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sábado, 18 de maio de 2013

Banda larga democratizada será pá de cal no bloqueio à informação



Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público. Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Laurindo Lalo Leal Filho*

 
Artigo publicado originalmente na ‘Revista do Brasil’ – edição de maio de 2013

Em 1994, o respeitável jornal inglês “The Guardian” atirou no que viu e acertou no que não viu. Em um exercício premonitório encartou numa de suas edições alguns exemplares do que poderia ser o jornal no então longínquo ano de 2004.

A novidade, além do tamanho reduzido, era a personalização das informações. Através de um banco de dados, o jornal saberia exatamente quais eram os interesses de cada um dos seus leitores os quais, através de um cartão magnético, imprimiriam um exemplar pessoal em qualquer banca.

Havia ainda o requinte de a impressão ser feita em um tipo de fibra impermeável, capaz de resistir a água das banheiras, local onde o jornal poderia ser lido com grande conforto, bem ao gosto dos ingleses.

A forma não vingou, mas o conteúdo personalizado ganhou força através de outro caminho, a internet. Com uma diferença fundamental: o fim da rígida divisão entre emissores e receptores. Papeis que agora são assumidos sem distinção por todos os envolvidos nas trocas de mensagens eletrônicas.

O resultado já pode ser percebido num ainda incipiente mas promissor crescimento da liberdade de expressão pelo mundo. Quem está se dando mal são os grandes grupos empresariais de comunicação, até aqui senhores absolutos da verdade.

Muitos já acusam o golpe, alguns discretamente, outros de forma ensandecida como certos colunistas da grande mídia que têm suas informações e opiniões contraditadas em blogs e nas redes sociais.

Um desses, “José Neumânne Pinto, foi ao Congresso pedir uma ‘lei dura’ para a internet, usando um caso de ofensa pessoal, típico no Código Penal, para restabelecer mecanismos de exceção”, como apontou o site Brasil 247.

Antes dele, nas eleições presidenciais a força da comunicação alternativa já havia sido sentida pelo candidato José Serra. Acostumado a controlar os grandes meios de comunicação com telefonemas para seus proprietários e editores e receber deles total apoio, Serra viu-se diante do contraditório exposto por diferentes blogues, chamados por ele de “sujos”. Era o reconhecimento explicito do poder da nova mídia que veio para ficar.

São inúmeras as notícias censuradas pela velha mídia e que só chegam ao conhecimento de parte do público graças a internet. Por exemplo, por qualquer critério jornalístico as mortes de oito apoiadores do presidente Maduro da Venezuela, logo após as eleições naquele país, seriam notícia. Com detalhamento das circunstâncias em que ocorreram e a completa identificação da vítimas. Mas quem se informou pelo Jornal Nacional nada ficou sabendo como bem mostrou o blogueiro Eduardo Guimarães.

Quando os temas são mais complexos a censura é ainda pior. Basta ver o debate em torno da alta de preços de alguns produtos e os riscos inflacionários. Posições diferentes daquelas que defendem a alta de juros como solução não tem vez na grande mídia.

No auge dessas discussões a ‘Globonews’, numa conversa entre os seus invariáveis comentaristas, colocou durante alguns minutos na tela a legenda implacável: “Dilema da política econômica: inflação ou juros altos”. Qualquer outra opinião estava liminarmente censurada.

A pá de cal nesse bloqueio informativo a que os brasileiros estão submetidos há décadas será dada quando a banda larga da internet se universalizar. Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público.

Aliás, quem já está ligado à rede testemunhou isso na notícia da prisão do segundo suspeito dos atentados em Boston, divulgada em primeira mão através do twitter.

Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Com isso, parte da profecia do 'Guardian' se concretizará, com o cidadão buscando as notícias de forma personalizada mas sem a necessidade do cartão magnético. Ficam faltando, para os ingleses, computadores e celulares impermeáveis a água da banheira.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Fonte: Carta  Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6095


Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/projeto-de-lei-da-midia-democratica-o.html


sábado, 15 de dezembro de 2012

Quando o controle remoto não resolve

[15/12/2012 - Oscar Niemeyer, 105 anos, nossa homenagem. (Equipe Educom)]


13/12/2012 - Revista do Brasil - Edição 78 - Dezembro/2012
- Laurindo Lalo Leal Filho


Em que pese a importância das redes sociais e da internet para o debate sobre as virtudes e defeitos dos meios de comunicação, nas universidades a crítica definha. 


Jornais, revistas, o rádio e a televisão tratam de quase tudo sem restrição. Apenas um assunto é tabu: eles mesmos.




Se hoje a internet tem papel relevante nesse debate sobre a mídia, na academia houve retrocesso. O programa Globo Universidade das Organizações Globo, tem parcela importante de responsabilidade nessa mudança.

Surgiu com o objetivo de neutralizar aquela que era uma das poucas áreas em que se realizava uma análise crítica sistemática dos meios de comunicação. 

Passou a financiar laboratórios de pesquisa e eventos científicos, e, com isso, um objeto de investigação, no caso a própria Globo, tornou-se patrocinador do investigador, retirando da pesquisa a necessária isenção.


Fez na comunicação o que a indústria farmacêutica faz com a medicina, bancando viagens e congressos médicos para propagandear remédios.

O resultado prático pode ser visto no número crescente de trabalhos acadêmicos sobre o uso de novas tecnologias associadas à TV e as formas de aplicação de seus resultados pelo mercado.

Enfatizam cada vez mais o papel do receptor como elemento capaz de selecionar, a seu critério, os conteúdos que lhe interessam. Fazem, dessa forma, o jogo dos controladores dos meios, retirando deles a responsabilidade por aquilo que é veiculado.

Fica tudo nas costas do pobre receptor.
Esquecem o fenômeno da concentração dos meios que reduz o mundo a uma pauta única, com pouca diferenciação entre os veículos.


Dizem em linguagem empolada o que empresários de TV costumam expressar de modo simples: O melhor controle é o controle remoto”.

Como se ao mudar de canal fosse possível ver algo muito diferente.

Cresce também o número de empresas de comunicação que oferecem cursos até em universidades públicas, retirando dessas instituições o espaço do debate e da crítica. Saem dos cursos de comunicação jovens adestrados para o mercado, capazes de se tornar bons profissionais.

No entanto, a débil formação geral recebida os impedirá de pôr os conhecimentos obtidos a serviço da cidadania e da transformação social.

O papel político desempenhado pelos meios de comunicação e a análise criteriosa dos conteúdos emitidos ficam em segundo plano, tanto na pesquisa como no ensino.

Foi-se o tempo em que, logo nos primeiros anos do curso, praticava-se a comunicação comparada, com exercícios capazes de identificar as linhas político-editoriais adotadas pelos diferentes veículos.

Caso fosse aplicada hoje, mostraria, com certeza, a uniformidade das pautas, com jornais e telejornais reduzindo os acontecimentos a meia dúzia de fatos capazes de “render matéria”. Mas poderia, em alguns momentos excepcionais, realçar diferenças significativas, imperceptíveis aos olhos do receptor comum.

Como no caso ocorrido logo após a condenação de José Dirceu pelo STF. Ao sair de uma reunião, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Jilmar Tatto (foto), foi abordado por vários repórteres. Queriam saber sua opinião sobre o veredicto do Supremo.

Claro que ele deu apenas uma resposta, mas para quem viu os telejornais da Rede TV e da Globo foram respostas diferentes.

Na primeira Tatto dizia:

A Corte tem autonomia soberana e pagamos alto preço por isso. E só espero que essa jurisprudência usada pelo STF continue e que tenha o mesmo tratamento com os acusados do PSDB”.

Na Globo a frase sobre o “mensalão tucano” desapareceu.


Em casa o telespectador, mesmo vendo os dois jornais, dificilmente perceberia a diferença entre ambos, dada a sequência rápida das imagens.


Mas para a universidade seria um excelente mote de pesquisa cujos resultados teriam uma importância sociopolítica muito maior do que longos discursos sobre transmídias e receptores. 

Fonte:
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/78/lalo-leal/view

Tudo a ver:
As 10 estratégias de manipulação midiática
- A velha cara da nova direita

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando algumas, não constam do texto original.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Brasil que não se vê na TV

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012 - Laurindo Lalo Leal Filho, Revista do Brasil 
postado no blog do Miro

O Brasil que se vê na TV está restrito ao Rio e à São Paulo, salvo raras exceções. Exibem-se nas novelas e nos telejornais, lindas paisagens e graves problemas urbanos dessas metrópoles para todo o país.

Fico a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?

No entanto, o conteúdo que vai ao ar não é determinado pelos interesses ou necessidades do telespectador e sim pela lógica comercial. Para o empresário de TV local é mais barato e mais lucrativo reproduzir o que a rede nacional de televisão transmite, inserindo alguns comerciais da região, do que contratar profissionais para produzir seus próprios programas.

Para as grandes redes trata-se de uma economia de escala: com um custo fixo de produção, o lucro cresce à medida em que os anúncios são veiculados num número crescente de cidades.

Isso ocorre porque como qualquer outra atividade comercial a lógica do capital é a da concentração, regra da qual a televisão, movida pela propaganda, não escapa. Só que a TV não é, ou não deveria ser, apenas um negócio como outro qualquer.

Por transmitir valores, idéias, concepções de mundo e de vida, ela é também um bem cultural e não uma simples mercadoria. Dai a necessidade de ser regulamentada e ter os seus serviços acompanhados de perto pela sociedade.

Como concessões públicas, as emissoras têm obrigação de prestar esses serviços de maneira satisfatória, atendendo às necessidades básicas de informação e entretenimento a que todos tem direito. Caso contrário, caberiam reclamações, processos e punições, como ocorre em quase todas as grandes democracias do mundo.

Aqui, além de não existirem órgãos reguladores capazes receber as demandas do público e dar a elas os devidos encaminhamentos, não temos uma legislação capaz de sustentar esse processo. Por aqui vale tudo.

E quem perde é a sociedade, empobrecida culturalmente por uma televisão que a trata com desprezo. Diretores de emissoras chegam a dizer, preconceituosamente, que “dão ao povo o que o povo quer”.

Um caso emblemático da falta que faz essa legislação é o da produção e veiculação de programas regionais. Se o mercado concentra a atividade televisiva no eixo Rio-São Paulo, cabe a lei desconcentrá-lo, como determina artigo 221 da Constituição, até hoje não regulamentado.

Sua tramitação é seguidamente bloqueada no Congresso por parlamentares que representam os interesses dos donos das emissoras de TV.

Em 1991 a então deputada Jandira Feghali apresentou um projeto de lei estabelecendo percentuais de exibição obrigatórios para produção regional de TV no Brasil. Doze anos depois, em 2003, após várias concessões feitas para atender aos interesses dos empresários, o texto foi aprovado na Câmara e seguiu para o Senado, onde dorme um sono esplendido até hoje.

São mais de vinte anos perdidos não apenas para o telespectador, impossibilitado de ver o que ocorre na sua cidade e região. Perdemos também a oportunidade de abrir novos mercados de trabalho para produtores, jornalistas, diretores, atores e tantos outros profissionais obrigados a deixar suas cidades em busca de oportunidades limitadas nos grandes centros.

Mas se os interesses empresariais das emissoras bloqueiam esse florescimento artístico e cultural, as novas tecnologias estão abrindo brechas nessas barreiras. O barateamento e a diminuição dos equipamentos de captação de imagens impulsionaram o vídeo popular e a internet vem sendo um canal excelente de divulgação desses trabalhos.

Combina-se a vontade e a capacidade de fazer televisão fora das emissoras tradicionais com a necessidade do público de acompanhar aquilo que acontece perto de sua casa ou de sua cidade.

O que não descarta a necessidade da existência de programação regional nas grandes emissoras, como forma de tornar o Brasil um pouco mais conhecido pelos próprios brasileiros.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Imagens distorcidas

18/01/2012 - Laurindo Lalo Leal Filho - Carta Maior

No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos. Alguém soube disso através da TV?
Laurindo Lalo Leal Filho

(*) Artigo publicado originalmente na edição de janeiro da Revista do Brasil.


A maioria dos brasileiros só se informa pela televisão e, quase sempre, fica mal informado. Todos os dias as emissoras selecionam e transmitem inúmeras notícias de fatos ocorridos no Brasil e no mundo mas o que não bate com seus interesses comerciais e políticos fica fora. A desinformação, no entanto, acontece também no que é mostrado. As notícias veiculadas são organizadas e editadas segundo os mesmos interesses.

Há dois exemplos significativos. Um, de mais de vinte anos, só agora revelado. Trata-se do famoso debate Lula-Collor de 1989. Sabia-se que ele havia sido editado para ser exibido no Jornal Nacional, da Rede Globo, de forma a ressaltar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Sua exibição, dessa forma, às vésperas das eleições influenciou um grande número de eleitores, conforme mostraram pesquisas na época.

A manipulação não ficou só ai. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais executivos da Globo naquela ocasião revelou, em entrevista recente, a dimensão real do episódio. O debate não foi manipulado apenas na edição levada ao ar. Os truques começaram bem antes, uma vez que segundo o próprio Boni, a emissora “tomou partido” e “produziu” o debate para beneficiar o então candidato alagoano.

Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade. Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor, com uma 'glicerinazinha', e colocamos as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco", revela Boni.
Se você acha que isso é coisa do passado e não acontece mais está enganado. No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos.

Foi criada a Celac, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, reunindo 33 países da região, deixando fora os Estados Unidos e o Canadá que sempre dominaram a OEA, a Organização dos Estados Americanos, até então a principal organização multilateral do continente, chamada com muita propriedade de “ministério das colônias” pelo então presidente de Cuba, Fidel Castro.

Trata-se de um grito de libertação dos países situados ao sul dos Estados Unidos. Dois séculos depois do rompimento dessas nações com as metrópoles espanhola e portuguesa inicia-se agora uma luta conjunta em busca da autodeterminação política e econômica, livre das imposições dos impérios modernos.

A Celac definiu como um dos seus princípios básicos a defesa das democracias nos países-membros. Se, em algum deles, a ordem institucional for rompida a expulsão é imediata. Medida que busca evitar a repetição de fatos recentes como o golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009 e a tentativa frustrada de tomar o poder através da força no Equador em setembro de 2010.

Alguém soube disso através da TV? Não que a televisão brasileira não estivesse lá. Estava mas não para mostrar a dimensão histórica do que ocorria em Caracas. Tudo que era importante foi escondido e, para não perder a viagem, o Jornal Nacional colocou no ar o questionamento feito à presidenta Dilma Roussef sobre uma declaração de amor divulgada, no Brasil, por um ministro em vias de demissão. Surpresa, Dilma foi gentil e respondeu a pergunta descabida e fora de lugar. Ao telespectador restou receber uma informação supérflua em prejuízo do essencial.

O caso revela que as distorções ocorridas em torno do debate presidencial de 1989 não são exceções. Ao contrário, trata-se de uma prática comum, embora menos perceptível. A TV acaba fazendo como o mágico que chama a atenção para o lenço enquanto, sem o público perceber, tira o pombo da cartola, na feliz imagem do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Infelizmente assistimos a essa mágica todos os dias no telejornalismo brasileiro.


Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Internet assusta os poderosos


A medida em que um número maior de pessoas vai tendo acesso à internet, fica cada vez mais difícil para os meios tradicionais de comunicação realizar desvios na produção de notícias. Estão sendo levantados os véus de interesses que recobrem o noticiário divulgado por grandes meios de comunicação, não só no Brasil mas em várias outras partes do mundo.
Laurindo Lalo Leal Filho

(*) Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de setembro de 2011.
         Numa noite de sábado o Jornal Nacional surpreendeu os telespectadores. Depois de um intervalo comercial, os apresentadores titulares do programa (que geralmente não trabalham aos sábados) passaram a ler o princípios editoriais das Organizações Globo. Muita gente ficou intrigada. Porque aquilo naquela hora? Não havia mais nenhuma notícia importante no mundo a ser dada? E porque só agora, depois de 86 anos de existência, a empresa resolveu divulgar na TV suas normas de trabalho?
         Milhões de telespectadores em todo o Brasil ficaram sem respostas. Só quem tem acesso à internet soube do que se tratava. A explicação para o inusitado texto lido no Jornal Nacional estava no blogue “O Escrevinhador”, de Rodrigo Vianna. Nele eram reproduzidas informações de um jornalista da Globo sobre como a emissora pretendia cobrir a indicação do embaixador Celso Amorim para o Ministério da Defesa.
         Durante os oito anos do governo Lula em que esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores, Amorim sempre foi visto com desagrado pelas Organizações Globo. A empresa não engolia as posições do ministro em defesa da soberania nacional, principalmente quando elas não coincidiam com os interesses dos Estados Unidos.
         A volta de Amorim ao primeiro escalão do governo foi uma afronta para a Globo. Segundo o jornalista mencionado no blogue a orientação da empresa era clara: “os pauteiros devem buscar entrevistados para o Jornal Nacional, Jornal da Globo e Bom dia Brasil que comprovem a tese de que a escolha de Celso Amorim vai gerar ‘turbulência’ no meio militar. Os repórteres já recebem a pauta assim, direcionada: o texto final das reportagens deve seguir essa linha. Não há escolha”.
         Pena que só internautas atentos ficaram sabendo disso. Jornais e revistas não repercutiram o assunto e muita gente acabou achando que, finalmente, a Globo havia tomado a iniciativa magnânima de expor à sociedade seus princípios editoriais partindo de vontade própria.
         Mas mesmo atingindo um público relativamente muito menor do que o da televisão, a internet prestou um bom serviço à sociedade. Inibiu um pouco a ação nefasta armada contra o novo ministro e mostrou que a poderosa organização não consegue mais fingir que denúncias e criticas não a atingem. A Globo sentiu o golpe e tentou responder recorrendo a princípios por ela violados várias vezes ao longo de sua história.
         Esperava-se uma mudança de conduta a partir daquele momento. Não foi o que ocorreu. Na mesma edição a apresentadora do Jornal Nacional disse o seguinte: “está foragida a merendeira que pôs veneno de rato na comida de crianças e professores numa escola pública de Porto Alegre”, mostrando uma foto da moça de 23 anos.
         Poderia até ser verdade, mas o Jornal Nacional baseava-se apenas numa versão da policia, negada pela acusada. Seu advogado havia divulgado a palavra dela, através da Rádio Guaíba, oito horas antes do JN ir ao ar. Mas para não perder uma notícia espetacular – envenenamento de crianças – nada disso foi levado em conta. Nem os tais princípios editoriais.
         Se não fosse outra vez a internet, fatos como esse não estariam sendo contados aqui em detalhes. Foi o blogue do Mello que registrou a violação dos princípios editorais da Globo, na mesma edição em que eles foram divulgados, acompanhados da gravação do desmentido da merendeira feito através do rádio.
         Dessa forma vão sendo levantados os véus de interesses que recobrem o noticiário divulgado por grandes meios de comunicação, não só no Brasil mas em várias outras partes do mundo. Parece ser um caminho sem volta.
         A medida em que um número maior de pessoas vai tendo acesso à internet, fica cada vez mais difícil para os meios tradicionais de comunicação realizar desvios desse tipo.

        * Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Notícias internacionais têm pauta única


As agências de notícias tradicionais foram criadas como empreendimentos para a divulgação de informações financeiras em meados do século 19. Apoiadas pelos governos dos países onde tinham sede, essas agências nunca deixaram de ver o mundo segundo a ótica peculiar desses mesmos países.

Quando a revolta árabe chegou à Líbia, fornecedora de grande parte do petróleo consumido na Europa, a batalha da informação tornou-se mais acirrada.

Notícias falsas começaram a circular pelas agências internacionais de notícias e por algumas redes de televisão. No Brasil foram reproduzidas sem crítica.

Duas delas:

1) O presidente Muhamar Kadaffi recebe asilo político da Venezuela e segue para Caracas.

2) Kadaffi negocia com rebeldes sua saída do pais. Quer levar a família e grande quantia em dinheiro.

Mentiras logo esquecidas. Quando o repórter da Telesur relatou, ao chegar a Trípoli, que a situação era de calma na cidade foi ridicularizado pela Folha de S.Paulo e por uma de suas articulistas, até com chamada de capa.

Aquela altura toda a corrente majoritária da mídia internacional, acompanhada pela brasileira, dava como certa uma rápida vitória dos rebeldes.

A Telesur mostrava que na Líbia a situação era diferente do que havia ocorrido na Tunísia ou no Egito. As manifestações de massa não tinham chegado ao centro do poder e poderia haver um equilíbrio maior entre os lados em conflito, o que acabou se confirmando.

A atuação da Telesur, ao lado da Al-Jazira e outras emissoras árabes, mostra a importância de uma diversidade maior no fluxo internacional de informações.

As agências de notícias tradicionais foram criadas como empreendimentos para a divulgação de informações financeiras em meados do século 19.

A Reuters, de 1851, esteve durante muito tempo a serviço da família Rothschild, interessada em informações rápidas e precisas sobre os mercados financeiro e mercantil da Europa.

Apoiadas pelos governos dos países onde tinham sede, essas agências nunca deixaram de ver o mundo segundo a ótica peculiar desses mesmos países.

Tanto é que a UNESCO, nos anos 1970/80, impulsionou o debate por uma Nova Ordem da Informação e da Comunicação interrompido com ascensão dos governos Reagan, nos EUA, e Thatcher, no Reino Unido.

Perceberam esses governantes que uma “nova ordem” informativa implicaria num enfraquecimento do projeto neoliberal, em fase inicial de implantação no mundo.

A sonhada circulação de notícias sul-sul, capaz de quebrar o fluxo informativo norte-sul, foi adiada. EUA e Reino Unido chegaram a cortar suas contribuições financeiras para a UNESCO como forma de pressioná-la a deixar de lado o debate sobre a comunicação.

E foi o que aconteceu. Os anos 1990 assistiram a um perfeito entrosamento entre a ordem econômica e a ordem informativa, alinhadas no projeto neoliberal.

Mantinha-se praticamente intacto o fluxo informativo internacional implantado no século 19 pelas três grandes agencias internacionais européias (Reuters, Wolff e Havas) e, associado no século 20, às estadunidenses AP e UPI.

A centralidade de poder era tão grande que notícias da Bolívia só chegavam ao Brasil depois de passar por Nova York, Paris ou Londres.

Se a UNESCO não conseguiu romper essa lógica, o surgimento de novas tecnologias da informação e a visão estratégica de alguns governos, como os da Venezuela e do Qatar, puseram em cheque a ordem estabelecida.

No Egito, relata Paulo Cabral, ex-correspondente da BBC Brasil no Cairo, as antenas parabólicas estão em quase todos os domicílios captando essencialmente emissoras árabes como a Al-Jazira.

Suas informações – ao longo de muito tempo – serviram de caldo de cultura para desencadear a revolta, ampliada a seguir pela redes na internet.

A Telesur, por sua vez, vem demonstrando a importância da existência de pautas alternativas às das grandes agências.

Como exemplos pode-se citar as cobertura do golpe de Estado contra o presidente Zelaya, em Honduras; as libertações de reféns pelas Farc na Colombia e mesmo as reuniões de chefes de Estado sulamericanos, tão maltratadas pela mídia tradicional.

Infelizmente, no entanto, imagens da Telesur e da Al-Jazira quase não chegam até nós. No caso da emissora latina é necessária a compra de um decodificador, ligado a uma antena direcionada para o satélite por onde trafegam os seus sinais televisivos.

Mas existem dois caminhos bem mais simples: sua inclusão no menu das operadoras de TV por assinatura e a utilização dos seus serviços pelas emissoras brasileiras nos telejornais, como o que é feito com CNN, Reuters e outras.

Isso só não ocorre porque as operadoras de canais fechados e as TVs abertas negam-se a veicular visões de mundo desalinhadas do pensamento único.

E mesmo emissoras públicas, com poucas exceções, preferem seguir a pauta diária estabelecida pelas grandes agências internacionais, curvando-se ao modelo em vigor no mundo desde 1835, quando Charles Havas fundou a primeira agência internacional de notícias na França.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.