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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Banco do Brasil e Petrobrás: qual a próxima?

Por Paulo Kliass - Carta Maior

Que os equívocos de BB e Petrobras sejam o encerramento de um breve ciclo a ser esquecido e não o início de uma tendência prejudicial aos interesses do país.

O governo conseguiu a incrível façanha de implementar duas importantes e polêmicas decisões em matéria de política econômica em uma única semana. Para quem considerava que não havia muita movimentação da equipe da Presidenta em matéria de economia, as novidades surpreenderam. O problema, no entanto, é que os principais beneficiários de tais medidas foram os representantes do financismo e os setores dos conglomerados das petrolíferas internacionais. Os anúncios se converteram em frustração para todos aqueles que se identificam com um projeto de País que signifique, entre tantos outros aspectos, a conquista de maior autonomia e soberania face às forças econômicas do mundo globalizado.

Na segunda-feira, dia 21 de outubro, o governo insistiu em manter a realização do leilão para decidir a respeito de qual seria o consórcio vencedor para explorar o Campo de Libra - primeira área a se tornar operacional no mundo sub-oceânico, ainda pouco conhecido, do Pré Sal. Apenas quatro dias depois, na sexta-feira dia 25, o Diário Oficial da União trazia a publicação de um Decreto Presidencial, por meio do qual são alterados os limites de participação de capital estrangeiro na composição acionária do Banco do Brasil (BB). Duas medidas que apontam para um conservadorismo preocupante.

Entrega de Libra e mais estrangeiros no BB

A recusa do governo em adiar a data do leilão só contribuiu para aumentar as dúvidas a respeito das reais motivações que estariam por trás da insistência e da pressa em abrir a exploração do maior campo de petróleo brasileiro ao capital internacional. Afinal, a grande maioria dos especialistas e técnicos da área da energia e do petróleo opôs algum tipo de restrição à adoção de tal estratégia. A lista de argumentos contrários à abertura da exploração de Libra é extensa, incluindo razões que vão desde elementos de segurança nacional até a simples sugestão de um pouco mais cautela e prudência no tratamento de tema tão espinhoso. Passando, é claro, por minuciosos estudos demonstrando que a Petrobras teria todas as condições de promover - sem precisar das empresas estrangeiras - a exploração do campo.

Já no caso da participação externa no BB, não houve debate prévio de nenhuma natureza. A sociedade brasileira foi pega de absoluta surpresa, com os termos do texto assinado pela Presidenta. É bem verdade que não foi a primeira vez que uma medida dessas foi anunciada por um governo que deveria passar longe de tal tipo de proposição. Em 2006, Lula foi convencido a publicar um decreto aumentando o limite da presença de capital estrangeiro no BB de 5,6% para 12,5%. Alguns anos depois, em 2009, novamente o então Presidente assina outro documento oficial e eleva esse teto para 20%. E agora Dilma dá continuidade a essa trajetória de benesses concedidas ao financismo internacional e estabelece o novo limite em 30% da composição acionária do banco.

Petrobras e a partilha desnecessária

Na tentativa de convencimento a favor de sua proposta, o governo buscou a comparação com o modelo anterior das parcerias para o petróleo, vigente à época de FHC. Ora, é verdade que o modelo de partilha é bem mais interessante para os interesses nacionais do que o anterior, o de simples concessão. Porém, o fato é que para o caso concreto, desse campo em especial, não haveria nem mesmo a necessidade de compartilhar. Libra já havia sido bastante bem mapeado pela Petrobras e a própria empresa foi exitosa nos poços que perfurou, tendo encontrado o óleo tão desejado. Assim, os procedimentos de exploração comercial praticamente não apresentavam riscos – o principal elemento a justificar uma parceria de partilha com outras empresas.

Por outro lado, às vezes era esgrimida a eventual dificuldade da Petrobras em custear ela mesma as necessidades de investimento para a exploração do campo. Mas atuais e ex-dirigentes da empresa apontavam a fragilidade do argumento, uma vez que tais despesas - significativas, é verdade - seriam realizadas de acordo com um cronograma de médio prazo e não haveria urgência urgentíssima para essa operação. Tanto que, logo após a divulgação dos resultados do leilão, as notícias oficiais falavam do horizonte de 2020 para as primeiras jorradas de óleo economicamente eficientes.

Não obstante todas essas ponderações, a data e as condições foram mantidas, apesar de contar apenas com um consórcio inscrito. O chamado “leilão do eu sozinho” não apresentou, por óbvio, nenhuma concorrência e a única proposta apresentada foi vitoriosa. Com isso, o governo brasileiro terminou por entregar 60% da exploração para grupos estrangeiros: i) 20% para a holandesa Shell; ii) 20% para a francesa Total; e iii) 20% divididos igualmente entre 2 estatais chinesas. Com isso a Petrobras ficou apenas com 40% do empreendimento. Não há razão econômica ou energética que justifique tal atitude. O contrato prevê a possibilidade de exploração dos poços encontrados por 35 anos, que apresenta um potencial de 8 a 12 bilhões de barris de petróleo e de 120 bilhões de m3 de gás.

Petrobras e BB: os interesses do financismo

A mudança no limite de participação de capital estrangeiro no BB guarda alguma similaridade com a postura no caso de Libra. Trata-se de uma liberalidade de mão única, sem exigência de nenhuma contrapartida. O governo brasileiro anuncia - em alto e bom tom – que passa a se interessar pelo compartilhamento do capital acionário de uma de suas principais empresas de economia mista com sócios internacionais, em um patamar mais alto do que os atuais 20%. Ora, é mais do que sabido que o sistema financeiro é um setor bastante sensível da engrenagem econômica, uma área estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento nacional. Oferecer mais essa alternativa de investimento ao capital globalizado não proporciona nenhum vantagem ao País chamado Brasil, que não seja a falsa ilusão criada por alguns de seus governantes. Os responsáveis por nossa política econômica dificilmente passarão a ser considerados como adeptos do “bom-mocismo” aos olhos dos representantes da banca internacional.

A única explicação que resta para se tentar compreender a aceitação do leilão do Campo de Libra é a visão estreita do curto prazo, a lógica pequena de fechar as contas no final do mês. O governo se sente pressionado pelo financismo a cumprir a meta de superávit primário para 2013 e parece estar com algumas dificuldades de cumprir o que se propôs. Mas não sentido em se sentir obrigado a promover o desvio de tal volume de recursos das áreas sócias do orçamento público para a esfera puramente financeira. Como um dos dispositivos da oferta pública da ANP é o pagamento antecipado de um valor equivalente a R$ 15 bilhões pelo consórcio vencedor, esse recurso deve entrar no caixa do Tesouro Nacional ainda em 2013. O detalhe que ninguém do governo deseja comentar é que a própria Petrobras deverá pagar sua cota parte, arcando com 40% desse total. Ou seja, R$ 6 bilhões que entram por um lado para as contas do Ministério da Fazenda, estão saindo do próprio bolso do setor público federal. Assim, um saldo líquido de apenas R$ 9 bilhões parece muito pouco para tamanha bondade oferecida às empresas estrangeiras, que se vêem no direito de explorarem nosso petróleo, de forma bastante segura, por mais de 3 décadas.

A ampliação da presença do capital internacional no BB deve trazer consequências também para a dinâmica dos mercados que giram em torno das Bolsas de Valores. O peso dessa importante instituição financeira do governo federal na cotação dos índices e do movimento financeiro não pode ser negligenciado. Isso implica em muitas possibilidades de valorização ou desvalorização patrimonial, ao sabor da evolução das conjunturas e das apostas especulativas. As experiências recentes com o esfarelamento das empresas de Eike Batista, além de outros naufrágios verificados pelo mundo afora, deveriam servir como alerta e precaução para esse tipo de deslumbramento com o mundo frágil e efêmero do financismo.

Os riscos da abertura descontrolada ao capital internacional

Ao longo dos últimos anos o Brasil tem apresentado problemas graves de maior exposição de suas contas externas. O desempenho ainda positivo no mero saldo da Balança Comercial (exportações menos importações de bens) não pode servir como fator de ilusão a respeito das dificuldades no conjunto do Balanço de Pagamentos. Isso porque, quando são computadas as entradas e saídas de recursos externos relativos aos serviços e ao universo financeiro a situação, se revela mais grave. Nesse caso, por exemplo, houve um déficit de US$ 76 bilhões em 2012 no total da conta Rendas e Serviços. E ainda corremos o risco de fechar um valor negativo de US$ 90 bi no final desse ano. A fragilidade começa a se expressar de forma mais aguda ainda quando são verificadas as movimentações envolvendo apenas as contas de Rendas, pois ali estão registrados o resultado dos valores líquidos entre os recursos que entram no país e os que são enviados ao exterior sob a forma de juros e lucros. Em 2012 o saldo foi negativo em US$ 35 bi e agora devemos fechar dezembro com algo próximo a US$ 40 bi.

Como se vê, não é esse o melhor momento para se estimular a probabilidade de maiores riscos de perturbação no setor externo, como ocorre com a remessa dos lucros auferidos por empresas estrangeiras operando ou transacionando por aqui. Espera-se que os equívocos do BB e da Petrobras sejam o encerramento de um breve ciclo a ser esquecido e não o início de uma tendência prejudicial aos interesses brasileiros.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Banco-do-Brasil-e-Petrobras-qual-a-proxima-/29398

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS RESERVAS E O BNDES



Por Mauro Santayana*


(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.

E o nosso país, que deveria tratá-las como aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai  ceder à chantagem, e tolher a concorrência entre bancos públicos e privados, diminuindo a  o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.

Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que estar indo sempre mal em alguma coisa.

Se não estamos negativos no crescimento, que será de 2.5%  em 2013, mais de duas vezes maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de Washington - talvez o problema seja com a inflação.

Mas como a inflação desceu para menos de 6% nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos que estão em posse do tesouro.

O FMI e as agências falam da dívida bruta, mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375 bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos norte-americanos.

Para evitar que o Brasil fugisse da restrição ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.

Essa é a principal causa de as agências internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para “estável” nas últimas semanas.

Bem, o Brasil continua com grau de investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o orçamento federal.

No entanto, neste como em outros embates, principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal, aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente de país.

É isso que ocorre, por exemplo, na área de telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo, a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de serviços diretos ao consumidor.

Com regras claras, voltadas para a montagem de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde a crise de 2008.

No lugar disso, o que vimos, nos últimos anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de seus lucros para o exterior.

Isso ocorreu no setor de telecomunicações, mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100% de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse no país.

Não se negociou mudanças nas novas fábricas e em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética, diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do Senhor Eike Batista, por exemplo.

O governo precisa perder o medo pânico de investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49% para o parceiro internacional.

O governo não deveria ter se endividado para colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.

Quem busca financiamento público precisa colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar de investimento no qual nos encontramos.

Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de rebaixamento  da nota do país pelas agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar a criança fora junto com a água da bacia.

No lugar de aprofundar e corrigir o papel do financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.

E, mais, para assegurar os compromissos de financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o governo fala em vender açodadamente sua participação em  empresas – algumas delas estratégicas – em um momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus preços muito abaixo de seu valor real.

Alternativas a esse recuo existem, assim como recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de 375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente 240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto da dívida pública dos EUA.

Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida bruta.

No lugar de ficar tirando, a cada momento, coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e a opinião pública nacional e internacional.


Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de tomar outro rumo a partir do ano que vem.
Postado por Mauro Santayana às 05:00  AS RESERVAS E O BNDES



(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.

E o nosso país, que deveria tratá-las como aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai  ceder à chantagem, e tolher a concorrência entre bancos públicos e privados, diminuindo a  o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.

Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que estar indo sempre mal em alguma coisa.

Se não estamos negativos no crescimento, que será de 2.5%  em 2013, mais de duas vezes maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de Washington - talvez o problema seja com a inflação.

Mas como a inflação desceu para menos de 6% nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos que estão em posse do tesouro.

O FMI e as agências falam da dívida bruta, mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375 bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos norte-americanos.

Para evitar que o Brasil fugisse da restrição ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.

Essa é a principal causa de as agências internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para “estável” nas últimas semanas.

Bem, o Brasil continua com grau de investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o orçamento federal.

No entanto, neste como em outros embates, principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal, aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente de país.

É isso que ocorre, por exemplo, na área de telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo, a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de serviços diretos ao consumidor.

Com regras claras, voltadas para a montagem de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde a crise de 2008.

No lugar disso, o que vimos, nos últimos anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de seus lucros para o exterior.

Isso ocorreu no setor de telecomunicações, mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100% de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse no país.

Não se negociou mudanças nas novas fábricas e em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética, diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do Senhor Eike Batista, por exemplo.

O governo precisa perder o medo pânico de investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49% para o parceiro internacional.

O governo não deveria ter se endividado para colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.

Quem busca financiamento público precisa colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar de investimento no qual nos encontramos.

Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de rebaixamento  da nota do país pelas agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar a criança fora junto com a água da bacia.

No lugar de aprofundar e corrigir o papel do financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.

E, mais, para assegurar os compromissos de financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o governo fala em vender açodadamente sua participação em  empresas – algumas delas estratégicas – em um momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus preços muito abaixo de seu valor real.

Alternativas a esse recuo existem, assim como recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de 375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente 240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto da dívida pública dos EUA.

Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida bruta.

No lugar de ficar tirando, a cada momento, coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e a opinião pública nacional e internacional.


Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de tomar outro rumo a partir do ano que vem.


*Fonte:http://www.maurosantayana.com/2013/10/as-reservas-e-o-bndes.html

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O charlatanismo econômico por trás das agências de risco


Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. 

Por J. Carlos de Assis*   Carta Maior
   
Uma agência de risco diz que pode rebaixar a nota brasileira. A grande mídia faz disso o maior estardalhaço. É como se fôssemos alunos de escola primária ameaçados de reprovação. Algumas autoridades do próprio governo, por sua vez, intimidadas, passam a dar justificativas no sentido de atenuar a previsão - o que resulta, em última análise, num procedimento de legitimação de espúria intervenção de uma entidade privada internacional na condução da política econômica do país.

As agências de classificação de risco não conseguiram prever a maior crise da história do capitalismo iniciada em 2008. Classificaram como bons créditos, hipotecas e bancos podres. Interrogados por representantes de uma comissão especial do Congresso norte-americano, seus gestores alegaram que apenas emitiam opiniões. Foi a maior confissão de subjetivismo jamais feita por parte de instituições que influem em grande parte do movimento de crédito do mundo. Puro charlatanismo econômico.

Para compreensão da atividade atual dessas agências, é preciso recuar não propriamente a sua criação, mas ao papel que passaram a ter, sobretudo em relação a países em desenvolvimento, depois da crise da dívida externa dos anos 80. Até então, o papel de xerife das políticas econômicas dos países em desenvolvimento era exercido pelo FMI. Com a crise da dívida, esse papel tomou dimensões exorbitantes na forma de condicionalidades para financiar nações em dificuldade.

Entretanto, na medida em que os países, por conta própria, ou auxiliados pelo boom de exportações de commodities para a China a partir do início do anos 2000, começaram a constituir grandes reservas internacionais em relação ao tamanho de suas economias, sua dependência do FMI caiu até desaparecer completamente. O Brasil, por exemplo, pagou ao Fundo a dívida de US$ 30 bilhões feita no fim do governo FHC dele herdada e acabou no Governo Lula tornando-se credor ele por um empréstimo de US$ 10 bilhões.

Diante desse contexto, quem assumiu o papel de xerife da política econômica dos países em desenvolvimento? O FMI, naturalmente, não poderia mais exercê-lo através de condicionalidades, pois os países já não precisavam de seus empréstimos. Foi então que entrou em cena, com todo o seu peso bancado pela ideologia neoliberal, as agências de risco. Embora sendo privadas, elas se arrogam a prerrogativa de fiscalizar e avaliar a atuação de governos a pretexto de estabelecer escalas de risco dos países. Com isso, influem nas decisões de investimento dos fundos e dos bancos.

Nos países em crise da zona do euro a situação permanece sob o controle tríplice da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI (a troika). Este último acaba de emitir relatório reconhecendo que a política de austeridade imposta a países como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha trouxe conseqüências em termos de queda de crescimento e alta do desemprego bem mais altas que as previstos. Isso apenas acentua o caráter regressivo das políticas neoliberais que, agora, entre nós, fora do âmbito do FMI, querem nos exigir via agências de risco privadas.

Agências de risco existem há décadas. Em tese, seriam úteis a investidores que não têm, eles próprios, departamentos de acompanhamento de performance para avaliação de risco de países, créditos e títulos. Os grandes atores do sistema financeiro internacional, contudo, dispõem internamente de seus analistas. Pelo que as agências de risco assumiram crescentemente um papel ideológico, infelizmente corroborado, no caso de países, por governos que pagam, eles próprios, pela avaliação. Com isso, o pais abre mão de soberania economia em favor do mercado.

Que, nos tempos heroicos do desenvolvimento brasileiro, o papel das agências de risco era irrisório ou ineficaz pode ser aquilatado pelo governo, que rompeu com o FMI confiante nos créditos do setor bancário privado, os quais, por sinal, não pediram permissão às agências para concedê-los. Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. Resta saber se o governo agirá de acordo com os interesses do desenvolvimento nacional ou segundo os ditames de agências corrompidas pelo interesse privado imediato e pelo interesse eleitoral que se seguirá.

*Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros de economia política, de “O Universo Neoliberal em Desencanto” (co-autoria com o matemático Francisco Antonio Doria) e “A Razão de Deus”, pela ed. Civilização Brasileira.

Fonte: Carta Maior..http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22173



sexta-feira, 31 de maio de 2013

CONSPIRAÇÃO CONTRA A PÁTRIA



O Jornal do Brasil mantém a confiança na chefia do estado Democrático

O mundo inteiro passa por uma crise econômica e social, decorrente da ganância dos banqueiros, que controlam o valor das moedas, o fluxo de crédito, o preço internacional das commodities. Diante deles, os governos se sentem amedrontados, ou cúmplices, conforme o caso e poucos resistem.

A União Europeia desmantela-se: o fim do estado de bem-estar, o corte nos orçamentos sociais, a desconfiança entre os países associados, a indignação dos cidadãos e a incapacidade dos governantes em controlar politicamente a crise, que tem a sua expressão maior no desemprego e na pauperização de povos. Se não forem adotadas medidas corajosas contra os grandes bancos, podemos esperar o caos planetário, que a irresponsabilidade arquiteta.

A China, exposta como modelo de crescimento, é o caso mais desolador de crescente desigualdade social no mundo, com a ostentação de seus bilionários em uma região industrializada e centenas de milhões de pessoas na miséria no resto do país. Isso sem falar nas condições semiescravas de seus trabalhadores – já denunciadas como sendo inerentes ao “Sistema Asiático de Produção”. Os Estados Unidos, pátria do capitalismo liberal e neoliberal, foram obrigados a intervir pesadamente no mercado financeiro a fim de salvar e reestruturar bancos e agências de seguro, além de evitar a falência da General Motors.

Neste mundo sombrio, o Brasil se destaca com sua política social. Está eliminando, passo a passo, a pobreza absoluta, ampliando a formação universitária de jovens de origem modesta, abrindo novas fronteiras agrícolas e obtendo os menores níveis de desemprego de sua história.

Não obstante esses êxitos nacionais, o governo está sob ataque histérico dos grandes meios político-financeiros. Na falta de motivo, o pretexto agora é a inflação. Ora, todas as fontes demonstram que a inflação do governo anterior a Lula foi muito maior que nos últimos 10 anos.

O Jornal do Brasil, fiel a sua tradição secular, mantém a confiança na chefia do Estado Democrático e denuncia, como de lesa-pátria, porque sabota a economia, a campanha orquestrada contra o Governo – que lembra outros momentos de nossa história, alguns deles com desfecho trágico e o sofrimento de toda a nação.

Editorial do Jornal do Brasil - em 31 de maio de 2013, denuncia o golpe

Fonte:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/05/jornal-do-brasil-denuncia-o-golpe.html

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A falência da Espanha e seus disfarces

10/06/2012 - Maurício Caleiro
em seu blog Cinema & Outras Artes

A Espanha quebrou, faliu.

Este é o fato, a terrível realidade que se esconde por detrás de uma operação discursiva que lança mão de termos amenos, humanistas e solidários como “ajuda”, “resgate” e “operação de salvamento”.

Trata-se, na verdade, de uma intervenção na economia e na soberania espanholas, para benefício do mercado financeiro e com duras consequências para a população.


Rajoy questionado

 Tendo imposto suas demandas ao governo do conservador Mariano Rajoy sob sua relutância apenas aparente, a batalha que os arautos do neoliberalismo ora travam é de ordem discursiva: em primeiro lugar, trata-se de convencer os espanhóis que é não apenas aceitável, mas para seu próprio bem desejável que paguem, com carestia, desemprego, cortes nos salários, nas aposentadorias e no acesso a saúde e educação – em suma, com o que resta do Estado de bem-estar social à europeia – as dezenas (talvez centenas) de bilhões de euros que serão utilizadas para tirar as instituições financeiras do buraco por elas mesmas cavado.

A julgar pelas reportagens na imprensa espanhola, agora está ficando claro para muitos de seus ingênuos eleitores que Rajoy - que há dez dias declarou taxativamente que não haveria resgate aos bancos - mentiu. E, a bem da verdade, continua a fazê-lo, já que é lugar-comum entre economistas que cem bilhões de euros são um mero paliativo, e que o setor financeiro, com as cartas na mão, demandará de quatro a oito vezes esse valor para cobrir seus rombos - com a imposição dos cortes sociais correspondentes.

Não foi por falta de aviso.

Consequências psicológicas
A intervenção é um golpe psicológico que constitui um marco na história de nossas relações com a Europa. Em um país onde a identidade nacional e os sentimentos de autoestima coletiva têm estado sempre tão estreitamente vinculados aos feitos alcançados no âmbito europeu, custa crer que tenhamos chegado a este ponto. Entender como e por quê e o que ocorrerá a partir de agora mostra-se imprescindível”, aquiesce uma voz favorável ao "resgate".
http://economia.elpais.com/economia/2012/06/09/actualidad/1339256267_154181.html (El País - Un duro golpe psicológico)

Desse quadro decorre um segundo movimento da citada operação discursiva, desta feita para salvaguardar o orgulho nacional, que a menção à condição de quarta economia da Europa costuma alimentar. Nela pontifica, de novo, a promoção do contorcionismo verbal à maneira do "1984", de Orwell, com a adoção de uma novilíngua em que a tragédia torna-se 'pacto social'; a bancarrota, 'ajuste mercadológico'; a humilhação à soberania nacional, 'solução negociada com os parceiros de bloco'.

Nós, latino-americanos, já vimos algumas vezes esse filme, porém em versões em preto e branco, do final do século passado. Trata-se, com o perdão pela redundância, de uma chanchada de má qualidade, protagonizada por canastrões, com um roteiro que tem sérios problemas de verossimilhança e, pior, não tem final feliz: os vilões vencem.

Espanha x Argentina
Essa autorreferência ao nosso continente nos leva ao terceiro movimento da estratégia discursiva neoliberal acima aludida, desta feita de caráter eurocêntrico e, naturalmente, pró-mercado, facilmente identificável no discurso da mídia brasileira relativo à crise espanhola:

Quando o resgate era de país da periferia, a mídia chamava de falência, quebra. Quando é no centro: resgate, apoio, empréstimo. Ajuda”, resume o professor Emir Sader, em seu Twitter.

Convido os(as) leitores(as) a compararem o tratamento que essa mesma mídia deu ao 'default' argentino – que se recusou a seguir as imposições do sistema financeiro internacional - e o enfoque que ora dispensa à quebra da Espanha – que segue à risca o que manda a Troika. Recomenda-se, ainda, daqui a algum tempo, quando tivermos elementos sobre os desdobramentos da obediência espanhola à banca, que também se leve em conta, nessa comparação, a situação do país ibérico e a da Argentina – que, malgrado todas as ameaças de danação eterna a que fatalmente estava condenada por ousar enfrentar a cartolagem, tem apresentado, sob um governo de centro-esquerda, um desempenho econômico superlativo em meio à crise.

Confusão conceitual

A persistência do neoliberalismo como modelo orientador das políticas econômicas da Zona do Euro - agravadas por sua prescrição como antídoto que só faz agravar sua maior crise, como se vê na Espanha - nos fornece a medida do quanto a constituição de blocos econômicos transnacionais, apregoada como imprescindível à sobrevivência na globalização, acabou por constituir-se em um fator determinante na submissão dos estados nacionais aos ditames do mercado financeiro.

No âmago de tal problema está uma confusão conceitual, intencionalmente inoculada pelos arautos do neoliberalismo quando da ascensão histórica deste, ao longo dos anos 80, sob os eflúvios de Thatcher e Reagan: a concepção de globalização e neoliberalismo como termos indissociáveis e, em larga medida, intercambiáveis, marcados por uma relação pela qual a primeira, por seu caráter estruturante, imporia a adoção de políticas econômicas nos moldes ditados pelo segundo, sob a ameaça de expulsão da então chamada nova ordem mundial” e decorrente aniquilamento do país enquanto ente autônomo.

Essa confusão e essa crença são um lugar-comum na reflexão teórica sobre o período, levada a cabo inclusive por pensadores que continuam na linha de frente da crítica socioeconômica. É notável, no entanto, que tanto intelectuais brasileiros como Octávio Ianni e Milton Santos quanto uma certa tendência do pensamento franco-europeu agrupada em torno do Le Monde Diplomatique tenham desde sempre, em sua maioria, recusado a aferrar-se ao determinismo teórico do período. (http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/posts/2006/11/27/milton-santos-a-globalizacao-vista-de-ca-15525.asp)

O retorno da soberania
Este, embora falho, é até certo ponto compreensível, posto que tardiamente desmentido factualmente, pois, a rigor, a constatação de que a morte do Estado nacional era uma balela e que havia possibilidade de sobreviver – com crescimento, inclusão social e um Estado fortalecido, atuante e que conservasse um bom grau de independência a despeito da interdependência da economia global – só tem lugar com a ascensão e o sucesso das administrações de Lula, Chávez, Kirchner, Morales, Corea, entre outros, e, eentualmente, de seus sucessores.

Assim, ainda que devamos ter muito claros a persistência insidiosa do poder neoliberal sobre tais administrações, e os limites e eventuais equívocos e desacertos destas – como a insensibilidade do governo de Dilma Rousseff para com as demandas do funcionalismo público ora fornece um dentre tantos exemplos possíveis -, é preciso atentar com limpidez para as conquistas e as possibilidades propiciadas pelo realinhamento político-ideológico promovido pela democracia brasileira na última década - e lutar para efetivá-las e ampliá-las.

O povo espanhol, por sua vez, já promete voltar a tomar as ruas e a Puerta del Sol, em protesto. Suerte.

Fontes das fotos:http://www.teoriaedebate.org.br/materias/internacional/espanha-do-sonho-ao-pesadelo
http://www.lingoro.info/tag/rajoy/
http://economia.elpais.com/economia/2012/06/09/actualidad/1339256267_154181.html (El País - Un duro golpe psicológico)

Origial do texto em: