08/05/2013 - Do livro de Elsa Bruzzone, "Las Guerras del Agua"
- Resenha e tradução de Christina Iuppen para o blog
Agradecimento
Gostaríamos de fazê-lo à socióloga Monica Bruckmann, doutora em Ciência Política e professora da UFRJ que nos cedeu o livro Las guerras del agua, de Elsa Bruzzone (ao lado) - o que nos permitiu realizar esta resenha -, livro esse que ainda não foi traduzido no Brasil e tampouco pode ser encontrado no original espanhol nas livrarias do Rio de Janeiro.
(Inscrição numa parede da cidade de Cochabamba, Bolívia)
“Proteger-se-á a Natureza da destruição que causam as guerras e outros atos de hostilidade. Evitar-se-ão as ações militares prejudiciais à Natureza”. (...)
”Os princípios enunciados na presente Carta se incorporarão segundo cabível dentro do Direito e da prática de cada Estado, e serão adotados a nível internacional”.
(Carta Mundial da Natureza)
A questão da água se coloca indissoluvelmente vinculada à sobrevivência das espécies.
Das citações de Elsa Bruzzone destacamos fragmentos da carta que o Chefe indígena Seattle (imagem abaixo) enviou ao Presidente norte-americano Franklin Pierce em 1855, em resposta a sua proposta de compra das terras da tribo Suwamish no noroeste dos Estados Unidos:
* “Sabereis que cada partícula dessa terra é sagrada para meu povo.
Cada folha resplandecente, cada praia arenosa, cada neblina no bosque escuro, cada claro e cada inseto com seu zumbido são sagrados na memória e na experiência de meu povo.
A seiva que flui nas árvores carrega a memória dos homens de ‘pele vermelha’ “ (...)
* “Sabemos que o homem branco não compreende nossa maneira de ser (...)
Trata sua mãe, a Terra, e seu irmão, o Céu, como se fossem coisas que se podem comprar, saquear e vender, como se fossem contas de vidro.
Seu apetite insaciável devorará a Terra e deixará atrás de si somente o deserto”.
Desde os primórdios da história humana registram-se guerras pelo controle da água.
Em cinqüenta anos, de 1953 até 2003, vivemos 1831 conflitos por água: 1228 foram resolvidos por acordos e tratados, mas 37 chegaram à violência e, desses, 21 não escaparam à guerra.
Bruzzone esquadrinha um panorama global altamente preocupante.
Na Europa, 41 milhões de pessoas carecem de acesso à água potável, enquanto 85 milhões não têm acesso ao saneamento básico.
A água está contaminada nesse continente, assim como nos Estados Unidos, na Ásia, nas Américas, graças ao uso de agrotóxicos, às mudanças climáticas e à exploração predatória inerente ao capitalismo.
O Mar de Aral, cuja bacia é compartilhada por 80% da população da Ásia Central, vem secando, graças à contaminação produzida pelos elementos químicos da lavagem do algodão e pelo desvio das águas dos rios que o alimentavam.
No Oriente Médio, Israel bombeia para si 85% do caudal aquífero montanhoso no território palestino, depois de haver invadido o Líbano, em 2006, para apoderar-se das águas do Rio Libani.
A Turquia enfrenta a Síria e o Iraque por seu projeto de construir represas e centrais hidrelétricas nas nascentes dos rios Tigre e Eufrates.
Na Austrália, ao utilizarem-se 80% dos cursos de água disponíveis, perderam-se as planícies de inundação e umidade, as terras e os cursos superficiais se salinizaram e contaminaram pelos agrotóxicos da agricultura de exportação.
Na África, 75% da população dependem dos recursos hídricos subterrâneos, que representam apenas 15% dos recursos renováveis. Mali, Senegal e Mauritânia vivem tensões pelas águas do Rio Senegal.
Na América Central abundam os rios, os aquíferos e a biodiversidade; mas a maioria dos centro-americanos não tem água potável, embora proliferem aí as bases norte-americanas.
O mundo amazônico é criteriosamente desvendado e historiado em capítulo especial e o Aquífero Guarani (ao lado) também se estende por todo um outro capítulo.
Igual atenção e detalhamento a autora dedica ao panorama de problemas, leis e acordos argentinos.
* “Os povos que esperam sua vida ou seu futuro de uma abstração legal ou da vontade dos demais são de antemão povos sacrificados”. (Manuel Ugarte)
Se são inumeráveis os problemas, tampouco têm faltado movimentos positivos: formam-se comissões para dirimir ou arbitrar conflitos por acesso aos recursos hídricos; formalizam-se projetos conjuntos de exploração e aproveitamento de aquíferos.
A própria ONU estabelece resoluções a respeito; em 2010 declarou a água como direito humano:
Mais do que tudo, nesse livro-referência imperdível Elsa Bruzzone (ao lado) convida a conhecer e agir.
A água potável é um bem finito, e o capitalismo exerce sobre este bem sua busca desenfreada por lucro irresponsável.
Da consciência da importância de estabelecer e seguir políticas estratégicas de governo e de militância para esta questão dependerá, portanto, o futuro da humanidade e do planeta como o conhecemos.
* “Quando um império proclama a paz, traz a guerra; quando exalta a solidariedade, esconde um ataque; quando proclama adesão, trama entrega; e quando oferece amizade, distribui hipocrisia”. (Gustavo Cirigliano)
Este artigo vem a propósito das declarações de Peter Brabeck-Letmathe (ao lado), ninguém mais do que o presidente mundial da megacorporação Nestlé, feitas em 21 de abril passado, onde defende que as águas do mundo devem ser privatizadas.
"Unas palabras las suyas que provocan cierto estupor, máxime si se tiene en cuenta que Nestlé es el líder mundial en la venta de agua embotellada", escreveu o repórter.
Por certo ele puxa a brasa para sua sardinha, temperada com as conhecidas ambições capitalistas de transformar o que é natural em mercadoria.
Isso vale tanto para as disputas que, no sistema capitalista, a posse das terras despertariam e que a lucidez do Chefe indígena Seattle (ao lado) anteviu, como agora, passados quase dois séculos, para o domínio das águas, da biodiversidade e, no futuro, provavelmente, para o do ar que se respira.
O texto completo de tal absurdo por ele sugerido - e que encontra adeptos entre a maioria dos executivos de megacorporações (Coca-Cola, Vivendi, PepsiCo, Bechtel, Suez, etc), todas elas, de alguma forma interessadas em ter sob suas mãos um ativo ambiental dessa magnitude, como a água, bem como das lideranças políticas de nações hegemônicas, como o Canadá, o Reino Unido e, sem dúvidas, os EUA em conjunto com a União Europeia, encontra-se divulgado em espanhol no link «El agua no es un derecho; debería tener un valor de mercado y ser privatizada», numa reportagem de Jose Perea, para o site Abadia Digital.
Louve-se, contudo, o apelo-denúncia da ONU pedindo aos países que não retrocedam e respeitem a Resolução da entidade relativa ao Direito Humano à Água, por ela consagrado. Tal chamamento foi feito antes da Rio+20, ocorrido em 2012, e seu texto original encontra-se aqui.
Nesse elenco de iniciativas alvissareiras não podemos deixar de registrar a reportagem que Marcela Valente fez para o InterPress Service e que o site Envolverde publicou sob o título: "O Renascimento da Bacia do Prata". Em 21/11/2011 o reproduzimos.
Seguindo o mesmo diapasão, dois outros trabalhos, por sua inestimável pertinência ao tema, merecem destaque aqui:
"A Luta pelo Direito à Água na Rio+20", da jornalista Zilda Ferreira, publicado em julho/2012, portanto, logo após esse evento, e o conjunto de cinco textos do geógrafo Carlos Walter Gonçalves, doutor em Ciências pela UFRJ e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF, com destaque para sua "Parte 5 - A Guerra da Água".
Boas leituras!
Não deixe de ler:
- A carta do chefe indígena Seattle - texto completo
- A água: recurso estratégico do século XXI - entrevista de Elsa Bruzzone, para Marcelo Montoya