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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Tragédia expõe debilidade de trabalhadoras têxteis de Bangladesh


por Suvendrini Kakuchi, da IPS

Derrocada de prédio, a 24 de abril, matou mais de mil trabalhadores e mostrou miséria dos trabalhadores do setor têxtil no Bangladesh

Daca, Bangladesh, 14/5/2013 – Até um mês atrás, a jovem Shapla era apenas mais uma empregada de uma fábrica da localidade de Savar, nos arredores da capital de Bangladesh. Atualmente, é uma sobrevivente com incapacidade de um dos piores acidentes da indústria têxtil deste país. A queda do grande Rana Plaza, um prédio com cinco fábricas, enterrou, no dia 24 de abril, uma enorme quantidade de trabalhadoras e trabalhadores sob um bloco de concreto e vidro. Havia quase mil mortes registradas, mas as buscas nos escombros prosseguiam.

“Fico desesperada pelo futuro”, declarou Shapla, de 18 anos. Um sentimento compartilhado por centenas de mulheres que, como ela, perderam algum membro naquele dia fatídico. Esta jovem mãe se recupera em um hospital de Daca da amputação de suas mãos. É considerada uma das “felizardas” por sobreviver à queda, mas ela resiste em ver um lado bom da tragédia, pois agora seguramente estará impedida de encontrar trabalho.

As mulheres, que constituem 80% da força de trabalho da pujante indústria do vestuário deste país, foram as mais afetadas pela tragédia. Também representam 80% das pessoas que morreram ou ficaram feridas no desastre. “Elas têm uma forte desvantagem social e econômica”, apontou Mashud Khatun Shefali, fundadora e diretora do Nari Uddung Kendra (Centro de Iniciativas de Mulheres).

Esta organização, dedicada a defender melhores condições de trabalho, ajuda as sobreviventes a superar o trauma do acidente, explicou Shefali. Algumas “ficaram tão mal que dizem que jamais voltarão a trabalhar em uma fábrica. Elas precisam de reabilitação física e psicológica de longo prazo, e que suas famílias e a sociedade as aceitem como pessoas com incapacidades”, destacou.

Bangladesh, onde a pobreza afeta 49% de seus 150 milhões de habitantes, desempenha há uma década um papel crucial no comércio internacional, ao oferecer uma vasta mão de obra barata. A indústria têxtil local é a terceira maior do mundo, atrás de China e Vietnã, com US$ 20 bilhões por ano, que representam 80% da entrada de divisas estrangeiras no país.

Grandes firmas do Ocidente ou de ricos países asiáticos, como Japão e Coreia do Sul, começaram a mudar seus centros de produção para Bangladesh quando os velhos polos produtivos, como Tailândia, aumentaram os salários. Companhias como Gap, Primark, HMV, Walmart, Sears e American Apparel produzem aqui roupa barata em massa, que depois é vendida aos países importadores.

Mais de cinco mil fábricas, com 3,5 milhões de trabalhadores lotando altos prédios em Daca e arredores, funcionam de forma ininterrupta. O quadro das empresas, das grandes e das pequenas, é principalmente de mulheres jovens de zonas rurais que emigram para a cidade esperando obter a capacitação à qual não têm acesso nas regiões agrícolas. Na cidade costumam morar juntas em lugares pequenos e dividir o banheiro e os alimentos.

Analfabetas e sem formação, as trabalhadoras têxteis têm poucos meios para conseguir uma renda estável. Sua vulnerabilidade as converte em presas fáceis dos empresários, os quais argumentam que, para continuarem “competitivos” no mercado mundial, devem gastar o menos possível com mão de obra.

Shefali contou que as jovens costumam começar como aprendizes e não recebem um salário, mas um pagamento que pode ser de apenas um dólar ao mês. Com o tempo passam a operar máquinas mais complexas e a ganhar um salário regular, disse a ativista. A maioria das mulheres costura, lava e empacota a roupa pelo equivalente a US$ 30 ou US$ 40, trabalhando uma média de dez horas por jornada os sete dias da semana. Já os homens costumam ocupar cargos mais altos, como controle de qualidade ou gerência.

O setor do vestuário é o que oferece maior número de emprego e proporciona um salário a milhares de mulheres. Entretanto, nos últimos tempos uma série de tragédias expôs as duras condições de trabalho no setor. Em novembro morreram cerca de cem trabalhadoras no incêndio da fábrica Tazreen Fashion, nos arredores de Daca. As sobreviventes denunciaram que os gerentes as trancaram quando tentaram escapar do fogo.

No acidente de 24 de abril, os responsáveis pela fábrica ameaçaram demitir as empregadas que não se apresentassem para trabalhar, apesar da advertência sobre a segurança do prédio de oito andares, que tinha autorização de construção para apenas cinco. Uma semana antes da tragédia, começaram a aparecer grandes rachaduras nos tetos e os engenheiros alertaram que a queda era inevitável.

A negligência em matéria de segurança trabalhista é uma das muitas violações de direitos que sofrem as empregadas das fábricas. Às vezes, devem cumprir turno de 14 horas para produzir uma partida que gerará um rápido benefício aos proprietários. Alguns ativistas dizem que, em um país muçulmano com altos índices de pobreza, a indústria têxtil oferece às mulheres uma oportunidade para sair de suas casas e melhorar seu status, pois passam de trabalhadoras do lar para provedoras da família.

A professora Sharmin Huq, aposentada pela Universidade de Daca e especialista em limitações físicas, teme que a discriminação social torne mais complicada a vida das mulheres. Também disse à IPS que as generosas doações que chegam de países como Alemanha e Estados Unidos para ajudar os sobreviventes devem ser canalizados para “a grande quantidade de trabalhadoras afetadas e ajudá-las a recomeçarem suas vidas”.

O capitalismo selvagem

Zahangir Kabir, proprietário da Rahman Apparels, com sede em Daca, reconhece que as condições de trabalho do setor têxtil são muito duras, mas argumentou que os empregadores são submetidos a “uma forte pressão”, e afirmou que pequenas companhias, como a sua, têm a obrigação de cumprir altos padrões comerciais e assumir perdas enormes.

Kabir tem duas fábricas, uma que costura e outra que lava jeans. Seu quadro de funcionários com 500 pessoas, na maioria mulheres, produz jaquetas e calças vendidas nos mercados europeus e norte-americanos. Mas os rígidos padrões de qualidade e prazos impostos pelas matrizes do Ocidente são difíceis de serem cumpridos em Bangladesh.

“Agitações políticas imprevistas e regulares cortes de eletricidade impedem o cumprimento dos prazos e a entrega de produtos baratos”, explicou Kabir. Os fornecedores de Bangladesh trabalham por uma prometida substanciosa renda, mas também enfrentam grandes riscos no “selvagem mercado capitalista”, afirmou. Envolverde/IPS


Fonte: Site Envolverde

http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/tragedia-expoe-debilidade-de-trabalhadoras-texteis-de-bangladesh/

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A política não é o pasto da fatalidade

30/11/2012 - Saul Leblon - Carta Maior


O mal que desaba sem que se saiba de onde vem nem como evitá-lo e que se multiplica quanto maior é o esforço para domá-lo chama-se tragédia.


Os gregos entendiam de fatalidade.

A política não é uma fatalidade - não deveria ser.


A política deveria ser justamente o espaço da liberdade, sobretudo dos que nunca tiveram espaço, nem liberdade, para se emancipar enquanto indivíduos e como classe. 

A subordinação da política aos desígnios dos mercados sanciona uma rendição que nega o seu apanágio. Ao confundir cordura com submissão, pragmatismo com desistência, a política se transforma no pasto do cavalo xucro que deveria domar; submete-se ao mal que não tem cura em si: é a tragédia econômica.


Há aqui uma boa dose de simplificação, mas estamos falando dos dias que correm e das horas que rugem.

A Europa culta e rica ilustra o custo humano e material da inversão de papéis: o desemprego bate recordes; um exército de 19 milhões de pessoas carecia de trabalho e de tudo o mais que acompanha essa inserção produtiva, na zona do euro em outubro; novas demissões estão previstas para sanear mercados doentes deles mesmos; a fome ronda a Espanha; na 4ª maior economia do euro, a Caritas servirá um milhão de refeições este ano aos novos e velhos pobres espanhóis. A classe média recorre às instituições e caridade para comer.

Há nuances mais próximas com igual peso e envergadura.

A população conjunta da América Latina e Caribe soma 597 milhões de pessoas; a região produz alimentos suficientes para abastecer 746 milhões de bocas, segundo a FAO. E todavia 49 milhões de latino-americanos e caribenhos passam fome nesse momento.


O fracasso da política explica o paradoxo de um planeta em rota de colisão com a sua própria natureza.

Imerso na lógica autorreferente de um sistema de produção à deriva, que se ergue pelos próprios cabelos, o planeta acumula desastres que tem a força impessoal, autônoma e ciclópica das tragédias.


Kioto fracassou.

No período de vigência do protocolo assinado há 15 anos as emissões aceleraram uma curva ascendente: o volume de emissões de gases efeito estufa hoje está 31% acima dos níveis de 1990; sua presença na atmosfera saltou de 2 ppm (partes por milhão) então, para 3 ppm. 


A temperatura média atual no globo já está 14% acima do que deveria atingir em 2020 para não romper o limite de aquecimento de 2 graus neste século - linha vermelha além da qual a ciência enxerga um ambiente clássico de... tragédia.

Eventos naturais extremos ganhariam frequência e gravidade desconhecidas a partir daí gerando energia própria inédita e autopropelida.

Em janeiro de 2013 a humanidade ingressará num desconcertante vazio de pactos ambientais. A política fracassou em construí-los.

Ninguém mais está comprometido com qualquer limite.

A prorrogação de Kioto é uma solução emergencial, insuficiente e incerta.

Depende do que for decidido na 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-18), que acontece agora no Qatar.

E da qual pouco se espera. Tragédia.

Quem pode reverter a fatalidade? Ou melhor, o que pode a política hoje? 
Resgatar o seu poder implica antes de mais nada apoderar-se de seus instrumentos indispensáveis: a democracia e os partidos são parte preciosa desse arsenal. 

Esse apoderamento tampouco é teórico. Trata-se de uma disputa. Ela está marmorizada na vida dos dias que correm. Na crise das horas que urgem. E nas arguições que os revezes desnudam.


É imperioso que os partidos da esquerda se assumam e se legitimem como ferramentas dessa emancipação histórica enredada na lógica da tragédia.

Sua captura pela força autorreferente do sistema que deveriam submeter destrói a bússola e perverte suas práticas.

Não é um problema de indivíduos corruptos ou apenas de oportunistas contumazes - embora eles existam, e como.


É pior que isso. A dissipação das referências históricas desencadeia um processo impessoal e autoimune que tritura consciências e valores, assumindo vida própria para subverter a meta e o método originais. É a tragédia.

O antídoto à fatalidade convoca a força da consciência e a consciência de que só a força da mudança pode evitá-la.

Repita-se: há aqui uma boa dose de simplificação, mas estamos falando dos dias que correm e das horas que rugem. Há vários perigos nessa travessia.

O maior deles é ignorar a sua urgência.


O outro, não menos delicado por conta da sedução das aparências, consiste em endossar o ardil das 'soluções redentoras', tenham elas o apelo dos tribunais 'faxineiros' de toga ou quepe; ou a ingênua aspiração ao partido puro.

Ambas são incompatíveis com os processos concretos, protagonizados por sujeitos intrinsecamente contraditórios, marcados pelos limites e vícios do sistema contra o qual se insurgem. 

A panaceia dos tribunais 'faxineiros' é conhecida; remete ao sonho conservador de engessamento da história num formol de hierarquia pétrea.

O sonho do partido puro carrega gravidade adicional: soterra no moralismo a tarefa mais difícil da história que é fazer das forças impulsionadas pelas suas contradições, o instrumento político efetivo da sua superação.

Fonte:
http://cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1149

Imagens: Google Images

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