A publicação desta entrevista com a Professora Elsa Bruzzone, (foto) uma argentina especialista na questão dos recursos hídricos, provocou grande interesse. Nós próprios, do Educom, procuramos a professora para ler sua obra Las guerras del agua - América del Sur en la mira de las grandes potencias, ainda não traduzida para o Português, cuja resenha publicaremos amanhã.
Ao longo da entrevista, e do livro, em especial, a autora joga luz sobre a importância de termos e mantermos governos progressistas e soberanos nesta - e em qualquer outra - região do planeta, no sentido de barrar as pretensões privatistas e predatórias do capitalismo.
Refere também aqui, de alguma forma, o que significou a 'explosão' da base de Alcântara, no Maranhão, que provocou a morte de dezenas de trabalhadores brasileiros. E finalmente varre todas as dúvidas quanto a nossa responsabilidade capital de defender a água como um bem coletivo e um direito humano inalienável".
(Christina Iuppen, do blog Educom)
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29/07/2012 – Bitácora Dinámica entrevista Elsa Bruzzone
- Por Marcelo Montoya, Para Revista P.
- Tradução de Christina Iuppen para o blog Educom - maio de 2013
“Somente 2,5% da água no planeta é doce, e este percentual já foi afetado em cerca de 20% graças às mudanças de clima”, assinala Elsa Bruzzone, especialista em geopolítica, estratégia e defesa, que assessora ad-honorem o Congresso Nacional Argentino.
Ela afirma em seu livro
Las guerras del agua: América del Sur en la mira de las grandes potencias que a escassez e a importância da água – imprescindível para a subsistência, diferentemente do petróleo – a convertem no recurso estratégico do
século XXI, e destaca que “
desde 1953 até 2003 o mundo assistiu a 1831 conflitos por esse recurso: 37 tiveram caráter violento e 21 foram realmente guerras”.
MM: Qual é a situação da
Argentina frente à problemática de escassez desse bem no mundo?
EB: Temos água mais do que suficiente, mas se encontra distribuída de forma desigual, dada a grande diversidade de climas, relevos e padrões de drenagem.
A
Bacia do Prata, no noroeste do país, representa uma provisão muito abundante de água, pela presença de seus rios. Debaixo deles encontra-se o
Aquífero Guarani (compartilhado com
Brasil, Paraguai e
Uruguai), que é o quarto maior reservatório no mundo em volume e o primeiro em capacidade de recarga. Em troca, nas zonas de
Centro e
Cuyo há escassez, assim como no
planalto patagônico.
MM: Por que a
ONU reconheceu pela primeira vez em
2010 (
resolução 64/292) a
água como um direito humano?
EB: Até finais da
década de 1980 tinha-se como certo que a água era um direito humano. Nos
anos 90, as corporações transnacionais, em mãos dos países centrais e dos organismos econômicos financeiros internacionais começam a assumir que a água não é um bem comum, senão uma mercadoria sujeita às leis de oferta e procura do mercado, à qual se tem acesso se se tem dinheiro.
Frente a esta ofensiva, a resistência por parte de milhões de seres humanos teve como resultado a
Observação Geral nº 15 do ano de 2002 das Nações Unidas, onde se reconhece que a água deve ser objeto de políticas de serviço público e se determina que o
Estado é quem deve garantir a prestação desse serviço.
Em
2010 aprovou-se essa resolução (
64/292) que reconhece a água e o saneamento como direitos humanos ligados à saúde e à vida.
MM: A
Amazônia é a maior reserva de biodiversidade e riqueza genética do mundo e além disto possui 20% da água doce do planeta. Você já detalhou em seu livro como, ao longo da
História (desde princípios do
século XIX) os
Estados Unidos tentam apoderar-se desse território. Continuam com essa intenção?
EB: Sim, os
EUA têm tentado estabelecer presença militar na zona e obrigado o
Brasil a instrumentar sua estratégia na região.
Dentro de 5 anos completar-se-ão 200 anos da primeira reivindicação de soberania feita pelos
EUA para a
Amazônia, quando, através de distintos planos tentou instaurar uma base em
São Pedro de Alcântara, perto (sic) de
Manaus e em pleno coração desta reserva de biodiversidade.
No ano de
2003 o
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não renovou a concessão e os
EUA tiveram que se retirar, não sem antes provocar a explosão da base, que causou a morte de 23 técnicos e operários brasileiros, além da destruição de um protótipo de lançador de satélite, propriedade do país sul-americano.
MM: Até que ponto representa um risco para a soberania de um país que uma área de seu território, rica em recursos naturais como a água, seja declarada
Patrimônio da Humanidade?
EB: Patrimônio da Humanidade nasceu com muito boas intenções na
década de 1970, para preservar zonas naturais que tem a ver com ambiente sadio, bem-estar e desenvolvimento humano. Mas, com o correr dos anos, essas boas intenções se desvirtuaram.
Na prática, no caso de zonas com recursos naturais, significa renúncia à soberania. Isto é aproveitado pelo
Banco Mundial, o
Fundo Monetário Internacional, as corporações transnacionais e os países centrais para intervir com plena liberdade.
MM: Em fins de março deste ano surgiu uma notícia que mencionava a presença do
Comando Sul do Exército dos EEUU na província do
Chaco, sobre o
Aquífero Guarani. Centro de ajuda humanitária ou base de controle e monitoramento?
EB: Disfarçam-se de centro de operações de emergência, mas no fundo são bases de controle e monitoramento. Encontram-se geralmente nas proximidades dos aeroportos internacionais para que, chegado o momento, permitam a aterrissagem de aviões militares de grande porte.
Nos últimos anos, os
EUA têm exercido pressão sobre os governos argentinos para a instalação de uma base militar como existem em outras partes do continente. Já o haviam tentado em
San Ignacio, sudoeste da província de
Misiones. Esta zona representa uma área estratégica por ser um ponto importante de recarga do
Aquífero Guarani.
Como não o conseguiram, tentaram então penetrar por meio do
governador Jorge Capitanich na província do
Chaco. De acordo com informações das autoridades de
Defesa e da Chancelaria, isto não surtiu efeito.
MM: Na
Argentina se sabe dos recursos hídricos superficiais, mas se desconhece a magnitude e quantidade dos aquíferos. Que dificuldades apresenta o estudo das águas subterrâneas?
EB: Na
Argentina contamos com profissionais capacitados, as tecnologias existem e os recursos técnicos podem ser conseguidos; portanto, o que falta de fato é a decisão e vontade política de levar diante os estudos e as explorações.
Os
informes GEO, elaborados pelo
Ministério de Saúde e Ambiente nos
anos de 2003 e
2006 dão conta de que há décadas se realizam no país explorações de reservatórios subterrâneos. De repente, assistimos no país descobrimentos que não são feitos pelo Estado nacional ou provincial, mas por particulares.
O último foi da mineradora canadense
Pan American Silver, que pretende explorar a jazida
Navidad sobre terras de comunidade assentadas em pleno
planalto chubutense. Trata-se de um reservatório localizado por baixo da mina que se estende muito além da jazida.
De acordo com os estudos realizados, possui águas de excelentíssima qualidade e permitiria abastecer uma população de até 3 milhões de pessoas. Isto fala do desenvolvimento que se poderia realizar na região a partir da água, sem necessidade de ter uma exploração de minérios a céu aberto da magnitude de
Navidad.
MM: Hoje não existe no país uma lei nacional que declare a água potável de superfície e subterrânea patrimônio natural e recurso estratégico da nação e das províncias.
EB: Isto deve ser uma falta de vontade e decisão política. Tanto a conjuntura como a resolução dos problemas de curto prazo faz com que esses assuntos fiquem por tratar. Se bem que haja vários projetos no
Congresso, as urgências parecem ser outras.
MM: A que se deveria apontar?
EB: A cobrir a falta de gestão integrada de planificação, exploração e desenvolvimento dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos do país.
Deve-se desenvolver uma verdadeira política hídrica que traga soluções para as secas, as inundações e a falta de acesso à água.
Temos um
Conselho Hídrico Federal que não está funcionando como deveria. À falta de uma visão global, tomam-se somente resoluções parciais.
Além disto, é preocupante que não se faça uso do
Aquífero Guarani para solucionar os problemas da população. O
Brasil o faz desde
1930, e não somente como provisão de água como também para o desenvolvimento agrícola, agropecuário e industrial, em uma gestão integrada com os recursos superficiais. Falta-nos essa visão.
MM: Em
22 de abril de 1997 subscreveu-se a
Ata de Paysandú, pela qual os governos da
Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai se comprometiam a criar mecanismos de coordenação para a investigação, utilização e preservação do
Aquífero Guarani, no marco de uma gestão sustentável e equitativa. Por que esse projeto foi entregue ao
Banco Mundial e quais foram as conseqüências dessa decisão?
EB: Quando as universidades dos quatro países informaram aos seus respectivos governos que necessitavam de 6 milhões de dólares para levar adiante o estudo completo do aqüífero, a resposta foi que não havia dinheiro para isso.
Foi quando entrou o
Banco Mundial e se encarregou do projeto, alegando que as universidades se haviam equivocado e que o projeto ascendia a 26.760.000 dólares.
Foi uma dura batalha para as organizações sociais brasileiras, paraguaias, uruguaias e argentinas. O
Banco Mundial quis declarar o
Aquífero Guarani como
Patrimônio da Humanidade, com tudo o que isso significa.
Como suas águas são ricas em minerais, tentou que as explorações caíssem sob os códigos de mineração de nossos países para poder comercializar a água.
O
Banco Mundial fez todo o possível para ficar, mas dada a crise econômica e financeira internacional de
fins de 2008, acrescida da resistência popular, decidiu retirar-se em
30 de janeiro de 2009, levando um
DNA completo do aquífero e deixando-nos somente informação parcial.
MM: Qual a sua opinião sobre as ações levadas a cabo pelo empresário estadunidense
Douglas Tompkins (foto) nos estuários do
Iberá, em
Corrientes?
EB: Sobre os
estuários do Iberá existiu um projeto do
Banco Mundial que tomou
Tompkins e sua fundação como testas-de-ferro, pelo que receberia 7 milhões de dólares para comprar a totalidade dos estuários (1.290.000 hectares). Mas esse plano não avançou.
Tompkins fez coisas terríveis na província: há denúncias de queima de colheitas, roubo de gado, corrida de cercas, sequestros e até se fala de morte em mãos de seus guardas pretorianos.
Pelas minhas investigações,
Tompkins é testa-de-ferro do
Banco Mundial e está ligado ao
Departamento de Estado dos Estados Unidos.
MM: De que trata o projeto de canalização e navegação do
Rio Bermejo y Pilcomayo e quais seriam os benefícios de sua implementação?
EB: Domingo Sarmiento já falava sobre os benefícios da canalização e navegação do
Río Bermejo y Pilcomayo em
1869. O projeto permitiria radicar indústrias, além de retirar a produção do norte e noroeste do país através dos rios, um transporte muito mais econômico que o rodoviário, e que não contamina.
O
Bermejo é um rio de montanha que nasce na
Bolívia e, por ser torrencial, costuma produzir inundações realmente catastróficas.
A construção de represas no território boliviano (para o que há vontade do governo local) representaria uma solução para essa problemática, e ainda permitiria gerar hidroeletricidade.
A proposta é fazer um braço que atravesse
Salta, chegando até
Santa Fé, e outro que vá para o lado de
Formosa. O rio seria canalizado em pequenos lagos não-profundos e seria tornado navegável.
Os canais permitiriam recuperar 11 milhões de hectares para produzir alimento, já que as terras são verdadeiramente abundantes e só necessitam de água.
É um plano de grande escala e de longo prazo, mas valeria a pena, já que poderia abastecer até 92 milhões de pessoas.
Fonte:
http://marcelomontoya.wordpress.com/2012/07/29/entrevista-3/
Nota:
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