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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Nossa terra cada vez menos verde e amarela

06/02/2014 - Rogério Grassetto Teixeira da Cunha (*)
Correio da Cidadania

A coisa na área ambiental anda ruim, muito ruim. E poderá piorar neste ano. As razões para este pessimismo são muitas.

Como o fato de que o mostrengo da usina de Belo Monte, no rio Xingu, deve entrar em funcionamento em sua primeira etapa talvez já no final de 2014.

É neste ano que provavelmente acontecerá o remanejamento das famílias e a supressão da vegetação das ilhas e de boa parte das margens do Xingu ao longo do futuro lago.

O governo, fazem já dois anos, ou muito mais que isso, se contarmos toda a história das tentativas ao longo das últimas décadas, lançou-se de cabeça na insanidade de construir esta 
famigerada usina.

Não repetirei aqui toda a história de erros, ilegalidades e mentiras acumulados ao longo deste percurso, analisada extensamente nesta coluna por Rodolfo Salm.

Porém, agora, com a obra já bem encaminhada, percebi alguns setores da grande mídia mostrando algumas de suas nefastas consequências ou “preocupando-se” com problemas ambientais na região. 

Pode ser uma mera coincidência, claro, ou um viés pessoal meu, pois esporadicamente pipocaram aqui e ali algumas matérias mostrando os problemas da obra. Mas achei o “timing” no mínimo curioso (seria por causa da eleição, pergunto retoricamente?).

Em uma série de reportagens da rádio CBN (aqui e aqui), por exemplo, foi analisada a mineração na região amazônica, e mencionada a instalação da mineradora de ouro canadense Belo Sun na região de Altamira, próximo à nova usina, com um tênue espaço para os impactos da mineração na região.

Faz tempo que os ambientalistas chamam a atenção para o fato de que um dos principais motivos para a construção de hidrelétricas na Amazônia é fornecer energia barata para projetos de mineração, que vão ganhar cada vez mais espaço na Amazônia. É o amarelo do ouro de nossa bandeira, indo para fora do país, como desde sempre.

no site da Folha, um material muito bem produzido abre caminho para que a população desinformada do nosso “sul 
maravilha” conheça um pouco dos impactos da obra.

Só as fotos do canteiro de obras deixam, sob o ponto de vista da natureza, qualquer filme da série “Sexta-Feira 13” no chinelo.

Apesar disto tudo, a usina será ligada, a exploração mineral vai ocorrer na região e o desmatamento e degradação vão aumentar o volume de suas trombetas do apocalipse.

Aqui é o verde da nossa bandeira sendo dilapidado também.

Não é com nenhuma felicidade (muito pelo contrário) que diremos: nós avisamos. Nós, ambientalistas, sempre ressaltamos alguns dos reais motivos das obras: favorecer setores industriais eletro-intensivos e um modelo de ocupação na Amazônia que não irá beneficiar a população local (exceto com as costumeiras migalhas), mas sim grandes capitais externos e internos.

Ao fazermos isto, as reações de sempre: fomos taxados de contrários ao desenvolvimento, de jogarmos um bagre no colo de Lula, de estarmos na contramão do progresso etc. O velho e cansativo ramerrão. Mas este será um caso em que demonstrar estar-se certo trará muita tristeza e melancolia, não alegria.

O pessimismo do artigo advém também do fato de que a sanha dos barrageiros na Amazônia é imensa, e que seu desrespeito por tudo (regras, bom senso, ambiente, população local) é 
absoluto.

Sua gana agora volta-se contra o rio Tapajós, em uma região totalmente desabitada no coração da floresta.

Em ano eleitoral, quando a necessidade de mostrar serviço é maior, podemos esperar novos avanços sobre a Amazônia.

E também, escrevam aí, nos próximos anos veremos políticos e economistas defendendo aquilo que, quando do debate sobre a construção ou não de Belo Monte, foi “prometido” que não seria feito: a instalação de novas barragens rio Xingu acima.

Isto serviria para regularizar o fluxo do rio ao longo do ano e resolver a principal crítica técnica à obra, a de que a vazão baixa na época da seca diminui drasticamente seu potencial gerador de energia em boa parte do ano.

Cada vez mais aparecerão artigos nos jornalões e comentaristas dos grandes veículos defendendo esta ideia.

Isto porque a região amazônica é vista pelos barrageiros, pelos governos e pelas empreiteiras, que coincidentemente financiam campanhas e constroem barragens (ou seria o oposto? Nunca sei ao certo.), como a grande fronteira hidrelétrica do país.

Neste assunto, precisaríamos de um Bom Senso Ambiente Clube inspirado no Bom Senso Futebol Clube.

Mas a importância dada ao meio ambiente no Brasil é, infelizmente, infinitamente menor que ao futebol, embora os desmandos e tapetões guardem sórdida semelhança.

Um outro motivo para pessimismo é justamente o fato de tratar-se de ano eleitoral. E anos eleitorais não são mesmo época para se apertar a fiscalização.

Embora reconhecendo os avanços sociais nestes quase 12 anos de governo petista, também entendo que seu pior desempenho foi na área ambiental. E os governantes do partido serão cobrados duramente por isto pela história, que, com o passar dos anos, dará muito mais destaque a esta chaga do que ao belo show do assim chamado “mensalão”.

Parte deste desempenho ambiental pífio (ou melhor, nefasto) deve-se ao noivado e casamento de Lula com o setor do agronegócio, sendo que Dilma parece muito contente com a duradoura união. 

Alianças com líderes locais são melindrosas, e eles não devem ser provocados. De mais a mais, a atenção de boa parte da opinião pública estará voltada para mais um round do UFC PT x PSDB (embora a dupla Marina/Campos esteja doida para entrar no octógono e melar a disputa), o que provavelmente deixará brechas para os desmatadores.

E, para fechar a conta, ainda teremos o oba-oba da Copa dos estádios bilionários.

Provavelmente, ocorrerá mais outro oba-oba de manifestações acéfalas e genéricas (muitas delas ocas, como a maioria das de junho, ou manipuladas por este ou aquele esperto tentando tirar uma casquinha eleitoral).

Nelas, falar-se-á de quase tudo (principalmente de lemas pequeno-burgueses “contra a corrupção”), menos de meio ambiente, deixando os destruidores sempre muito à vontade.

Afinal, episódio recente da invasão do Instituto Royal em São Paulo demonstrou que a opinião pública se sensibiliza muito mais com algumas dezenas de cachorros beagle (sem entrar aqui no mérito da questão, apenas reconhecendo objetivamente o fato) do que pelos milhões (ou bilhões, se incluirmos na conta insetos e outras formas de vida menos “in”) de animais e plantas sacrificados todos os dias devido à destruição da maior floresta tropical do planeta que, não custa lembrar, tem girado em torno de 1200 a 2000 campos de futebol por dia nos últimos anos.

É isto aí, Amazônia, feliz 2013! Pois, na região, cada ano parece melhor que o que virá.

(*) Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é docente da Universidade Federal de Alfenas-MG e, apesar do pessimismo, lá no fundo tem sempre uma esperança.

Fonte:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9231:meioambiente060114&catid=28:ambiente-e-cidadania&Itemid=57

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Território das comunidades tradicionais: uma disputa histórica

21/01/2013 - por Viviane Tavares (*) - extraído do site EcoDebate

Diferentes comunidades tradicionais sofrem em todo país por conta de megaempreendimentos que disputam territórios habitados por elas há séculos para implementar projetos de ‘desenvolvimento’.

Tradição, do latim, traditio onis, que significa ação de dar; entrega. De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, a palavra se traduz pelo ato ou efeito de transmitir ou entregar; ou comunicação oral de fatos, lendas, ritos, usos, costumes de geração para geração.

Para o decreto nº 6040/07, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades, os grupos tradicionais são aqueles culturalmente diferenciados, que se reconhecem como tais, ‘que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição’.

Já os gestores dos grandes empreendimentos e grandes construções definem esses grupos como um entrave para o desenvolvimento do local em que estão construindo suas obras.

Aldeia Maracanã e pescadores artesanais da Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro; os Guaranis Kaiowás, no Mato Grosso do Sul; os índios Juruna, e Yawalapiti, além de outras tantas tribos em Belo Monte (foto acima), os quilombolas do Maranhão e também os de Minas Gerais, todos esses, além de serem considerados e se auto reconhecerem como comunidades tradicionais compartilham também de outra questão: a luta pela preservação da sua cultura e da sua memória histórica-social.

De acordo com dados da Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SCDC/MinC), o Brasil, que se caracteriza por sua multiplicidade sociocultural e se vangloria para o mercado externo desta, é composto por 522 etnias com modos e culturas particulares.

Na contabilidade feita pela secretaria, são, no total, oito milhões de brasileiros que vivem em comunidades tradicionais.

A coordenadora de Pesquisa e Projetos de Povos e Comunidades Tradicionais da SCDC/Minc, Jô Brandão (foto abaixo), lembra que estas comunidades vivem em brigas constantes de direitos, mas que estes não podem ser confundidos com privilégios.

Grande exemplo disso é a questão dos territórios, que, para Jô Brandão, deve ser rediscutida de maneira abrangente e considerando diferentes peculiaridades.

A lei de terras (Lei 601/1850) do Brasil, que é muito antiga e teve poucas reformas, estabelece o processo de titulação individual, com demarcação de lotes e de quantidade de hectares por família. Isso pode até servir para determinado campo como o de agricultura familiar, mas não serve para o quilombo, por exemplo.

Estas comunidades surgem de modo diferente. Existem 300 famílias e o título é apenas um, que demarca o território para a necessidade de sobrevivência deste grupo. A mesma coisa se passa com os indígenas, não tem como intitular um lote para cada família. As terras indígenas têm um espaço coletivo, no qual, várias famílias moram e produzem.

Se for intitular uma aldeia com o nome de cada pessoa, de cada família, isso vai virar um problema, além disso, o que nunca levam em consideração é a questão identitária. Não adianta tirar de suas terras de origem e colocá-las em outra com demarcações. Eles não sobreviveriam em um conceito individualista”, explica a coordenadora do SCDC/MinC.

Comunidades tradicionais e seus territórios







“Nós, que somos os ancestrais habitantes da Bacia do Xingu, que navegamos seu curso e seus afluentes para nos encontrarmos; que tiramos dele os peixes que nos alimentam; que dependemos da pureza de suas águas para beber sem temer doenças; que dependemos do regime de cheias e secas para praticar nossa agricultura, colher os produtos da floresta e que reverenciamos e celebramos sua beleza e generosidade a cada dia que nasce; nós temos nossa cultura, nossa espiritualidade e nossa sobrevivência profundamente enraizadas e dependentes de sua existência”.

A carta produzida no encontro Xingu Vivo para Sempre, realizado em Altamira (PA) em maio de 2008, mostra a dependência material e afetiva dessas comunidades com a terra.

A grande questão a ser discutida, como explica a coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isolete Vichinieski, é o reconhecimento dessas comunidades por parte do Estado como espaço diferenciado e sua devida proteção.

”As comunidades tradicionais têm uma relação diferente com a terra, com a questão da natureza e com a própria organização social. Esses espaços vão muito além do geográfico porque eles são também culturais. Não adianta levar essas pessoas para outra realidade.

Além disso, essas políticas compensatórias que acabam gastando muito mais recursos não resolvem porque são, na verdade, uma maquiagem do desenvolvimento, afinal, acabam gerando apenas dependência dessas comunidades que se autossustentavam, em vez de proporcionar uma melhor qualidade de vida às pessoas”, analisa.

O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, caracteriza esses impasses como empobrecimento da cultura local.

“O valor cultural dos povos originários é desconsiderado quando a lógica é do preço e do lucro na perspectiva dos patrocinadores desses grandes empreendimentos.

A desterritorialização da Aldeia Maracanã (foto) e de tantos outros espaços que vêm sofrendo as mesmas ameaças significa o empobrecimento da cidade.

Infelizmente, este não é um caso isolado, pois verificamos que tanto a lógica da Copa do Mundo e de outros megaempreendimentos é a mesma, uma visão de cidade empresa”, analisa Alexandre.

Para Jô Brandão, a questão territorial vai além da posse de terras porque é uma questão identitária e ressalta que essas comunidades têm como uma de suas características  o modo de vida em coletividade.

Ela ressalta que o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito aos territórios a esses povos e o respeito ao seu modo de vida.

“Não existe um indígena sozinho, em seu próprio espaço, ele faz parte de um contexto coletivo.

Da mesma forma são os quilombolas, as comunidades de terreiro, os ciganos e outros grupos que a gente reconhece e que se reconhecem como comunidades tradicionais por manter suas práticas culturais ancestrais.

Precisamos regulamentar a Convenção 169, da qual somos signatários há dez anos, para que eles possam de fato fazer valer seus direitos. No entanto, a mobilização tanto das comunidades, quanto da sociedade civil, já conquistou muita coisa nesses últimos anos, mas precisamos lutar mais e ter o direito garantido”, diz a coordenadora.

Casos emblemáticos
Um dos casos mais recentes de luta pelo território é o do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Instalado em um antigo casarão de 1862, o local hoje abriga a Aldeia Maracanã, na qual convivem hoje índios de diversas etnias como Puris, Botocudos, Tapajós, Guajajara, pataxós, tukanos, fulni-o e apurinãs, Potiguaras, Guarani, Kaingáng, Krikati, Pankararu, Xavante, Ashaninkas, entre outras.

O espaço fica nas proximidades do Estádio Mário Filho, o Maracanã – que está em reforma desde 2010 por conta das exigências da Fifa para abrigar jogos da Copa do Mundo a ser realizada em 2014.

A proposta do Governo do Estado é que o espaço cultural seja demolido para dar mais mobilidade ao empreendimento e que os indígenas que vivem no local sejam deslocados por meio de programas compensatórios como, por exemplo, o aluguel social.

A demolição do prédio pode ser decidida a qualquer momento pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). O Ministério Público da União já apresentou uma ação contrária à demolição e a Defensoria Pública da União, além de ter recorrido da decisão do TRF, acionou a Fifa, que se posicionou contrária à demolição por escrito, e também recorreu à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos para que o debate tome caráter internacional.


O defensor público federal Daniel Macedo (foto-E), um dos responsáveis pela ação, defende que o espaço habitado pelos indígenas é inegociável. Além disso, ele explica que as propostas já realizadas não levaram em consideração as particularidades dos grupos afetados.

“Para a reinserção desses índios, eles devem ser colocados em local congênere; deve haver um depósito público para a guarda dos bens, a Vara da Infância e Juventude deve ser comunicada por conta das crianças que vivem no local, entre outras coisas. Não dá simplesmente para entregar um aluguel social como forma compensatória”, explica.

O professor Alexandre Pessoa lembra também o caso dos pescadores artesanais da Baia de Guanabara e da Baia de Sepetiba, que vêm sofrendo por conta das construções do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Thyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). (veja entrevista com Alexandre Anderson da ONG AHOMAR concedida à EPSJV).


“Os pescadores artesanais, que trazem sua cultura de várias gerações e têm o cordão umbilical diretamente ligado com os ecossistemas também estão sofrendo violações de direitos humanos. Eles estão sendo expulsos dos seus territórios porque as baías estão perdendo a finalidade de ecossistemas e de bens comuns.

Dentre as suas reivindicações está o reconhecimento dessas comunidades como tradicionais, o direito à pesca e aos seus territórios, a exemplo do Movimento Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP)”, explica Alexandre.

E completa: “Eles vêm perdendo a sua fonte de renda por meio da pesca artesanal e de subsistência e, consequentemente, perdendo seu território, sua saúde e habitação. Isso significa que milhares de famílias têm saído de uma condição historicamente constituída. Precisamos fazer uma vigilância ao desenvolvimento”.

Jô Brandão explica que desde o Decreto 6040/07 as comunidades caiçaras e os pescadores artesanais já são consideradas comunidades tradicionais e também têm representantes na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), que atua com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social no fortalecimento social, econômico, cultural e ambiental dos povos e comunidades tradicionais.

“O caso dos caiçaras que vivem de pesca artesanal ainda é mais complicado porque esbarra também na questão ambiental, como é vivido pela comunidade da região da Jureia, em São Paulo, que se encontram agora em uma área de preservação ambiental.

Dependendo do formato e do modelo desta área de preservação, ela não permite a presença das pessoas no local, que é o caso de lá, e isso tem gerado muito conflito porque os caiçaras estão ficando desamparados”, lembra.

O caso do município de Alcântara, no Maranhão, onde vivem mais de 100 quilombos também é lembrado por Jô Brandão. Segundo ela, os quilombolas estão sofrendo ameaças pela segunda vez de serem expulsos de suas terras, por conta de obras de ampliação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), do Comando da Aeronáutica, mas por meio da luta e o amparo pela Convenção 169 impediu este novo deslocamento. A primeira vez foi na construção do CLA na década de 80, em que os quilombolas foram vítimas de deslocamentos compulsórios.

A construção da Hidrelétrica de Belo Monte, na barragem do Rio Xingu, no Pará, também é emblemático nessa questão.

Considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, a construção além de ter sérios impactos ambientais (ver na matéria publicada no site da EPSJV), deve deslocar 14 diferentes povos indígenas, totalizando milhares de famílias, de suas terras originárias.

O estudo de viabilidade técnica vem sendo executado desde 1980, mas foi em 2009, momento em que foi apresentado o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e logo após, no início de 2010, quando o Ministério de Meio Ambiente concedeu a licença ambiental prévia para sua construção, que os conflitos ficaram mais tensos.

Até agora grande parte das condicionantes propostas no estudo não foram cumpridas, no entanto, o projeto está sendo realizado.

“O Brasil vem caminhando na contramão da preservação de patrimônio histórico e cultural dessas comunidades que chegaram antes da gente. Em nome do capitalismo, do empreendedorismo, estão fulminando culturas como os índios e os quilombolas.

Infelizmente, vivemos um momento obscuro na manutenção desses povos indígenas e tantos outros povos.

O Brasil que vende a imagem de ter índios e negros está acabando com esses povos.

É inimaginável que por conta de um evento ou de uma construção estamos limando nossa história”, lamenta o defensor público federal.

Desenvolvimento x tradição?
O desafio se dá por conta da preservação das comunidades tradicionais e o meio em que vivem e o desenvolvimento do país, mas estes dois caminhos são conflitantes?

Para Jô Brandão (foto) a resposta é não, mas essa é a principal barreira a ser enfrentada.

“De um lado você tem uma legislação de amparo e reconhecimento, mas que ainda é falha, e de outro, você tem um projeto de desenvolvimento que não leva em consideração esses povos. A questão é conciliar a proposta de desenvolvimento com a preservação da vida. As comunidades que reivindicam seus direitos não são contrárias ao desenvolvimento”, analisa.

Isolete, da CPT, afirma que no Brasil atualmente existe um alto índice de conflito territorial e agrário em função de inúmeras propostas de infraestrutura que estão sendo desenvolvidas ou previstas em áreas que constam como territórios tradicionais.

“Quando se assume uma proposta de um modelo de desenvolvimento do país, tem que se pensar a partir das comunidades, das pessoas. Mas o que vemos hoje é diferente."



"O modelo de desenvolvimento atual é a partir do interesse de grandes corporações nacionais e internacionais, a partir de interesses econômicos”.

E ressalta: “Essas grandes obras estão sendo colocadas como uma saída econômica para o Brasil, assim como o projeto desenvolvimentista da década de 1970. A gente acaba repetindo o mesmo projeto que teve consequências negativas, como os inchaços das cidades e a precarização das relações de trabalho”.

A coordenadora da CPT indica ainda que o caminho para o desenvolvimento possível deve respeitar essas comunidades e fortalecê-las de forma a levar em conta seus conhecimentos seculares.

“Precisamos pensar em um modelo que possa se relacionar com as pessoas, com a natureza e as cidades de forma sustentável. É uma maneira de alavancar um projeto de desenvolvimento do Brasil.


O exemplo claro disso é a agroecologia, que hoje é a grande responsável por produzir alimentos consumidos no país”, destaca.

(*) Viviane Tavares é jornalista, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz

Fonte:
http://www.ecodebate.com.br/2013/01/21/territorio-das-comunidades-tradicionais-uma-disputa-historica-por-viviane-tavares/

Nota:
A inserção de algumas imagens, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 15 de abril de 2012

Um “Xingu” comportado demais

09/04/2012 - Ivana Bentes
Extraído do blog Outras Palavras


Embora belo e didático, o filme não explora cosmologias e formas de viver-pensar indígenas — nem a sideração de “tornar-se outro”, presente em “Avatar
Por Ivana Bentes*


Fui ver “Xingu”, na estréia no Roxy, e é muito fácil embarcar no filme: didático, belo, comportado. E fiquei pensando o que Herzog faria com essa história, com um potencial tão disruptivo e perturbador! Eu queria ver outro filme, e definitivamente “Xingu” não é sobre os “indios”, mas sobre a relação dos brancos com um mundo que precisam neutralizar e que é, de certa forma, insuportável.


O filme aplaca certa culpa e junto com ela neutraliza nosso devir-indio, com essa pragmática e bela defesa do “parque temático” do Xingu, que evitou a dizimação ainda mais atroz de indios brasileiros. Um gesto corajoso e político dos irmãos Villas Boas, a batalha pela demarcação de uma incrível reserva indígena que retardou e impediu parte do massacre. Mas criar uma “reserva” de humanidade já é matar. Mal “menor” diz o filme.



A história dos irmãos Villas Boas e dos sertanistas é tão incrível que, para mim (e espero que para outros), o filme é um disparador de mundos e imaginários. A cosmologia indígena, sua outra forma de viver/pensar são uma das mais radicais experiências de outras humanidades.


Tirar os indios das “reservas”, dos “museus”, da “antropologia”. O que pode ser um devir-índio?

Poucos filmes fizeram isso.

Aproveitei e revi “Cara de Indio” (primeira parte adiante: http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-1-04020E1A3868C0991326?types=A&


sequência adiante:
Parte 2:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-2-04020D1C326AC0991326?types=A&
Parte 3:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-3-04024C993068D4991326?types=A&
Parte 4:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-4-04020D993168D4991326?types=A&
Parte 5:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-5-04024D19326AD4991326?types=A&

e os comentários do antropólogo e pensador Eduardo Viveiros de Castro sobre algumas fotos clássicas dessa história de amor fatal entre nós e eles.

[As imagens dos índios presentes nesses vídeos são do acervo do Instituto Moreira Salles (IMS). As imagens selecionadas pelo Instituto abrangem um arco temporal vasto: vão de meados do século 19 até o fim dos anos 1970]

No final dos anos 80, viajei, acompanhando o trabalho de minha irmã, com uma expedição da Funai para duas tribos. Saímos de Benjamin Constant, na fronteira com a Colômbia, em direção ao Alto Solimões e ao encontro dos Marubos e Matis. Chegar numa tribo indígena, ainda com pouco contato na época, mesmo com todas as mediações de antropólogos, funcionários da Funai, médicos, guias, é algo impressionante e marcante, como se toda a história dos contatos e do infinito fascínio mútuo tornasse a acontecer pela primeira vez.

Os índios não são o “museu” da humanidade, são mundos potenciais e virtuais. Por isso, fiquei tão siderada com um filme como “Avatar”. Hollywood cravou direto, mesmo com todos os clichês, numa ficção-cientifica antropológica: ciber-indios, aos invés de desejar dizimar e matar, desejar intensamente tornar-se outro.

Xingu”, às vésperas da Rio+20, também aponta para a outra “fantasia” desenvolvimentista de “integrar” os índios como sub-trabalhadores de um Brasil industrial. De Vargas a Belo Monte, passando pela “integração nacional” da ditadura. Este projeto fracassou, exterminou etnias inteiras, e ainda está ai!


O projeto indigenista dos irmãos Villas Boas, de “isolar”, de evitar o “mau encontro” com os brancos, de “retardar” a extinção de mundos inteiros é hoje uma referência internacional. Mas qual é, hoje, a potência dessa fabulação? Os filmes meramente “informativos” ou belos nos ajudarão a construir outra narrativa? Politica é sideração!

* Ivana Bentes é professora, pesquisadora e diretora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. Este texto é rascunho para um artigo sobre o filme. Título e subtítulo são da redação de Outras Palavras


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Hidrelétrica de Belo Monte e Aquecimento Global: indígenas na COP 15

da página do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, com informações do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
No dia 11 de dezembro, na Conferência de Copenhague (COP 15), lideranças indígenas e comunidades tradicionais falaram ao público sobre suas impressões sobre o clima, modelo de desenvolvimento atual e de políticas de contenção ao aquecimento do clima.

Foi numa sala dessa conferência lotada e tensa que um grupo de cinco pessoas da Amazônia falou ao público. Eles são líderes de suas comunidades, e participam ativamente na capacitação de suas comunidades e como porta vozes dos mesmos.

Ianukulá Kaiabi Suiá, da associação Terra Indígena Xingu, começou dizendo que “para nós o fim pode chegar mais próximo”. Ianu, como é chamado, trouxe um exemplo prático e muito próximo a eles: a construção da nova hidrelétrica de Belo Monte. Sobre a implementação da hidrelétrica, foi enfático: “não somos consultados, temos nossos direitos ignorados, somos praticamente atropelados.”Afirmando que tal implementação deve fazer “desaparecer território sagrado”, Ianu resumiu a mensagem dos povos do Xingu: “não a Belo Monte”.

O fundamento das mensagens é o mesmo: O modelo de desenvolvimento atual não funciona - agride o meio ambiente e não resulta em benefícios para aqueles que historicamente protegem as florestas do mundo: as comunidades tradicionais e povos indígenas.

Informados, esses grupos exigem que as negociações do clima levem em conta seus recados. Que seus papéis históricos sejam reconhecidos, valorizados e recompensados.

O mecanismo de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação (REDD) foi citado por todos os participantes como aquele que pode funcionar, atendendo tanto às políticas internacionais, como às necessidades locais. Sonia Guajajara, vice-coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, complementou que REDD, planejado de ‘baixo para cima’, poderá garantir seus territórios, a continuação de suas culturas e valorização de seus papéis históricos.

Manuel Cunha, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), traz a clara mensagem que o clima não é mais o mesmo. Que seu pai, antigo seringueiro analfabeto, antes previa a chuva e assim seus dias de trabalho, e como isso hoje, tão distante, entristece a família. Que as árvores e seus frutos estão descompensados, fora do tempo. Isso, segundo ele, atrapalha o trabalho e causa até desavenças: pássaros e animais vão a propriedades vizinhas para se alimentarem.

Manuel, então, enfatiza: “Não fomos nós que tiramos a cobertura vegetal do Planeta, não é justo que paguemos esse preço”.