05/09/2012 - Maurício Caleiro - seu blog Cinema & Outras Artes
O quadro político-ideológico brasileiro passa por um momento particularmente contraditório, em decorrência, sobretudo, de dois fenômenos correlatos:

2. A guinada conservadora do governo Dilma Rousseff, seja no campo econômico, em que as premissas neoliberais residuais, representadas pela obsessão pelo superavit primário, assomam à condição de políticas de Estado com as privatizações temporárias de longo prazo (“concessões”, na novilíngua petista); seja na seara administrativa, através da negligência para com áreas sociais fundamentais como Educação e Saúde e na truculência inaudita, incompatível com parâmetros democráticos, para lidar com greves no setor público.
Luta por hegemonia
O grande paradoxo que marca tal processo é que, no momento mesmo em que o enfraquecimento da direita proporcionou potencial de ampliação da hegemonia da chamada centro-esquerda, a administração Dilma, parcialmente liberta dos ódios pessoais e classistas que Lula despertava e visando assegurar o aumento da aprovação a seu governo, passou a incorporar pautas conservadoras - e, desde o início do mandato, a buscar uma aproximação com a mídia corporativa - como forma de promover sua identificação com as parcelas eleitorais órfãs do conservadorismo.
Tal dinâmica, por sua vez, gera agora um círculo vicioso, pelo qual a manutenção dos altos índices de aprovação da ex-militante de esquerda e candidata da aliança petista passa a se manter atrelada à sua modelagem como liderança neoconservadora. Nesse quadro, ideologia e coerência programática cedem de vez lugar ao pragmatismo eleitoral.
Guerra nada santa
Esse desenho começara a delinear-se já na campanha eleitoral, quando a batalha religiosa estimulada por Serra levou a então candidata a firmar um pacto com lideranças pentecostais e setores católicos conservadores, comprometendo-se a, se eleita, não utilizar o Estado de forma pró-ativa no que concerne a aborto e à expansão dos direitos dos homossexuais. Não obstante haver, entre os cientistas políticos, quem assegure que, ao neutralizar a fuga em massa do voto religioso, tal acordo teria sido imprescindível para a vitória nas urnas, seus efeitos estão no cerne do atual desprestígio de Dilma entre parcelas culturalmente qualificadas do eleitorado que valorizam questões ligadas à chamada biopolítica.

Heranças em debate
Como a própria presidente, num raro repente, fez questão de deixar claro na dura mas justa resposta que deu anteontem a FHC, ela recebeu uma herança bendita do governo Lula. A questão que se coloca, porém, é o que Dilma Rousseff fará de tal legado, já que, mesmo sem receber a “herança maldita” que FHC legou ao seu antecessor e mentor, ela, ao invés de aprofundar as conquistas deste, trabalhar para a criação de alternativas ao neoliberalismo e trazer a níveis aceitáveis a Saúde, a Educação, a segurança pública e o respeito aos Direitos Humanos no país, parece empenhada em retroceder ao economicismo mais tacanho, à privatização, ao conservadorismo nas questões comportamentais e à repressão truculenta aos movimentos grevistas.

Tudo somado, é danosa para o governo Dilma e para o país a ausência de uma oposição à direita digna do nome – já que a atual encontra-se duplamente massacrada, pela ausência de resposta programática ao sucesso dos governos petistas junto à população e pelo fracasso do serrismo, o qual, em conluio com parte da mídia corporativa, trocou a adoção de propostas por táticas baixas e ataques desqualificadores. Mesmo se se livrar de Serra, levará um bom tempo para a oposição conservadora se recompor.
Vácuo à esquerda
Por outro lado, a desarticulação da oposição à esquerda do governo mostra-se talvez ainda mais deletéria, pois não permite que o país disponha, na arena pública, de forças capazes de contrabalançar as inclinações conservadoras as quais o governo Dilma se vê, em nome da ampliação de sua hegemonia, atraído.

Tais processos têm tornado evidente a um número cada vez maior de pessoas a guinada conservadora do governo Dilma, seu desprezo pelo social e pelo público e o caráter predatório do desenvolvimentismo a todo custo que promove, baseado no endividamento limítrofe das famílias de baixa e média renda. Dívida, na novilíngua petista, é crédito. Trata-se de um modelo que claramente privilegia o desenvolvimento econômico como condição precípua para um eventual desenvolvimento social, o que evidencia o quão frágeis são suas ligações com um programa político de centro-esquerda.
Bloco dos fanáticos

Para esse projeto de manutenção da hegemonia – conservador por definição – vale tudo: a crítica justa à mídia se transforma na generalização do termo “PIG” como um bode expiatório para todas as horas, mesmo que hoje sejam rotineiramente usados contra os críticos do petismo os burburinhos e as mesmas táticas desqualificadoras que caracterizam o esgoto jornalístico.
Contradições evidentes
O articulista Francisco Bosco, em coluna memorável [ver em: http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/09/freixo-francisco-bosco.html] sobre o significado da candidatura Freixo enquanto reflexo da insatisfação com o petismo, assinala que “O acontecimento político mais importante para a história recente do Brasil foi a eleição de Lula para presidente, em 2002 (…) Mas é preciso lembrar o que custou de resignação ao país esse projeto. Sob alguns aspectos, o lulo-petismo tem sido a continuação da modernização conservadora do Brasil. Já sabemos as virtudes e os limites desse projeto”.

Faz-se urgente, neste momento e de agora em diante, o fortalecimento e a união das forças de esquerda como forma de combater o neoconservadorismo petista, que se presta a fazer voluntariamente o jogo da direita, interessado apenas no poder pelo poder.
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