quinta-feira, 5 de abril de 2012

“Devemos mudar a economia”

05/4/2012 - por Rousbeh Legatis, da Inter Press Service (IPS)
reproduzido do site Envolverde

  
América Latina experimentou “luzes e sombras”, disse à IPS a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena. Foto: Rousbeh Legatis/IPS

 
Nações Unidas, 05/04/2012

Depois da “década perdida” para a América Latina e o Caribe, nos anos 1980, a região experimentou um período de “luzes e sombra”, segundo a secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. O progresso real no campo social ocorreu na primeira década deste século, porque passamos de 44% da população da região vivendo na pobreza, em 2002, para 31% no ano passado”, destacou. Esta porcentagem representa 177 milhões dos 600 milhões de latino-americanos e caribenhos.

Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro em junho, 19 agências da Organização das Nações Unidas (ONU) colaboraram em um informe sobre os progressos e os desafios da região nas duas últimas décadas. Bárcena falou à IPS sobre as vias para avançar no desenvolvimento sustentável, sobre a histórica oportunidade que representa a cúpula no Rio de Janeiro para revisar as estruturas de governo globais e sobre o papel do Sul na luta contra os problemas de um futuro comum.

IPS: Quais as principais ameaças que a América Latina e o Caribe enfrentam?
Alicia Bárcena: Um dos sinais de alerta para nossa população é que as taxas de fertilidade estão caindo, em geral. Contudo, a maioria dos novos nascimentos se dá por gravidez de jovens. As mulheres jovens pobres são as que mais têm filhos. Isto é crucial, porque se nossa região não investir nas primeiras idades, de zero a cinco anos, o futuro desta região estará nas mãos da pobreza. Também analisamos ondeestão as áreas da América Latina mais vulneráveis à mudança climática, de acordo com seu impacto esperado para 2050. Por exemplo, consideramos eventos extremos e manifestações como a elevação do nível do mar ou desastres naturais, como os furacões.

As áreas mais afetadas serão América Central, do lado do Atlântico, México, na bacia do Caribe, algumas áreas de Equador, Peru e Colômbia, do lado do Pacífico, e a região do porto de Montevidéu, no Uruguai. É verdade que no plano social melhoramos as taxas de pobreza, mas o desemprego continua sendo um tema muito importante na América Latina e no Caribe. A taxa de 6,6% é baixa comparada com Europa ou Estados Unidos. O problema é a qualidade do emprego: em geral, é informal e sem seguridade social. Tão importante quanto reduzir a pobreza é reduzir a desigualdade.

IPS: Se considerarmos os fundamentos das economias da região, a exploração e exportação de matérias-primas e recursos naturais, como, neste cenário, a economia verde poderá obter algum impacto?
AB: A abundância de recursos naturais deve ser vista como uma benção. A maldição é não ter políticas para manejá-la. O que se necessita é investir a renda gerada pela extração desses recursos naturais em outras áreas, para construir outras formas de capital e de produtividade para as futuras gerações. E isto deve ser feito com o menor impacto possível no meio ambiente. E a renda deve ser distribuída de forma adequada. Precisamos de mecanismos que garantam isso. Portanto, estamos discutindo a governança dos recursos naturais. É o que fizeram países como Noruega, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia, que têm abundância de recursos naturais e levaram adiante uma transição para uma sociedade mais voltada para a tecnologia, e o conseguiram graças à renda gerada pelos recursos naturais.

IPS: As experiências de economia verde são até agora apenas estudos de casos e bons exemplos. No cenário econômico dominante, como podem os governos tomar medidas como reformas fiscais e de subsídios?
AB: Antes de tudo, a expressão “economia verde” é muito polêmica em nossa região, por ser vista como uma tendência imposta pelos países do Norte industrializado sem considerar os mecanismos e os custos da transição para essa economia, e sem responder quem pagará. Isto também gera temor pelos riscos de protecionismo. O que os governos podem fazer? Creio que muito em matéria de reformas fiscais, o que seria um sinal muito poderoso. Os governos que realizam reformas fiscais dão indicações aos agentes produtivos, mas também redistribuem os recursos. Para ter êxito, uma forma do sistema tributário deve se basear em um consenso. É isto que precisamos. Não se pode impor. Tem que haver discussões internas para determinar o quanto a sociedade está disposta a pagar por esta transição. Isto é essencial.

IPS: O que se pode fazer em matéria de soluções?
AB: O que tentamos dizer aos governos é: “não precisam intervir em tudo, mas em certas coisas que são essenciais para a população”. Eletricidade, água potável, acesso à internet banda larga, transporte público e construção inteligente. Por que não construir casas com energia solar aplicando engenharia ou projetos que já estão disponíveis? Na América Latina e no Caribe pode-se melhorar o planejamento urbano. Os programas de transferência de dinheiro também tiveram muito êxito, como o Bolsa-Família do Brasil. Este programa tirou 20 milhões de brasileiros da pobreza nos últimos dez anos. Ao se expandir esses programas e as transferências condicionadas de dinheiro, pode-se buscar que não sejam apenas por educação e saúde – ou seja, levar os filhos à escola e ao médico –, dizendo à comunidade: “vamos lhes dar dinheiro, mas devem proteger o solo”, ou “usem a água desta maneira”, etc., e então também se está incluindo medidas de sustentabilidade.

IPS: No informe a senhora afirma que “os países industrializados não honram seus compromissos para fornecer financiamento e liderança”. Como é isto?
AB: Os países industrializados se comprometeram, em 1970, a destinar 0,75% de seu produto interno bruto à ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA). Agora estamos em 0,33%, que é a metade. Muito bem, no momento da crise financeira é muito difícil alcançar esta meta. Mas, historicamente, os países industrializados se desenvolveram com um alto consumo de energia e recursos do planeta. Agora, é muito injusto impor restrições nesses aspectos aos países em desenvolvimento, quando são mais caras. A outra forma de conseguir esta transferência do Norte para o Sul é compartilhar conhecimento e tecnologia. Por isso, creio que as patentes, a capacitação e o livre intercâmbio de conhecimento poderiam ser mecanismos úteis. O investimento em ciência, tecnologia e inovação é essencial. Isto será a chave da transição para um desenvolvimento sustentável.

IPS: Qual seria um bom resultado para a Rio+20?
AB: Que fossem acordadas metas de desenvolvimento sustentável, porque isso poria muita pressão em todas e cada uma das instituições para alcançá-las. Também sugerimos uma espécie de “taxa Tobin” sobre as transações financeiras para apoiar o desenvolvimento sustentável. Com um imposto de 0,0005%, teríamos dinheiro suficiente para que o mundo atravessasse esta primeira transição (para uma economia verde). Em segundo lugar, ferramentas claras de financiamento. Em terceiro, que haja mecanismos de transferência de tecnologia e, em quarto, instituições que funcionem. Do nosso ponto de vista, em nível multilateral, o Conselho Econômico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas deveria ser fortalecido. É preciso levar os atores econômicos ao Ecosoc para que discutam, porque o que está ruim é a economia, o meio ambiente apenas a suporta. Precisamos mudar a economia.

Envolverde/IPS