho de Cooperação do Golfo é como um porta-aviões dos EUA no Golfo, ampliado para dimensões de Star Trek.


Prefiro falar do CCG como Clube Contrarrevolucionário do Golfo – por causa da performance destacada que teve na supressão da democracia no mundo árabe, desde antes de Mohammed Bouazizi atear fogo ao próprio corpo na Tunísia há mais de um ano.

Na linha de Orson Welles em Cidadão Kane, o Rosebud do CCG é que a Casa de Saud só vende seu petróleo em troca de dólares dos EUA – daí a proeminência do petrodólar – e, em troca disso, recebe apoio militar e político massivo e incondicional dos EUA. Além disso, os sauditas impedem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) – afinal, a Arábia Saudita é o maior produtor mundial de petróleo – faça preço e venda petróleo numa cesta de moedas. Assim, esses rios de petróleo fluem diretamente para comprar produtos financeiros à venda na bolsa dos EUA e para os papéis do Tesouro dos EUA.

Durante décadas, todo o planeta viveu como refém dessa atração fatal. Até agora.

Quero todos os seus brinquedos! O Conselho de Cooperação do Golfo é, essencialmente, o núcleo duro do império no mundo árabe. Sim, trata-se essencialmente de petróleo; o Conselho de Cooperação do Golfo será responsável por mais de 25% da produção global de petróleo nas décadas imediatamente futuras. Aquela microscópica classe dominante – as monarquias e seus sócios comerciais – opera como um anexo crucialmente decisivo para que o poder dos EUA se projete pelo Oriente Médio e adiante.

(Clique no link abaixo para ampliar o mapa)

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVBh0s3xL1F1l8YsF9gungw1d5Mvwwydu3llCmjmBHPmpfpWVzb5Wy454_2TRi2j1gGgUa-iK6JTb_dOpbZGlM4QvLaRs-ZFOyODMxEoCKK_oR72WLVMh6qpwrdMp86m0WVH4KimPECmO5/s1600/Golfo+P%25C3%25A9rsicousa%252520iran%252520800.jpg

Isso explica, dentre outros fatores, por que em outubro do ano passado Washington fechou sumarento negócio de US$67 bilhões – o maior negócio bilateral na história dos EUA – para abastecer a Casa de Saud com monumental coleção de flamantes modelos F-15s, Black Hawks, Apaches, bombas explode-bunker, mísseis Patriot-2 e navios de guerra último tipo.

Isso explica por que Washington encheu os arsenais dos Emirados Árabes Unidos com milhares de bombas explode-bunker; e os arsenais de Omã, com mísseis Stinger. Para nem falar de outro mega sumarento mega negócio – de US$ 53 bilhões – com o Bahrain, que só não está ainda assinado porque organizações de direitos humanos – diga-se a favor delas – denunciaram ferozmente o negócio.

E há também o deslocamento – ou, em idioma do Pentágono, o “reposicionamento” – de 15 mil soldados dos EUA, do Iraque para o Kuwait.

A justificativa para toda essa orgia armamentista nos é impingida pela lógica suspeita de sempre: seria necessário construir uma “coalizão de vontades” para “conter” o Irã. Por que o Irã? Meio-piada, meio a sério: porque o Irã não faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo – quer dizer, porque já não é satrapia subserviente dos EUA, como antigamente, naqueles bons velhos tempos do Xá.

Adam Hanieh, professor de estudos do desenvolvimento na School of Oriental and African Studies (SOAS) em Londres, e autor de Capitalism and Class in the Gulf Arab States [Capitalismo e Classes nos Estados Árabes do Golfo] foi dos poucos analistas globais que se empenhou em decodificar a centralidade do Conselho de Cooperação do Golfo na estratégia imperial. Em entrevista radicalmente importante, alinha o que é preciso saber. E não é bonito. [2]

Como Asia Times Online tem documentado extensamente, a Primavera Árabe morreu, praticamente, quando o Conselho de Cooperação do Golfo entrou em cena. Em Omã, o sultão Qaboos basicamente distribuiu montanhas de dinheiro. Na Arábia Saudita, houve feroz prevenção e repressão hardcore sustentada, na província do Leste, de maioria xiita, próxima do Bahrain, e província onde está o petróleo dos sauditas.

E no próprio Bahrain, houve não só repressão violentíssima – com prisões e tortura documentadas de centenas de manifestantes pró-democracia – mas o país foi invadido por soldados e tanques da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.

A invasão talvez tenha dado ao Conselho de Cooperação do Golfo o prazer adocicado da expansão territorial. O Marrocos e a Jordânia – embora, em termos geográficos básicos, não estejam no Golfo – foram “convidados” a participar do clube dos ricos: afinal, são também monarquias sunitas reacionárias como se exige; não são repúblicas árabes seculares “decadentes” como Líbia e Síria.

Questão interessante é por que a Primavera Árabe não irrompeu na Jordânia – uma vez que o mesmo vulcão socioeconômico que entrou em erupção na Tunísia e no Egito é ativo também na Jordânia. A parte chave da resposta é que o Conselho de Cooperação do Golfo – ainda mais que Washington, capitais europeias e Israel – vive sob medo pânico de que o trono hashemita seja derrubado.

Para a imensa riqueza do CCG, é facílimo controlar a Jordânia – país pequeno, onde a maior parte da população é, de fato, de palestinos, com oposição mínima (não é surpresa: a inteligência jordaniana prendeu ou matou todos os dissidentes). O que gasta para manter essa situação é dinheiro de bolso para o Conselho de Cooperação do Golfo, se comparado aos bilhões de dólares destinados a Egito e Tunísia, para que ninguém ali se atreva a tornar-se democrático “demais”.

Não havia outra via, para o Conselho de Cooperação do Golfo, além de converter-se em Central da Contrarrevolução, depois da onda democrática inicial que varreu o Norte da África. Como Hanieh destaca, as massas empobrecidas no Oriente Médio/Norte da África [ing. MENA (Middle East-Northern Africa)] jamais preocuparam os autocratas reinantes no Golfo.

A culminação desse processo foi o nascimento de uma nova monstruosidade geopolítica – OTANCCG ou CCGOTAN, na qual se corporificou o papel central que Qatar e os Emirados Árabes Unidos tiveram na invasão – e destruição – da Líbia, pela OTAN. A Líbia foi "operação especial” do CCG – do dinheiro vivo e armas entregues diretamente aos “rebeldes”, aos agentes treinados e à inteligência e por fim, mas não menos importante, à legitimação política (que obtiveram num arremedo de votação na Liga Árabe, para conseguir que a ONU aprovasse a implantação de uma zona aérea de exclusão; nesse arremedo de votação só 22 membros da Liga Árabe votaram “sim”; e, desses, seis eram membros do CCG; os outros três outros votos foram comprados; e Síria e Argélia votaram “não”).

A piada trágica mãe de todas as piadas trágicas vem agora: o CCG está tentando intervir e, de fato, já financia os sunitas fundamentalistas extremistas na Síria, que aparecem travestidos como manifestantes pró-democracia. Quando o débil secretário-geral da ONU Ban Ki-moon conclama o presidente Bashar al-Assad a pôr fim à violência contra manifestantes sírios e diz que acabou o tempo das dinastias e ditaduras de um só homem no mundo árabe, ele crê, obviamente, que o Conselho de Cooperação do Golfo seja colônia instalada num dos anéis de Saturno.

Depois que venceu na Líbia, o monstro CCGOTAN ganhou ímpeto. A estratégia do CCG de mudança de regime na Síria foi selecionada porque pareceu ser a melhor para enfraquecer o Irã e o chamado “crescente xiita” – ficção inventada durante o governo de George W Bush, pelo reizinho de Playstation da Jordânia e pela Casa de Saud.

O que nos leva a uma pergunta inevitável: e o que os dois principais BRICS – Rússia e China – estão fazendo em relação a tudo isso?

E entra o dragão!

O imensamente poderoso secretário do Conselho Nacional de Segurança da Rússia e ex-chefe da FSB (sucessora da KGB), Nikolai Patrushev – que visita frequentemente o Irã – já alertou sobre “o perigo real” de os EUA atacarem o Irã; os EUA, diz ele, “querem converter o Irã, de inimigo, em parceiro apoiador; e, para conseguir isso, o plano é mudar o atual regime, pelos meios necessários.” [3]

Para a Rússia, mudança de regime no Irã é questão “não-não”. O vice-primeiro ministro da Rússia e ex-enviado à OTAN, Dmitry Rogozin, já declarou, sem meias palavras: “o Irã é nosso vizinho próximo, logo ao sul do Cáucaso. Se algo acontecer ao Irã, se o Irã for arrastado a dificuldades políticas e militares, o que acontecer ali ameaçará diretamente nossa segurança nacional”. [4]

O que implica que, de um lado, temos Washington, OTAN, Israel e o CCG. Não se pode chamar de “comunidade internacional” como diz o coro de especialistas nos jornais. E, do outro lado, temos Irã, Síria, um Paquistão-já-farto-das-conversas-de-Washington, Rússia, China e vários dos 120 países reunidos no Movimento dos Não Alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)].

A posição da China frente ao CCG provoca deslumbramento, suprema fascinação. O primeiro-ministro chinês Wen Jiabao acaba de visitar os três países chave do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar.

Imaginem Wen Jiabao a dizer ao Príncipe Coroado Nayef (meio irmão do rei Abdullah), em Riad, que Pequim deseja que “empresas chinesas fortes e de sólida reputação” invistam fortunas em portos, estradas e no desenvolvimento da infra-estrutura na Arábia Saudita – como parte de uma “cooperação ampliada”, para enfrentar tendências regionais e internacionais complexas e mutáveis”. Imaginem Nayef salivando por baixo daquele poderoso bigode, reafirmando que a Casa de Saud, sim, sim, deseja “expandir a cooperação” em energia e infraestrutura.

O que acrescenta tempero à mistura é que Pequim também mantém relacionamento estratégico com o Irã – e saudável relacionamento comercial com a Síria. Assim sendo, no que tenha a ver com o Oriente Médio e a Ásia Central, Pequim está apostando – diferente do Pentágono – num verdadeiro “arco de estabilidade”.

Como a agência Xinhua noticiou, naquele estilo amplamente inclusivo que não tem rival no mundo, o que interessa à liderança em Pequim é que China, sudoeste asiático e Ásia Central tirem “pleno proveito de suas potencialidades respectivas e busquem, juntas, o desenvolvimento comum”. Por que, diabos, Washington nunca aparece com ideia simples assim?

É verdade que quem domine o Conselho de Cooperação do Golfo – com armas e apoio político – projeta globalmente o próprio poder. O Conselho de Cooperação do Golfo tem sido absolutamente decisivo para a hegemonia dos EUA dentro do que Immanuel Wallerstein define como sistema-mundo.

Passemos os olhos por alguns números. Desde o ano passado, a Arábia Saudita exporta mais petróleo para a China que para os EUA – parte de um processo inexorável pelo qual as exportações de bens e energia dos países do CCG estão-se mudando para a Ásia.

Ano que vem, com o petróleo a $70/barril, o CCG acumulará $3,8 trilhões em recebimentos estrangeiros. Com a infindável “tensão” no Golfo Persa, nada sugere, no futuro próximo, que o petróleo seja vendido a menos de $100. Nesse caso, os recebimentos com que o CCG contará alcançarão espantosos $5,7 trilhões – 160% a mais que antes da crise de 2008, e mais de $1 trilhão acima das reservas chinesas em moeda estrangeira.

Simultaneamente, a China estará fazendo mais negócios com o GCC. O GCC está importando mais da Ásia – embora a principal fonte de importações ainda seja a União Europeia. E o comércio entre EUA e o CCG está encolhendo. Em 2025, a China estará importando três vezes mais petróleo do CCG, que os EUA. Claro que a Casa de Saud está – para não exagerar – loucamente entusiasmada com Pequim.

No momento, vê-se predomínio militar do CCGOTAN e, em termos geopolíticos, do CCGEUA. Mas antes do que se supõe Pequim pode chegar ao ouvido da Casa de Saud e sussurrar “E se eu lhe pagar por esse petróleo, em Yuan?”. A China já compra petróleo e gás iranianos em Yuan. Quem sabe... petroyuan, em vez de petrodólar? Quem sabe? Afinal, sim, pode ser Star Trek.

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Notas dos tradutores
[1] 18/1/2012. Pepe Escobar “O mito do Irã isolado”, Ásia Times & Tom Dispatch
[2] LEWIS, Ed & HANIEH, Adam (entrevista) sobre Capitalism and Class in the Gulf Arab States, New Left Project,
[3] 14/1/2012 MK Bhadrakumar; “A avaliação dos russos: “Já se vê no horizonte uma nova guerra dos EUA no Oriente Médio”
[4] 15/1/2012, Washington’s blog: Rússia: “Shoud Anything Happen to Iran... This Will Be a Direct Threat to our National Security”