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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A importância do Código Florestal para a redução de desastres

 Leila Soraya Menezes* - Caros Amigos

A Care Brasil, organização brasileira integrante da rede da Care Internacional, que acumula experiência de mais de 60 anos em ajuda humanitária e uma das maiores ONGs do mundo, atua de forma sistemática em resposta a desastres. Partindo da resposta emergencial aos primeiros e mais dramáticos impactos e o restabelecimento das condições de bem-estar das comunidades mais vulneráveis, sempre as mais atingidas pelas catástrofes, suas ações têm o objetivo de apoiar a prevenção de novas tragédias. Entretanto, de nada adiantam esforços de capacitação da população, caros estudos de paisagens e recomendações balizadas de intervenções estruturais, se não forem consideradas as consequências nefastas do uso e da ocupação do solo nos municípios que não observam o Código Florestal como instrumento regulador. Ou seja, se quisermos medidas realmente estruturantes visando à reversão do quadro futuro de catástrofes, é preciso garantir, hoje, a proteção do Código Florestal, principal instrumento de redução de riscos de desastres que temos à disposição no país.

Preservação
O Código Florestal rege as Áreas de Preservação Permanente (APP), espaços territoriais especialmente protegidos pela Constituição que possuem a função de preservar recursos hídricos, vegetação, biodiversidade e estabilidade geológica; proteger o solo e assegurar o bem-estar da população. Quando o desmatamento, a degradação, a invasão ou a ocupação humana, quer com cultivos quer com edificações, avançam às margens de nascentes e cursos de rios, ou quando se instalam perigosamente em topos e encostas de morros, retiram das APPs suas muitas e importantes funções, entre as quais: poder da cobertura vegetal de reduzir o carreamento de terra, conter o desbarrancamento de solo ou rochas e evitar o assoreamento dos rios. Rios assoreados são rasos, sendo que qualquer precipitação produz, com o seu espraiamento, inundações.

Quadro para catástrofes
Não se pode mais negar o extremo risco de desastres de algumas regiões do país, nas quais a intensa ocupação nas APPs alia-se à vulnerabilidade e despreparo das comunidades para o enfrentamento ou o convívio com as mudanças ou a variabilidade do clima, completando assim o quadro perfeito para catástrofes. É o que temos testemunhado em vários locais, com triste destaque para a Região Serrana do Rio de Janeiro.

Ora, após o desastre na Região Serrana, a presidente Dilma Roussef determinou aos Ministérios da Integração e da Ciência e Tecnologia a elaboração de um plano nacional de prevenção e gestão integrada de risco e resposta a desastres. Não pode, portanto, permitir o esgarçamento físico dos meios naturais de redução de risco, sob pena de desfazer com uma mão o que faz com a outra.


*Leila Soraya Menezes, 48, coordena o Programa Mudanças Climáticas e Resposta a Desastres da ONG Care Brasil, é psicóloga e socioambientalista

terça-feira, 4 de outubro de 2011

" É preciso sair do capitalismo"



por Marcela Valente *
HerveKempfEscritorFrances1 “É preciso sair do capitalismo”
O Norte tem a responsabilidade de mudar o modelo econômico, afirma Kempf. Foto: Cortesia do entrevistado.
Por que se introduz a ideia de economia verde em lugar de manter a de desenvolvimento sustentável, que tem a vantagem de seu cunho social?, questiona nesta entrevista o escritor francês Hervé Kempf
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Buenos Aires, Argentina, 26 de setembro de 2011 (Terramérica).- Para salvar o planeta da mudança climática e da perda de biodiversidade, devemos sair do capitalismo e buscar um sistema menos consumista e socialmente mais justo, afirma o jornalista e ecologista Hervé Kempf. Esta questão atravessa toda a obra de Kempf, colunista do jornal Le Monde e autor de “Para salvar o planeta, sair do capitalismo” e de “Como os ricos destroem o planeta”, entre outros livros. Na França, acaba de publicar “L’oligarchie ça sufit, vive la démocratie” (Basta de oligarquia, viva a democracia).
Expoente do debate sobre o decrescimento, que se contrapõe ao crescimento do produto interno bruto como indicador dominante do êxito de um país ou de uma sociedade, Kempf questiona a viabilidade de uma sociedade guiada pelo consumo e pela avidez de lucro. Os líderes políticos “continuam defendendo o sistema capitalista ao qual chamo de oligárquico”. Contudo, “precisam mudar, bem como o sistema”, disse Kempf em entrevista ao Terramérica durante sua visita à Argentina.
TERRAMÉRICA: É possível reverter o aumento de gases-estufa que causam a mudança climática?
HERVÉ KEMPF: Sim. Porém, no momento, não parece estarmos voltados para isso. A Europa mudou sua trajetória e conseguiu reduzi-los levemente, enquanto os Estados Unidos estabeleceram um teto, mas globalmente as emissões crescem em países do Sul. É preciso continuar pressionando o Norte, e os grandes países do Sul, em particular a China, que exerce um papel de líder, devem modificar sua conduta. Eles querem conseguir crescimento máximo, mas estão conscientes da crise ecológica e essa consciência penetrará cada vez mais nos países do Sul.
TERRAMÉRICA: Está otimista sobre a cúpula de mudança climática que começara no final de novembro na África do Sul?
HK: Não, infelizmente. Os preparativos mostram que a situação está bastante bloqueada
TERRAMÉRICA: A direção política está à altura?
HK: Não. Muitos dirigentes continuam defendendo o sistema capitalista, que chamo de oligárquico, e defendem interesses contrários à demanda que a crise ecológica impõe. Os líderes políticos têm de mudar também o sistema.
TERRAMÉRICA: Entretanto, há países, como a Venezuela, que têm um discurso contrário ao capitalismo e, no entanto, não mostram maior consciência ambiental.
HK: Meu trabalho se orienta mais aos países do Norte, que têm a responsabilidade de mudar o modelo econômico. A América Latina, há 15 ou 20 anos, teve que se independizar dos Estados Unidos, adotar maneiras mais democráticas e uma política social a favor dos pobres. Venezuela, Brasil, Bolívia, Equador, Argentina seguem essa tendência. No entanto, é certo, eles também têm de assumir a crise ambiental.
TERRAMÉRICA: Acredita que a Rio+20, a conferência das Nações Unidas que acontecerá em 2012, reavivará o espírito de esperança da Cúpula da Terra de 1992?
HK: No momento, não se apresenta muito bem. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) acaba de divulgar um comunicado sobre a Rio+20 que parece muito orientado a dizer: “desenvolvimento, desenvolvimento, e depois vemos o meio ambiente”. Me parece um mau indício.
TERRAMÉRICA: Mas, esse é um pronunciamento para a região.
HK: Sim, mas o que vejo na Europa e nos Estados Unidos é ainda pior. Há uma falta de interesse político e também da mídia pela Rio+20. A atenção está na crise financeira.
TERRAMÉRICA: O que pensa do conceito “economia verde”?
HK: É muito vago. Parece a continuação do capitalismo mais voltado à ecologia. Contudo, sem mudar o poder das corporações, sem reduzir o consumo de energia nem questionar a desigualdade social, é uma nova forma de capitalismo. Além disso, porque este novo conceito, em lugar de continuar com o de desenvolvimento sustentável que tem a vantagem de seu cunho social?
TERRAMÉRICA: Acredita que se trata de um retrocesso?
HK: É um sinal de que o que se apresenta como prioridade é a economia, quando para a ecologia a economia não é prioridade. A prioridade é garantir uma vida harmoniosa entre as pessoas e com o meio ambiente. A economia não é tudo.
TERRAMÉRICA: O senhor investigou o impacto do acidente nuclear de Chernobyl (1986). Acredita que o ocorrido em 11 de março deste ano na central japonesa de Fukushima pode ajudar no retrocesso desse tipo de energia?
HK: Fukushima mostrou que a energia nuclear é algo muito perigoso mesmo em um país campeão em tecnologia como o Japão.
TERRAMÉRICA: Em seu livro é descrita a contribuição da energia eólica…
HK: O faço pensando no Norte. Ali a energia eólica parece um pretexto para evitar a economia. Nos Estados Unidos, na Europa, no Canadá e no Japão deve-se reduzir o consumo de energia e depois ver como produzi-la.
TERRAMÉRICA: O que sugere para viver em um planeta sustentável?
HK: Colocar a questão da justiça social como prioridade. Em um mundo extremamente rico do ponto de vista material, isto é crucial.
TERRAMÉRICA: E a respeito do consumo?
HK: Deixe de ver televisão.
TERRAMÉRICA: Pode-se promover estas ideias em países onde ainda há população sem acesso ao consumo básico?
HK: Insisto. Falo como europeu, mas creio que nos países do Sul o desafio pode ser reduzir a desigualdade.
TERRAMÉRICA: O que diz aos céticos que acreditam que isso é voltar à Idade da Pedra?
HK: Que se continuarmos nesta economia destruidora dos laços sociais, da justiça e da ecologia voltaremos à Idade da Pedra, porque a destruição social e ecológica nos exporá a muita violência.
TERRAMÉRICA: O senhor diz em seu livro que não temos de inventar nada novo, que as alternativas já existem.
HK: Em todos os setores as comunidades criam formas por fora do capitalismo. Cooperativas de produção, agricultura ecológica, moedas alternativas, energias renováveis. Há milhares de experiências que podem se ligar em uma rede.
TERRAMÉRICA: Ou seja, não imagina uma transformação violenta.
HK: Por definição, a ecologia política imagina um mundo não violento. Os ecologistas não querem violência, querem outras regras de jogo. Não se pode usar meios contrários ao objetivo que se busca.

* A autora é corresponde da IPS.

Fonte: site Envolverde

sábado, 26 de dezembro de 2009

Apocalipse agora

Maurice Strong, secretário-geral da Rio 92, destacava: "O volume de riqueza, hoje, é capaz de proporcionar uma boa qualidade de vida ao dobro da população mundial". Assim ele abria a Eco 92, propondo a erradicação da pobreza.

Em julho de 2009, durante um curso de economia para jornalistas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, o presidente da autarquia, Marcio Pochmann, assegurou que o volume de riqueza atualmente é muito maior. Na mesma aula, informava que as três maiores corporações do mundo têm o PIB do Brasil.

A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) recentemente divulgou que há no mundo 969 milhões de famintos e que, nos últimos dois anos, este número aumentou em 200 milhões.

Diante disso e da voracidade dos representantes das nações ricas, agora, em Copenhague, para impor acordos que permitissem a manipulação dos recursos naturais pelos países ricos - 80% do patrimônio natural pertence aos países pobres - não nos restam dúvidas de que se aproxima o apocalipse.

Imaginem que a Terra é um organismo vivo. Sua base é formada pelos pobres, que estão morrendo de fome ou sendo executados para que a indústria de armas cresça. Em breve, a Terra desmoronará. A Terra talvez não, mas a humanidade sim.

Este texto de Frei Betto, que transcrevemos na íntegra a seguir, foi publicado originalmente no Correio da Cidadania em 12 de dezembro de 2009.

Será que teremos Feliz Ano Novo?
(Zilda Ferreira - Equipe do Blog EDUCOM)

Apocalipse agora

Frei Betto*
O fim do mundo sempre me pareceu algo muito longínquo. Até um contra-senso. Deus haveria de destruir sua Criação? Hoje me convenço de que Deus nem precisa mais pensar em novo dilúvio. O próprio ser humano começou a provocá-lo, através da degradação da natureza.

Os bens da Terra tornaram-se posse privada de empresas e oligopólios. A causa de 4 bilhões de seres humanos viverem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecerem fome, é uma só: toda essa gente foi impedida de acesso à terra, à água, à semente, às novas técnicas de cultivo e aos sistemas de comercialização de produtos.

A decisão dos EUA e da China de ignorarem a Conferência de Copenhague sobre Mudanças Climáticas torna mais agônico o grito da Terra. Os dois países são os principais emissores de CO2 na atmosfera. São os grandes culpados pelo aquecimento global. Ao decidirem boicotar Copenhague e adiar o compromisso de reduzirem suas emissões, eles abreviam a agonia do planeta.

Felizmente, a 25 de novembro o presidente Obama, sob forte pressão, voltou atrás e desdisse o que falara em Pequim. Os EUA, responsáveis por 23% das emissões mundiais de CO2, prometerão em Copenhague reduzir, até 2020, 17% das emissões de gases de efeito estufa; 30% até 2025; e 42% até 2030.

Por que o recuo? Além da pressão dos ecologistas, Obama deu-se conta de que ficaria mal na foto ignorar Copenhague e comparecer em Oslo, dia 10 de dezembro – quando se comemora o 61º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos – para receber o prêmio Nobel da Paz. Portanto, na véspera estará na capital da Dinamarca.

Curioso, todos os prêmios Nobel são entregues em Estocolmo, exceto o da Paz. Por uma simples e cínica razão: a fortuna da Fundação Nobel, sediada na Suécia, resulta da herança do inventor da dinamite, Alfred Nobel (1833-1896), utilizada como explosivo em guerras. Como não teve filhos, Nobel destinou os lucros obtidos por sua patente a quem se destacar em determinadas áreas do saber.

Há uma lógica atrás da posição ‘ecocida’ dos EUA e da China. São dois países capitalistas. O primeiro abraça o capitalismo de mercado; o segundo o de Estado. Ambos coincidem no objetivo maior: a lucratividade, não a sustentabilidade.

O capitalismo, como sistema, não tem solução para a crise ecológica. Sabe que medidas de efeito haverão de redundar inevitavelmente na redução dos lucros, do crescimento do PIB, da acumulação de riquezas.

Se vivesse hoje, Marx haveria de admitir que a crise do capitalismo já não resulta das contradições das forças produtivas. Resulta do projeto tecnocientífico que beneficia quase que exclusivamente apenas 20% da população mundial. Esse projeto respalda-se numa visão de qualidade de vida que coincide com a opulência e o luxo. Sua lógica se resume a "consumo, logo existo". Como dizia Gandhi, "a Terra satisfaz as necessidades de todos, menos a voracidade dos consumistas".

Exemplo disso é a recente crise financeira. Diante da ameaça de quebra dos bancos, como reagiram os governos das nações ricas? Abasteceram de recursos as famílias inadimplentes, possibilitando-as de conservar suas casas? Nada disso. Canalizaram fortunas – um total de US$ 18 trilhões - para os bancos responsáveis pela crise. Eduardo Galeano chegou a pensar em lançar a campanha "Adote um banqueiro", tal o desespero no setor.

O planeta em que vivemos já atingiu os seus limites físicos. Por enquanto não há como buscar recursos fora dele. O jeito é preservar o que ainda não foi totalmente destruído pela ganância humana, como as fontes de água potável, e tentar recuperar o que for possível através da despoluição de rios e mares e do reflorestamento de áreas desmatadas.

Ecologia vem do grego "oikos", significa casa, e "logos", conhecimento. Portanto, é a ciência que estuda as condições da natureza e as relações entre tudo que existe - pois tudo que existe co-existe, pré-existe e subsiste. A ecologia trata, pois, das conexões entre os organismos vivos, como plantas e animais (incluindo homens e mulheres), e o seu meio ambiente.

Essa visão de interdependência entre todos os seres da natureza foi perdida pelo capitalismo. Nisso ajudou uma interpretação equivocada da Bíblia - a idéia de que Deus criou tudo e, por fim, entregou aos seres humanos para que "dominassem" a Terra. Esse domínio virou sinônimo de espoliação, estupro, exploração. Os rios foram poluídos; os mares, contaminados; o ar que respiramos, envenenado.

Agora, corremos contra o relógio do tempo. O Apocalipse desponta no horizonte e só há uma maneira de evitá-lo: passar do paradigma de lucratividade para o da sustentabilidade.
*Frei Betto é escritor, autor do romance "Um homem chamado Jesus", lançamento da editora Rocco para o Natal 2009.

Leia também: Salvemo-nos com o Planeta!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Salvemo-nos com o Planeta!

* Por Pedro Casaldáliga

Vinte anos atrás tratavam de ecologia umas poucas pessoas, tachadas inclusive de bucólicas ou de derrotistas. Não era um tema sério nem para a política nem para a educação nem para a religião. Podia-se venerar a Francisco de Assis como santo das flores e dos pássaros, mas sem maior compromisso. Agora, e quem sabe se tarde demais, o mundo inteiro está-se sensibilizando, atordoado pelas notícias e pelas imagens de cataclismos atuais e de previsões pessimistas que enchem os nossos telejornais. E já são muitos os congressos e os programas que ventilam como um tema vital a ecologia, desnudando as causas e urgindo propostas concretas acerca do meio ambiente. Até as crianças sabem agora de ecologia.

O tema é novo, então, e desesperadamente urgente. Acabamos por descobrir a Terra, nosso Planeta, como a casa comum, a única que temos, e estamos descobrindo que somos uma unidade indissolúvel de relações e de futuro.

Frente aos gastos astronômicos nos espaços siderais, frente ao assassino negócio do armamentismo, frente ao consumismo e luxo de uma privilegiada parcela da Humanidade, agora vamos sabendo que o desafio é cuidar deste Planeta. A última grande crise, filha do capitalismo neoliberal, embrutecido na usura e o esbanjamento, que vem ignorando cinicamente tanto o sofrimento dos pobres como as limitações reais da Terra, está-nos ajudando a abrir os olhos e esperamos que também o coração. Leonardo Boff define o grito da Terra como o grito dos pobres e James Lovelock nos avisa acerca da “vingança da Terra” - a teoria de Gaia e o futuro da Humanidade -. "Durante milhares de anos, diz Lovelock, a Humanidade vem abusando da Terra sem ter em conta as consequências. Agora, que o aquecimento global e o cambio climático são evidentes para qualquer observador imparcial, a Terra começa a se vingar". Estamos tratando a Terra como um assunto apenas econômico e exigimos da Terra muitos deveres, mas ignoramos os direitos da Terra.

Certos especialistas e certas instituições internacionais nos vêm mentindo. A mão invisível do Mercado não resolvia o desastre mundial. Quanto mais livre era o comercio mais real era a fome. Segundo a FAO, em 2007 havia 860 milhões de famintos; em Janeiro de 2009 109 milhões mais. A metade da população africana subsaariana, por citar um exemplo dessa África crucificada, mal vive na extrema pobreza. A ladainha de violência e desgraças provocadas é interminável. No Congo há 30.000 meninos soldados dispostos a matar e a morrer a troco de comida; 17% da floresta amazônica foram destruídos em cinco anos, entre 2000 e 2005; o gasto da América Latina e do Caribe em defesa cresceu um 91%, entre 2003 e 2008; uma dezena de empresas multinacionais controla o mercado de sementes em todo o mundo. Os Objetivos do Milênio se evaporaram na retórica e em suas reuniões elitistas os países mais ricos dizem covardemente que não podem fazer mais para reverter o quadro.

É tradição de a nossa Agenda Latino-americana Mundial enfrentar a cada ano um tema maior, de atualidade quente. Não podíamos, logicamente, deixar de lado este tema vulcânico. O tema é amplo e complexo. Somos nós ou é o Planeta quem está em crise mortal? Baralhamos três títulos para a Agenda Latino-americana Mundial de 2010 que apontam para possíveis focos: "Salvar o Planeta", "Salvaremos o Planeta?", "Salvemo-nos com o Planeta". Optamos pelo último título, porque técnicos e profetas nos vêm recordando que nós somos o Planeta também; somos Gaia, estamos despertando para uma visão mais holística, mais integral; estamos descobrindo, finalmente, que o Planeta Terra é também o Planeta Água. Um recente livro infantil intitula-se precisamente “Ajudo ao meu Planeta”. A salvação do Planeta é a nossa salvação, e não faltam especialistas que afirmem que o Planeta vai se salvar seguindo o curso do Universo e, entretanto, a vida humana e todas as vidas do Planeta serão um sombrio passado.

A Agenda Latino-americana Mundial de 2010 não quer ser pessimista, não pode sê-lo. Quer ser realista, se comprometer com a realidade e abraçar vitalmente as causas que promovem uma ecologia esperançada e esperançadora. Essa ecologia profunda, integral, deve incluir todos os aspetos da nossa vida pessoal, familiar, social, política, cultural, religiosa... E todas as instituições políticas e sociais, em nível local, nacional e internacional, têm de fazer programa seu fundamental "a salvação do Planeta".

É imprescindível uma globalização de signo positivo, trabalhando pela mundialização da ecologia. Rechaçando e superando a atual democracia de baixa intensidade urge implantar uma democracia de intensidade máxima e, mais explicitamente, uma "biocracia cósmica". Urge criar, estimular, potenciar, em todas as religiões e em todos os humanismos uma espiritualidade "profunda e total" de signo positivo, de atitude profética na libertação de todo tipo de escravidão; vivendo e militando por uma nova valoração de toda vida, da matéria, do corpo, do eros. O ecofeminismo sai ao encontro de um desafio fundamental, Gaia é feminina. Impõe-se uma nova relação com a natureza, naturalizando-nos como natureza que somos e humanizando a natureza na qual vivemos e da qual dependemos. Eu sou eu e a natureza que me circunda, diria o filósofo.

O melhor que tem a Terra é a Humanidade, apesar de todas as loucuras que temos cometido e seguimos cometendo, verdadeiros genocídios e verdadeiros suicídios coletivos. Propiciando essa mudança radical que se postula e proclamando que é possível outra ecologia em outra sociedade humana, fazemos nossos estes dois pontos do Manifesto da Ecologia Profunda: "A mudança ideológica consiste principalmente em valorizar a qualidade da vida - de viver em situações de valor intrínsecas - mais do que tratar incessantemente de conseguir um nível de vida mais elevado. Terá que se produzir uma tomada de consciência profunda da diferença que há entre crescimento material e o crescimento pessoal independente da acumulação de bens tangíveis". E acrescenta o Manifesto: "Quem subscreve os pontos que se enunciam no Manifesto tem a obrigação direta ou indireta de agir para que se produzam estas mudanças, necessárias para a sobrevivência de todas as espécies do Planeta", incluindo «a santa e pecadora» espécie humana.

Militantes e intelectuais comprometidos com as grandes causas estão preparando uma Declaração Universal do Bem Comum Planetário que se expressa através de quatro pactos: 1) o Pacto Ecológico Natural, responsável de proteger a Terra; 2) o Pacto Ecológico Social, responsável de unir todas as esperanças e vontades; 3) o Pacto Ecológico Cultural, que deve estar baseado na promoção do pluralismo, da tolerância e do encontro da Humanidade com os ecossistemas, os biomas, a vida do Planeta; e 4) o Pacto Ecológico Ético Espiritual, fundado na dimensão do cuidado, a compaixão, a corresponsabilidade de todos com tudo.

Devemos escutar o que nos dizem simultaneamente as novas ciências e as novas teologias. Queremos viver este kairos ecológico de militância e de mística com o Deus de todos os nomes e de todas as utopias. Com Jesus de Nazaré muitos libertários, profetas e mártires em Nossa América nos precedem e nos acompanham nesta marcha pelo deserto para "a Terra sem Males".

É uma utopia absurda? Só utopicamente nos salvaremos. A arrogância dos poderes, o lucro desenfreado, a prepotência, as claudicações, vêm a nos desanimar; mas nós nos negamos ao desânimo, à corrupção, à resignação. A Pachamama e Gaia estão vivas, são vivificadoras. Nenhuma estrutura de morte terá mais poder do que a Vida.

* Pedro Casaldáliga é bispo emérito de São Félix do Araguaia, MT, e apresenta a Agenda Latino-Americana Mundial 2010.


Fonte: MST / Instituto Humanitas Unisinos.