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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A desigualdade que se acentua nos EUA

01/01/2014 - A desigualdade nos EUA
- Paul Krugman no The New York Times - Carta Capital

Aumento da disparidade de renda fez mais que a recessão para deprimir os ganhos da classe média

Demorou um tempo incrivelmente longo, mas a desigualdade finalmente está surgindo como uma questão unificadora significativa para os progressistas nos Estados Unidos – incluindo o presidente.

E também há, inevitavelmente, uma reação, ou na verdade algumas reações.

Uma delas vem de grupos como a organização Terceira Via.

Josh Marshall [foto], editor de Talking Points Memo [TPM], caracterizou essa posição em um artigo recente:

Ela capta muito do que se trata a ‘Terceira Via’: uma espécie de retrocesso fossilizado a um período do fim do século XX em que havia um mercado para grupos que tentavam puxar os democratas ‘de volta para o centro e para longe do extremismo ideológico’, em uma era em que os democratas são o partido, razoavelmente, não ideológico e têm um histórico bastante decente de ganhar eleições nas quais a maioria das pessoas vota”.

Mas também há uma reação intelectual, com pessoas como o colunista Ezra Klein [foto], do Washington Post afirmando que a desigualdade, embora seja uma questão importante, não pode ser descrita como “o desafio definidor de nosso tempo”.

Isso, por sua vez, enfurece outros comentaristas.

Bem, eu não estou furioso, mas argumentaria que Klein entendeu errado.

A tese de que a desigualdade é um desafio importante e realmente definidor – e algo que deveria estar no centro das preocupações progressistas – repousa em diversos pilares.

Vistas juntas, as razões para se concentrar na desigualdade são extremamente convincentes, mesmo que você seja cético sobre determinados argumentos.

Deixe-me defender quatro pontos.

Primeiro, em puros termos quantitativos, o aumento da desigualdade é o que o vice-presidente Joe Biden chamaria de Grande Alguma Coisa.

Os dados referentes à distribuição de renda mostram que a parcela dos 90% na camada inferior de renda, excluindo ganhos de capital, caiu de 54,7%, em 2000, para 50,4%, em 2012.

Isso significa que a renda dos 90% na camada inferior é cerca de 8% menor do que teria sido se a desigualdade tivesse se mantido estável.

Enquanto isso, as estimativas da lacuna de produção – à medida que nossa economia está operando abaixo da capacidade – geralmente são inferiores a 6%.

Assim, em puros termos numéricos, o aumento da desigualdade fez mais que a recessão para deprimir as rendas da classe média.

Alguém poderia argumentar que os danos causados pelo desemprego são maiores que a simples perda de renda, e eu concordaria. Mas é difícil olhar para esse tipo de cálculo e relegar a desigualdade a uma questão secundária.

Em segundo lugar, existe uma tese razoável para se atribuir pelo menos parcialmente a culpa pela crise econômica ao aumento da desigualdade.

A melhor história envolve algo como isso: havia uma poupança elevada do 1% da população, com a demanda sustentada apenas pelo rápido aumento da dívida mais abaixo na escala – e, como esse empréstimo era conduzido parcialmente pela desigualdade, levou a uma cascata de gastos e assim por diante.

É um caso dramático? Não – mas é sério, e reforça o resto do argumento.

Em terceiro, existe o aspecto da economia política, em que se pode argumentar que os fracassos políticos, tanto antes como, talvez de modo ainda mais crucial, depois da crise, foram distorcidos pelo aumento da desigualdade e o correspondente aumento do poder político do 1%.

Antes da crise, havia um consenso da elite a favor da desregulamentação e da financialização que nunca foi justificado por evidências, mas se alinhava estreitamente aos interesses de uma pequena e muito rica minoria.

Depois da crise, houve o súbito afastamento da geração de empregos para a obsessão pelo déficit; pesquisas sugerem que isso não era absolutamente o que o eleitor médio queria, mas que refletia as prioridades dos ricos.

E a insistência na importância de cortar benefícios é avassaladoramente uma coisa do 1%.

Finalmente, e muito ligada a isso, está a questão do que os grupos de pensadores progressistas deveriam pesquisar.

Klein sugeriu recentemente que “como combater o desemprego” deveria ser um tópico mais central que “como reduzir a desigualdade”.

Mas há aquela coisa: sabemos como combater o desemprego – não perfeitamente, mas a boa e velha macroeconomia básica funcionou muito bem desde 2008.

Não há mistério na economia de nossa lenta recuperação – é isso que o acontece quando endurecemos a política fiscal, apesar da desalavancagem privada, e a política monetária é restrita pelo limite inferior a zero.

A questão é por que nosso sistema político ignorou tudo o que a macroeconomia aprendeu, e a resposta para essa pergunta, como já sugeri, tem muito a ver com a desigualdade.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/revista/780/a-desigualdade-nos-eua-1482.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sábado, 29 de setembro de 2012

A reação entreguista interna ao pronunciamento de Dilma na ONU


26/09/2012 - J. Carlos de Assis (*) - Carta Maior


É repulsiva a tentativa dos dois principais comentaristas de noticiários da Globo, Carlos Sardenberg, na economia, e Arnaldo Jabor, na política, de enxovalhar cada um dos pronunciamentos da Presidenta Dilma Roussef, inclusive o recente discurso na ONU.

Sabemos que eles falam para um público muito específico, os inconformados com o exercício do poder pelo PT, mas se tratando de um órgão de comunicação de massa era de se esperar algum pudor, mesmo porque a esmagadora maioria da opinião pública apoia Dilma.


Jabor não me incomoda muito: é um retórico vulgar mais obcecado pelo efeito das palavras do que pelo seu significado. Ouvindo-o, temos a sensação de que o que está errado com a política externa brasileira é não declararmos logo guerra ao Irã.

Sardenberg é mais insidioso. Manipula a ideologia econômica de um jeito maneiroso, próprio de todo difusor ideológico, que transforma as vítimas das políticas econômicas regressivas em culpados, recobrindo muito manhosamente a responsabilidade dos ricos.

Para entender a extensão na qual Sardenberg, como homem de frente da Globo, faz o jogo entreguista cumpre entender alguns elementos básicos de economia política que ele deliberadamente omite em seus comentários.

Não existe uma receita única contra a recessão e a depressão econômica. Há um conjunto delas.

Três são bem conhecidas: a política cambial, a política monetária e a política fiscal.

Todas visam ao mesmo objetivo: recuperar a demanda interna, favorecer o investimento e estimular o emprego, gerando um círculo virtuoso de crescimento.


Contudo, essas políticas não são neutras do ponto de vista distributivo.


A política fiscal certamente favorece a distribuição da riqueza e da renda, sobretudo quando o gasto público é financiado por aumento da dívida e aplicado em setores de interesse social. Sim, porque se o gasto público, numa recessão, for financiado por receita fiscal, estamos diante de um jogo de soma zero: tiram-se recursos do setor privado que são repassados ao setor público e que por sua vez voltam ao setor privado, sem gerar necessariamente aumento líquido da demanda agregada.

A política monetária é concentradora de renda. Sim, porque quando os bancos centrais emitem dinheiro e o tornam disponível para os bancos privados, a custo baixo, os favorecidos são os tomadores últimos dos recursos – sem falar nos intermediários bancários -, que só têm acesso a esse dinheiro se ofereceram garantias para seus empréstimos. Quem pode oferecer garantias senão os que têm renda alta e patrimônio? Por certo alguns consumidores se beneficiarão do crédito mais barato, mas trata-se de uma proporção pequena da economia. Em qualquer hipótese, pagarão juros aos bancos, concentrando renda.

A política cambial geralmente adotada na recessão é a desvalorização da moeda nacional de forma a estimular as exportações. É o que os Estados Unidos estão fazendo. O pressuposto é que o aumento das exportações leva ao aumento da atividade econômica interna e do emprego, gerando, também aqui, um efeito virtuoso de retomada de crescimento. O Japão tem procurado desvalorizar a sua moeda e a Europa provavelmente seguirá o mesmo caminho, pelo menos enquanto não mudar sua política econômica, o que é muito pouco provável a curto e médio prazos, por razões basicamente políticas.


Agora, vejamos o discurso de Dilma na ONU

Veja aqui: Discurso da Dilma na 67ª Assembleia Geral da ONU

Ela criticou duramente a política do Fed, banco central americano, por inundar o mercado de dinheiro e forçar a desvalorização do dólar.

Ben Bernanke do Fed
Sardenberg se apressou a apoiar a posição americana contra Dilma.


Paul Krugman, Nobel de Economia
Recorreu a uma citação de Paul Krugman, um dos mais notáveis economistas americanos, segundo o qual, nas suas palavras, a posição da Presidente não se justificava por se tratar de uma iniciativa do Governo americano de fazer retomar a economia do país.


Bem, essa citação de Krugman é falsa, ou ao menos incompleta. O que Krugman diz é o seguinte: numa recessão, deve-se adotar, de preferência, uma política fiscal expansiva. Na falta dela, deve-se apoiar a iniciativa monetária como último recurso.


Assim, traduzindo em miúdos, o recado que a Presidenta deu na ONU foi o seguinte: vocês, os países ricos, estão mergulhando o mundo no caos econômico e financeiro por se recusarem a fazer políticas fiscais expansivas.

E como seu sistema político incompetente não é capaz de gerar essas políticas, nos impõem políticas regressivas no campo monetário.

Desculpem, mas não temos alternativa a não ser levantar barreiras comerciais contra os seus produtos, na medida em que suas políticas monetárias e cambiais, desvalorizando suas moedas, pretendem inundar nossos mercados de manufaturados, liquidando nosso parque produtivo.

Não aceitaremos isso. O nosso dever é proteger nosso mercado de trabalho.


(*) Economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor de vários livros sobre economia política brasileira e de “A Razão de Deus”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20983