sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Carta da Terra


PREÂMBULO
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.

Terra, Nosso Lar
A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A Situação Global

Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

Desafios Para o Futuro
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes.

Responsabilidade Universal
Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem- estar da família humada e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade considerando em relaçao ao lugar que ocupa o ser humano na natureza.

Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como critério comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos, e instituições transnacionais será guiada e avaliada.

PRINCÍPIOS

I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DA VIDA

  • 1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
    • a. Reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
    • b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.
  • 2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.
    • a. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.
    • b. Assumir que o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder implica responsabilidade na promoção do bem comum.
  • 3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.
    • a. Assegurar que as comunidades em todos níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada um a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
    • b. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a consecução de uma subsistência significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.
  • 4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações.
    • a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
    • b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem, a longo prazo, a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra.

Para poder cumprir estes quatro amplos compromissos, é necessario:

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA

  • 5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam a vida.
    • a. Adotar planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável em todos os níveis que façam com que a conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.
    • b. Estabelecer e proteger as reservas com uma natureza viável e da biosfera, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural.
    • c. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçadas.
    • d. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que causem dano às espécies nativas, ao meio ambiente, e prevenir a introdução desses organismos daninhos.
    • e. Manejar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de formas que não excedam as taxas de regeneração e que protejam a sanidade dos ecossistemas.
    • f. Manejar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que diminuam a exaustão e não causem dano ambiental grave.

  • 6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.
    • a. Orientar ações para evitar a possibilidade de sérios ou irreversíveis danos ambientais mesmo quando a informação científica for incompleta ou não conclusiva.
    • b. Impor o ônus da prova àqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que os grupos sejam responsabilizados pelo dano ambiental.
    • c. Garantir que a decisão a ser tomada se oriente pelas consequências humanas globais, cumulativas, de longo prazo, indiretas e de longo alcance.
    • d. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.
    • e. Evitar que atividades militares causem dano ao meio ambiente.

  • 7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.
    • a. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
    • b. Atuar com restrição e eficiência no uso de energia e recorrer cada vez mais aos recursos energéticos renováveis, como a energia solar e do vento.
    • c. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias ambientais saudáveis.
    • d. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam as mais altas normas sociais e ambientais.
    • e. Garantir acesso universal a assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável.
    • f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito.

  • 8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e a ampla aplicação do conhecimento adquirido.
    • a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento.
    • b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuam para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
    • c. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, estejam disponíveis ao domínio público.

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA

  • 9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.
    • a .Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não- contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos nacionais e internacionais requeridos.
    • b. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma subsistência sustentável, e proporcionar seguro social e segurança coletiva a todos aqueles que não são capazes de manter- se por conta própria.
    • c. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem, e permitir-lhes desenvolver suas capacidades e alcançar suas aspirações.

  • 10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimeto humano de forma eqüitativa e sustentável.
    • a. Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações.
    • b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e isentá-las de dívidas internacionais onerosas.
    • c. Garantir que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas.
    • d. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas conseqüências de suas atividades.

  • 11. Afirmar a igualdade e a eqüidade de gênero como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência desaúde e às oportunidades econômicas.
    • a. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas.
    • b. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias.
    • c. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e a educação amorosa de todos os membros da família.

  • 12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, concedendo especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.
    • a. Eliminar a discriminação em todas suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
    • b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida.
    • c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.
    • d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.

IV.DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ

  • 13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e proporcionar-lhes transparência e prestação de contas no exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões, e acesso à justiça.
    • a. Defender o direito de todas as pessoas no sentido de receber informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que poderiam afetá-las ou nos quais tenham interesse.
    • b. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações na tomada de decisões.
    • c. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de assembléia pacífica, de associação e de oposição.
    • d. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos administrativos e judiciais independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos.
    • e. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.
    • f. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus própios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais efetivamente.

  • 14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.
    • a. Oferecer a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
    • b. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para sustentabilidade.
    • c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no sentido de aumentar a sensibilização para os desafios ecológicos e sociais.
    • d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma subsistência sustentável.

  • 15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.
    • a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de desofrimentos.
    • b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
    • c.Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.

  • 16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz.
    • a. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações.
    • b. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
    • c. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até chegar ao nível de uma postura não- provocativa da defesa e converter os recursos militares em propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica.
    • d. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa.
    • e. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico mantenha a proteção ambiental e a paz.
    • f. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.

O CAMINHO ADIANTE

Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta.

Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca iminente e conjunta por verdade e sabedoria.

A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não- governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.

Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente unificador quanto ao ambiente e ao desenvolvimento.

Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.

Carta da Terra Brasil

nota da Equipe do Blog EDUCOM:
a Carta da Terra, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e o Manifesto pela Vida são os três documentos básicos da Educação Ambiental

Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global



Este Tratado, assim como a educação, é um processo dinâmico em permanente construção. Deve, portanto, propiciar a reflexão, o debate e a sua própria modificação. Nós signatários, pessoas de todas as partes do mundo, comprometidos com a proteção da vida na Terra, reconhecemos o papel central da educação na formação de valores e na ação social. Nos comprometemos com o processo educativo transformador através do envolvimento pessoal, de nossas comunidades e nações para criar sociedades sustentáveis e eqüitativas. Assim, tentamos trazer novas esperanças e vida para nosso pequeno, tumultuado, mas ainda assim belo planeta.

I – Introdução
Consideramos que a educação ambiental para uma sustentabilidade eqüitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva a nível local, nacional e planetário.
Consideramos que a preparação para as mudanças necessárias depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que ameaçam o futuro do planeta. As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superconsumo para uns e subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria. Consideramos que são inerentes à crise a erosão dos valores básicos e a alienação e a não participação da quase totalidade dos indivíduos na construção de seu futuro.
É fundamental que as comunidade planejem e implementem suas próprias alternativas às políticas vigentes. Dentre estas alternativas está a necessidade de abolição dos programas de desenvolvimento, ajustes e reformas econômicas que mantêm o atual modelo de crescimento com seus terríveis efeitos sobre o ambiente e a diversidade de espécies, incluindo a humana. Consideramos que a educação ambiental deve gerar com urgência mudanças na qualidade de vida e maior consciência de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanas e destes com outras formas de vida.

II - Princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
1. A educação é um direito de todos, somos todos aprendizes e educadores.
2. A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade.
3. A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações.
4. A educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a transformação social.
5. A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.
6. A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas.
7. A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seus contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente tais como população, saúde, democracia, fome, degradação da flora e fauna devem ser abordados dessa maneira.
8. A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos de decisão, em todos os níveis e etapas.
9. A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a diversidade cultural, lingüística e ecológica. Isto implica uma revisão da história dos povos nativos para modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular a educação bilingüe.
10. A educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações, promover oportunidades para as mudanças democráticas de base que estimulem os setores populares da sociedade. Isto implica que as comunidades devem retomar a condução de seus próprios destinos.
11. A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento. Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser patenteado ou monopolizado.
12. A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira justa e humana.
13. A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender às necessidades básicas de todos, sem distinções étnicas, físicas, de gênero, idade, religião, classe ou mentais.
14. A educação ambiental requer a democratização dos meios de comunicação de massa e seu comprometimento com os interesses de todos os setores da sociedade. A comunicação é um direito inalienável e os meios de comunicação de massa devem ser transformados em um canal privilegiado de educação, não somente disseminando informações em bases igualitárias, mas também promovendo intercâmbio de experiências, métodos e valores.
15. A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de sociedades sustentáveis.
16. A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.
III - Plano de Ação
As organizações que assinam este tratado se propõem a implementar as seguintes diretrizes:
1. Transformar as declarações deste Tratado e dos demais produzidos pela Conferencia da Sociedade Civil durante o processo da Rio 92 em documentos a serem utilizados na rede formal de ensino e em programas educativos dos movimentos sociais e suas organizações.
2. Trabalhar a dimensão da educação ambiental para sociedades sustentáveis em conjunto com os grupos que elaboraram os demais tratados aprovados durante a Rio 92.
3. Realizar estudos comparativos entre os tratados da sociedade civil e os produzidos pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento - UNCED; utilizar as conclusões em ações educativas.
4. Trabalhar os princípios deste tratado a partir das realidades locais, estabelecendo as devidas conexões com a realidade planetária, objetivando a conscientização para a transformação.
5. Incentivar a produção de conhecimento, políticos, metodologias e práticas de Educação Ambiental em todos os espaços de educação formal, informal e não formal, para todas as faixas etárias.
6. Promover e apoiar a capacitação de recursos humanos para preservar, conservar e gerenciar o ambiente, como parte do exercício da cidadania local e planetária.
7. Estimular posturas individuais e coletivas, bem como políticas institucionais que revisem permanentemente a coerência entre o que se diz e o que se faz, os valores de nossas culturas, tradições e história.
8. Fazer circular informações sobre o saber e a memória populares; e sobre iniciativas e tecnologias apropriadas ao uso dos recursos naturais.
9. Promover a coresponsabilidade dos gêneros feminino e masculino sobre a produção, reprodução e manutenção da vida.
10. Estimular a apoiar a criação e o fortalecimento de associações de produtores e de consumidores e redes de comercialização que sejam ecologicamente responsáveis.
11. Sensibilizar as populações para que constituam Conselhos populares de ação Ecológica e Gestão do Ambiente visando investigar, informar, debater e decidir sobre problemas e políticas ambientais.
12. Criar condições educativas, jurídicas, organizacionais e políticas para exigir dos governos que destinem parte significativa de seu orçamento à educação e meio ambiente.
13. Promover relações de parceria e cooperação entre as Ongs e movimentos sociais e as agencias da ONU (UNESCO, PNUMA, FAO entre outras), a nível nacional, regional e internacional, a fim de estabelecerem em conjunto as prioridades de ação para educação, meio ambiente e desenvolvimento.
14. Promover a criação e o fortalecimento de redes nacionais, regionais e mundiais para a realização de ações conjuntas entre organizações do Norte, Sul, Leste e Oeste com perspectiva planetária (exemplos: dívida externa, direitos humanos, paz, aquecimento global, população, produtos contaminados).
15. Garantir que os meios de comunicação se transformem em instrumentos educacionais para a preservação e conservação de recursos naturais, apresentando a pluralidade de versões com fidedignidade e contextualizando as informações. Estimular transmissões de programas gerados pelas comunidades locais.
16. Promover a compreensão das causas dos hábitos consumistas e agir para a transformação dos sistemas que os sustentam, assim como para com a transformação de nossas próprias práticas.
17. Buscar alternativas de produção autogestionária e apropriadas econômica e ecologicamente, que contribuam para uma melhoria da qualidade de vida.
18. Atuar para erradicar o racismo, o sexismo e outros preconceitos; e contribuir para um processo de reconhecimento da diversidade cultura dos direitos territoriais e da autodeterminação dos povos.
19. Mobilizar instituições formais e não formais de educação superior para o apoio ao ensino, pesquisa e extensão em educação ambiental e a criação, em cada universidade, de centros interdisciplinares para o meio ambiente.
20. Fortalecer as organizações e movimentos sociais como espaços privilegiados para o exercício da cidadania e melhoria da qualidade de vida e do ambiente.
21. Assegurar que os grupos de ecologistas popularizem suas atividades e que as comunidades incorporem em seu cotidiano a questão ecológica.
22. Estabelecer critérios para a aprovação de projetos de educação para sociedades sustentáveis, discutindo prioridades sociais junto às agencias financiadoras.
IV - Sistema de Coordenação, Monitoramento e Avaliação
Todos os que assinam este Tratado concordam em:
1. Difundir e promover em todos os países o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e responsabilidade Global através de campanhas individuais e coletivas, promovidas por Ongs, movimentos sociais e outros.
2. Estimular e criar organizações, grupos de Ongs e Movimentos Sociais para implantar, implementar, acompanhar e avaliar os elementos deste Tratado.
3. Produzir materiais de divulgação deste tratado e de seus desdobramentos em ações educativas, sob a forma de textos, cartilhas, cursos, pesquisas, eventos culturais, programas na mídia, ferias de criatividade popular, correio eletrônico e outros.
4. Estabelecer um grupo de coordenação internacional para dar continuidade às propostas deste Tratado.
5. Estimular, criar e desenvolver redes de educadores ambientais.
6. Garantir a realização, nos próximos três anos, do 1º Encontro Planetário de educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis.
7. Coordenar ações de apoio aos movimentos sociais em defesa da melhoria da qualidade de vida, exercendo assim uma efetiva solidariedade internacional.
8. Estimular articulações de ONGs e movimentos sociais para rever estratégias de seus programas relativos ao meio ambiente e educação.
V - Grupos a serem envolvidos
Este Tratado é dirigido para:
1. Organizações dos movimentos sociais-ecologistas, mulheres, jovens, grupos étnicos, artistas, agricultores, sindicalistas, associações de bairro e outros.
2. Ongs comprometidas com os movimentos sociais de caráter popular.
3. Profissionais de educação interessados em implantar e implementar programas voltados à questão ambiental tanto nas redes formais de ensino, como em outros espaços educacionais.
4. Responsáveis pelos meios de comunicação capazes de aceitar o desafio de um trabalho transparente e democrático, iniciando uma nova política de comunicação de massas.
5. Cientistas e instituições científicas com postura ética e sensíveis ao trabalho conjunto com as organizações dos movimentos sociais.
6. Grupos religiosos interessados em atuar junto às organizações dos movimentos sociais.
7. Governos locais e nacionais capazes de atuar em sintonia/parceria com as propostas deste Tratado.
8. Empresários (as) comprometidos (as) em atuar dentro de uma lógica de recuperação e conservação do meio ambiente e de melhoria da qualidade de vida, condizentes com os princípios e propostas deste Tratado.
9. Comunidades alternativas que experimentam novos estilos de vida condizentes com os princípios e propostas deste Tratado.
VI – Recursos
Todas as organizações que assinam o presente Tratado se comprometem:
1. Reservar uma parte significativa de seus recursos para o desenvolvimento de programas educativos relacionados com a melhoria do ambiente e com a qualidade de vida.
2. Reivindicar dos governos que destinem um percentual significativo do Produto Nacional Bruto para a implantação de programas de Educação Ambiental em todos os setores da administração pública, com a participação direta de Ongs e movimentos sociais.
3. Propor políticas econômicas que estimulem empresas a desenvolverem aplicarem tecnologias apropriadas e a criarem programas de educação ambiental parte de treinamentos de pessoal e para comunidade em geral.
4. Incentivar as agencias financiadoras a alocarem recursos significativos a projetos dedicados à educação ambiental: além de garantir sua presença em outros projetos a serem aprovados, sempre que possível.
5. Contribuir para a formação de um sistema bancário planetário das Ongs e movimentos sociais, cooperativo e descentralizado que se proponha a destinar uma parte de seus recursos para programas de educação e seja ao mesmo tempo um exercício educativo de utilização de recursos financeiros.
http://www.canal-ea.net/

Manifesto pela Vida





Por uma Ética para a Sustentabilidade

Introdução

1. A crise ambiental é uma crise de civilização. É a crise de um modelo econômico, tecnológico e cultural que tem depredado a natureza e negado as culturas alternativas.

O modelo civilizatório dominante degrada o meio ambiente, sub-valoriza a diversidade cultural e desconhece o Outro (o indígena, o pobre, a mulher, o negro, o Sul), ao mesmo tempo em que privilegia um modo de produção e um estilo de vida insustentáveis que se tornaram hegemônicos no processo da globalização (VERDADEIRO, QUE NÃO ESTEJA RESTRITO A ECONOMIA, QUE É MESMO ASSIM IMPOSSÍVEL NO CAPITALISMO).

2. A crise ambiental é a crise do nosso tempo. Não é uma crise ecológica, e sim social.
É o resultado de uma visão mecanicista do mundo que, ignorando os limites biofísicos da natureza e os estilos de vida das diferentes culturas, está acelerando o aquecimento global do planeta. Esta é uma ação humana e não da natureza. A crise ambiental é uma crise moral de instituições políticas, de aparatos jurídicos de dominação, de relações sociais injustas e de uma racionalidade instrumental em conflito com a trama da vida.

3. O discurso do "desenvolvimento sustentável" parte de uma idéia equivocada. As políticas do desenvolvimento sustentável buscam harmonizar o processo econômico com a conservação da natureza favorecendo um equilíbrio entre a satisfação de necessidades atuais e das gerações futuras. Contudo pretende realizar seus objetivos revitalizando o velho mito desenvolvimentista, promovendo a falácia de um crescimento econômico sustentável sobre a natureza limitada do planeta. Mas a crítica a esta noção do desenvolvimento sustentável não invalida a verdade e o sentido do conceito de sustentabilidade para orientar a construção de uma nova racionalidade social e produtiva.

4. O conceito de sustentabilidade se funda no reconhecimento dos limites e potenciais da natureza, assim como a complexidade ambiental, inspirando uma nova compreensão do mundo para enfrentar os desafios da humanidade no terceiro milênio.
O conceito de sustentabilidade promove uma nova aliança natureza-cultura fundando uma nova economia, reorientando os potenciais da ciência e da tecnologia, e 1 A idéia de elaborar um Manifesto para a Sustentabilidade surgiu no Simpósio sobre Ética e Desenvolvimento Sustentável, celebrado em Bogotá, Colômbia, em 2-4 de Maio de 2002, do qual participaram: Carlos Galano (Argentina); Marianella Curi (Bolívia); Oscar Motomura, Carlos Walter Porto Gonçalves, Marina Silva (Brasil); Augusto Ángel, Felipe Ángel, José Maria Borrero, Julio Carrizosa, Hernán Cortés, Margarita Flórez, Alfonso Llano, Alicia Lozano, Juan Maer, Klaus Schütze e Luis Carlos Valenzuela (Colômbia); Eduardo Mora e Lorena San Román (Costa Rica); Ismael Clark (Cuba); Antonio Elizalde e Sara Arraín (Chile); Maria Fernanda Espinosa e Sebastián Haji Manchineri (Equador); Luis Alberto Franco (Guatemala); Luis Manuel Guerra, Beatriz Paredes e Gabriel Quadri (México); Guillermo Castro (Panamá); Eloisa Tréllez (Peru); Juan Carlos Ramírez (CEPAL); Lorena San Román e Mirian Vilela (Conselho da Terra); Fernando Calderón (PNUD); Ricardo Sánchez e Enrique Leff (PNUMA).
Uma primeira versão do mesmo foi apresentada na Sétima Reunião do Comitê Intersecional do Fórum de Ministros de Meio Ambiente da América Latina e do Caribe, celebrada em São Paulo, Brasil, em 15-17 de maio de 2002. A presente versão é uma re-elaboração deste texto baseada em consultas realizadas com os participantes do Simpósio, assim como em comentários de um grupo de pessoas, entre as quais agradecemos as sugestões de Lúcia Helena de Oliveira Cunha
(Brasil); Diana Luque, Mario Núñez, Armando Páez e José Romero (México).
construindo uma nova cultura política baseada em uma ética da sustentabilidade –em valores, crenças, sentimentos e saberes– que renovam os sentidos existenciais, os modos de vida e as formas de habitar o planeta Terra.

5. As políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável foram baseadas em um conjunto de princípios e em uma consciência ecológica que serviram de critérios para orientar as ações dos governos, das instituições internacionais e da cidadania. A partir do primeiro Dia da Terra em 1970 e da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972) e ainda a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) e no processo da Rio+10; desde a Primavera Silenciosa, A Bomba Populacional e Os Limites do Crescimento passando pelo Nosso Futuro Comum, Princípios do Rio e A Carta da Terra, um conjunto de preceitos tem acompanhado as estratégias do eco-desenvolvimento e as políticas do desenvolvimento sustentável. Os princípios do desenvolvimento sustentável partem da percepção do mundo como "uma Terra única" com um "futuro comum" para a humanidade; orientam uma nova geopolítica fundamentada no "pensar globalmente e agir localmente"; estabelecem o "princípio da precaução" para conservar a vida perante a falta de certezas do conhecimento científico e o excesso de imperativos tecnológicos e econômicos; promovem a responsabilidade coletiva, a igualdade social, a justiça ambiental e a qualidade de vida das gerações presentes e futuras. Apesar disso estes preceitos de "desenvolvimento sustentável" não se traduziram em uma
ética como um corpo de normas de conduta que reoriente os processos econômicos e políticos até uma nova racionalidade social e até formas sustentáveis de produção e de vida.

6. Durante a década que vai da Rio 92 até a Cúpula de Johannesburgo (2002), a
economia evoluiu para economia ecológica, a ecologia se converteu em ecologia
política, e a diversidade cultural levou a uma política da diferença. A ética está se
tornando ética política. Da dicotomia entre a razão pura e a razão prática, da
desconexão entre os interesses e os valores, a sociedade se re-posiciona como
economia moral e uma racionalidade ética que inspira a solidariedade entre os seres humanos e com a natureza. A ética para a sustentabilidade promove a gestão participativa de bens e serviços ambientais da humanidade para o bem comum; a coexistência de direitos coletivos e individuais; a satisfação de necessidades básicas, realizações pessoais e aspirações culturais dos diferentes grupos sociais. A ética ambiental orienta os processos e comportamentos sociais visando um futuro justo e sustentável para toda a humanidade.

7. A ética para a sustentabilidade propõe a necessária reconciliação entre a razão e a moral, de maneira que os seres humanos alcancem um novo estágio de consciência, autonomia e controle sobre seus modos de vida, tornando-se responsáveis por seus atos perante si mesmos, perante os demais e perante a natureza em relação ao justo e ao bom. A ética ambiental se converte assim em um suporte existencial da conduta humana perante a natureza e a sustentabilidade da vida.

8. A ética para a sustentabilidade é uma ética da diversidade em que se conjuga o ethos de diversas culturas. Esta ética alimenta uma política da diferença. É uma ética radical porque vai até a raiz da crise ambiental para remover todos os alicerces filosóficos, culturais, políticos e sociais desta civilização hegemônica, homogenizante, hierárquica, desperdiçadora, preconceituosa e excludente. A ética da sustentabilidade é a ética da vida e para a vida. É uma ética para o re-encantamento e a re-erotização do mundo, em que o desejo de vida reafirme o poder da imaginação, da criatividade e da capacidade do ser humano para transgredir irracionalidades repressivas, para questionar o desconhecido, para pensar o impensado, para construir o porvir de uma sociedade convivial e sustentável, e para evoluir para estilos de vida inspirados na frugalidade, no pluralismo e na harmonia entre as diversidades.

9. A ética da sustentabilidade compreende um novo saber capaz de entender as
complexas interações entre a sociedade e a natureza. O saber ambiental re-conecta os vínculos indissolúveis de um mundo interconectado de processos ecológicos, culturais, tecnológicos, econômicos e sociais. O saber ambiental substitui a percepção de um mundo baseado em um pensamento único e unidimensional, que se encontra na raiz da crise ambiental, por um pensamento da complexidade. Esta ética promove a construção de uma racionalidade ambiental fundamentada em uma nova economia – moral, ecológica e cultural– como condição para estabelecer um novo modo de produção que torne viáveis os estilos de vida ecologicamente sustentáveis e socialmente justos.

10. A ética para a sustentabilidade se nutre de um conjunto de preceitos, princípios e propostas para reorientar os comportamentos individuais e coletivos, assim como as ações públicas e privadas orientadas para a sustentabilidade. Entre eles identificamos os seguintes:

Ética de uma produção para a vida

11. A pobreza e a injustiça social são os sinais mais eloqüentes do mal-estar de nossa cultura, e estão associados direta ou indiretamente à deterioração ecológica em escala planetária e são o resultado de processos históricos de exclusão econômica, política, social e cultural. A divisão crescente entre países ricos e pobres, de grupos de poder e maiorias despossuídas, segue sendo o maior risco ambiental e o maior entrave à sustentabilidade. A ética para a sustentabilidade enfrenta a crescente contradição no mundo entre opulência e miséria, entre alta tecnologia e precariedade de recursos, entre exploração crescente dos recursos e depauperação e desesperança de milhões de
seres humanos, entre globalização dos mercados e marginalização social. A justiça social é condição sine qua non da sustentabilidade. Sem eqüidade na distribuição dos bens e serviços ambientais, não será possível construir sociedades ecologicamente sustentáveis e socialmente justas.

12. A construção de sociedades sustentáveis implica sua transformação em uma
civilização baseada no aproveitamento de fontes de energia renováveis,
economicamente eficientes e ambientalmente amigáveis, como a energia solar. A
mudança do paradigma mecanicista para o ecológico está se dando na ciência, nos valores e nas atitudes individuais e coletivas, assim como no padrão de organizações sociais e em novas estratégias produtivas, como a agro-ecologia e o manejo florestal.

Tanto os conhecimentos científicos atuais, como os movimentos sociais emergentes que clamam por novas formas sustentáveis de produção estão abrindo possibilidades para a construção de uma nova racionalidade produtiva fundamentada na produtividade eco-tecnológica de cada região e ecossistema, a partir dos potenciais da natureza e dos valores da cultura. Esta nova racionalidade produtiva abre as perspectivas a um processo econômico que rompe com o modelo unificador, hegemônico e homogenizante do mercado como lei suprema da economia. (É SEPARADO O TIPO DE CONHECIMENTO PRODUZIDO PELA CIÊNCIA E PELOS MOVIMENTOS SOCIAIS. ISSO IMPLICA EM UMA COMPREENSÃO DE QUE OS MOVIMENTOS SOCIAIS NÃO PRODUZEM CIÊNCIA, APENAS CONHECIMENTOS, NEGA ASSIM A REALIDADE EXISTENTE DE UMA INTEGRAÇÃO SISTEMATIZAÇÃO NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS NO INTERIOR DESSAS ORGANIZAÇÕES)


13. A ética para a sustentabilidade vai mais além do propósito de outorgar à natureza um valor intrínseco universal, econômico ou instrumental. Os bens ambientais são valorizados pela cultura através de cosmovisões, sentimentos e crenças que são resultado de práticas milenares de transformação e co-evolução com a natureza. O reconhecimento dos limites da intervenção cultural na natureza significa também aceitar os limites da tecnologia que chegaram a suplantar os valores humanos pela eficiência de sua razão utilitarista. A bioética deve moderar a intervenção tecnológica na ordem biológica. A técnica deve ser governada por um sentido ético de seu potencial transformador da vida.

Ética do conhecimento e diálogo de saberes

14. A ciência tem sido o instrumento mais poderoso de conhecimento e transformação da natureza, com capacidade para resolver problemas críticos como a escassez de recursos, a fome no mundo e de procurar melhores condições de bem-estar para a humanidade. A busca do conhecimento através da racionalidade científica tem sido um dos valores extraordinários do espírito humano. Contudo, se chegou a um dilema: por um lado o pensamento científico abriu as possibilidades para uma "inteligência coletiva" assentada nos avanços da cibernética e as tecnologias da informação, a submissão da ciência e da tecnologia ao interesse econômico e ao poder político comprometem seriamente a sobrevivência do ser humano; por outro lado, a desigualdade social associada à privatização e ao acesso desigual ao conhecimento e à informação resulta moralmente injusta. A capacidade humana para transcender seu entorno imediato e intervir nos sistemas naturais está modificando, de maneira
irreversível, processos naturais que a evolução levou milhões de anos, desencadeando riscos ecológicos fora de todo controle científico.

15. O avanço científico vem acompanhado de uma ideologia do progresso econômico e do domínio da natureza, privilegiando modelos mecanicistas e quantitativos da realidade que ignoram as dimensões qualitativas, subjetivas e sistêmicas que alimentam outras formas de conhecimento. O fracionamento do pensamento científico impossibilitou a compreensão e a solução de problemas sócio-ambientais complexos.
Ainda que as ciências e a economia tenham sido efetivas para intervir em sistemas naturais e ampliar as fronteiras da informação, paradoxalmente não se traduziram em uma melhoria na qualidade de vida da maioria da população mundial; muitos de seus efeitos mais perversos estão profundamente enraizados em pressupostos, axiomas, categorias e procedimentos da economia e das ciências.

16. A ciência se debate hoje entre duas políticas alternativas. Por um lado, prosseguir como a principal ferramenta da economia mundial de mercado orientada pela ganância individual e o crescimento sustentável. Por outro, é chamada a produzir conhecimentos e tecnologias que promovam a qualidade ambiental, o manejo sustentável dos recursos naturais e o bem-estar dos povos. Para isso será necessário conjugar os aportes racionais do conhecimento científico com as reflexões morais da tradição humanística abrindo a ossibilidade de um novo conhecimento em que possam conviver a razão e a paixão, o objetivo e o subjetivo, a verdade e o bom.

17. A eficácia da ciência lhe conferiu uma legitimidade dentro da cultura hegemônica do Ocidente como paradigma "por excelência" de conhecimento, negando e excluindo os saberes não científicos, os saberes populares, os saberes indígenas, tanto nas estratégias de conservação ecológica quanto nos projetos de desenvolvimento sustentável, assim como na resolução de conflitos ambientais. Atualmente os temas cruciais de sustentabilidade não são compreensíveis nem solucionáveis somente mediante os conhecimentos da ciência, mesmo contando com um corpo científico interdisciplinar, devido em parte ao caráter complexo dos assuntos ambientais e em parte porque as decisões sobre a sustentabilidade ecológica e a justiça ambiental colocam em jogo os diversos saberes e atores sociais. Os juízos de verdade implicam a intervenção de visões, interesses e valores que são irredutíveis ao julgamento "objetivo" das ciências.

18. A tomada de decisões em assuntos ambientais demanda a contribuição da ciência para obter informação mais precisa sobre fenômenos naturais. É o caso do aquecimento global do planeta, em que as previsões científicas sobre a vulnerabilidade ecológica e os riscos sócio-ambientais, apesar de seu inevitável grau de incerteza, devem predominar sobre as decisões baseadas no interesse econômico e em crenças infundadas nas virtudes do mercado para resolver os problemas ambientais.
19. A ética da sustentabilidade remete à ética de um conhecimento orientada para uma nova visão da economia, da sociedade e do ser humano. Isso implica promover estratégias de conhecimento abertas à hibridação das ciências e a tecnologia moderna com os saberes populares e locais em uma política da interculturalidade e o diálogo de saberes. A ética implícita no saber ambiental recupera o "conhecimento valorativo" e coloca o conhecimento dentro da trama de relações de poder no saber. O conhecimento valorativo implica a recuperação do valor da vida e o reencontro de nós mesmos, como seres humanos sociais e naturais, em um mundo em que prevalece a cobiça, a ganância, a prepotência, a indiferença e a agressão, sobre os sentimentos de solidariedade, compaixão e compreensão.

20. A ética da sustentabilidade induz a uma mudança de concepção do conhecimento de uma realidade feita de objetos por um saber orientado para o mundo do ser. A compreensão da complexidade ambiental demanda romper o cerco da lógica e abrir o círculo da ciência que gerou uma visão unidimensional e fragmentada do mundo.
Reconhecendo o valor e o potencial da ciência para alcançar estágios de maior bemestar para a humanidade, a ética da sustentabilidade conduz a um processo de reapropriação social do conhecimento e a orientação dos esforços científicos para a solução dos problemas mais cruciais da humanidade e os princípios da
sustentabilidade: uma economia ecológica, fontes renováveis de energia, saúde e
qualidade de vida para todos, erradicação da pobreza e segurança alimentar. O círculo das ciências deve se abrir para um campo epistêmico que inclua e favoreça o florescimento de diferentes formas culturais de conhecimento. O saber ambiental é a abertura da ciência interdisciplinar e sistêmica para um diálogo de saberes.

21. A ética da sustentabilidade implica reverter o princípio de "pensar globalmente e agir localmente". Este preceito leva a uma colonização do conhecimento através de uma geopolítica do saber que legitima o pensamento e as estratégias formuladas nos centros de poder dos países "desenvolvidos" dentro da racionalidade do processo dominante de globalização econômica, para serem reproduzidos e implantados nos países "em desenvolvimento" ou "em transição", em cada localidade e em todos os aspectos da sensibilidade humana. Sem ignorar os aportes da ciência para migrar para a sustentabilidade, é necessário repensar a globalidade a partir da localização do saber, arraigado em um território e em uma cultura, a partir da riqueza de sua heterogeneidade, da diversidade e da singularidade; e a partir daí reconstruir o mundo por meio do diálogo intercultural de saberes e a hibridação dos conhecimentos científicos com os saberes locais.

22. A educação para a sustentabilidade deve ser entendida neste contexto como uma pedagogia baseada no diálogo de saberes, e orientada para a construção de uma racionalidade ambiental. Esta pedagogia incorpora uma visão holística do mundo e um pensamento da complexidade. Mas vai mais além ao fundar-se numa ética e numa ontologia da alteridade que do mundo fechado em inter-relações sistêmicas, do mundo objetivo, do mundo dado, abre-se para o infinito do mundo do possível e a criação "do que ainda não é". É a educação para a construção de um futuro sustentável, eqüitativo, justo e diverso. É uma educação para a participação, a autodeterminação e a transformação; uma educação que permita recuperar o valor da sensibilidade na complexidade; do local perante o global; do diverso perante o único; do singular perante o universal.

Ética da cidadania global, o espaço público e os movimentos sociais

23. A globalização econômica está levando à privatização dos espaços públicos. O destino das nações e das pessoas está cada vez mais conduzido por processos
econômicos e políticos que são decididos fora de suas esferas de autonomia e
responsabilidade. O movimento ambiental resultou em uma emergência por uma
cidadania global que expressa os direitos de todos os povos e de todas as pessoas para participar de maneira individual e coletiva na tomada de decisões que afetam sua existência, emancipando-se do poder do Estado e do mercado como organizadores de seus modos de vida.

24. O sistema parlamentar das democracias modernas se encontra em crise porque a esfera pública, entendida como o espaço de inter-relação dialógica das aspirações, vontades e interesses, foi substituída pela negociação e o cálculo de interesse dos partidos que, convertidos em grupos de pressão, negociam suas respectivas oportunidades de ocupar o poder. Para resolver os paradoxos do efeito maioria é necessário uma política de tolerância e participação das dissidências e as diferenças.
Assim mesmo deve fortalecer os valores democráticos para praticar uma democracia direta.

25. A democracia direta se funda em um princípio de participação coletiva nos
processos de tomada de decisões sobre os assuntos de interesse comum. Frente ao projeto de democracia liberal que legitima o domínio da racionalidade do mercado, a democracia ambiental reconhece os direitos das comunidades autogestoras fundamentadas no respeito à soberania e à dignidade da pessoa humana, à responsabilidade ambiental e ao exercício de processos para a tomada de decisões a partir do ideal de uma organização baseada em vínculos pessoais, em relações de trabalho criativo, em grupos de afinidade, em comunidades e vizinhança.

26. O ambientalismo é um movimento social que, nascido nesta época de crise
civilizatória marcada pela degradação ambiental, pelo individualismo, pela
fragmentação do mundo e pela exclusão social, nos conclama a pensar sobre o futuro da vida, a questionar o modelo de desenvolvimento atual e mesmo o conceito de desenvolvimento, para enfrentar os limites da relação da humanidade com o planeta. A ética da sustentabilidade nos confronta com o vínculo da sociedade com a natureza, com a condição humana e com o sentido da vida.

27. A ética para a construção de uma sociedade sustentável conduz para um processo de emancipação que reconhece, como ensinava Paulo Freire, que ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho; os seres humanos só se libertam em comunhão. Desta maneira é possível superar a perspectiva "progressista" que pretende salvar o outro (o indígena, o marginalizado, o pobre) deixando de ser ele mesmo para integrá-lo como um ser ideal universal, ao mercado global ou ao Estado nacional; forçando-o a abandonar seu ser, suas tradições e seus estilos de vida para converterse em um ser "moderno" e "desenvolvido".

Ética da governabilidade global e a democracia participativa( o termo em si deve estar errado, pois participação não é comando d
28. A ética para a sustentabilidade apela à responsabilidade moral dos sujeitos, dos grupos sociais e do Estado para garantir a continuidade da vida e para melhorar a qualidade de vida. Esta responsabilidade se fundamenta em princípios de solidariedade entre esferas políticas e sociais, de maneira que sejam os atores sociais que definem e legitimam a ordem social, as formas de vida, as práticas da sustentabilidade, através do estabelecimento de um novo pacto cidadão e de um debate democrático, baseado no respeito mútuo, no pluralismo político e na diversidade cultural, com a primazia de uma opinião pública crítica atuando com autonomia perante os poderes do Estado.

29. A ética da sustentabilidade questiona as formas vigentes de dominação
estabelecidas pelas diferenças de gênero, etnia, classe social e opção sexual, para estabelecer uma diversidade e pluralidade de direitos da cidadania e da comunidade.
Isso implica reconhecer a impossibilidade de consolidar uma sociedade democrática dentro das grandes iniqüidades econômicas e sociais no mundo e em um cenário político no qual os atores sociais entram no jogo democrático em condições de desigualdade e em que as maiorias têm nulas ou possibilidades muito limitadas de participação.

30. A ética para a sustentabilidade demanda um novo pacto social. Este deve
fundamentar-se em um marco de acordos básicos para a construção de sociedades sustentáveis que incluam novas relações sociais, modos de produção e padrões de consumo. Estes acordos devem incorporar a diversidade de estilos culturais de produção e de vida; reconhecer os dissensos, assumir os conflitos, identificar os ausentes do diálogo e incluir os excluídos do jogo democrático. Estes princípios éticos conduzem à construção de uma racionalidade alternativa que crie sociedades sustentáveis para os milhões de pobres e excluídos deste mundo globalizado, reduzindo a brecha entre crescimento e distribuição, entre participação e marginalização, entre o desejável e o possível.

31. Uma ética para a sustentabilidade deve inspirar novos marcos jurídicoinstitucionais que reflitam, respondam e se adaptem ao caráter tanto global e regional, como nacional e local das dinâmicas ecológicas, assim como a revitalização das culturas e seus conhecimentos associados. Esta nova institucionalidade deve contar com o mandato e os meios para fazer frente às iniqüidades na distribuição econômica e ecológica, à concentração de poder das corporações transnacionais, à corrupção e ineficiência dos diferentes órgãos de governo e gestão; e avançar para formas de governabilidade mais democráticas e participativas da sociedade em seu conjunto.

Ética de os direitos, a justiça e a democracia

32. O direito não é a justiça. A racionalidade jurídica privilegia os processos legais por meio de normas substantivas, impossibilitando assim o estabelecimento de um vínculo social fundamentado em princípios éticos, assim como a aplicação de princípios essenciais para garantir o exercício dos direitos humanos fundamentais, ambientais e coletivos. Apoiados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos nós temos direito às mesmas oportunidades, a ter direitos comuns e diferenciados. O projeto para avançar para a nova aliança solidária com uma civilização da diversidade e uma cultura
de baixa entropia pressupõe o primado de uma ética implicada em uma nova visão do mundo que nos prepare para uma transmutação dos valores que fundamentem um novo contrato social. Nas circunstâncias atuais de bancarrota moral, ecológica e política, esta mudança de valores é um imperativo de sobrevivência.

33. O conceito moral de modernidade tende a favorecer as ações regidas pela
racionalidade instrumental e o interesse econômico, ao mesmo tempo em que dilui a sensibilidade que permite diferenciar um comportamento utilitarista de outro baseado em valores substantivos e intrínsecos. A complexidade crescente do mundo moderno erradicou uma visão universal do bem ou um princípio transcendental do justo que sirva de cimento para o vínculo social solidário. A ética da sustentabilidade deve ser uma ética aplicada que assegure a coexistência entre visões rivais em um mundo constituído por uma diversidade de culturas e matrizes de racionalidade, centradas em diferentes idéias do bem.

34. Se o que caracteriza as sociedades contemporâneas é o poder científico sobre a natureza e o poder político sobre os seres humanos, a ética para a sustentabilidade deve formular os princípios para prevenir que qualquer bem social sirva como meio de dominação. Existindo diferentes bens sociais, sua distribuição configura distintas esferas de justiça, cada uma das quais deve ser autônoma e dotada de regras próprias.
Desta complexidade dos bens sociais nasce a noção de eqüidade complexa resultante da intersecção entre o projeto de combater a dominação e o programa de diferenciação de esferas da justiça.

35. Se a dominação é uma das formas essenciais do mal, aboli-la é o bem supremo.
Isso significa desatar os nós do pensamento e as estratégias de poder no saber que nos submetem aos distintos dispositivos de prejulgamento ativados em ideologias e instituições sociais. A luta contra a dominação é um projeto moral cujo núcleo consiste em cultivar uma ética das virtudes que nos permita renunciar a valores morais, os sistemas de organização política e os artefatos tecnológicos que serviram como meios de dominação. É ao mesmo tempo um projeto cultural para avançar para a reinvenção ética e estética da mente, dos modelos econômico-sociais e das relações naturezacultura que configuram o estilo de vida dominante nesta civilização. Trata-se de uma ética das virtudes pessoais e cívicas que garanta o respeito de uma base mínima de deveres positivos e negativos, que assegure as normas básicas de convivência para a
sustentabilidade.

36. A ética para a sustentabilidade é uma ética dos direitos fundamentais previsíveis que promove a dignidade humana como o valor mais alto e condição fundamental para reconstruir as relações do ser humano com a natureza. É uma ética da solidariedade que rebaixa o individualismo para fundamentar-se no reconhecimento da alteridade e da diferencia; uma ética democrática participativa que promove o pluralismo, que reconhece os direitos das minorias e as protege dos abusos que lhes podem causar os diferentes grupos de poder. O bem comum é assegurar a produção e a busca de justiça para todos, respeitando a individualidade de cada um.

Ética de os bens comuns e do Bem Comum

37. Os atuais processos de intervenção tecnológica, de revalorização econômica e de reapropriação social da natureza estão criando a necessidade de estabelecer os princípios de uma bioética junto com uma ética dos bens e serviços ambientais. Os bens comuns não são bens livres, ainda que tenham sido significados e transformados por valores comuns de diferentes culturas. Os bens públicos não são bens de livre acesso, pois devem ser aproveitados para o bem comum. Atualmente, os "bens comuns" estão sujeitos às formas de propriedade e normas de uso que confluem de maneira conflitante com os interesses do Estado, das empresas transnacionais e dos povos em redefinição do próprio e do alheio; do público e do privado; do patrimônio dos povos, do Estado e da humanidade. Os bens ambientais são uma intrincada rede de bens comuns e bens públicos com os que se confrontam os princípios da liberdade de mercado, a soberania dos Estados e a autonomia dos povos.

38. A ética do bem comum se propõe como uma ética para a resolução do conflito de interesses entre o comum e o universal, o público e o privado. A ética da ordem pública e os direitos coletivos se contrapõem à ética do direito privado como maior baluarte da civilização moderna, questionando o mercado e a privatização do conhecimento –a mercantilização da natureza e a privatização e os direitos de propriedade intelectual– como princípios para definir e legitimar as formas de posse, valorização e usufruto da natureza, e como o meio privilegiado para alcançar o bem comum. Frente aos direitos de propriedade privada e a idéia de um mercado neutro no qual se expressam preferências individuais como fundamento para regular a oferta de bens públicos, surgem atualmente os direitos coletivos dos povos, os valores culturais da natureza e as formas coletivas de propriedade e de manejo dos bens comuns, definindo uma ética do bem comum e confrontando as estratégias de apropriação da biodiversidade por parte das corporações da indústria da biotecnologia.
39. A ética da sustentabilidade implica cambiar o principio do egoísmo individual como gerador de bem comum por um altruísmo fundamentado em relações de reciprocidade e cooperação. Esta ética está se arraigando em movimentos sociais ascendentes, em grupos culturais crescentes, que hoje em dia começam a enlaçar-se em torno de redes cidadãs e de fóruns sociais mundiais na nova cultura de solidariedade.

Ética da diversidade cultural e de uma política da diferença

40. O discurso do "desenvolvimento sustentável" preconiza um futuro comum para a humanidade, mas não inclui adequadamente as visões diferenciadas dos diferentes grupos sociais envolvidos, e em particular, das populações indígenas que ao longo da história conviveram material e espiritualmente em harmonia com a natureza. A sustentabilidade deve estar baseada em um princípio de integridade dos valores humanos e das identidades culturais, com as condições de produtividade e regeneração da natureza, princípios que emanam da relação material e simbólica que têm as populações com seus territórios, com os recursos naturais e o ambiente. As cosmovisões dos povos ancestrais estão assentadas em sua fonte inspiradora de práticas culturais de uso sustentável da natureza.

41. A ética para a sustentabilidade acolhe esta diversidade de visões e saberes, e
contesta todas as formas de dominação, discriminação e exclusão de suas identidades culturais. Uma ética da diversidade cultural implica uma pedagogia da alteridade para aprender a escutar outras racionalizações e outros sentimentos. Essa alteridade inclui a espiritualidade das populações indígenas, seus conhecimentos ancestrais e suas práticas tradicionais, como uma contribuição fundamental da diversidade cultural à sustentabilidade humana global.

42. Para os povos indígenas e afro-descendentes, assim como para muitas sociedades campesinas e organizações populares, a ética da sustentabilidade se traduz em uma ética do respeito a seus estilos de vida e a seus espaços territoriais, a seus hábitos e a seu hábitat, tanto no âmbito rural como no urbano. A ética se traduz em práticas sociais para a proteção da natureza, a garantia da vida e a sustentabilidade humana.
Os conhecimentos ancestrais, por seu caráter coletivo, se definem através de suas próprias cosmovisões e racionalidades culturais e contribuem para o bem comum do povo a que pertencem. Por isso, seus saberes, sua natureza e sua cultura não devem ser submetidos ao uso e à propriedade privada.

43. Nas cosmovisões dos povos indígenas e afro-descendentes, assim como de muitas comunidades campesinas, a natureza e a sociedade estão integradas dentro de um sistema biocultural, cuja organização social, práticas produtivas, religião, espiritualidade e palavra integram um ethos que define seus estilos próprios de vida. A ética remete a um conceito de bem-estar que inclui a "grande família" e não unicamente pessoas. Este viver bem da comunidade se refere a lograr seu bem-estar baseado em seus valores culturais e identidades próprias. As dinâmicas demográficas, de mobilidade e ocupação territorial, assim como as práticas de uso e manejo da biodiversidade, se definem dentro de uma concepção da trilogia território-culturabiodiversidade como um todo íntegro e indivisível. O território se define como o espaço para ser e a biodiversidade como um patrimônio cultural que permite ao ser permanecer; portanto a existência cultural é condição para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. Estas concepções do mundo estão gerando novas alternativas de vida para muitas comunidades rurais e urbanas.

44. O direito inalienável dos povos a seu ser cultural deve levar a uma nova ética dos direitos dos povos frente ao Estado. A ética para a sustentabilidade abre assim os meios para recuperar identidades, para voltar a perguntar-nos quem somos e quem queremos ser. É uma ética para enxergar e retornar às nossas raízes, uma ética para reconhecer-nos e regenerar laços de comunicação e solidariedade a partir de nossas diferenças e para não seguir atropelando o outro. Uma ética para reestabelecer a confiança entre os seres humanos e entre os povos subjugados, tornando realidade os preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Ética da paz e o diálogo para a resolução de conflitos

45. O pior mal da humanidade é a guerra que aniquila a vida e destrói a natureza, assim como a violência física e simbólica que desconhece a dignidade humana e o direito do outro. A ética para a sustentabilidade é a ética de uma cultura de paz e de não-violência; de uma sociedade que resolve seus conflitos através do diálogo. Esta cultura de diálogo e paz só pode se dar dentro de uma sociedade de pessoas livres em que se constroem acordos e consensos em processos nos quais também há lugar para os dissensos.

46. A capacidade argumentativa permitiu aos seres humanos usar o juízo racional e a retórica para manter e defender posições e interesses individuais e de grupo frente ao bem comum e das maiorias. Somente um juízo moral pode dirimir e superar as controvérsias entre juízos racionais igualmente legítimos. A função da inteligência não é só a de raciocinar logicamente, conhecer e criar produtivamente, mas também a de orientar sabiamente o comportamento e dar sentido à existência. Estas são funções éticas do bem viver. Neste sentido, a ética enaltece a razão. A dignidade, a identidade e a autonomia das pessoas aparecem como direitos fundamentais do ser para existir e ser respeitado.

47. Se toda ordem social –incluindo a democrática– supõe formas de exclusão, em cada cenário de negociação deve se incluir todos os grupos afetados e interessados.
Esta transparência é fundamental nos processos de resolução de conflitos ambientais pela via do diálogo e da negociação, sobretudo se consideramos que as comunidades e indivíduos mais afetados pela crise ambiental em todas suas manifestações são justamente os mais pobres, os subalternos e os excluídos do esquema da democracia liberal.
48. Para que a ética se converta em um critério operativo que permita dirimir conflitos entre atores em diferentes escalas e poderes desiguais, será necessário um acordo de princípios de igualdade que seja assumido e praticado por todos os atores da sustentabilidade. Isso implica reconhecer a especificidade dos diferentes atores e setores sociais com seus impactos ecológicos, responsabilidades, interesses e demandas, e suas diferentes esferas de intervenção: local, nacional, internacional.
Para tal é necessário superar as dicotomias entre países ricos e pobres, assim como as oposições convencionais entre Norte / Sul, Estado / sociedade civil, esfera pública / esfera privada, de maneira que se identifiquem os valores, interesses e responsabilidades dos atores concretos dentro das controvérsias postas em jogo por grupos sociais, corporações, empresas e Estados específicos. Este exercício é fundamental para que as políticas, as decisões e os compromissos adotados correspondam às responsabilidades diferenciadas e às condições específicas dos atores envolvidos.

Ética do ser e o tempo da sustentabilidade

49. A ética da sustentabilidade é uma ética do ser e do tempo. É o reconhecimento dos tempos diferenciados dos processos naturais, econômicos, políticos, sociais e culturais: do tempo da vida e dos ciclos ecológicos; do tempo que se incorpora ao ser das coisas e o tempo que encarna na vida dos seres humanos; do tempo que marca os ritmos da história natural e da história social; do tempo que forja processos, define identidades e desencadeia tendências; do encontro dos tempos culturais diferenciados de diversos atores sociais para gerar consultas, consensos e decisões dentro de seus próprios códigos de ética, de usos e costumes.

50. A vida de uma espécie, da humanidade e das culturas não se conclui em uma
geração. A vida individual é transitória, mas a aventura do sistema vivo e das
identidades coletivas transcende o tempo. O valor fundamental de todo ser vivo é a perpetuação da vida. O maior valor da cultura é sua abertura para a diversidade cultural. A construção da sustentabilidade está suspensa no tempo, em uma ética transgeracional. O futuro sustentável só será possível em um mundo no qual a natureza e a cultura continuem co-evoluindo.

51. A ética da sustentabilidade coloca a vida acima do interesse econômico-político ou prático-instrumental. A sustentabilidade só será possível se recuperarmos o desejo de vida que sustenta o sentido da existência humana. A ética da sustentabilidade é uma ética para a renovação permanente da vida, em que todos nascem, crescem, adoecem, morrem e renascem. A preservação do ciclo permanente da vida implica saber manejar o tempo para que a Terra se renove e a vida floresça em todas suas formas convivendoem harmonia com os modos de vida das pessoas e as culturas.

52. A ética da sustentabilidade se nutre do ser cultural dos povos, de suas formas de saber, da permanência de seus saberes em suas identidades e da circulação de saberes no tempo. Estes legados culturais são os que hoje abrem a história e permitem a emergência do novo através do diálogo intercultural e transgeracional de saberes, fertilizando os caminhos para um futuro sustentável.

Epílogo

53. A ética para a sustentabilidade é uma ética do bem comum. Este Manifesto foi produzido em comum para converter-se em um bem comum; neste sentido, busca inspirar princípios e valores, promover razões e sentimentos, e orientar procedimentos, ações e condutas, para a construção de sociedades sustentáveis.

54. Este Manifesto não é um texto definitivo e acabado. A ONU, os governos, as
organizações cidadãs, os centros educativos e os meios de comunicação de todo o mundo deverão contribuir para difundir este Manifesto para propiciar um amplo diálogo e debate que conduzam a estabelecer e praticar uma ética para a sustentabilidade.

Educom em debate

Francisco Moraes da Costa, da comunicação do DEA/MMA (Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente), fala sobre Educom. Eliany Salvatierra, do NCE/USP (Núcleo de Comunicação e Educação da Univ. de São Paulo), também é entrevistada neste vídeo gravado em 2007

Pastoral da Terra reage a ataque da mídia ao MST

Mais uma vez mídia e ruralistas investem contra o MST

A Coordenação Nacional da CPT vem a público para manifestar sua estranheza diante do “requentamento” por toda a grande mídia de um fato ocorrido na segunda feira da semana passada, 28 de setembro, e que foi noticiado naquela ocasião, mas que voltou com maior destaque, uma semana depois, a partir do dia 5 de outubro até hoje.

Trata-se do seguinte: no dia 28 de setembro, integrantes do MST ocuparam a Fazenda Capim, que abrange os municípios de Iaras, Lençóis Paulista e Borebi, região central do estado de São Paulo. A área faz parte do chamado Núcleo Monções, um complexo de 30 mil hectares divididos em várias fazendas e que pertencem à União. A fazenda Capim, com mais de 2,7 mil hectares, foi grilada pela Sucocítrico Cutrale, uma das maiores empresas produtora de suco de laranja do mundo, para a monocultura de laranja. O MST destruiu dois hectares de laranjeiras para neles plantar alimentos básicos. A ação tinha por objetivo chamar a atenção para o fato de uma terra pública ter sido grilada por uma grande empresa e pressionar o judiciário, já que, há anos, o Incra entrou com ação para ser imitido na posse destas terras que são da União.

As primeiras ocupações na região aconteceram em 1995. Passados mais de 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos. A maioria das terras, porém, ainda está nas mãos de grandes grupos econômicos. A Cutrale instalou-se há poucos anos, 4 ou 5 mais ou menos. Sabia que as terras eram griladas, mas esperava, porém, que houvesse regularização fundiária a seu favor.

As imagens da televisão, feitas de helicóptero, mostram um trator destruindo as plantas. As reações, depois da notícia ser novamente colocada em pauta, vieram inclusive de pessoas do governo, mas, sobretudo, de membros da bancada ruralista que acusam o movimento de criminoso e terrorista.

A quem interessa a repetição da notícia, uma semana depois?

No mesmo dia da ação dos sem-terra foi entregue aos presidentes do Senado e da Câmara, um Manifesto, assinado por mais de 4.000 pessoas, entre as quais muitas personalidades nacionais e internacionais, declarando seu apoio ao MST, diante da tentativa de instalação de uma CPMI para investigar os repasses de recursos públicos a entidades ligadas ao Movimento. Logo no dia 30, foi lido em plenário o requerimento para sua instalação, que acabou frustrada porque mais de 40 deputados retiraram seu nome e com isso não atingiu o número regimental necessário. A bancada ruralista se enfureceu.

A ação do MST do dia 28, que ao ser divulgada pela primeira vez não provocara muita reação, poderia dar a munição necessária para novamente se propor uma CPI contra o MST. E numa ação articulada entre os interesses da grande mídia, da bancada ruralista do Congresso e dos defensores do agronegócio, se lançaram novamente as imagens da ocupação da fazenda da Cutrale.

A ação do MST, por mais radical que possa parecer, escancara aos olhos da nação a realidade brasileira. Enquanto milhares de famílias sem terra continuam acampadas Brasil afora, grandes empresas praticam a grilagem e ainda conseguem a cobertura do poder público.

Algumas perguntam martelam nossa consciência:

Por que a imprensa não dá destaque à grilagem da Cutrale?

Por que a bancada ruralista se empenha tanto em querer destruir os movimentos dos trabalhadores rurais? Por que não se propõe uma grande investigação parlamentar sobre os recursos repassados às entidades do agronegócio, ao perdão rotineiro das dívidas dos grandes produtores que não honram seus compromissos com as instituições financeiras?

Por que a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), declarou, nas eleições ao Senado em 2006, o valor de menos de oito reais o hectare de uma área de sua propriedade em Campos Lindos, Tocantins? Por que por um lado, o agronegócio alardeia os ganhos de produtividade no campo, o que é uma realidade, e se opõe com unhas e dentes á atualização dos índices de produtividade? Por que a PEC 438, que propõe o confisco de terras onde for flagrado o trabalho escravo nunca é votada? E por fim, por que o presidente Lula que em agosto prometeu em 15 dias assinar a portaria com os novos índices de produtividade, até agora, mais de um mês e meio depois, não o fez?

São perguntas que a Coordenação Nacional da CPT gostaria de ver respondidas.

Goiânia, 7 de outubro de 2009.

Coordenação Nacional da CPT

Mais sobre MST e CPI no site da CPT
www.cptnac.com.br

Veja artigo do jornalista e cineasta Maurício Caleiro sobre o MST, a mídia, o Congresso... e as laranjas
http://www.mst.org.br/node/8308

E confira trecho de documentário que denuncia o assassinato do sem terra Elton Brum, pela PM do Rio Grande do Sul