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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Voto é como vacina: tem que ser obrigatório

21/12/2013 - Antonio Lassance (*) - Carta Maior

A defesa do voto facultativo é muito bonita. Bonita, ingênua, desinformada e irresponsável. É preciso fazer esse debate com todo o respeito às pessoas que pensam diferente, que são muitas. 

Mesmo o “irresponsável” que acabei de utilizar tem um sentido respeitável, que será explicado adiante. A intenção aqui, mais do que fazê-las mudar de ideia, é antes incentivá-las a repensar seus argumentos.          

É bom tratar do tema antes que seja tarde demais.

Antes que o Brasil resolva entrar nessa canoa furada. Há sempre propostas de emenda constitucional tramitando no Congresso.

O voto facultativo pode nos surpreender, um dia, como um presente de grego.

Há pouco, tivemos o triste exemplo do Chile, que elegeu sua presidenta, Michelle Bachelet [foto], com a expressiva proporção de 62% dos votos, mas com a presença de menos da metade dos eleitores. 

Houve quem apoiasse Bachelet e preferiu não votar pela simples suposição de que ela já estaria eleita, e seu voto não faria diferença.

O mesmo deve ter ocorrido com alguns eleitores do lado adversário.

Uma parte importante dos eleitores votou não com base em suas convicções, mas em pesquisas de opinião.

Direito, sim; obrigação também

Vota quem quer, pois o voto é um direito, certo? Errado.

O voto é um direito, mas, como qualquer outro direito, ele traz consigo obrigações.

A educação também é um direito, mas os pais são obrigados a colocar os filhos na escola (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 55: “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”). 

A saúde é um direito, mas as famílias têm a obrigação de vacinar seus filhos.

As pessoas devem estar vacinadas contra algumas doenças se quiserem visitar alguns estados e outros países.

Os direitos são custeados graças à nossa obrigação de pagar impostos – o nome não é à toa.

Há uma frase do ex-senador Roberto Campos, famosa e muito repetida pelos papagaios de seu liberalismo, segundo a qual nossa Constituição tem muitos direitos e poucas obrigações. Basta ler a Constituição para comprovarmos que isso é uma balela. Na melhor das hipóteses, uma piada. 

Mesmo o título dos direitos e garantias fundamentais é aberto com o capítulo que se intitula Dos direitos e deveres individuais e coletivos”. O célebre e generoso art. 5.º, que expressa todo o sentido do apelido de “Constituição Cidadã” dado à Carta Magna brasileira, começa proferindo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

Do voto deveríamos pensar o mesmo. É um direito e igualmente uma obrigação. O cidadão que quer direitos está assumindo que tem uma relação com o Estado, que é o agente responsável por garantir esses direitos e cobrar as obrigações.

O cidadão que tem o direito de reclamar do Estado, a plenos pulmões, é o mesmo que tem a obrigação de dizer ao Estado que rumo ele deve tomar. Para que o Estado represente o que o cidadão quer, o pressuposto é que ele, na condição de eleitor, diga o que quer e o que não quer.

Pesquisa alguma substitui o voto

A relação entre Estado e sociedade não pode ser marcada pela abstenção. A razão é simples: não sabemos exatamente o que a abstenção significa em uma eleição.

A democracia não pode trocar eleições por pesquisas de opinião para saber o que o cidadão quer do Estado. Por melhores que sejam as pesquisas, e são muitas, e são díspares, certamente alguém vai estar errado sobre algo muito importante de ser aferido. 

A opinião pública está livre para ser analisada por qualquer um, da forma que achar melhor. Mas a vontade do cidadão, isso não pode ser deixado a qualquer um, de qualquer jeito. É algo importante demais para ficar nas mãos de institutos de pesquisa ou, pior, de charlatães de plantão, especialistas de assuntos aleatórios, golpistas contumazes e toda uma legião de oportunistas ávidos em sequestrar a opinião daqueles que se abstiverem.

Se ninguém gosta de dar um cheque em branco a quem foi eleito, muito menos deveriam dar a quem sequer foi eleito.

A luta pelo voto está sendo esquecida

A defesa do voto obrigatório perde terreno, entre outras razões, porque sua maneira mais comum é também a mais infame possível. Há péssimos defensores do voto obrigatório que usam o argumento de que o brasileiro ainda não está pronto para o voto facultativo. É de um complexo de vira-latas atroz.

Do lado do voto facultativo, há políticos que o defendem por convicção. Uma convicção bonita, ingênua, desinformada e irresponsável. Cabe aqui a explicação: tratam o voto como um direito que não responsabiliza o cidadão. Péssimo exemplo.

Alguns outros políticos defendem o voto facultativo por conveniência. Querem falar o que a maioria dos eleitores quer ouvir. Da mesma forma, acontece com os eleitores. Há os que o defendem por convicção. E há outros que o preferem simplesmente porque acreditam que seu voto vale bem menos a pena do que o churrasco do final de semana.

Aqueles um pouco mais politizados dirão: “mas democracia não é só voto!”. “”?

Será que quem usa esse “” impunemente sabe um pouco da história da luta pelo voto universal?

Tudo bem que o movimento cartista inglês, de 1830, as revoluções de 1848, as sufragistas (que defendiam o voto feminino) do início do século passado, e tantos outros movimentos estão distantes no tempo, e nem todo mundo ainda se lembra das aulas de História.

Também há uma nova geração que nasceu depois da ditadura

Esse “” mostra o quanto o voto, desmoralizado por muitos partidos e políticos, acaba banalizado e esculhambado também por muitos eleitores. Não se pode relegar a um final melancólico uma conquista que foi garantida a duras penas, com o suor, as lágrimas e mesmo o sangue de muitos que lutaram para que pudéssemos exercê-lo, em toda a sua plenitude.

O voto facultativo é uma péssima ideia, um palpite infeliz, um desserviço à democracia.

Mas e os países avançados? Não têm, todos eles, voto facultativo?

Não todos, muitos, é verdade. Vários só tornaram o voto facultativo recentemente, e nada impede que voltem atrás. Muitos países avançados têm voto facultativo e têm também pena de morte, proibição ao uso do véu por mulheres (em claro desrespeito à liberdade individual e religiosa) e tratam imigrantes como animais. Muitos deles têm uma regulação da mídia para ninguém botar defeito.

O fato de um país ter voto obrigatório não faz dele um país avançado. O fato de um país ser avançado não faz com que ele tenha voto facultativo. O argumento sobre países avançados não ajuda no debate, pois não esclarece como funciona o sistema eleitoral como um todo, e não se diz das consequências que a desobrigação do voto acarretou.

Na França, Reino Unido e Alemanha, o comparecimento às urnas costuma ser bem maior do que o que se viu no Chile e do que, tradicionalmente, se verifica nos Estados Unidos. É bem provável que nossas taxas de abstenção fiquem bem mais próximas da chilena e da norte-americana do que da britânica. 

A taxa de abstenção varia conforme a eleição, conforme os candidatos, conforme a situação econômica, conforme a raiva dos eleitores. Falar que muitos países avançados têm voto facultativo, pura e simplesmente, é apenas um argumento do tipo Maria-vai-com-as-outras.

TSE deveria ensinar a votar branco e nulo 

Hoje, o eleitor que não quiser votar tem duas opções: justificar ou pagar a multa. A multa tonou-se irrisória para a maioria dos brasileiros. Vai de 3% a 10% do valor do salário mínimo. 

Outras penalidades acabam sendo mais relevantes. O título pode ser cancelado e a pessoa fica impedida de fazer concursos públicos, receber empréstimo de instituições financeiras públicas, tirar passaporte e carteira de identidade, entre outras. 

Todos são obrigados a comparecer, mas não a votar, na medida em que há a opção do eleitor anular o voto.

O único resquício autoritário ainda presente no processo eleitoral brasileiro e que precisa ser abolido é a pregação frequente, feita pelos ministros que ocupam a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que o eleitor não deve anular o voto e precisa votar em alguém.

Isso é descabido, pois nada autoriza a Justiça a se meter na opinião do eleitor. Não há lei que obrigue o eleitor a votar em alguém. 

Tanto o voto branco quanto o voto nulo são expressões democráticas da livre manifestação. Deveriam ser opções de voto respeitadas e melhor informadas. O cidadão tem direito de votar em branco, se quiser, e de votar nulo, se preferir. A urna eletrônica admite as duas possibilidades.

O que o TSE pode e deve fazer, cumprindo sua obrigação de preparar o eleitor para o processo, é reservar espaço no horário eleitoral para dizer que o voto é importante, que o eleitor tem sua chance de escolher bons representantes, e ensinar o eleitor que, se ele não quiser votar em uma pessoa, pode votar no partido. 

Se não quiser votar em ninguém, nem pessoa, nem partido, pode votar branco. Se ainda assim achar que ninguém merece sua escolha, pode anular seu voto.

O TSE deveria ensinar as pessoas que queiram votar branco ou nulo a fazê-lo, esclarecendo a diferença. O eleitor que não teve tempo de se informar e não sabe em quem votar deve saber que pode votar em branco e que não precisa passar vergonha por isso.

O eleitor que viu o programa eleitoral e não ficou satisfeito com ninguém, ou é contra o voto em si, por princípio, pode expressar sua contrariedade ou descontentamento votando nulo. 

Com isso, tiraríamos das urnas um voto que é irresponsável e de péssimas consequências, qual seja, aquele em que o eleitor vota em qualquer um ou no primeiro que aparecer em sua frente, na boca de urna.

Teríamos, provavelmente, mais brancos e nulos, mas escolhas mais bem feitas. De sobra, haveria informações mais fiéis sobre o grau de insatisfação, desinteresse e desinformação dos eleitores, o que seria benéfico para a análise sobre a quantas anda nossa representação.

Vacina incomoda, mas é importante

O voto é como uma vacina. Daquelas que as pessoas podem ou não querer tomar, mas, se não o fizerem, devem arcam com as consequências.

Como direito, as vacinas devem sempre estar à disposição de todos os que queiram favorecer seu organismo, mas servindo também ao propósito de preservar o convívio social. O direito individual caminha junto com a obrigação que cada cidadão tem com a coletividade.

Ano que vem [2014] tem eleições. Precisamos tomar a vacina, por mais que muitos não gostem da injeção e prefiram xingar a classe dos farmacêuticos. A democracia brasileira vai dizer “muito obrigada”.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Voto-e-como-vacina-tem-que-ser-obrigatorio/29862

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Em Cuba votam os cidadãos, não as empresas-imprensa

20/10/2012 - Eleições em Cuba: votam os cidadãos, não as empresas-imprensa
- Postado por Marco Antônio Nogueira no Portal Luis Nassif
- por Luisa María González García, para Prensa Latina 




Havana - O sistema eleitoral cubano distingue-se do que se vê em outros países, sobretudo, porque, em Cuba, todos os cidadãos têm igual possibilidade de assumir responsabilidades públicas – explicou o professor Juan Mendoza, vice-decano da Faculdade de Direito da Universidad de La Habana, em conversa com Prensa Latina sobre as particularidades do modelo eleitoral cubano, na véspera dos comícios que começam no domingo, 20/10, e que elegerão os delegados de bairro (concejales) às assembleias municipais do Poder Popular.





Falando sobre o processo pelo qual se apresentam os candidatos, disse que o que se vê em muitos países são listas eleitorais montadas por partidos políticos, às quais só os mais ricos têm acesso: “Considera-se o desempenho financeiro dos candidatos, não algum compromisso com os eleitores ou com o futuro das pessoas e do país”.

Nesse cenário” – disse o professor Juan Mendoza –, “é muito difícil alguém conseguir candidatar-se como candidato independente, porque as campanhas eleitorais são caríssimas.”

Em Cuba, tudo isso é diferente. Em Cuba, para apresentar-se como candidato no início do processo eleitoral, basta ter mais de 16 anos, residir em Cuba e ser apoiado pelos vizinhos de bairro. Essa é uma das razões pelas quais o modelo eleitoral cubano é “específico, profundamente democrático e socialmente muito avançado” – explicou o professor.



Mendoza lembra que na maioria dos países, as empresas da imprensa corporativa, os grandes grupos ‘de mídia’ louvam como se fossem muito democráticas eleições que, de fato, não passam de jogo tradicional, de cartas marcadas, entre partidos que disputam, menos o poder político, que o acesso não controlado às riquezas do país e do povo.

Para vários estudiosos, aquilo não passa de uma 'partidocracia', bem pouco democrática, porque os partidos representam interesses de diferentes setores do capital, mas apresentam-se como se fossem representantes de parcelas do povo. Só muito raramente, nessas partidocracias, algum partido manifesta desejo político realmente popular. Disputa partidarizada entre diferentes interesses setoriais dos mais ricos não é o que se possa chamar de disputa democrática” – continuou o professor Mendoza.


Por que, em Cuba, é diferente?
O modelo eleitoral cubano foi criado depois da Constituição aprovada em 1976, que serviu de base à primeira lei eleitoral. Depois da reforma da Constituição, em 1992, também a lei eleitoral foi reestruturada, e continua vigente até hoje.

Nos termos da lei eleitoral cubana há dois momentos: eleições gerais a cada cinco anos, para eleger os deputados à Assembleia Nacional e os delegados à Assembleia Provincial; e eleições parciais, a cada dois anos e meio, em que se elegem delegados às Assembleias municipais.

Nas eleições parciais, o fator decisivo é a ‘nomeação’ [orig, nominación], que é ato de participação eminentemente cidadã, dado que, para fazer a nomeação, reúnem-se as próprias comunidades, que apresentam pessoas que as comunidades entendam que tenham condições de representá-las.

Nomes e propostas aprovadas nas reuniões das comunidades passam diretamente a integrar a chapa de candidatos de cada comunidade. “Assim”, explica o professor Mendoza, “evidencia-se o conceito amplamente democrático das eleições em Cuba”.

Em Cuba não há campanhas eleitorais como se conhecem em outros países. Cabe a cada Comissão Eleitoral local divulgar para os eleitores as biografias e fotos dos candidatos.



Em Cuba, as eleições são universais e baseiam-se “no direito de todos a manifestar-se nas eleições”. Não há inscrição eleitoral: todos os cubanos que atinjam os 16 anos, idade considerada mínima para votar e ser votado, convertem-se imediatamente em eleitores, sem qualquer outro tipo de registro ‘de eleitor’ como há em outros países.

O professor Mendoza lembra que “essa é diferença importante, porque, quando se lê que, em outros países, votaram 40% dos eleitores, essa porcentagem não é calculada sobre a população, mas só sobre o universo dos eleitores inscritos como tal”. Quando se diz que, em Cuba, votaram mais de 90% de eleitores, a porcentagem indica que praticamente toda a população votou”.

Eleições, democracia e sistema político 
Um dos objetivos da Comissão Nacional Eleitoral é facilitar o acesso da população às urnas. Mas, lembra o professor Mendoza, “o voto não é obrigatório em Cuba. Nada acontece se alguém preferir não votar. Mas votar é um direito do cidadão e toda a sociedade deseja que todos exerçam esse direito e, assim, manifestem o compromisso individual, de cada cidadão, com todos os demais.

É importante que todos votem, porque as eleições são um mecanismo de validação social do sistema político.



O professor Mendoza lembra que há países que se pressupõem democráticos e promovem seus sistemas políticos, mas, se se examinam aquelas ‘democracias’ e sistemas, se se comparam o número de votos e a população, por exemplo, vê-se que não passam de democracias apenas formais, que mostram só uma fachada de formalidade legal, porque nenhum sistema político pode ser considerado socialmente validado e legitimado se a população nacional não encontra vias abertas para manifestar-se e participar efetivamente do processo político.

Em Cuba, quando alguém vota, está legitimando, validando e consolidando o sistema eleitoral cubano. Assim, com o tempo, quanto mais cubanos votem, mais se democratiza o sistema eleitoral e o voto. Em Cuba, os altos índices de comparecimento às urnas ao longo das últimas décadas já demonstraram que os cubanos estão firmemente envolvidos e comprometidos com o direito democrático de votar, que é de todos. Assim se fortalece o modelo político” – concluiu o professor Mendoza.


Segundo dados oficiais, em todos os comícios realizados desde 1976 votaram mais de 95% dos eleitores das comunidades e bairros, vale dizer, da população cubana.


Fonte:
http://blogln.ning.com/profiles/blogs/elei-es-em-cuba-votam-os-cidad-os-n-o-as-empresas-imprensa?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+MensagensDeBlogDeTodos-PortalLuisNassif+%28Mensagens+de+blog+-+Portal+Luis+Nassif%29

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O novo idioma da direita na América Latina

01/10/2012 - Saul Leblon
- Portal Carta Maior

Henrique Capriles lotou ruas de Caracas neste domingo [30/09], num gigantesco comício de encerramento da campanha de oposição a Chávez.

Como diz Lula, as elites não brincam em serviço.

Na média, os prognósticos dão a Chávez a dianteira no pleito do dia 7, mas um fato é inegável: a reação não fala mais apenas aos trogloditas.

Capriles construiu um discurso para atrair descontentamentos explícitos e difusos; ademais dos endinheirados, ecoa aspirações de setores populares catapultados pelo próprio chavismo. A direita agora adotou o idioma dos que querem mais.

Não é exagero enxergar no 'burguesito', como o denomina Chavez, um drone político sobrevoando os céus da América Latina. Se bem sucedido - e para isso não necessariamente precisa atingir em cheio o alvo do próximo domingo - servirá de referência a outros da mesma cepa que cruzarão os ares; inclusive os do Brasil, em 2014, onde o fenômeno Russomano, em São Paulo, confirmou a receptividade a artefatos do gênero.

Drones, como se sabe, são aqueles aviões teleguiados que permitem cometer atentados e fulminar adversários sem precisar desembarcar tropas ostensivas. 

O golpismo cool concentra recursos em ações pontuais de sabotagens e outras façanhas seletivas, ancorando-se em intensa guerra psicológica & midiática e, claro, fluxos de caixa a lideranças com potencial 'caprílico'.

É o salto no processo de seleção. Não se pode enfrentar um Chávez, Lula, Cristina, Evo etc. com a mão pesada aplicada contra Kadafi ou Assad. 

Além de consagrados pelo voto, os líderes latino-americanos promoveram mudanças efetivas em curvas de distribuição de renda secularmente congeladas como o eletrocardiograma de um morto. 

Chávez tirou uns 3 milhões de miséria e permitiu a outros tantos ascenderem na escala da renda. Num país com 29 milhões de habitantes, fez da Venezuela a sociedade menos desigual da América Latina. Quem diz é a ONU.

No Brasil, sob Lula, a renda dos mais pobres cresceu 90%; a dos mais ricos, 17% (Ipea). O Brasil é hoje o país menos desigual de toda a sua história. Néstor e Cristina Kirchner fizeram o mesmo na Argentina onde o triturador neoliberal havia empurrado mais de 40% da população para a pobreza.

Sem ter como negar tais feitos, o gigantesco aparato intelectual e logístico que guia os drones ensaia uma vacina para enfraquecer essas conquistas.

"É insustentável', dizem os conservadores sobre a ênfase nas ações de transferência de rendas, adotada pelos governos progressistas.

O perigo desse raciocínio é que ele envolve pedaços de verdade apontados por uma parte da própria esquerda. Desses pedaços os Capriles extraem sua credibilidade para desidratar a dos adversários.


A simples transferência de renda não gera dinâmicas autônomas que possibilitem aos excluídos ocupar um espaço de inserção emancipadora para superar padrões estreitos de consumo e bem-estar.


O pulo do gato dos drones está em omitir que as reformas requeridas para esse salto são, ao mesmo tempo, fuziladas no berço pelos seus atiradores de elite.

É o caso, por exemplo, da taxação adicional sobre a riqueza, seja ela de natureza financeira ou patrimonial, assentada em latifúndios rurais e urbanos.

Os Capriles desviam o foco quando se trata de discutir essas rupturas históricos.E iluminam vitrines de acesso rápido ao repertório consumista.

Garantem: basta trocar o governante (como se troca o cartão de crédito) e limpar a corrupção da 'financiadora'.

Pronto: isso feito, no idioma dos drones, a engrenagem modernizante começa a funcionar ampliando o circuito das gôndolas no acesso ao supermercado global.


A contrapartida dos cidadãos envolve frequentemente outra ardilosa meia verdade: a emancipação social à frio, através da educação.

A ideia é que é possível anistiar o estoque de iniquidade patrimonial e superpor a ele um outro relevo histórico; e que isso se faz sentado nos bancos escolares.

Escola é crucial em qualquer etapa da vida de uma sociedade, mas o truque oculta uma contradição em termos.

Um Estado privado de recursos tributários adicionais seria incapaz de atender às obrigações correntes e, ademais, promover um efetivo salto educacional de qualidade nas periferias conflagradas.

Isso, sem falar do caixa necessário para implantar políticas de desenvolvimento que assegurem a absorção dessa nova mão-de-obra tecnificada.

Nem Chávez e tampouco Lula afetaram o estoque ou o fluxo da riqueza dos 20% mais ricos de seus respectivos países. Mesmo assim são caçados implacavelmente. 

Chávez que venceu meia dúzia de eleições e plebiscitos é repugnado como um ditador grotesco; Lula é tratado como um meliante por Serra que o acusa de 'poderoso chefão' - da quadrilha do dito 'mensalão'.

Jesse Chacon, ex-ministro das Comunicações venezuelano, um quadro qualificado do país, em recente entrevista ao jornal Valor, admite que o modelo ancorado sobretudo em políticas de transferência de renda flerta com o esgotamento. 

O diagnóstico se assemelha ao dos conservadores, mas as conclusões se bifurcam. Chacon evoca o passo seguinte da história. Chama a atenção, por exemplo, para os efeitos políticos de programas de acesso ao consumo que não alteram a lógica do consumismo capitalista.

Dá a entender que drones como Capriles levitam nessa corrente de ar que sopra permanente insatisfação material e psicológica.

Chávez desfruta de uma válvula de escape não reproduzível: a Venezuela tem as maiores reservas de petróleo pesado do mundo (230 bi de barris); o caixa da PDVSA dilata seu horizonte político apesar da ira da elite, que antes ficava com todo o resultado da empresa. Mesmo assim, há limites no bombeamento da estatal, cuja infraestrutura se ressente de investimentos pesados.

Nos demais países o poço é bem mais raso. A inércia da desigualdade não será vencida sem políticas de renda que alterem a posse do estoque da riqueza já existente. Alterar a carga fiscal é o primeiro passo; na América Latina ela não excede a média de 18% do PIB. No Brasil é quase o dobro; mas cai substancialmente se contabilizados incentivos e renúncias fiscais. Pior que isso: aqui, como na maior parte da AL, a receita disponível provém de uma base que acentua desigualdades em vez de corrigi-las. Na média regional, mais de 50% da receita do Estado é baseada em impostos indiretos, pagos de forma linear por toda população com efeito socialmente nulo ou regressivo.


O ciclo progressista da AL pode estar batendo no teto de suas ferramentas, mas está longe - muito longe - de ter esgotado a sua pertinência histórica.

Para ir além, todavia, talvez necessite renovar o instrumental com uma nova família de políticas e contrapesos.

Os drones estão chegando: independente dos resultados do dia 7, Capriles antecipa o esquadrão que aprendeu a jogar no campo do adversário.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1104

terça-feira, 28 de setembro de 2010

À NAÇÃO

Por Emir Sader

Em uma democracia nenhum poder é soberano. Soberano é o povo.
É esse povo – o povo brasileiro – que irá expressar sua vontade soberana no próximo dia 3 de outubro, elegendo seu novo Presidente e 27 Governadores, renovando toda a Câmara de Deputados, Assembléias Legislativas e dois terços do Senado Federal.
Antevendo um desastre eleitoral, setores da oposição têm buscado minimizar sua derrota, desqualificando a vitória que se anuncia dos candidatos da coalizão Para o Brasil Seguir Mudando, encabeçada por Dilma Rousseff.
Em suas manifestações ecoam as campanhas dos anos 50 contra Getúlio Vargas e os argumentos que prepararam o Golpe de 1964. Não faltam críticas ao “populismo”, aos movimentos sociais, que apresentam como “aparelhados pelo Estado”, ou à ameaça de uma “República Sindicalista”, tantas vezes repetidas em décadas passadas para justificar aventuras autoritárias.
O Presidente Lula e seu Governo beneficiam-se de ampla aprovação da sociedade brasileira. Inconformados com esse apoio, uma minoria com acesso aos meios, busca desqualificar  esse povo, apresentando-o como “ignorante”, “anestesiado” ou “comprado pelas esmolas” dos programas sociais.
Desacostumados com uma sociedade de direitos, confunde-na sempre com uma sociedade de favores e prebendas.
O manto da democracia e do Estado de Direito com o qual pretendem encobrir seu conservadorismo não é capaz de ocultar a plumagem de uma Casa Grande inconformada com a emergência da Senzala na vida social e política do país nos últimos anos. A velha e reacionária UDN reaparece “sob nova direção”. Em nome da liberdade de imprensa querem suprimir a liberdade de expressão. A imprensa pode criticar, mas não quer ser criticada. É profundamente anti-democrático – totalitário mesmo – caracterizar qualquer crítica à imprensa como uma ameaça à liberdade de imprensa.
Os meios de comunicação exerceram, nestes últimos oito anos, sua atividade sem nenhuma restrição por parte do Governo.
Mesmo quando acusaram sem provas.Ou quando enxovalharam homens e mulheres sem oferecer-lhes direito de resposta.Ou, ainda, quando invadiram a privacidade e a família do próprio Presidente da República.
A oposição está colhendo o que plantou nestes últimos anos.
Sua inconformidade com o êxito do Governo Lula, levou-a à perplexidade. Sua incapacidade de oferecer à sociedade brasileira um projeto alternativo de Nação, confinou-a no gueto de um conservadorismo ressentido e arrogante.
O Brasil passou por uma grande transformação.Retomou o crescimento. Distribuiu renda. Conseguiu combinar esses dois processos com a estabilidade macroeconômica e com a redução da vulnerabilidade externa. E – o que é mais importante – fez tudo isso com expansão da democracia e com uma presença soberana no mundo.
Ninguém nos afastará desse caminho.
Viva o povo brasileiro.

O QUE PRETENDE A MÍDIA COMERCIAL

Texto de  Frei Leonardo Boff(*)

A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma

Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o "silêncio obsequioso"pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o "Brasil Nunca Mais" onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida, me avaliza para fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como "famiglia" mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) "a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e nãocontemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)".

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascendente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidene de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de "fazedores de cabeça" do povo. Quando Lula afirmou que "a opinião pública somos nós", frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palabra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.

Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.

(*) Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.