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sábado, 18 de maio de 2013

Banda larga democratizada será pá de cal no bloqueio à informação



Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público. Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Laurindo Lalo Leal Filho*

 
Artigo publicado originalmente na ‘Revista do Brasil’ – edição de maio de 2013

Em 1994, o respeitável jornal inglês “The Guardian” atirou no que viu e acertou no que não viu. Em um exercício premonitório encartou numa de suas edições alguns exemplares do que poderia ser o jornal no então longínquo ano de 2004.

A novidade, além do tamanho reduzido, era a personalização das informações. Através de um banco de dados, o jornal saberia exatamente quais eram os interesses de cada um dos seus leitores os quais, através de um cartão magnético, imprimiriam um exemplar pessoal em qualquer banca.

Havia ainda o requinte de a impressão ser feita em um tipo de fibra impermeável, capaz de resistir a água das banheiras, local onde o jornal poderia ser lido com grande conforto, bem ao gosto dos ingleses.

A forma não vingou, mas o conteúdo personalizado ganhou força através de outro caminho, a internet. Com uma diferença fundamental: o fim da rígida divisão entre emissores e receptores. Papeis que agora são assumidos sem distinção por todos os envolvidos nas trocas de mensagens eletrônicas.

O resultado já pode ser percebido num ainda incipiente mas promissor crescimento da liberdade de expressão pelo mundo. Quem está se dando mal são os grandes grupos empresariais de comunicação, até aqui senhores absolutos da verdade.

Muitos já acusam o golpe, alguns discretamente, outros de forma ensandecida como certos colunistas da grande mídia que têm suas informações e opiniões contraditadas em blogs e nas redes sociais.

Um desses, “José Neumânne Pinto, foi ao Congresso pedir uma ‘lei dura’ para a internet, usando um caso de ofensa pessoal, típico no Código Penal, para restabelecer mecanismos de exceção”, como apontou o site Brasil 247.

Antes dele, nas eleições presidenciais a força da comunicação alternativa já havia sido sentida pelo candidato José Serra. Acostumado a controlar os grandes meios de comunicação com telefonemas para seus proprietários e editores e receber deles total apoio, Serra viu-se diante do contraditório exposto por diferentes blogues, chamados por ele de “sujos”. Era o reconhecimento explicito do poder da nova mídia que veio para ficar.

São inúmeras as notícias censuradas pela velha mídia e que só chegam ao conhecimento de parte do público graças a internet. Por exemplo, por qualquer critério jornalístico as mortes de oito apoiadores do presidente Maduro da Venezuela, logo após as eleições naquele país, seriam notícia. Com detalhamento das circunstâncias em que ocorreram e a completa identificação da vítimas. Mas quem se informou pelo Jornal Nacional nada ficou sabendo como bem mostrou o blogueiro Eduardo Guimarães.

Quando os temas são mais complexos a censura é ainda pior. Basta ver o debate em torno da alta de preços de alguns produtos e os riscos inflacionários. Posições diferentes daquelas que defendem a alta de juros como solução não tem vez na grande mídia.

No auge dessas discussões a ‘Globonews’, numa conversa entre os seus invariáveis comentaristas, colocou durante alguns minutos na tela a legenda implacável: “Dilema da política econômica: inflação ou juros altos”. Qualquer outra opinião estava liminarmente censurada.

A pá de cal nesse bloqueio informativo a que os brasileiros estão submetidos há décadas será dada quando a banda larga da internet se universalizar. Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público.

Aliás, quem já está ligado à rede testemunhou isso na notícia da prisão do segundo suspeito dos atentados em Boston, divulgada em primeira mão através do twitter.

Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Com isso, parte da profecia do 'Guardian' se concretizará, com o cidadão buscando as notícias de forma personalizada mas sem a necessidade do cartão magnético. Ficam faltando, para os ingleses, computadores e celulares impermeáveis a água da banheira.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Fonte: Carta  Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6095


Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/projeto-de-lei-da-midia-democratica-o.html


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O capital da convergência

Marcos Dantas* - Carta Maior - 11/12/2011

Num seminário do Fórum Nacional para a Democratização das Comunicações (FNDC) que se realizou no Rio de Janeiro em maio passado, lá pelas tantas, depois de estar bem informada, por explanações e discussões, sobre "o que é" a chamada "convergência tecnológica" ou "convergência de mídia", a arguta e lutadora deputada Luisa Erundina (PSB-SP) indagou: "e o capital? onde entra o capital nisso tudo?".

Pois é...

A "convergência" costuma nos ser apresentada como uma espécie de panacéia tecnológica que surge entre nós assim como um fenômeno tão natural quanto o morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, e, não raro, apesar do significado inequívoco da expressão, parece querer definir um "novo setor" das comunicações: telecomunicações, radiodifusão... e "convergência". No imaginário e, ao cabo, nas práticas políticas, "convergência" então acaba confundindo-se com "banda larga" ou "internet".

Sabemos que os discursos não são neutros. Sempre expressam interesses de grupos de poder ou contra-poder, estratégias interiores daquilo que Pierre Bourdieu designaria "campo simbólico": algum segmento social com suas regras endógenas de disputa ou manutenção de poder, seus atores na posição e na oposição, logo seus discursos mutuamente legitimadores.

O discurso que se constrói sobre uma "convergência" paradoxalmente divergente, não escaparia a essas condições humanas, digamos assim. Omitir o "capital", consciente ou inconscientemente, visa despolitizar esse debate até para, possivelmente, focar a política" ali onde os atores hegemônicos situam o seu campo preferencial de disputa, seja por força de suas vivências pessoais, profissionais e políticas, seja, daí, pelos seus hábitos cristalizados de pensar.

Antes de ser explicada tecnologicamente, a convergência (agora sem aspas) precisa ser entendida como um movimento de mudança da lógica de acumulação do capital, seja em seu conjunto, seja no campo específico das comunicações sociais. Assim como o velho modelo radiodifusão/telecomunicações/imprensa é um modelo histórico, construído nas condições econômicas, políticas e culturais das duas primeiras décadas do século XX, logo sujeito a superação como qualquer modelo histórico; a convergência é um novo modelo que se veio construindo a partir dos anos 1980, na esteira das grandes transformações kondratieffianas do capital ao longo da mesma década. Ela resulta de investimentos do Estado (Estados Unidos, Japão, Eurolândia) e de grandes corporações capitalistas (Sony, Toshiba, Nokia, Phillips, Apple, Microsoft, Intel, IBM etc.), num processo que envolveu muitas disputas e desavenças, ao lado de acordos e alianças, ao longo dos últimos 20 anos. Em geral, esse processo aconteceu nos países capitalistas centrais e nós, brasileiros, à esquerda, no centro ou à direita, ignoramo-lo olímpica e provincianamente.

Essencialmente, nesta nova etapa, o capital iria necessitar de excelentes infra-estruturas de comunicação capazes de reduzir a nanossegundos as "transações" financeiras, comerciais, mercadológicas entre qualquer ponto do globo e outro, não importando a distância.

Daí as reformas "neo-liberais" que tornaram corporações como AT&T, Telefônica, British Telecom, NTT, algumas outras, grandes jogadores globais e detentoras exclusivas das infra-estruturas por onde trafegam hoje, no mundo, desde transferências de fundos na casa dos bilhões de dólares, até inocentes "torpedos" entre casais de namorados.

Ao mesmo tempo, para sustentar o processo permanente de produção e expansão do consumo, num mercado que não mais se expande horizontalmente, logo precisa estar sendo constantemente "renovado" (os mesmos consumidores jogando fora coisas "fora de moda" compradas há 6 meses ou 1 ano, para comprar novas coisas), os meios de comunicação precisariam ser completamente reestruturados, visando atender a uma nova realidade sócio-cultural na qual o consumo "de massa" ia dando lugar ao consumo segmentado".

Em síntese, o padrão "fordista", um padrão tanto econômico quanto cultural, era substituído por um novo padrão, "flexível", na definição de David Harvey, onde, a um processo de produção fracionado, segmentado, espacialmente descentralizado, conectado pelas redes mas não pelo cara-a-cara, corresponderia também uma cultura (de consumo) individualizada, atomizada, "customizada", microidentitária.

Desde a década 1980, nos países capitalistas centrais, esse novo padrão de consumo cultural começou a ser atendido por um novo modelo segmentado de televisão: a televisão por assinatura. E os "consumidores" em geral, aceitaram muito bem o novo formato já que correspondia melhor às suas novas "expectativas". O fim dos monopólios públicos de telecomunicações e de radiodifusão nos países centrais permitiu avançar os novos serviços e, daí, a edificação de novos poderosos conglomerados mediáticos transnacionais, embora sediados em alguns pouquíssimos países, principalmente nos Estados Unidos.

Em pouco mais de dez anos (década 1990), a antiga radiodifusão aberta (representada nos EUA, pelas septuagenárias redes NBC, CBS e ABC; na Eurolândia, pela BBC e suas similares ditas "públicas"; no Japão, pela estatal NHK), perderam o monopólio das audiências que até então detinham, em favor dos novos canais CNN, Fox, Cartoon Network, ESPN etc., etc. Em muitos países, Estados Unidos entre eles, a audiência da TV aberta já não chega a 10% dos lares; em alguns, estatisticamente, caiu a zero. Em todo o mundo, hoje, metade dos lares que têm televisão já estão conectados ao serviço pago, por cabo ou satélite. As famílias preferiram trocar os seis ou sete canais de TV generalista aberta e "livre", por centenas de canais segmentados ao gosto do freguês, mesmo que pagos.

Ao mesmo tempo, impulsionada pela America Online (AOL), pela Microsoft (Internet Explorer), pela Intel (chips para microcomputadores), tendo por trás os interesses do Estado estadunidense (ICANN), expandiu-se a internet mundo a fora, impulsionando novas práticas sócio-culturais de produção ou acesso a conteúdos audiovisuais, paralelamente ao desenvolvimento de novos "modelos de negócios" adaptados a essas práticas (Google, iPod-iTunes da Apple, Face-book etc.). Sobretudo as novas gerações são cada vez mais estimuladas, ou midiaticamente educadas, a se constituírem em audiências completamente adaptadas e inseridas nos "jardins murados" que se vão consolidando no controle da internet.

Time-Warner, New York
Este amplo universo de produção, programação e distribuição de conteúdo audiovisual é controlado, globalmente, por 10 ou 15 grandes corporações midiáticas, a maioria e as maiores delas centralizadas e sediadas nos Estados Unidos. Na impossibilidade de, num pequeno artigo, apresentarmos todas elas, descrevamos apenas uma: a Time-Warner, cuja sede fica em Nova York. A corporação controla as seguintes "divisões" (ou "marcas") produtoras de conteúdos, filmes, séries, programas de auditório, desenhos infantis, jornalismo etc.): HBO, CNN, Time Inc (revistas e jornais), Warner Brothers, Cartoon Network etc. Controla as seguintes "divisões" programadoras de conteúdos (ou "canais de televisão", "salas de cinema", "portais de internet"): HBO, TNT, TCM, Cartoon Network, AOL, Cinemax etc. Nos Estados Unidos, detém ainda uma operadora de cabo (TimeWarner Cable) e outros 47 canais "abertos" de televisão.

Como é da "natureza" do capitalismo avançado, a Time-Warner não tem propriamente um "dono". Seu capital está distribuído por um amplo conjunto de acionistas, centralizados em fundos de pensão, clubes de investimento, bancos de investimento etc. Os principais desses acionistas são: Dodge&Cox (7,14% do capital), AXA (5,79%), Capital Group (4,6%), Fidelity (4,13%), Goldman Sachs (3,25%), Liberty Media (3%), Vanguard (2,95%) etc. Estes e outros repartem entre si os lucros de um faturamento mundial superior a USD 43 bilhões, em 2008.

O curioso é que podemos encontrar esses mesmos grupos financeiros participando no capital das corporações que julgaríamos concorrentes da Time-Warner.
Walt Disney Co.

O Fidelity, por exemplo, detém 5,5% do capital da Disney (segunda maior corporação global, disputando a liderança cabeça-a-cabeça com a Time-Warner); 11,5% do capital Google; 6,4% do capital da Apple; etc. O AXA também detém 2,9% do capital da Disney; 12,2% do capital da CBS; 1,26% do capital da Microsoft e 3,86% do capital da Apple. O Vanguard também participa do capital da Disney (2,9%), 2,5% do capital da Microsoft... desnecessário prosseguir. Os interesses desses conglomerados são intrinsecamente entrecruzados, inclusive, não raro, será possível identificar as mesmas pessoas ocupando cadeiras em diferentes conselhos e boards.

Todas essas grandes corporações midiáticas globais já estão presentes no Brasil, há mais de década. Hoje, em nosso país, cerca de 14 milhões de lares (cerca de 20% do total) já aderiram aos canais TNT, Cartoon Network, CNN, Fox, ESPN, Sony, Warner, HBO etc. Este número segue crescendo. A tendência mundial, tendência do capitalismo, evidentemente avança entre nós – e não poderia ser diferente. No entanto, avança sem que esta realidade presente e futura domine a agenda de debate sobre a democratização das comunicações, ainda presa a um passado em acelerada decomposição.

Mais de 70% dos lares brasileiros de "classe A" (e, no Brasil, qualquer família a duras penas de classe média é considerada "classe A"), já aderiram à TV por assinatura. "Classes B" e "C" acompanham, não raro no "gatonet". Para eles, o destino da TV aberta já está selado. E o que se decida aí, pouco lhes incomodará. Importante será a "liberdade do consumidor" para cada vez mais informar-se pelo noticiário da CNN, assistir ao show da Oprah, ou acompanhar o Dr. House...

Entendendo que democracia e mercado não são, necessariamente, idéias e práticas complementares, fica a pergunta: como introduzir o debate democrático nessa nova configuração do capital? Enquanto a agenda estiver mais preocupada em resolver heranças de um passado que vai sendo rapidamente ultrapassado, e menos em enfrentar os desafios do presente, dificilmente construiremos respostas. E este novo mundo "convergente"(entre aspas) do capital midiático-financeiro com centros de decisão fora do país, poderá seguir avançando desregulamentado entre nós (diante de um outro que se quer sob "controle social"), produzindo seus indeléveis resultados subjetivos sem que a sociedade sequer venha a se dar conta das teias nas quais se enredou.

Chegará um dia em que sentiremos saudades da Globo...


(*) Professor da Escola de Comunicação da UFRJ, vice-presidente da União Latina de Economia Política da Comunicação – Capítulo Brasil (ULEPICC-Br).