domingo, 25 de novembro de 2012

Lição de Jornalismo

23/11/2012 - Tereza Cruvinel - Correio Braziliense


Em tempos de poder midiático sem precedentes, aqui e no mundo, nessa hora em que o jornalismo é discutido até em relatório de CPI, achei oportuno compartilhar com os leitores este magnífico artigo do jornalista Pedro Rogério. Profissional experiente, com passagem por todos os cargos que contam nesta profissão, em variados veículos, Pedro Rogério nos recorda os cânones sagrados dessa profissão.

Lição de jornalismo - Pedro Rogério Moreira (*)


Tenho uma passagem com o jornalista Evandro Carlos de Andrade quando ele era diretor de Redação de O Globo, da qual já dei notícia numa memória intitulada "Lição de jornalismo" e que figura no meu livro Jornal Amoroso - Edição Vespertina (Thesaurus, 2007). É uma passagem de boa atualidade.

Um pouco de nostalgia para situar o leitor. Era eu, no começo dos anos de 1970, uma espécie de factotum de Deodato Maia, secretário da madrugada de O Globo: redigia as matérias de última hora, atualizava os telegramas da Guerra do Vietnam, corria à oficina para fiscalizar a paginação, numa época em que ainda prevalecia a imprensa de chumbo de Gutemberg e aquele jornal carioca conservava um quê de vespertino.



Em certa madrugada atendi a telefonema de um intermediário de Mariel Mariscot, (foto) o policial que  passara para o lado dos bandidos e virara o inimigo público número 1 da cidade. O interlocutor propunha   dar ao Globo o privilégio de entrevistar Mariel se concordássemos com duas ou três exigências.

Vislumbrei a chegada dos meus 15 minutos de glória. Expus o caso ao velho Deodato. Ele puxou uma tragada no seu Hollywood, pigarreou ao estilo e anunciou: "Vou consultar o Evandro". E telefonou para a casa dele, acordando-o naquela hora morta.

Grande expectativa no coração disparado do jovem jornalista cabeludo de calça boca de sino. Volta Deodato com a resposta de Evandro: "Diga ao Pedro que O Globo não faz acordo com foras-da-lei".

Contou-me outro dia o colunista Merval Pereira que o preceito da família Marinho, enunciado pelo saudoso Evandro (quanta falta faz!) permanece como um dos pilares do maior jornal do País. Eu não imaginava o contrário.



Os "capitães da imprensa" não são novidadeiros, repórteres é que o são. Eles cruzam na vida com Deus e o Diabo. E às vezes repetem o "Fausto". É o que parece ter acontecido recentemente. Parece, pois não se sabe se é vero. E corremos (os leitores, a sociedade) o risco de nunca sabermos, pois a CPMI do Cachoeira está se encerrando e o jornalista Policarpo Junior (D) resiste em esclarecer se fez ou não fez o pacto do infausto personagem de Goethe. Isto é, ele tem o dever de esclarecer o motivo de ter sido escolhido por Cachoeira (E), um Mariel da atualidade, para ser o depositário das bombásticas informações do fora-da-lei.

Outro aspecto curioso deste caso que abala a credibilidade do jornalismo brasileiro é a enxurrada de artigos de proteção ao jornalista alçado ao posto, quiçá não almejado, de queridinho do fora-da-lei. Assim como a CPMI tem a tropa de choque de parlamentares que defendem a Delta, todo dia aparece um jornalista, um sociólogo, um historiador, um parlamentar, achando um despropósito a convocação de Policarpo, como se jornalista tivesse imunidade.

Ora, o que se quer saber é muito simples: por que o Cachoeira escolheu o jornalista de Veja, e não outros bambambãs, de O Globo, da Folha, do Estadão, da TV Globo, do Correio Braziliense ou de qualquer outro veículo? Tão bons repórteres quanto Policarpo.

Mas não; os furos apurados pelo sofisticado esquema de informação do fora-da-lei só eram destinados ao Policarpo. Videotape do mensalão? Cachoeira entrega pro Policarpo.

Roubalheira no Denit? Cachoeira apura e repassa ao Policarpo. Policarpo quer pegar o Zé Dirceu? Sem problema: o araponga do Cachoeira, um tal Dadá, põe uma câmara escondida no hotel e entrega as fotos de quem conversava com o ex-ministro para o Policarpo. Por que para o Policarpo? É a pergunta que não quer calar.

Mais ainda: na semana passada foram divulgados grampos telefônicos em que, aparentemente, o fora-da-lei se transforma em chefe de reportagem e pede a Policarpo para tirar um repórter de determinada matéria em Goiás. É isso? Ou não é nada disso?

Como novidadeiros, repórteres andam de mãos dadas com o risco. E eu não sei? Na minha época de repórter itinerante do Jornal Nacional na Amazônia, fiz amizade com muitos aviadores. É uma turma muito boa, a gente sempre aprende com eles. São excelentes fontes de informação. Além do mais, no meu caso, me faziam vôos fiados, eu pagava quando a verba de produção chegava, porque, como sabemos, em televisão o espetáculo não pode parar.



Um dia, quando eu já havia voltado para o Rio, deu na imprensa que alguns daqueles meus amigos pilotos de garimpo tinham sido presos por transportar cocaína.

- Que beleza, heim seu Pedro? Com quem você anda, rapaz!

Mas o repórter teria de muito bom grado se apresentado ao delegado Paulo Lacerda, chefe da Polícia Federal em Rondônia, se ele tivesse me convocado, a fim de contar o que fazia um retrato meu confraternizando com os acusados em cima do aparador da sala de visitas da "república" dos aviadores, varejada pelos policiais.

O repórter do JN teria dito ao delegado:
- Eu gostava dos elementos, seu doutor; eles me homenageavam, sempre que eu passava por Porto Velho, com um churrasco sensacional. Desconhecia que eram pilantras e eu nem fumo nem cheiro, seu doutor. E zéfini.

É o que o jornalista de Veja deveria fazer: contar o que sabe e ponto final. A palavra-chave neste caso é apuração, vocábulo registrado em qualquer dicionário de jornalismo. É preciso apurar, o primeiro passo no caminho da verdade, como aprendemos na faculdade ou na escola da vida.

Além do mais, o mundo é mau e tem sempre gente linguaruda para assacar inverdades.

Como na fábula de Araxá, por sinal a terra natal de Cachoeira. Havia nesta cidade mineira um farmacêutico, homem sério e bom. Madrugador no seu ofício, viu as primeiras chamas do incêndio criminoso que consumiu o cartório na calada da noite. Valente, o farmacêutico enfrentou o fogo para salvar o que podia. Foi um herói. Mas, sempre recolhido, não quis alardear o feito para o quinzenário da cidade. Calou-se na sua modéstia. Anos depois, duas velhinhas estão debruçadas na janela de um sobrado, espiando a vida. Vem de lá o farmacêutico. Uma diz pra outra:

- Olha só quem passa...
- E quem é ele, menina? 
- Aquele farmacêutico que esteve envolvido no incêndio do cartório!


O silêncio de Policarpo conspira contra ele. Se for indiciado no relatório, a CPMI pode estar cometendo uma enorme injustiça contra o indigitado. O certo mesmo é que o silencioso jornalista se transformará na vítima das velhinhas do Araxá daqui mais uns anos.


- Quem vem de lá?
- Aquele jornalista que se envolveu com o Cachoeira!

(*) Pedro Rogerio é jornalista 

Fonte:
http://www.dzai.com.br/terezacruvinel/blog/terezacruvinel?tv_pos_id=117924

sábado, 24 de novembro de 2012

A direita brasileira e o "internacionalismo reacionário"

14/11/2012 - Jeferson Miola (*) - Carta Maior


Políticas golpistas disseminam-se pelo continente americano.



À medida em que os governos progressistas e de esquerda vão sendo sucessivamente eleitos, reeleitos e alguns re-reeleitos, novas modalidades conspirativas vão sendo testadas e postas em prática.

A dependência e submissão não só econômica, mas ideológica e cultural dos países da região às potências dominantes, promovidas pelas burguesias e oligarquias nacionais, faz parte de uma época superada do passado.


A realidade atual, de independência e ao mesmo tempo de integração sul-sul, entretanto, não é aceita tanto pelas burguesias e oligarquias colonizadas quanto pelo capital estrangeiro colonizador.


Entre os anos 1960 e 1980, a submissão dos países latino-americanos aos interesses imperiais era processada à força, com a imposição atemorizadora dos canhões e das metralhadoras. Naquela época, multiplicaram-se os golpes de Estado para a implantação de sangrentas ditaduras civis-militares. Os atentados à democracia não somente eram do conhecimento dos EUA, como contavam com seu protagonismo ativo em inúmeros terrenos: na concepção intelectual, no financiamento, na inteligência, no treinamento e no armamento dos setores civis-militares golpistas.

As ditaduras instaladas contavam com inconfessável e claro apoio das classes dominantes, dos poderes judiciais e das imprensas nacionais de cada país. As ditaduras foram funcionais aos interesses do capital estrangeiro, assim como dos capitais nacionais nelas engajados. Os principais conglomerados financeiros, empresariais, econômicos e midiáticos que exercem enorme poder na atualidade, foram extraordinariamente fermentados naquele período.


Recentemente foram publicados resultados parciais das averiguações efetuadas pela Comissão da Verdade do Brasil. Se pôde finalmente saber que cerca de 2.000 índios da região norte do país foram dizimados pela ditadura civil-militar para assegurar projetos privados. Parte dos índios foram torturados e fuzilados para delatar os militantes da guerrilha do Araguaia. Mas algumas áreas foram apropriadas e os índios residentes mortos, para viabilizar a instalação de empresas multinacionais e grandes empresas nacionais que se dedicam ainda hoje à exploração da terra, dos recursos naturais e das riquezas da região.

Por essa razão o restabelecimento da verdade, da memória e da justiça relativamente a aquele período é ardorosamente obstruído. Se repete o mantra de que se deve “deixar de olhar para trás”. Os defensores desta ideia cínica buscam, com isso, ocultar a verdade sobre a atuação sombria que tiveram num passado não menos sombrio.

A mídia que se organiza sindicalmente na SIP [Sociedade Interamericana de Imprensa] editorializa em todos seus veículos associados esta visão amnésica. No campo jurídico, setores dos poderes judiciários obstruem os trâmites legais para a revisão das leis que anistiaram e indultaram os torturadores.


A Argentina é, neste caso, honrosa exceção e exemplar paradigma.

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Ex-ditadores argentinos no banco dos réus

Com a derrubada das ditaduras civis-militares, veio uma onda de governos conservadores de índole liberal-democrática: Alfonsin na Argentina, Tancredo/Sarney no Brasil, Sanguinetti no Uruguai, Patrício Aylwin no Chile, Wasmosy no Paraguai. Tiveram ciclo único de duração, necessário para conduzirem as transições conservadoras para o atual estágio de democracia liberal.

Os anos 1990 foram da avalanche de eleições de governos neoliberais: Menem na Argentina, Collor/FHC no Brasil, Lacalle/Sanguinetti/Batlle no Uruguay, Andrés Pérez na Venezuela, Eduardo Frei/Ricardo Lagos no Chile.

Nesta etapa de domínio neoliberal, o “deus-mercado” se encarregou de dar continuidade ao empreendimento da acumulação capitalista que antes necessitava de ditaduras. As democracias foram novamente vilipendiadas, porém dessa vez dentro da institucionalidade e, por isso mesmo, com uma fachada de legitimidade.

Aqueles governos implementaram as chamadas “reformas modernizadoras” do capitalismo na fase de globalização financeira: privatizações, reeleições presidenciais, destruição das políticas sociais de Estado, reestruturação do mundo do trabalho com eliminação de direitos, etc. Tais reformas foram asseguradas através de mudanças constitucionais por maiorias parlamentares “arregimentadas em espécie”.

No período da êxtase neoliberal, o continente testemunhou a mais exuberante alavancagem dos interesses do capital financeiro, das finanças globais e das economias centrais do capitalismo, em coordenação com os capitais nacionais da região. A ALCA, Área de livre comércio das Américas, por um lado representava o mais ambicioso projeto de colonização dos EUA para a região, e também significava regionalmente o estágio superior da ordem neoliberal e da inserção passiva e subordinada das economias nacionais no mundo globalizado.


A conspiração contra a democracia, naquela época, se dava através da perda de soberania e de autonomia dos povos e nações. A transferência de poder real ao capital financeiro impondo os “contratos” garantidores de sua livre circulação e especulação, atentou contra a auto-determinação dos povos. Converteu as eleições em mero fantoche de uma pantomima democrática que não admitia alternativas ao pensamento único. Em lugar do exercício da consciência, o sistema se alimentava da chantagem feita sobre sua própria debilidade: ruim com o neoliberalismo deletério e devastador; o caos sem ele! 


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O mapa político-ideológico da primeira década do século 21 começou a ser desenhado nos finais dos anos 1990 e início dos 2000. Os efeitos sociais de décadas de estagnação econômica e de sacrifícios impostos animaram o surgimento de amplas resistências aos governos neoliberais. A legitimidade do Consenso de Washington foi posta à prova, devido à falência de suas promessas de prosperidade, paz e progresso.


Começaram, então, as vitórias de partidos progressistas e de esquerda em muitos países do hemisfério, principalmente da América do Sul. Depois da vitória eleitoral de Chávez na Venezuela em 1999, se seguiram as conquistas de Lula, Néstor Kirchner, Tabaré Vázquez, Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega, Fernando Lugo, Maurício Funes. Outros presidentes com inclinações nacionais-desenvolvimentistas e populares, como Michele Bachelet e Manuel Zelaya, igualmente foram eleitos nessa mesma toada.

Mesmo com as contradições, os limites e as singularidades de cada um dos processos nacionais, é evidente que se está em um momento histórico de deslocamento de interesses e de poder nas políticas domésticas, assim como nas relações sul-norte e sul-sul.


A nova agenda que está sendo construída na região representa ameaças aos setores dominantes, da mesma maneira que as agendas das reformas populares e de distribuição de renda os ameaçavam nas décadas de 1960 e 1970 e que foram, então, pretexto para os golpes civis-militares.


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Na atualidade, os golpes clássicos - com exércitos, repressão, baionetas e Estados de Sítio – não passariam. Ao contrário, desencadeariam fortes resistências sociais e populares. O ciclo em curso, de desenvolvimento com distribuição de renda e diminuição da pobreza, lamentavelmente tem como contrapartida novas modalidades conspirativas levadas a efeito pelas elites conservadoras e de direita. Ou, como analisa Samuel Pinheiro Guimarães [1], (foto) as classes tradicionais hegemônicas promovem um neogolpismo na América do Sul, e a democracia está em risco na região”.

A chantagem eleitoral e a falácia da inevitabilidade do neoliberalismo – os venenos mortais contra a democracia nos 1990 – cederam lugar a investidas conspirativas não menos sutis, porém muito ameaçadoras.

Em abril de 2002, com a participação dos EUA, a direita venezuelana sequestrou Chávez, usurpou seu mandato popular e tomou posse em um rito sumário e ilegal. Tudo televisionado. Passados poucos dias, os golpistas foram desalojados, e apesar dos crimes cometidos, receberam o magnânimo indulto de Chávez. Após aquele evento, todas as demais tentativas de golpes que se sucederam, prescindiram das armas. A direita golpista passou a atuar no “terreno institucional”, via os poderes Legislativo e Judiciário. A sabotagem sistemática, a recusa a participar de eleições e ataques histéricos cotidianos da mídia do país passaram a ser os métodos de ação da direita venezuelana.



Em Honduras, o Presidente Manuel Zelaya foi arrancado de pijama de sua residência e enviado para o exílio na Costa Rica. O Judiciário o condenou, em julgamento viciado e sem o devido processo legal, e mandou executar a ordem judicial durante a madrugada do dia 28 de junho de 2009. Um golpe desferido por partidos políticos da direita hondurenha em cumplicidade com o Judiciário e setores midiáticos e apoiados pelos EUA.

Depois de declarar compromisso com a reforma agrária e de propor ao congresso reformas constitucionais de recorte popular, o mandatário teve surrupiado o mandato conferido pelas urnas, com a alegação de “traição à pátria”.

Em setembro de 2010, a pretexto de uma crise com policiais em greve, foi tentado um golpe de Estado contra Rafael Correa, no Equador. Novamente a oposição de direita tentou surrupiar à força o mandato que perdera nas urnas. A elite equatoriana, uma simbiose do american way of life” inclusive na moeda local dolarizada, faz reverberar mundo afora que o país vive um totalitarismo que tolhe o direito de expressão e a liberdade de imprensa. O patético é que o país que asila o principal símbolo da liberdade de expressão no mundo contemporâneo, o fundador do wikileaks, Julio Assange, sofre tais imputações.



Na Bolívia, Evo Morales enfrenta seguidamente iniciativas conspirativas que visam desestabilizá-lo. As oligarquias afetadas pelas políticas do recém erigido Estado Plurinacional da Bolívia, recebem apoio dos EUA no intento de derrubar Evo. Procuram, desse modo, recuperar o poder de controlar as riquezas minerais e energéticas do país segundo os interesses estrangeiros. A classe dominante boliviana se prevalece de medidas judiciárias e legislativas, e também de infiltrações e insuflações dos movimentos sociais indígenas e de ongs.

No Paraguai, em junho passado a direita golpista do país derrubou Fernando Lugo no que pode ser considerado o mais rápido e breve juízo político que se tem notícia na história. Em menos de 24 horas, os conspiradores iniciaram o impeachment de Lugo, o intimaram, seccionaram no Congresso e deliberaram pela destituição do cargo. Em seguida, o Judiciário ratificou a medida e a mídia construiu o ambiente de “normalidade democrática”.

Apoiados pelos EUA e pela Igreja Católica, os golpistas paraguaios alegaram como motivo a instabilidade social, quando a real motivação para o golpe foi a reforma agrária iniciada por Lugo e a desconcentração de terras que se encontram em mãos de particulares e de mega-empresas estrangeiras.

Na Argentina, onde a memória da ditadura civil-militar dói em carne viva – mais de 30 mil pessoas foram mortas ou desaparecidas –a fração latifundiária-oligárquica da classe dominante, em articulação com os meios de comunicação e com o reacionarismo urbano-industrial-financeiro, tentou provocar um blecaute no país nos anos 2008/2009.

Instalaram um clima de instabilidade, desabastecimento, sabotagem e de constantes ameaças de instalação de juízo político.



A direita argentina difama sistematicamente o governo com impressionante virulência – acaba danificando a imagem do próprio país – junto a instâncias estrangeiras, como a SIP, o FMI, Banco Mundial, OEA e outras. Vende internacionalmente uma ideia de caos e inviabilidade, tentando angariar simpatia externa para uma investida final. Com a implementação da lei de democratização dos meios de comunicação, uma direita histérica e irascível ataca o governo e a presidente Cristina Kirchner com ofensas e calúnias que em qualquer país do mundo seriam suficientes para uma condenação judicial.

O grupo Clarín, que é associado à SIP, consolidou seu monopólio atual ilegalmente durante a ditadura [também recebeu inestimável apoio de Menen]. E hoje é o principal instrumento da guerra em curso contra o governo Cristina.


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No Brasil, a direita tentou desde o primeiro mandato de Lula levá-lo ao juízo político no Congresso. Com o franco apoio da mídia, e através de artimanhas tramadas com o Poder Judiciário, a oposição reacionária foi incansável durante os dois mandatos presidenciais de Lula. O Presidente teve aproximadamente 85% das manchetes e reportagens contra ele, mas apesar disso concluiu o último mandato com mais de 85% de aprovação popular.



As políticas executadas durantes seus governos, que trouxeram à vida civilizada mais de 40 milhões de pessoas e que melhoraram a vida de outros milhões, impermeabilizaram Lula ante uma imprensa, uma oposição e um judiciário inescrupulosos e sem limites na sua ânsia golpista. É uma performance pessoal capaz de irritá-los, desnorteá-los e desencadear neles um sentimento de ódio e, ao mesmo tempo, de impotência.

A direita golpista arquitetou com maestria seus movimentos políticos e a judicialização da política. Colocaram o julgamento do chamado “mensalão” no coração das eleições municipais deste ano. Nem mesmo paternidade do PSDB deste esquema e a precedência das ações judiciais contra dirigentes tucanos comoveu o Supremo Tribunal a iniciar o julgamento pelos agentes daquele partido.

O STF foi partidarizado, e convertido no braço conceitual e propagandístico da mídia e da oposição. O julgamento foi montado como uma poderosa arma de “destruição semiótica” [2] do PT. O STF abala a institucionalidade democrática e promove o que Wanderley Guilherme dos Santos caracteriza, com rara pertinácia, como sendo “um julgamento de exceção” [3].


Nesta recém-chegada primavera de 2012, a direita, a mídia, o Judiciário e os parlamentares do DEM, PSDB e PPS comandam uma verdadeira sinfonia conspirativa.



Seguem um script há muito manjado. Primeiro a revista Veja publica uma reportagem baseada em supostas conversas havidas por um sobrinho de um colega de escola do filho do vizinho de um delator que ouviu o porteiro da fábrica do patrão de nome “Civita Gurgel Mendes-Barbosa Marinho Serra Maia” comentar que Lula mandou assassinar um ex-prefeito do PT e que ele também comandava o “mensalão” desde a garagem do Planalto no final do expediente de trabalho. Uma fantasia delirante!

Em seguida, o Procurador-Geral da República,(foto) com a solenidade daqueles homens “justos e isentos”, comenta com aparente parcimônia que “ainda que o assunto seja gravíssimo”, se deve acompanhar a “evolução da denúncia” – mas não faz menção à presumível inocência quando não há provas e, neste caso, razoabilidade.



Os ministros do STF, também aparentando isenção magistral, afirmam ser necessário confirmar a veracidade, “mas que se tratam de questões seríssimas, que mereceriam rigorosa apuração”. No alto de sua magnanimidade, os doutos do Supremo anunciam que ainda não é momento para um depoimento do ex-Presidente” [sic]. Mas anseiam pela hora de levá-lo ao banco dos réus.

Com a senha dada, a mídia se lambusa em editoriais, reportagens, colunas, programas e toda sorte de manipulação escrita, em áudio e em vídeo. Na fase inicial do julgamento do chamado “mensalão”, com a maior desfaçatez o ministro Joaquim Barbosa aludiu que em depoimento no curso da ação 470, a própria Presidente Dilma [quando então Ministra da Casa Civil] “teria se surpreendido” com a facilidade de aprovação de determinado projeto no Congresso. Ele quis insinuar, com isso, que Dilma “teria suspeitado” que a bancada governamental “teria sido comprada”.

Eles têm alguns objetivos fundamentais. Um deles é implicar Lula no caso e arrastá-lo para a arena midiática-judicial para, posteriormente, atingir também Dilma. Querem inviabilizá-lo eleitoralmente e, na continuidade, inviabilizar o projeto reeleitoral de Dilma.





Como acusação para sustentar isso, basta uma invenção estapafúrdia da revista Veja que o Procurador-Geral replica, os ministros do STF dão trela e a mídia promove a maior fanfarra.

Outro objetivo é atingir moralmente Lula e seus dois mandatos presidenciais. Ao lado da judicialização da política, o apelo hipócrita à moralidade é uma espécie de “bala de prata” da direita golpista. Querem escrever uma nova narrativa a respeito dos mandatos presidenciais do Lula, manchando-os como se tivessem sido infestados de corrupção e imoralidades. A simples confrontação com a realidade e com a razão objetiva evidencia que em todos os aspectos [anotadas algumas contradições ideológicas] Lula realizou uma obra sob todos os ângulos muito superior aos 500 anos [com breves intervalos] que eles comandaram o Brasil.


Como eles não conseguem transplantar as evidências dos fatos e do mundo real, apelam para a desconstituição simbólica através de farsas.


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A classe dominante brasileira não aceita e não se conforma que o Brasil tenha se transformado profundamente e se constituído numa verdadeira Nação pelas mãos de um operário metalúrgico, nordestino migrante, um sobrevivente da pobreza e sem curso universitário. Eles até reconhecem que Lula não fraturou a ordem burguesa e que presidiu o Brasil beneficiando o povo brasileiro sem colocar em risco seus interesses enquanto classe dominante; mas lhes tira o sono que a autoria desta extraordinária obra é dele.



Foi Lula, e não qualquer representante orgânico da classe dominante, quem modernizou o capitalismo brasileiro, ainda que este fato represente uma derrota ideológica-cultural para a esquerda no longo prazo e um retrocesso na acumulação da luta socialista e por uma sociedade igualitária.

Lula alçou o Brasil ao seu lugar merecido no mundo. E se converteu em um líder mundial reconhecido e, não raras vezes, imitado inclusive por oportunistas de direita para vencerem eleições nos seus países. Lula é doutor honoris causa em muitas universidades do mundo e referência obrigatória em consagradas academias. Isso porque foi o melhor professor que o oprimido e espoliado povo brasileiro já teve. Pela primeira vez em 150-200 anos da história do Brasil, jovens descendentes de famílias cujos ancestrais sequer foram alfabetizados, conseguem frequentar os bancos da universidade.

Para o povo brasileiro e para a história do Brasil, Lula transcendeu a condição humana, convertendo-se desde já num mito em vida. O ódio e o recalque são os sentimentos nutridos pela classe dominante brasileira, porque não foi um filho seu que esteve à frente da transformação do Brasil.

Não lhes conforta a ideia de que Lula faça parte da história, enquanto seu expoente maior, o príncipe FHC, tão somente faça parte de um triste passado que ensinou o be-a-bá da destruição de uma Nação.

A classe dominante não arreda pé dos seus interesses, quando os sente ameaçados por políticas de distribuição de renda, de justiça social e de igualdade. Ela luta, com todos os métodos à sua disposição – sobretudo os mais baixos e desonestos – para preservar seus interesses. Sempre foram assim, tanto no passado como estão sendo no presente. Em todas as partes do mundo, e também no Brasil.

A direita política é, por natureza, golpista e conspiradora quando diante de projetos que possam contrariar seus interesses históricos. A direita é, por definição, apátrida. Ela se articula num tipo de “internacionalismo reacionário” para conservar seus interesses de classe dominante que é causadora de exclusão, de opressão e de alienação – o Plano Condor é evidência disso.


Ao “internacionalismo reacionário”, deve ser contraposto o internacionalismo 

democrático-popular e solidário, encharcado em uma visão libertária e democrática do mundo.

[1] Ver artigo “Estados Unidos, Venezuela e Paraguai, de autoria de Samuel Pinheiro Guimarães Neto, publicado na Agência Carta Maior, e entrevista ao Jornal Folha de São Paulo em 29/06/2012 do mesmo autor: “Diplomata vê onda golpista na América do Sul” 

[2] Ver artigo “Destruição semiótica”, de autoria de Jeferson Miola, publicado na Agência Carta Maior.

[3] Entrevista disponível no Blog do Nassif.

(*) Jeferson Miola foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5864

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ação Penal 470 e o triângulo de quatro pontas

16/11/2012 - Tarso Genro (*) - Carta Maior


A nota da Executiva Nacional do PT sobre os resultados da ação penal 470, [ver aqui] tornou-se um marco mais importante para o futuro democrático do país do que o próprio resultado do processo judicial, por três motivos relevantes: compõe sua crítica com argumentos extraídos dos próprios fundamentos do Estado de Direito e não ataca a legitimidade daquela Corte superior do Estado;

mostra que a decisão foi motivadamente política, portanto, alheia – em relação aos líderes do PT - ao que consta nos autos do processo;

e não defende que os réus deveriam ser absolvidos, provadas as condutas ilícitas que lhe foram imputadas.

O conteúdo da nota, certamente, levou em consideração que criticava, ao meu ver corretamente, a mesma instituição que decidiu brilhantemente sobre as pesquisas com células tronco e sobre a demarcação – que entendeu contínua - da reserva “Raposa Serra do Sol”, decisões que honram a parte da história democrática e humanista daquele Tribunal.

É óbvio que, no imediato do cenário político nacional, a nota terá pouca influência. No entanto, à medida que o tempo passar e vierem outros julgamentos à tona, vai ficar claro que se foi um fato relevante, para o Estado de Direito, a proposição de ação penal contra figuras elevadas da República, esta relevância ficou pela metade. O próprio Supremo - no discurso técnico do processo - admitiu abertamente que foi invertido o ônus da prova: os réus, que já estavam condenados pelo linchamento midiático, é que deveriam provar a sua inocência, pois já tinham sua culpa definida na consciência média da sociedade.

O rigor das penas e a execração pública dos réus como criminosos provados, a tentativa de desqualificação permanente dos Juízes que esboçavam mínimas divergências com a visão de “direito penal máximo”, adotada pelo Relator, completam este quadro de desequilíbrio entre a potência acusatória - social e judicial - e o exercício do direito de defesa. Culpados ou não, os réus, neste contexto jurídico e político, foram “mal julgados”. E isso não é certamente um avanço para o Estado de Direito, pois em cada julgamento - sejam os réus cidadãos importantes ou não da República - o Direito inteiro está presente e o Estado, por inteiro, avança na salvaguarda dos seus fundamentos democráticos ou transpõe os limites que separam a legalidade e o arbítrio.

Quero fundamentar, para que não fique como uma mera acusação vazia ao Supremo - e em respeito a ele - os motivos que dão base ao entendimento de que a condenação foi fundamentalmente política.


Faço-o, através dos próprios fundamentos da teoria do processo no nosso sistema de garantias.

Trata-se da concepção universal, nos Estados Democráticos de Direito, de que o sistema processual (para que se tenha um processo justo que tenda para um resultado justo), deve supor - como diz Ferrajoli - a configuração “de uma relação triangular entre sujeitos” (acusação, defesa, Juiz) e ainda garantir o “desinteresse”, a “indiferença” pessoal do juiz, a respeito do que está em jogo no processo.


A pressão exercida de forma massificante pela mídia para a condenação dos réus - aceita em nosso sistema de leis e não estranha ao Estado Democrático
de Direito- , e a “premiação”, com prestígio político espetacular outorgado ao Relator e aos que votaram pelas condenações, se não torna o processo nem ilegal nem ilegítimo (porque o sistema de Justiça supõe que os Juízes devem ser imunes a estas pressões), pode redundar em sentenças injustas.

Em determinadas circunstâncias concretas as condições do julgamento livre são tão alteradas que podem mudar o circuito processual que garante um julgamento justo: um quarto sujeito (no caso concreto a mídia), torna-se tão ou mais importante do que o sujeito acusatório formal, o Ministério Público, pois tem força para unificar o juízo forjado na sociedade com o juízo produzido no processo, independentemente das provas.


A peça acusatória formal, assim, passa a ter muito mais chances de aceitação pelo público e pelos julgadores do que as razões de defesa. Não se trata, portanto, necessariamente, nem do “caráter”, nem de compromisso prévio de Juízes com preconceitos políticos, dos quais todos os seres humanos não estão livres. Trata-se de reconhecer a criação programada da desigualdade de condições dos réus, para enfrentarem o processo.


A presença dominante de uma “quarta ponta do triângulo” - acusação do Estado, defesa e juiz, no caso mais mídia como “quarta”, instiga que seja exigido dos réus que comprovem sua inocência, liberando Ministério Público de apresentar as provas que confortem os tipos penais da acusação. A partir daí configura-se um “vale tudo” judicial porque e fundamentação da justiça da sentença já está incorporada pelo senso comum.

Nesta hipótese a relação interna ao processo judicial, que foi alterada pela mídia, é dominada por um outro (quarto e novo) pólo acusatório - mais forte socialmente do que o próprio Ministério Público - e que constituiu um processo paralelo ao processo judicial: o inquisitório da cena pública. Neste - pela sua “partidarização” explícita - não só não está garantido o direito de defesa dos réus, mas faz presente no juízo judicial que decide as penas, a pré-disposição condenatória pelo reconhecimento de um “clamor popular” devidamente forjado.


O “partido nazista” nos processos judiciais da Alemanha de Hitler e o “partido stalinista” na velha URSS eram a “quarta ponta do triângulo” nas suas respectivas épocas históricas.

Acompanhei partes do processo pela TV Justiça e não vi estes argumentos serem brandidos pela defesa. São argumentos que partiriam “da política para o Direito”, ou seja, os réus fariam a sua defesa a partir da política para apresentar os seus argumentos de direito, com a convicção já formada de que o seu julgamento seria decidido politicamente, como o foi.


Talvez os argumentos a que me refiro tenham sido apresentados pela defesa, mas convém repeti-los (se o foram), pois o tema condensa duas questões chaves da democracia contemporânea: o direito à livre formação da opinião e o poder da “grande mídia”, para moldar uma democracia, segundo os interesses que ela representa no cenário nacional.

O ponto de partida valorativo que formou o convencimento majoritário na Suprema Corte foi político, mas a sua fundamentação abrigou-se, obviamente,
num discurso jurídico coerente. Mas este discurso de coerência já foi moldado para dar curso à tomada decisão, eminentemente política, de condenar os réus. Para a crítica adequada da sentença, no entanto, o caminho deve ser inverso: deve-se partir de argumentos jurídicos internos ao que deve ser - no Estado Democrático de Direito - um processo judicial penal dentro do sistema de garantias constitucionais, como fez a nota do PT, para chegar à crítica política da sentença judicial, que representou um juízo “total” sobre o PT e também sobre os governos do Presidente Lula.

Quero asseverar, ainda, que a decisão do Supremo que interpretou a Lei da Anistia e reconheceu o seu alcance para impedir o processamento de assassinos, torturadores e estupradores - criminosos comuns, portanto - a serviço da ditadura militar (como decisão política para uma “transição generosa e negociada”) foi muito mais grave para o futuro do país, do que os resultados da Ação Penal 470.

Naquela oportunidade ocorreu também um julgamento predominantemente político e a reação dos partidos de esquerda à decisão do Supremo, incluindo do próprio PT, esteve à beira da indigência. À distância temporal dos fatos históricos, por mais relevantes que sejam, tornam-se menos dramáticos.

Quando eles se repetem, porém, no seu conteúdo mais íntimo, – ou seja, um novo julgamento fundamentalmente político num processo penal importante - é necessário unificar certos episódios históricos para darmos coerência ao discurso democrático.

O episódio atual tem uma carga mais dramática, porque a própria movimentação da mídia exigindo a condenação dos réus, tornou os ataques ao PT como conjunto e aos governos do Presidente Lula, uma questão do cotidiano, que abalou moralmente milhões de pessoas que nos admiram e defendem nossos projetos para o país. O julgamento que envolvia a Lei de Anistia reportava-se a fatos que, para a maioria, pareciam longínquos e não envolviam diretamente os principais dirigentes políticos que estavam na cena pública. Lamentavelmente aquela decisão do Supremo foi subvalorizada pelos 
democratas de todas as extrações ideológicas do país, que não se deram conta (ou não viram por conveniência) que a cultura jurídica em formação sufocava a evolução democrática das instituições.


Pouquíssimos registravam na sua agenda a questão do julgamento e eventual punição dos torturadores como questão importante para o país e para os seus mandatos parlamentares.


Mas a sombra da Teoria do Domínio Funcional dos Fatos começou ali.

Só que começou ao inverso: para punir os torturadores, temeu a maioria do Supremo que o “domínio funcional dos fatos” levasse ao encadeamento de uma linha de responsabilidades, que poderia parecer provocação aos militares da época, responsáveis diretos pelos laços de comando do regime. No processo atual, a cadeia de comando e do domínio dos fatos”, reconhecidamente não provados - meramente presumidos - promoveu penas indevidas ou, no mínimo, desproporcionais para a maioria dos réus: um processo devido e legal com um resultado manifestamente injusto.


A agenda da reforma política com a valorização dos partidos, a consagração das alianças verticais e a proibição do financiamento privado das campanhas, combinada com a democratização dos meios de comunicação, são as tarefas do próximo período.
Consagrar o direito das comunidades formarem suas opiniões num contraditório livre e sem censura - tanto do poder econômico como do próprio estado - é o pré-requisito de um modelo autenticamente democrático de um Estado de Direito contemporâneo.
Se isso não ocorrer à médio prazo a “quarta ponta do triângulo”, que dominou nesta ação penal, pode dominar a política e o Estado como um todo.

E aí todos, sempre, seremos réus ideológicos, como diria Drummond, de um mundo caduco.

(*) Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21265