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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Supremo Tapetão Federal

18/11/2013 -  Ricardo Melo (*) - Folha de São Paulo

Derrotada nas eleições, a classe dominante brasileira usou o estratagema habitual: foi remexer nos compêndios do "Direito" até encontrar casuísmos capazes de preencher as ideias que lhe faltam nos palanques. Como se diz no esporte, recorreu ao tapetão.

O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma luva.

A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo, ou provar nada.

O recurso é também o abrigo dos covardes.

No caso do mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava acontecendo?

A pergunta seguinte atesta a covardia do processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados?

Qualquer pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar um esquema como teria sido o mensalão.

Mas mexer com Lula, pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo.

Pior ainda quando todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a reeleição e nada lhe aconteceu.

Por mais não fosse, que se mantivessem as aparências.

Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos encrencados com licitações trapaceadas.

A saída foi tentar abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu.

Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos.

Ora o processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e vice-versa.

Os debates? Quantos momentos edificantes.

Joaquim Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas coerentes e respeitar o contraditório.

Paladino da Justiça, não pensou duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar desempregar a mulher do mesmo desafeto.

Belo exemplo.

O que virá pela frente é uma incógnita.

Para o PT, ficam algumas lições.

Faça o que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do passado, do presente ou do futuro - o fato é que o partido nunca será assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o povo.

Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de metrô. Mas como foi obra do PT, cadeia neles.

É a velha história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não encarcerada - mesmo que a tenha devolvido.

Agora, se a amiga da mesma madame levar "por engano" um colar milionário após um regabofe nos Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o mimo.

Nunca morri de admiração por militantes como José Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por transformações sociais.

Penso até que muitas das dificuldades do PT resultam de decisões equivocadas por eles defendidas.

Mas num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar.

(*) Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de "Opinião", editor da "Primeira Página", editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções. Atualmente é chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Também foi editor-chefe do "Diário de S. Paulo", do "Jornal da Band" e do "Jornal da Globo". Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil "Liberdade e Luta" ("Libelu"), de orientação trotskista.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ricardomelo/2013/11/1372759-supremo-tapetao-federal.shtml

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Por que só agora Ives Gandra?

22/09/2013 - Por que só agora Ives Gandra disse que Dirceu foi condenado sem provas?
- Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo

Data vênia, eu gostaria de saber por que só agora, tanto tempo depois, o jurista Ives Gandra [foto] disse publicamente que Zé Dirceu foi condenado sem provas.

A afirmação de Gandra foi o ponto alto de uma entrevista que ele concedeu à jornalista Mônica Bérgamo, da Folha. A entrevista é um dos assuntos mais discutidos neste final de semana na internet.

Gandra teve todas as oportunidades possíveis para dar sua opinião – influente, vistas suas credenciais de jurista e, mais ainda, sua conhecida falta de simpatia pelo PT.

Poderia ser num artigo, poderia ser numa entrevista – chances não faltaram.

Por que agora e não antes?

Lembremos: no final do ano, Dirceu estava com as malas prontas para ir para a cadeia.

Se as coisas seguissem o rumo que parecia que seria tomado, a declaração de Gandra seria um insulto a mais a Dirceu, dada a sua extemporaneidade.

Minha impressão é que Gandra, de alguma forma, sabia que as portas da mídia sempre tão abertas se fechariam para ele caso defendesse Dirceu e acusasse o STF de má conduta.

Se ele pensou isso, estava mais que certo. A mídia tradicional – excetuada, aqui e ali, a Folha – só dá espaço a quem escreve o que os donos querem que seja dito.

Gandra seria posto na geladeira, como provavelmente acontecerá agora. Ou alguém imagina que a Veja vá dar Amarelas com ele para expor seus pontos, entre os quais, aliás, figura um elogio tórrido à “coragem” de Lewandowski em ficar sozinho contra a manada?

Alguém concebe Gandra em qualquer programa de entrevistas da Globonews ou da CBN?

Gandra provavelmente não quis se opor à, bem, à manada comandada pela mídia.

Mas.

Mas há uma questão de consciência que deveria se sobrepor. Foi o que fez Celso de Mello ao acolher – sob massacrante pressão da mídia e de pares como Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes [acima com Merval Pereira] – os chamados embargos infringentes.

É possível que, de alguma forma, Celso de Mello [foto] tenha inspirado Gandra.

Por isso, ainda que esta seja uma hipótese, seguem aqui os aplausos ao decano do STF.

Clap, clap, clap.

De pé.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-so-agora-ives-gandra-disse-que-dirceu-foi-condenado-sem-provas/

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23/09/2013 - de Stanley Burburinho ‏@stanleyburburin, no Twitter

Pq vc acha que todos os veículos da velha mídia deram  espaço para Yves Gandra falar que "domínio do fato não existe"?

Pq vc acha que todos os veículos da velha mídia deram  espaço para Yves Gandra falar que "Dirceu foi condenado sem provas"?

Com a postura do novo PGR [Procurador Geral da República - foto acima] e dos ministros do STF que acataram os embargos, advogados estão preocupados com seus clientes tucanos no STF.

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22/09/2013 - Por que Gandra chutou o balde do STF?
- Paulo Henrique Amorim - Conversa Afiada

Se não foi possível degolar o Dirceu, o “domínio do fato” não pode pegar o Fernando Henrique.

A entrevista de Yves Gandra Martins à Folha (*), aquele jornal que se penitencia, agora, da pesquisinha que fez para amedrontar o Celso de Mello, a entrevista terá efeito devastador sobre o julgamento dos embargos infringentes, que Celso conferiu a Dirceu, Genoino, Delubio e João Paulo Cunha.

Gandra [foto] constrangerá alguns dos que votaram contra a aceitação dos embargos – menos, é claro, o Gilmar  e o Marco Aurelio Vaidoso de Mello.

Esses são impermeáveis.

Luiz Fucks (**), já se percebe, começa a sentir que o mundo girou e a Lusitana rodou.

Clique aqui para lerAcabaram as bombas atômicas da Globo”. 

Até porque o relator, nesse caso, terá a importância do Mano Menezes na seleção do Felipão.

Por que Gandra, demiurgo do sistema conservador, chutou o balde do STF?

Porque não há provas contra Dirceu.

Mas, também, porque as bombas atômicas da Globo acabaram.

Se, com toda a pressão, todos os mervalicos pigais, todos os 18′ do jn nacional, com todas as luzes da global ribalta, o artigo de Marco Aurelio, o Vaidoso, inacreditável, no Globo, NO GLOBO!, com todas as pesquisinhas do Otavinho – com tudo isso, se, com tudo isso, o Direito foi reestabelecido e atenuadas algumas condições do “julgamento de exceção”, de um julgamento essencialmente político, partidário (porque anti-PT), se com tudo isso não será possível degolar o Dirceu para o jn, é porque, de fato, a Lusitana girou. 

Com este Supremo e com o próximo, não se dará mais o Golpe.

De Estado nem no Direito.

É nesse ambiente político renovado que se deve entender a entrevista que chuta o balde.

Se não foi possível pegar o Dirceu, o que acontecerá se o “domínio do fato” sobreviver ?

Agora, a se acreditar nas promissoras entrevistas do Procurador Janot, o pau que dá em Francisco também dá em Chirico.

E, aí, com o Supremo revigorado e o pau em Chirico, o que será do PSDB, do Aécio e sua emissora de rádio, do Principe de Privataria e do clã Cerra ?

Quer dizer que o Dirceu tinha o domínio do fato, mas o Príncipe não tinha sobre a compra de voto?

O Padim Pade Cerra não tinha domínio sobre os fatos que cercam o enriquecimento de sua clã, como demonstrou o Amaury Ribeiro Junior?

É preciso reestabelecer o Direito, rapidamente.

Antes que o Presidente Barbosa legitime a Satiagraha e a Castelo na Areia tucana.

Já imaginaram o “domínio do fato” em vigor na hora em que o pau der em Chirico ? 

Um domínio sem fato bater na porta da casinha que a filha do Cerra empresta ao pai?

A tropicalização do “domínio do fato”, que o Supremo transformou no turbante da Carmen Miranda, só serve para pegar petista.

Agora, chega !

Se não enforcou o Dirceu, agora temos que esquece-lo.

Fazer que não existiu.

O professor Gandra Martins chutou o balde por uma questão de honestidade intelectual.

Ele leu a peça contra o Dirceu e não viu um fiapo de prova.

O advogado Gandra Martins ainda terá de voltar ao Supremo muitas vezes.

Chutar o balde terá sido uma decisão difícil.

Sergio Bermudes, que diz ligar para o Gilmar duas vezes ao dia, provavelmente, não ousaria tanto.

Mas, o professor Gandra é tão ingenuo na política quanto seu irmão, o renomado pianista João Carlos Martins.

Os dois conhecem a partitura.

Sabem Bach de cor.

(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a  Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

(**) Fucks é a singela forma de Ataufo Merval de Paiva (**) se referir ao juiz que vive fora do sistema solar, onde “a verdade é uma quimera”. O ansioso blogueiro ouviu de três pessoas diferentes que, para ser Ministro do Supremo, ele prometeu “matar no peito” as acusações contra Dirceu no mensalão (o do PT).

(***) Ataulfo de Paiva foi o mais medíocre – até certa altura – dos membros da Academia. A tal ponto que seu sucessor, o romancista José Lins do Rego quebrou a tradição e espinafrou o antecessor, no discurso de posse. Daí, Merval merecer aqui o epíteto honroso de “Ataulfo Merval de Paiva”, por seus notórios méritos jornalísticos,  estilísticos, e acadêmicos, em suma.
Registre-se, em sua homenagem, que os filhos de Roberto Marinho perceberam isso e não o fizeram diretor de redação nem do Globo nem da TV Globo. Ofereceram-lhe à Academia. E ao Mino Carta, já que Merval é, provavelmente, o personagem principal de seu romance “O Brasil”.

Fonte:
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/09/22/por-que-gandra-chutou-o-balde-do-stf/

domingo, 9 de dezembro de 2012

Aonde eles pretendem chegar?


07.12.2012 - Mino Carta - Carta Capital

Mala tempora currunt, costumava dizer meu pai quando a situação política azedava. Maus tempos chegaram, em tradução livre.

Ele usava relógio de bolso de ouro de celebérrima marca suíça, presente de meu avô materno, Luigi, munido de tampa sobre a qual se lia, gravado em latim, o seguinte dizer: nada aconteça que você não queira lembrar. Nem sempre, contudo, a vida sorri.

Falo de cátedra, porque, quando meu pai morreu, herdei o relógio na qualidade de filho primogênito. Não o uso, mas o guardo com carinho e neste momento vejo meu pai a erguer a tampa com um leve toque de ponta de indicador e pronunciar, entre a solenidade e a pompa, mala tempora currunt.



Há qualquer coisa no ar que me excita negativamente e me induz a pensamentos sombrios, algo a recordar tempos turvos, idos e vividos. É a lembrança de toda uma década, espraiada malignamente entre o suicídio de Getúlio Vargas e o golpe de 1964, aquele executado pelos gendarmes da casa-grande, e exército de ocupação. Dez anos a fio, a mídia nativa vociferou contra líderes democraticamente eleitos e se expandiu em retórica golpista logo após a renúncia de Jânio Quadros.


Muita água passou debaixo das pontes, embora algumas delas levem o nome de ditadores e até de torturadores, mas o tom atual desfraldado à larga pelos barões midiáticos e seus sabujos não deixa de evocar um passado que preferiria ver enterrado.



Talvez esteja, de alguma forma, mesmo porque as personagens têm outra dimensão. Os propósitos são, porém, semelhantes, segundo meus intrigados botões. Acabava de lhes perguntar: qual será o propósito destes comunicadores, tão compactamente unidos no ataque concentrado ao PT no governo? Qual é o alvo derradeiro?

A memória traz à tona Jango Goulart e Leonel Brizola, a possibilidade de uma mudança, por mais remota, e os alertas uivantes quanto ao avanço da marcha da subversão.

Os temas agora são outros, igual é o timbre. Além disso, na comparação, mudança houve, a despeito de todas as cautelas e do engajamento tucano, com a eleição de Lula e Dilma Rousseff. Progressos sociais e econômicos aconteceram.


O ex-presidente tornou-se o “cara” do povo brasileiro e do mundo, a presidenta, se as eleições presidenciais se dessem hoje, ganharia com 70% dos votos.

Percebe-se, também, a ausência de Carlos Lacerda. Ao menos, o torquemada de Getúlio e Jânio lidava melhor com o vernáculo do que os medíocres inquisidores de hoje. Medíocres? Toscos, primários, sempre certos da audiência dos titulares e dos aspirantes do privilégio, em perfeita sintonia com sua própria ignorância.


Contamos, isto sim, com o Instituto Millenium.

Há quem enxergue na misteriosa entidade, apoiada inclusive com empresários tidos como próximos do governo, uma exumação do Ibad e do Ipes, usinas da ideologia fascistoide que foi plataforma de lançamento do golpe de 64.

Até onde vai a parvoíce e onde começa o fingimento?

É possível que graúdos representantes do poder econômico não se apercebam das responsabilidades e alcances da sua adesão ao insondável Millenium?

Ou estariam eles incluídos na derradeira prece de Cristo na cruz: perdoe-os, Pai, eles não sabem o que fazem?

Que o golpismo da mídia da casa-grande seja irreversível é do conhecimento do mundo mineral.

Causa espécie o envolvimento de personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País em lugar daqueles da minoria.

Causa espécie, em grau ainda maior, a falta de reação adequada por parte do governo, inerte diante da ofensiva da autêntica oposição, o partido midiático.

Não basta dizer, como o ministro Gilberto Carvalho, que o povo está satisfeito com o bom governo de Lula e Dilma, enquanto a própria liderança do PT recomenda ao relator da CPI do Cachoeira, o intimorato Odair Cunha, que retire os halfos para o morrinho e Policarpo Jr. do rol dos passíveis de indiciamento.

Ri do quê? Este ministro nos deixa intranquilos.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
E aí se apresenta o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (foto), empenhado no esforço de demonstrar que não foi ignorado pela Polícia Federal no episódio destinado a exibir as mazelas do terceiro escalão governista. Notável protagonista, altamente representativo. Precioso aliado do banqueiro Daniel Dantas em determinadas ocasiões, como, de resto, muitos outros “esquerdistas” brasileiros.

Ah, sim, Cardozo acha que Lula provou sua inocência no caso da secretária Rose e de suas consequências. Acha? Ainda bem. Soletra ele, diante das câmeras da tevê: “Imaginar que o ex-presidente estivesse envolvido por trás disso, está, a meu ver, desmentido”. A meu ver? Estivesse eu no lugar de Lula e de Dilma, viveria apavorado ao perceber este gênero de comandantes à frente do meu efetivo.

E à presidenta, que CartaCapital apoiou e apoia, recomendamos a leitura de um dos mais qualificados arautos da direita golpista.

Merval Pereira (foto) não se confunde com Carlos Lacerda, mas na semana passada avisou não ser o caso de isentar Dilma das denúncias de corrupção, presentes e passadas.

Está clara a intenção de aplicar à presidenta a tese do domínio do fato.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/politica/aonde-eles-pretendem-chegar/

Demais imagens: Google Images

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ação Penal 470 e o triângulo de quatro pontas

16/11/2012 - Tarso Genro (*) - Carta Maior


A nota da Executiva Nacional do PT sobre os resultados da ação penal 470, [ver aqui] tornou-se um marco mais importante para o futuro democrático do país do que o próprio resultado do processo judicial, por três motivos relevantes: compõe sua crítica com argumentos extraídos dos próprios fundamentos do Estado de Direito e não ataca a legitimidade daquela Corte superior do Estado;

mostra que a decisão foi motivadamente política, portanto, alheia – em relação aos líderes do PT - ao que consta nos autos do processo;

e não defende que os réus deveriam ser absolvidos, provadas as condutas ilícitas que lhe foram imputadas.

O conteúdo da nota, certamente, levou em consideração que criticava, ao meu ver corretamente, a mesma instituição que decidiu brilhantemente sobre as pesquisas com células tronco e sobre a demarcação – que entendeu contínua - da reserva “Raposa Serra do Sol”, decisões que honram a parte da história democrática e humanista daquele Tribunal.

É óbvio que, no imediato do cenário político nacional, a nota terá pouca influência. No entanto, à medida que o tempo passar e vierem outros julgamentos à tona, vai ficar claro que se foi um fato relevante, para o Estado de Direito, a proposição de ação penal contra figuras elevadas da República, esta relevância ficou pela metade. O próprio Supremo - no discurso técnico do processo - admitiu abertamente que foi invertido o ônus da prova: os réus, que já estavam condenados pelo linchamento midiático, é que deveriam provar a sua inocência, pois já tinham sua culpa definida na consciência média da sociedade.

O rigor das penas e a execração pública dos réus como criminosos provados, a tentativa de desqualificação permanente dos Juízes que esboçavam mínimas divergências com a visão de “direito penal máximo”, adotada pelo Relator, completam este quadro de desequilíbrio entre a potência acusatória - social e judicial - e o exercício do direito de defesa. Culpados ou não, os réus, neste contexto jurídico e político, foram “mal julgados”. E isso não é certamente um avanço para o Estado de Direito, pois em cada julgamento - sejam os réus cidadãos importantes ou não da República - o Direito inteiro está presente e o Estado, por inteiro, avança na salvaguarda dos seus fundamentos democráticos ou transpõe os limites que separam a legalidade e o arbítrio.

Quero fundamentar, para que não fique como uma mera acusação vazia ao Supremo - e em respeito a ele - os motivos que dão base ao entendimento de que a condenação foi fundamentalmente política.


Faço-o, através dos próprios fundamentos da teoria do processo no nosso sistema de garantias.

Trata-se da concepção universal, nos Estados Democráticos de Direito, de que o sistema processual (para que se tenha um processo justo que tenda para um resultado justo), deve supor - como diz Ferrajoli - a configuração “de uma relação triangular entre sujeitos” (acusação, defesa, Juiz) e ainda garantir o “desinteresse”, a “indiferença” pessoal do juiz, a respeito do que está em jogo no processo.


A pressão exercida de forma massificante pela mídia para a condenação dos réus - aceita em nosso sistema de leis e não estranha ao Estado Democrático
de Direito- , e a “premiação”, com prestígio político espetacular outorgado ao Relator e aos que votaram pelas condenações, se não torna o processo nem ilegal nem ilegítimo (porque o sistema de Justiça supõe que os Juízes devem ser imunes a estas pressões), pode redundar em sentenças injustas.

Em determinadas circunstâncias concretas as condições do julgamento livre são tão alteradas que podem mudar o circuito processual que garante um julgamento justo: um quarto sujeito (no caso concreto a mídia), torna-se tão ou mais importante do que o sujeito acusatório formal, o Ministério Público, pois tem força para unificar o juízo forjado na sociedade com o juízo produzido no processo, independentemente das provas.


A peça acusatória formal, assim, passa a ter muito mais chances de aceitação pelo público e pelos julgadores do que as razões de defesa. Não se trata, portanto, necessariamente, nem do “caráter”, nem de compromisso prévio de Juízes com preconceitos políticos, dos quais todos os seres humanos não estão livres. Trata-se de reconhecer a criação programada da desigualdade de condições dos réus, para enfrentarem o processo.


A presença dominante de uma “quarta ponta do triângulo” - acusação do Estado, defesa e juiz, no caso mais mídia como “quarta”, instiga que seja exigido dos réus que comprovem sua inocência, liberando Ministério Público de apresentar as provas que confortem os tipos penais da acusação. A partir daí configura-se um “vale tudo” judicial porque e fundamentação da justiça da sentença já está incorporada pelo senso comum.

Nesta hipótese a relação interna ao processo judicial, que foi alterada pela mídia, é dominada por um outro (quarto e novo) pólo acusatório - mais forte socialmente do que o próprio Ministério Público - e que constituiu um processo paralelo ao processo judicial: o inquisitório da cena pública. Neste - pela sua “partidarização” explícita - não só não está garantido o direito de defesa dos réus, mas faz presente no juízo judicial que decide as penas, a pré-disposição condenatória pelo reconhecimento de um “clamor popular” devidamente forjado.


O “partido nazista” nos processos judiciais da Alemanha de Hitler e o “partido stalinista” na velha URSS eram a “quarta ponta do triângulo” nas suas respectivas épocas históricas.

Acompanhei partes do processo pela TV Justiça e não vi estes argumentos serem brandidos pela defesa. São argumentos que partiriam “da política para o Direito”, ou seja, os réus fariam a sua defesa a partir da política para apresentar os seus argumentos de direito, com a convicção já formada de que o seu julgamento seria decidido politicamente, como o foi.


Talvez os argumentos a que me refiro tenham sido apresentados pela defesa, mas convém repeti-los (se o foram), pois o tema condensa duas questões chaves da democracia contemporânea: o direito à livre formação da opinião e o poder da “grande mídia”, para moldar uma democracia, segundo os interesses que ela representa no cenário nacional.

O ponto de partida valorativo que formou o convencimento majoritário na Suprema Corte foi político, mas a sua fundamentação abrigou-se, obviamente,
num discurso jurídico coerente. Mas este discurso de coerência já foi moldado para dar curso à tomada decisão, eminentemente política, de condenar os réus. Para a crítica adequada da sentença, no entanto, o caminho deve ser inverso: deve-se partir de argumentos jurídicos internos ao que deve ser - no Estado Democrático de Direito - um processo judicial penal dentro do sistema de garantias constitucionais, como fez a nota do PT, para chegar à crítica política da sentença judicial, que representou um juízo “total” sobre o PT e também sobre os governos do Presidente Lula.

Quero asseverar, ainda, que a decisão do Supremo que interpretou a Lei da Anistia e reconheceu o seu alcance para impedir o processamento de assassinos, torturadores e estupradores - criminosos comuns, portanto - a serviço da ditadura militar (como decisão política para uma “transição generosa e negociada”) foi muito mais grave para o futuro do país, do que os resultados da Ação Penal 470.

Naquela oportunidade ocorreu também um julgamento predominantemente político e a reação dos partidos de esquerda à decisão do Supremo, incluindo do próprio PT, esteve à beira da indigência. À distância temporal dos fatos históricos, por mais relevantes que sejam, tornam-se menos dramáticos.

Quando eles se repetem, porém, no seu conteúdo mais íntimo, – ou seja, um novo julgamento fundamentalmente político num processo penal importante - é necessário unificar certos episódios históricos para darmos coerência ao discurso democrático.

O episódio atual tem uma carga mais dramática, porque a própria movimentação da mídia exigindo a condenação dos réus, tornou os ataques ao PT como conjunto e aos governos do Presidente Lula, uma questão do cotidiano, que abalou moralmente milhões de pessoas que nos admiram e defendem nossos projetos para o país. O julgamento que envolvia a Lei de Anistia reportava-se a fatos que, para a maioria, pareciam longínquos e não envolviam diretamente os principais dirigentes políticos que estavam na cena pública. Lamentavelmente aquela decisão do Supremo foi subvalorizada pelos 
democratas de todas as extrações ideológicas do país, que não se deram conta (ou não viram por conveniência) que a cultura jurídica em formação sufocava a evolução democrática das instituições.


Pouquíssimos registravam na sua agenda a questão do julgamento e eventual punição dos torturadores como questão importante para o país e para os seus mandatos parlamentares.


Mas a sombra da Teoria do Domínio Funcional dos Fatos começou ali.

Só que começou ao inverso: para punir os torturadores, temeu a maioria do Supremo que o “domínio funcional dos fatos” levasse ao encadeamento de uma linha de responsabilidades, que poderia parecer provocação aos militares da época, responsáveis diretos pelos laços de comando do regime. No processo atual, a cadeia de comando e do domínio dos fatos”, reconhecidamente não provados - meramente presumidos - promoveu penas indevidas ou, no mínimo, desproporcionais para a maioria dos réus: um processo devido e legal com um resultado manifestamente injusto.


A agenda da reforma política com a valorização dos partidos, a consagração das alianças verticais e a proibição do financiamento privado das campanhas, combinada com a democratização dos meios de comunicação, são as tarefas do próximo período.
Consagrar o direito das comunidades formarem suas opiniões num contraditório livre e sem censura - tanto do poder econômico como do próprio estado - é o pré-requisito de um modelo autenticamente democrático de um Estado de Direito contemporâneo.
Se isso não ocorrer à médio prazo a “quarta ponta do triângulo”, que dominou nesta ação penal, pode dominar a política e o Estado como um todo.

E aí todos, sempre, seremos réus ideológicos, como diria Drummond, de um mundo caduco.

(*) Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21265

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Poderosos e “poderosos” no mensalão

16/11/2012 - PAULO MOREIRA LEITE
- coluna Vamos Combinar - revista Época

Num esforço para exagerar a dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora foram condenados “poderosos…

Devagar. Você pode até estar feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e cumprir longas penas.

Eu acho lamentável porque não vi provas suficientes.

Você pode achar que elas existiam e que tudo foi expressão da Justiça.

Poderosos?” Vai até o Butantã ver a casa do Genoíno…



Poderosos sem aspas, no Brasil, não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos. Até gente que estava em grandes corrupções ativas,  com nome e sobrenome, cheque assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo)  e nada.

Esses escaparam, como tinham escapado sempre, numa boa, outras vezes.

É da tradição.

Quando por azar os poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas são anuladas e todo mundo fica feliz.

É só lembrar quantas investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos de verdade…

Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se protege até da maledicência… E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o investigador vira investigado…

Poderoso não é preso, coisa que já aconteceu com Genoíno e Dirceu.

Já viu poderoso ser torturado? Genoíno já foi.

Já viu poderoso ficar preso um ano inteiro sem julgamento sem julgamento?

Isso aconteceu com Dirceu em 1968.

Já viu poderoso viver anos na clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também aconteceu com os dois.

Já viu poderoso entregar passaporte?

Já viu foto dele com retrato em cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de procurados?

Poderoso?

Se Dirceu fosse sem aspas, o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.

Não vamos exagerar na sociologia embelezadora.

Kenneth Maxwell, historiador respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre Tiradentes. Mas sobre Maria I, a louca e poderosa.

Tanto lá como cá, diz Maxwell, tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida poupada – menos Tiradentes.

Poderoso é quem faz isso.

Escolhe quem vai para a forca.

“Poderoso” pode ir para a forca, quando entra em conflito com sem aspas.

Genoíno, Dirceu e os outros eram pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.

O poder que eles representam é o do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para quem não tem poder de verdade e  depende de uma vontade, apenas uma: a decisão soberana do povo.

Por isso queriam um julgamento na véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e Comando Vermelho…

Por isso fala-se  em “compra de apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir a feira e barganhar laranja por banana.

Trocando votos por sapatos, dentadura…

Tudo bem imaginar que é assim mas é bom provar.

Me diga o nome de um deputado que vendeu o voto. Um nome.

Também diga quando ele vendeu e  para que.

Diga quem “jamais” teria votado no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.
Estamos falando, meus amigos, de direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem toda obrigação de provar seu ponto.

Como explica Claudio José Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua inocência.

Isso porque ele é inocente até prova em contrário.

O Poder é capaz de malabarismos e disfarces, mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem plutocratas com deserdados…

Poder é o que dá medo, pressiona, é absoluto.

Claus Roxin

Passa por cima de suas próprias teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus criadores [Claus Roxin], o que já está ficando chato

Nem Dirceu nem Genoíno falam ou falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os votos daqueles que nomearam.

Imagine se, no julgamento de um poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir cadeia geral e irrestrita…



Imagine se depois o relator resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”, “é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…


Imagine um revisor sendo interrompido, humilhado, acusado e insinuado…

Isso não se faz com poderosos.

Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.

Engano.

Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”

Bobagem pensar em justiça compensatória.

Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.

Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.

Mas não custa observar, com todo respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para filhos e netos?


Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento, agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível, onipresente, assim deseja.

Sem ilusões.


Não, meus amigos. O que está acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são iguais.

                          Mas a política é diferente. É só perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos. O que houve com o desemprego, com a distribuição de renda.


E é por isso que um deles vai ser julgado bem longe da vista de todos…



E o outro estará para sempre em nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.

Fonte:
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/11/16/poderosos-e-%E2%80%9Cpoderosos%E2%80%9D-no-mensalao/