Mostrando postagens com marcador Christina Iuppen. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Christina Iuppen. Mostrar todas as postagens

sábado, 8 de março de 2014

Domitila, uma mulher das minas bolivianas

08/03/2014 - Domitila: 'Se me deixam falar...', o livro, 25 anos depois
- Testemunho de uma mulher das minas bolivianas
- para a professora Moema Viezzer
- Resenha do livro por Christina Iuppen (*) - Rio, março de 2014

Há quase quatro décadas, o mundo se assombrou com uma figura inusitada.

Saindo das minas fumegantes da Bolívia, Domitila Barrios de Chungara sobe à Tribuna Internacional da Mulher, organizada pelas Nações Unidas no Ano Internacional da Mulher (1975), e dali profere o seu 'Se me deixam falar...', que se tornaria um clássico da literatura de resistência latino-americana dos anos 70-80.

Não estava só.

Levava consigo a herança de Juana Azurduy, Manuela Sáenz, Policarpa Salavarrieta, Leona Vicario, Josefa Ortiz, Joana Mora de López, Maria Cornelia Olivares, Simona Manzaneda, Anita Garibaldi, Bárbara de Alencar e tantas outras heroínas nossas, insuspeita inspiração. 

Não falava por si.

O que eu falei foi somente o que ouvi de meu povo desde o berço (...).

que de melhor aprendi foi dado pelo povo’.

E Domitila falou.

Contou da exploração voraz sobre os mineiros, operários, camponeses.

Da luta interminável das mulheres bolivianas pela sobrevivência, pela dignidade.

Das condições de semi-escravidão em que viviam os trabalhadores bolivianos. 

De seu co-protagonismo com a resistência popular.

Apontou as guerras múltiplas, desde o Chaco, impulsionadas pelas grandes empresas internacionais, nas quais só o povo sempre perdeu.

Priorizou as muitas batalhas político-ideológicas dos trabalhadores contra o capitalismo explorador sobre os combates meramente sexistas que animavam a burguesia de então.

Mostrou sua frustração com os governos pseudo-populares e sua incapacidade crônica de atender as necessidades de mudança para o povo. 

Mostrou ao mundo que a consciência política se forja no seio da própria luta.

E sonhou com o futuro:No futuro, nosso governo terá que ser da nossa origem, terá que ser operário, terá que ser camponês’.

A boliviana baixinha, gordota e determinada assumiu, desde então, um papel de ponta nos caminhos da militância feminina latino-americana.

Colhida por outro dos tantos golpes na Bolívia enquanto ainda nas Nações Unidas, foi obrigada ao exílio com toda a família – marido e sete filhos – na Suécia. 

Nada a deteve.

Do antigo Comitê de Donas de Casa da Siglo XX-Catavi, onde começou sua militância, até a atual Escola Móvel Domitila, onde trabalha na conscientização de jovens e edita o boletim Imilla (**), passando por incontáveis oficinas, palestras e conferências mundo afora, Domitila segue na Bolívia, aos 75 anos, (***) denunciando e combatendo o multifacético imperialismo norte-americano, ‘trazendo a visão de uma política que vem das mulheres, mas que é para toda a humanidade’.

Domitila Barrios de Chungara faz de sua trajetória de vida um exemplo e um alento para todas as mulheres, militantes e consciências livres de Nossa América.

(*) Christina Iuppen atualmente é tradutora, professora de literatura e, por muitos anos, militante da resistência de esquerda latino-americana. 
(**) Palavra quéchua que significa mulher jovem, garota solteira.
(***) Domitila faleceu nesse mesmo ano, em 2012.

Mais uma palavra:
Não é possível ler ou lembrar de 'Se me deixam falar...' sem trazer à memória a Professora Moema Viezzer [1], [foto] uma gaúcha de Caxias, socióloga, educadora e pesquisadora social, formuladora e militante em Educação de Gênero e Meio Ambiente, com contribuições incontáveis à questão consequente da mulher.  

Graças à visão política, combatividade, coragem e perseverança de Moema, as intervenções e lições de Domitila se registram e perpetuam para gerações de mulheres por todo o planeta.

  
Gerações que hoje, especialmente, a saúdam, aplaudem e agradecem.

[1] Moema Viezzer [foto] revolucionou a pesquisa social com seu livro 'Se me deixam falar...' fiel à vida do personagem Domitila Barrios de Chungara, mas contextualizado à historia do continente.

Leituras afins:
- O tratado de educação ambiental na Rio+20 - Zilda Ferreira
- Moema Viezzer faz balanço da RIO+20 - Zilda Ferreira

quinta-feira, 9 de maio de 2013

As Guerras da Água - de um livro de Elsa Bruzzone

08/05/2013 - Do livro de Elsa Bruzzone, "Las Guerras del Agua"
- Resenha e tradução de Christina Iuppen para o blog

Agradecimento
Gostaríamos de fazê-lo à socióloga Monica  Bruckmann, doutora em Ciência Política e professora da UFRJ que nos cedeu o livro Las guerras del agua, de Elsa Bruzzone (ao lado) - o que nos permitiu realizar esta resenha -, livro esse que ainda não foi traduzido no Brasil e tampouco pode ser encontrado no original espanhol nas livrarias do Rio de Janeiro.

"Bebo água, logo existo, então voto"
(Inscrição numa parede da cidade de Cochabamba, Bolívia)

“Proteger-se-á a Natureza da destruição que causam as guerras e outros atos de hostilidade. Evitar-se-ão as ações militares prejudiciais à Natureza”. (...)


”Os princípios enunciados na presente Carta se incorporarão segundo cabível dentro do Direito e da prática de cada Estado, e serão adotados a nível internacional”.
(Carta Mundial da Natureza)

A questão da água se coloca indissoluvelmente vinculada à sobrevivência das espécies.

Das citações de Elsa Bruzzone destacamos fragmentos da carta que o Chefe indígena Seattle (imagem abaixo) enviou ao Presidente norte-americano Franklin Pierce em 1855, em resposta a sua proposta de compra das terras da tribo Suwamish no noroeste dos Estados Unidos:

*     “Sabereis que cada partícula dessa terra é sagrada para meu povo. 

Cada folha resplandecente, cada praia arenosa, cada neblina no bosque escuro, cada claro e cada inseto com seu zumbido são sagrados na memória e na experiência de meu povo.

A seiva que flui nas árvores carrega a memória dos homens de ‘pele vermelha’ “ (...)

*     “Sabemos que o homem branco não compreende nossa maneira de ser (...)

Trata sua mãe, a Terra, e seu irmão, o Céu, como se fossem coisas que se podem comprar, saquear e vender, como se fossem contas de vidro.

Seu apetite insaciável devorará a Terra e deixará atrás de si somente o deserto”.

Ao longo das intensas 203 páginas de Las guerras del água, a professora Elsa Bruzzone (acima) traça de maneira ímpar uma radiografia dessa questão em todas as regiões do planeta, denuncia as privatizações, e ainda apresenta, historia, documenta, analisa e defende as incontáveis leis, acordos, tratados, projetos, protocolos e convenções estabelecidos por governos e organismos internacionais para regulamentar o uso dos recursos hídricos.

Desde os primórdios da história humana registram-se guerras pelo controle da água.

Em cinqüenta anos, de 1953 até 2003, vivemos 1831 conflitos por água: 1228 foram resolvidos por acordos e tratados, mas 37 chegaram à violência e, desses, 21 não escaparam à guerra.

Bruzzone esquadrinha um panorama global altamente preocupante.

Na Europa, 41 milhões de pessoas carecem de acesso à água potável, enquanto 85 milhões não têm acesso ao saneamento básico.

A água está contaminada nesse continente, assim como nos Estados Unidos, na Ásia, nas Américas, graças ao uso de agrotóxicos, às mudanças climáticas e à exploração predatória inerente ao capitalismo.

O Mar de Aral, cuja bacia é compartilhada por 80% da população da Ásia Central, vem secando, graças à contaminação produzida pelos elementos químicos da lavagem do algodão  e pelo desvio das águas dos rios que o alimentavam.

No Oriente Médio, Israel bombeia para si 85% do caudal aquífero montanhoso no território palestino, depois de haver invadido o Líbano, em 2006, para apoderar-se das águas do Rio Libani.

A Turquia enfrenta a Síria e o Iraque por seu projeto de construir represas e centrais hidrelétricas nas nascentes dos rios Tigre e Eufrates.

Na Austrália, ao utilizarem-se 80% dos cursos de água disponíveis, perderam-se as planícies de inundação e umidade, as terras e os cursos superficiais se salinizaram e contaminaram pelos agrotóxicos da agricultura de exportação.

Na África, 75% da população dependem dos recursos hídricos subterrâneos, que representam apenas 15% dos recursos renováveis. Mali, Senegal e Mauritânia vivem tensões pelas águas do Rio Senegal.

Na América Central abundam os rios, os aquíferos e a biodiversidade; mas a maioria dos centro-americanos não tem água potável, embora proliferem aí as bases norte-americanas.

O mundo amazônico é criteriosamente desvendado e historiado em capítulo especial e o Aquífero Guarani (ao lado) também se estende por todo um outro capítulo.

Igual atenção e detalhamento a autora dedica ao panorama de problemas, leis e acordos argentinos.

*     “Os povos que esperam sua vida ou seu futuro de uma abstração legal ou da vontade dos demais são de antemão povos sacrificados”. (Manuel Ugarte)

Se são inumeráveis os problemas, tampouco têm faltado movimentos positivos: formam-se comissões para dirimir ou arbitrar conflitos por acesso aos recursos hídricos; formalizam-se projetos conjuntos de exploração e aproveitamento de aquíferos.

A própria ONU estabelece resoluções a respeito; em 2010 declarou a água como direito humano:

"A água não é uma mercadoria. Aceder a ela é um direito humano fundamental, ligado à saúde e à vida. É um bem social, inalienável, que deve ser objeto de políticas de serviço público.

O Estado deve garantir prioritariamente o acesso de toda a população ao recurso hídrico; uma vez cumprida essa meta, deve assegurar a água necessária para a agricultura, a agropecuária e por último para a indústria.

A água, em suma, é patrimônio dos povos e países onde o recurso se encontra".

Mais do que tudo, nesse livro-referência imperdível Elsa Bruzzone (ao lado) convida a conhecer e agir.

A água potável é um bem finito, e o capitalismo exerce sobre este bem sua busca desenfreada por lucro irresponsável.

Da consciência da importância de estabelecer e seguir políticas estratégicas de governo e de militância para esta questão dependerá, portanto, o futuro da humanidade e do planeta como o conhecemos.

*     “Quando um império proclama a paz, traz a guerra; quando exalta a solidariedade, esconde um ataque; quando proclama adesão, trama entrega; e quando oferece amizade, distribui hipocrisia”. (Gustavo Cirigliano)

Este artigo vem a propósito das declarações de Peter Brabeck-Letmathe (ao lado), ninguém mais do que o presidente mundial da megacorporação Nestlé, feitas em 21 de abril passado, onde defende que as águas do mundo devem ser privatizadas.

"Unas palabras las suyas que provocan cierto estupor, máxime si se tiene en cuenta que Nestlé es el líder mundial en la venta de agua embotellada", escreveu o repórter.

Por certo ele puxa a brasa para sua sardinha, temperada com as conhecidas ambições capitalistas de transformar o que é natural em mercadoria.

Isso vale tanto para as disputas que, no sistema capitalista, a posse das terras despertariam e que a lucidez do Chefe indígena Seattle (ao lado) anteviu, como agora, passados quase dois séculos, para o domínio das águas, da biodiversidade e, no futuro, provavelmente, para o do ar que se respira.

O texto completo de tal absurdo por ele sugerido - e que encontra adeptos entre a maioria dos executivos de megacorporações (Coca-Cola, Vivendi, PepsiCo, Bechtel, Suez, etc), todas elas, de alguma forma interessadas em ter sob suas mãos um ativo ambiental dessa magnitude, como a água, bem como das lideranças políticas de nações hegemônicas, como o Canadá, o Reino Unido e, sem dúvidas, os EUA em conjunto com a União Europeia, encontra-se divulgado em espanhol no link «El agua no es un derecho; debería tener un valor de mercado y ser privatizada», numa reportagem de Jose Perea, para o site Abadia Digital.

Louve-se, contudo, o apelo-denúncia da ONU pedindo aos países que não retrocedam e respeitem a Resolução da entidade relativa ao Direito Humano à Água, por ela consagrado. Tal chamamento foi feito antes da Rio+20, ocorrido em 2012, e seu texto original encontra-se aqui.

Nesse elenco de iniciativas alvissareiras não podemos deixar de registrar a reportagem que Marcela Valente fez para o InterPress Service e que o site Envolverde publicou sob o título: "O Renascimento da Bacia do Prata". Em 21/11/2011 o reproduzimos.

Seguindo o mesmo diapasão, dois outros trabalhos, por sua inestimável pertinência ao tema, merecem destaque aqui:

"A Luta pelo Direito à Água na Rio+20", da jornalista Zilda Ferreira, publicado em julho/2012, portanto, logo após esse evento, e o conjunto de cinco textos do geógrafo Carlos Walter Gonçalves, doutor em Ciências pela UFRJ e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF, com destaque para sua "Parte 5 - A Guerra da Água".

Boas leituras!

Não deixe de ler:
- A carta do chefe indígena Seattle - texto completo
A água: recurso estratégico do século XXI - entrevista de Elsa Bruzzone, para Marcelo Montoya

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A água: recurso estratégico do século XXI

"Informe

A publicação desta entrevista com a Professora Elsa Bruzzone, (foto) uma argentina especialista na questão dos recursos hídricos, provocou grande interesse. Nós próprios, do Educom, procuramos a professora para ler sua obra Las guerras del agua - América del Sur en la mira de las grandes potencias, ainda não traduzida para o Português, cuja resenha publicaremos amanhã.

Ao longo da entrevista, e do livro, em especial, a autora joga luz sobre a importância de termos e mantermos governos progressistas e soberanos nesta - e em qualquer outra - região do planeta, no sentido de barrar as pretensões privatistas e predatórias do capitalismo.

Refere também aqui, de alguma forma, o que significou a 'explosão' da base de Alcântara, no Maranhão, que provocou a morte de dezenas de trabalhadores brasileiros. E finalmente varre todas as dúvidas quanto a nossa responsabilidade capital de defender a água como um bem coletivo e um direito humano inalienável".
(Christina Iuppen, do blog Educom)

*************

29/07/2012 – Bitácora Dinámica entrevista Elsa Bruzzone
- Por Marcelo Montoya, Para Revista P.
- Tradução de Christina Iuppen para o blog Educom - maio de 2013

Somente 2,5% da água no planeta é doce, e este percentual já foi afetado em cerca de 20% graças às mudanças de clima”, assinala Elsa Bruzzone, especialista em geopolítica, estratégia e defesa, que assessora ad-honorem o Congresso Nacional Argentino.

Ela afirma em seu livro Las guerras del agua: América del Sur en la mira de las grandes potencias que a escassez e a importância da água – imprescindível para a subsistência, diferentemente do petróleo – a convertem no recurso estratégico do século XXI, e destaca que “desde 1953 até 2003 o mundo assistiu a 1831 conflitos por esse recurso: 37 tiveram caráter violento e 21 foram realmente guerras”.

MM: Qual é a situação da Argentina frente à problemática de escassez desse bem no mundo?
EB: Temos água mais do que suficiente, mas se encontra distribuída de forma desigual, dada a grande diversidade de climas, relevos e padrões de drenagem.

A Bacia do Prata, no noroeste do país, representa uma provisão muito abundante de água, pela presença de seus rios. Debaixo deles encontra-se o Aquífero Guarani (compartilhado com Brasil, Paraguai e Uruguai), que é o quarto maior reservatório no mundo em volume e o primeiro em capacidade de recarga. Em troca, nas zonas de Centro e Cuyo há escassez, assim como no planalto patagônico.

MM: Por que a ONU reconheceu pela primeira vez em 2010 (resolução 64/292) a água como um direito humano?
EB: Até finais da década de 1980 tinha-se como certo que a água era um direito humano. Nos anos 90, as corporações transnacionais, em mãos dos países centrais e dos organismos econômicos financeiros internacionais começam a assumir que a água não é um bem comum, senão uma mercadoria sujeita às leis de oferta e procura do mercado, à qual se tem acesso se se tem dinheiro.

Frente a esta ofensiva, a resistência por parte de milhões de seres humanos teve como resultado a Observação Geral nº 15 do ano de 2002 das Nações Unidas, onde se reconhece que a água deve ser objeto de políticas de serviço público e se determina que o Estado é quem deve garantir a prestação desse serviço.

Em 2010 aprovou-se essa resolução (64/292) que reconhece a água e o saneamento como direitos humanos ligados à saúde e à vida.

MM: A Amazônia é a maior reserva de biodiversidade e riqueza genética do mundo e além disto possui 20% da água doce do planeta. Você já detalhou em seu livro como, ao longo da História (desde princípios do século XIX) os Estados Unidos tentam apoderar-se desse território. Continuam com essa intenção?
EB: Sim, os EUA têm tentado estabelecer presença militar na zona e obrigado o Brasil a instrumentar sua estratégia na região.

Dentro de 5 anos completar-se-ão 200 anos da primeira reivindicação de soberania feita pelos EUA para a Amazônia, quando, através de distintos planos tentou instaurar uma base em São Pedro de Alcântara, perto (sic) de Manaus e em pleno coração desta reserva de biodiversidade.

No ano de 2003 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não renovou a concessão e os EUA tiveram que se retirar, não sem antes provocar a explosão da base, que causou a morte de 23 técnicos e operários brasileiros, além da destruição de um protótipo de lançador de satélite, propriedade do país sul-americano.

MM: Até que ponto representa um risco para a soberania de um país que uma área de seu território, rica em recursos naturais como a água, seja declarada Patrimônio da Humanidade?

EB: Patrimônio da Humanidade nasceu com muito boas intenções na década de 1970, para preservar zonas naturais que tem a ver com ambiente sadio, bem-estar e desenvolvimento humano. Mas, com o correr dos anos, essas boas intenções se desvirtuaram.

Na prática, no caso de zonas com recursos naturais, significa renúncia à soberania. Isto é aproveitado pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, as corporações transnacionais e os países centrais para intervir com plena liberdade.

MM: Em fins de março deste ano surgiu uma notícia que mencionava a presença do Comando Sul do Exército dos EEUU na província do Chaco, sobre o Aquífero Guarani. Centro de ajuda humanitária ou base de controle e monitoramento?
EB: Disfarçam-se de centro de operações de emergência, mas no fundo são bases de controle e monitoramento. Encontram-se geralmente nas proximidades dos aeroportos internacionais para que, chegado o momento, permitam a aterrissagem de aviões militares de grande porte.

Nos últimos anos, os EUA têm exercido pressão sobre os governos argentinos para a instalação de uma base militar como existem em outras partes do continente. Já o haviam tentado em San Ignacio, sudoeste da província de Misiones. Esta zona representa uma área estratégica por ser um ponto importante de recarga do Aquífero Guarani.

Como não o conseguiram, tentaram então penetrar por meio do governador Jorge Capitanich na província do Chaco. De acordo com informações das autoridades de Defesa e da Chancelaria, isto não surtiu efeito.

MM: Na Argentina se sabe dos recursos hídricos superficiais, mas se desconhece a magnitude e quantidade dos aquíferos. Que dificuldades apresenta o estudo das águas subterrâneas?
EB: Na Argentina contamos com profissionais capacitados, as tecnologias existem e os recursos técnicos podem ser conseguidos; portanto, o que falta de fato é a decisão e vontade política de levar diante os estudos e as explorações.

Os informes GEO, elaborados pelo Ministério de Saúde e Ambiente nos anos de 2003 e 2006 dão conta de que há décadas se realizam no país explorações de reservatórios subterrâneos. De repente, assistimos no país descobrimentos que não são feitos pelo Estado nacional ou provincial, mas por particulares.

O último foi da mineradora canadense Pan American Silver, que pretende explorar a jazida Navidad sobre terras de comunidade assentadas em pleno planalto chubutense. Trata-se de um reservatório localizado por baixo da mina que se estende muito além da jazida.

De acordo com os estudos realizados, possui águas de excelentíssima qualidade e permitiria abastecer uma população de até 3 milhões de pessoas. Isto fala do desenvolvimento que se poderia realizar na região a partir da água, sem necessidade de ter uma exploração de minérios a céu aberto da magnitude de Navidad.

MM: Hoje não existe no país uma lei nacional que declare a água potável de superfície e subterrânea patrimônio natural e recurso estratégico da nação e das províncias.
EB: Isto deve ser uma falta de vontade e decisão política. Tanto a conjuntura como a resolução dos problemas de curto prazo faz com que esses assuntos fiquem por tratar. Se bem que haja vários projetos no Congresso, as urgências parecem ser outras.

MM: A que se deveria apontar?
EB: A cobrir a falta de gestão integrada de planificação, exploração e desenvolvimento dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos do país.

Deve-se desenvolver uma verdadeira política hídrica que traga soluções para as secas, as inundações e a falta de acesso à água.

Temos um Conselho Hídrico Federal que não está funcionando como deveria. À falta de uma visão global, tomam-se somente resoluções parciais.

Além disto, é preocupante que não se faça uso do Aquífero Guarani para solucionar os problemas da população. O Brasil o faz desde 1930, e não somente como provisão de água como também para o desenvolvimento agrícola, agropecuário e industrial, em uma gestão integrada com os recursos superficiais. Falta-nos essa visão.

MM: Em 22 de abril de 1997 subscreveu-se a Ata de Paysandú, pela qual os governos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai se comprometiam a criar mecanismos de coordenação para a investigação, utilização e preservação do Aquífero Guarani, no marco de uma gestão sustentável e equitativa. Por que esse projeto foi entregue ao Banco Mundial e quais foram as conseqüências dessa decisão?
EB: Quando as universidades dos quatro países informaram aos seus respectivos governos que necessitavam de 6 milhões de dólares para levar adiante o estudo completo do aqüífero, a resposta foi que não havia dinheiro para isso.

Foi quando entrou o Banco Mundial e se encarregou do projeto, alegando que as universidades se haviam equivocado e que o projeto ascendia a 26.760.000 dólares.

Foi uma dura batalha para as organizações sociais brasileiras, paraguaias, uruguaias e argentinas. O Banco Mundial quis declarar o Aquífero Guarani como Patrimônio da Humanidade, com tudo o que isso significa.

Como suas águas são ricas em minerais, tentou que as explorações caíssem sob os códigos de mineração de nossos países para poder comercializar a água.

O Banco Mundial fez todo o possível para ficar, mas dada a crise econômica e financeira internacional de fins de 2008, acrescida da resistência popular, decidiu retirar-se em 30 de janeiro de 2009, levando um DNA completo do aquífero e deixando-nos somente informação parcial.

MM: Qual a sua opinião sobre as ações levadas a cabo pelo empresário estadunidense Douglas Tompkins (foto) nos estuários do Iberá, em Corrientes?
EB: Sobre os estuários do Iberá existiu um projeto do Banco Mundial que tomou Tompkins e sua fundação como testas-de-ferro, pelo que receberia 7 milhões de dólares para comprar a totalidade dos estuários (1.290.000 hectares). Mas  esse plano não avançou.

Tompkins fez coisas terríveis na província: há denúncias de queima de colheitas, roubo de gado, corrida de cercas, sequestros e até se fala de morte em mãos de seus guardas pretorianos.

Pelas minhas investigações, Tompkins é testa-de-ferro do Banco Mundial e está ligado ao Departamento de Estado dos Estados Unidos.

MM: De que trata o projeto de canalização e navegação do Rio Bermejo y Pilcomayo e quais seriam os benefícios de sua implementação?
EB: Domingo Sarmiento já falava sobre os benefícios da canalização e navegação do Río Bermejo y Pilcomayo em 1869. O projeto permitiria radicar indústrias, além de retirar a produção do norte e noroeste do país através dos rios, um transporte muito mais econômico que o rodoviário, e que não contamina.

O Bermejo é um rio de montanha que nasce na Bolívia e, por ser torrencial, costuma produzir inundações realmente catastróficas.

A construção de represas no território boliviano (para o que há vontade do governo local) representaria uma solução para essa problemática, e ainda permitiria gerar hidroeletricidade.

A  proposta é fazer um braço que atravesse Salta, chegando até Santa Fé, e outro que vá para o lado de Formosa. O rio seria canalizado em pequenos lagos não-profundos e seria tornado navegável.

Os canais permitiriam recuperar 11 milhões de hectares para produzir alimento, já que as terras são verdadeiramente abundantes e só necessitam de água.

É um plano de grande escala e de longo prazo, mas valeria a pena, já que poderia abastecer até 92 milhões de pessoas.

Fonte:
http://marcelomontoya.wordpress.com/2012/07/29/entrevista-3/

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ser chavista implica uma relação de amor com um líder político que não nos traiu

01/01/2013 - Elías Jaua Milano - VTV (Venezolana de Televisión)
Extraído de Midiacrucis Blog
Tradução Christina Iuppen

O ex-vice-presidente executivo, Elias Jaua Milano, escreveu que o chavismo se converteu em uma das maiores forças políticas e sociais de esquerda no mundo.

Dirigente do Partido Socialista Unido de Venezuela, Elías Jaua Milano, com o
Presidente da República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez(Foto Archivo)


A corrente militar-popular bolivariana, que começou a se constituir como força política sob a liderança do Comandante Hugo Chávez, teve sua origem mais imediata nas rebeliões populares de 1989 e 1992, respectivamente.

Contudo, a arquitetura do Movimento Bolivariano 200 (MBR 200) nas ruas começou a ser executada a partir de 1994, quando Hugo Chávez sai da prisão e inicia uma peregrinação social e política por todo o país.

Entre 1994 e 1998, o Comandante Chávez consegue unir estudantes, profissionais liberais, pequenos e médios empresários, camponeses, agricultores, pescadores, mineiros, indígenas, operários, mulheres, jovens, militares, dirigentes locais e a quase totalidade das direções da esquerda venezuelana, sob as bandeiras do resgate do pensamento bolivariano e das convocatória de uma Assembleia Constituinte para refundar o Estado, recuperar a soberania popular e nacional, assim como transformar a estrutura de exclusão social das grandes maiorias.

De modo oportunista, inclusive, setores da burguesia apoiam a insurgente força política bolivariana.

É assim que, em 6 de dezembro de 1998, o Comandante Chávez é eleito Presidente, ativando-se o processo constituinte que viria a permitir a eleição da Assembleia Nacional Constituinte e a posterior aprovação popular da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, fato inédito em nossa História.

No bojo do processo constituinte, o Presidente da República, Hugo Chávez, começa a dar passos audaciosos tais como o emprego massivo das Forças Armadas em tarefas de proteção social e desenvolvimento nacional; vai às ruas para entrar em contato com os setores  mais humildes e excluídos; interpela os donos dos grandes meios de comunicação privados e dá uma utilização revolucionária aos meios de comunicação públicos; desenvolve uma corajosa política internacional ao estabelecer pontes com Cuba, China, Iraque, Irã, e impulsiona um processo de recuperação do peso político da OPEP, entre outros desafios aos poderes políticos estabelecidos.

Todas essas medidas vão configurando uma nova prática política sustentada, no exercício pleno da soberania nacional e da independência do Governo da República de qualquer fator de poder interno ou externo; a reivindicação do protagonismo político do povo; a inclusão social como direito humano, assim como a desmistificação dos poderes fáticos.

Em 2000, depois do processo de refundação dos poderes públicos ordenados pela nova Constituição, aprovada em 1999, o Presidente Chávez solicita à nova Assembleia Nacional que o habilite, mecanismo constitucional, para legislar em matéria social e econômica.

Este processo de elaboração e aprovação de leis por parte do Executivo, que buscava cumprir o mandato constitucional de transformar a institucionalidade, o regime econômico e o papel do Estado na economia, somado a uma crescente tensão internacional com os Estados Unidos, Colômbia e Espanha, na defesa da nossa soberania e da paz mundial, levariam a uma confrontação com as elites dominantes que desembocaria nos acontecimentos de 2002.

Este breve relato histórico pretende apenas contextualizar o momento em que aparece o termo ‘chavista’, para identificar a corrente popular bolivariana que se havia insurgido em fins dos anos 80 e princípios dos 90 do século XX.

Até o ano 2000, as forças políticas lideradas pelo Presidente Chávez nos identificávamos como ‘os bolivarianos e as bolivarianas’; poucos compatriotas se definiam como ‘chavistas’.

No momento em que as elites dominantes decidiram pôr fim ao ensaio revolucionário, usaram toda a artilharia de ódio contra o povo pobre que seguia o Comandante Chávez. É assim que, à ampla e histórica lista de adjetivos para criminalizar o povo (chusma, hordas, bandoleiros, ‘niches’, ‘tierruos’, malandros etc.), somaram-se novos epítetos: ‘chavista’ no individual e, coletivamente, ‘hordas chavistas’ ou ‘círculos do terror’.

Era na realidade uma tentativa de despojar-nos de nossa identidade como bolivarianos, um último esforço para preservar o termo ‘bolivariano’ nos arquivos mofados das academias de História. Mas não apenas não nos puderam arrebatar o nome sentido de ‘filhos de Bolívar’, como assumimos o de ‘chavistas’ e o ressignificamos com dignidade.

Lembro de uma marcha onde vi, pela primeira vez, a expressão ‘sou chavista, e daí?’ em um pedaço de cartolina levantada por uma mulher do povo. Foi então que nos fizemos chavistas, que a princípio significava somente ser seguidores e defensores de Hugo Chávez. E como bolivarianos e chavistas conquistamos as vitórias contra o golpe, as paralisações fascistas de 2002, as guarimbas (*) de 2003 e ratificamos nosso Presidente em 2004.

Após consolidar as vitórias populares de 2002, 2003 e 2004, reivindicamos nossa identidade chavista. Lembro de que, nessa época, o Comandante começou a questionar o termo, porque considerava que dava margem a uma corrente personalista contrária aos princípios revolucionários; mais adiante, porém, deu-se conta de que ser chavista transcendia a seu sobrenome.



Ser chavista implica uma conexão de amor com um líder político que não nos traiu; significa a reivindicação como povo herdeiro de um passado heroico que nos pertence e se tem feito presente e futuro; é assumir que ninguém é mais do que ninguém, que todos temos direitos a todos os direitos; é sentir na alma um amor profundo por nossa Pátria e nos sentirmos profundamente orgulhosos de ser venezuelanos, venezuelanas, latino-americanos e latino-americanas.







Ser chavista é saber que o poder nos pertence como povo, e não aos ricaços; é nos sentirmos respeitados em nossa diversidade cultural e social. 


Ser chavista é ser consciente de que a renda nacional é para todos e todas; é ter a solidariedade humana como valor supremo.
Ser chavista é nos sentirmos parte de uma força ética para a vida, para a emancipação dos povos, para a união sul-americana, para o que é grande e para o belo, como nos ensinou nosso Pai Simón Bolívar.
Ser chavista é ser irreverente ante o poder da dominação. Ser chavista é pensar e fazer a partir da esquerda.

É assim que do bolivarianismo nasce o chavismo, que é profundamente cristão e logo se fez socialista, porque não há outra maneira de professar, genuinamente, os mais altos valores humanos.

Hoje, o chavismo é uma das forças políticas e sociais de esquerda maiores e de mais impacto no mundo e se converteu numa referência para ‘os pobres desta terra’.

Hoje, o chavismo é Hugo Chávez e Hugo Chávez é o chavismo.

Tão grande é o impacto desta nova cultura política que a direita venezuelana e de outros países tem tentado apropriar-se, sem êxito, dos códigos e valores do chavismo. Eles não compreendem que não há chavismo sem o pensamento e a paixão de Chávez pelo povo, que não há chavismo sem povo livre, que não há chavismo sem opção preferencial pelos pobres, que não há chavismo sem socialismo de verdade.

Por isto e por muito mais, somos orgulhosamente chavistas, socialistas e bolivarianos.

SOMOS O CHAVISMO, UMA FORÇA ALEGRE E REVOLUCIONÁRIA PARA A LIBERTAÇÃO.

Feliz Ano Novo de 2013, ano de grandes desafios para a Venezuela, ano do bicentenário da proclamação como Libertador da Venezuela de nosso Pai Simón Bolívar!

Viveremos e venceremos!!!

(*) Guarimbas foi como se chamaram os protestos de estudantes oposicionistas, que denunciavam supostas fraudes, após as eleições. (N. da T.)

Fonte:
VTV (Venezolana de Televisión)
http://www.vtv.gob.ve/articulos/2012/12/30/elias-jaua-milano-ser-chavista-implica-una-conexion-amorosa-con-un-lider-politico-que-no-nos-ha-traicionado-351.html

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Leia também: Por que Chávez é tão odiado, artigo de Owen Jones
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/?p=20437