quarta-feira, 2 de maio de 2012

O TRABALHO E OS POBRES QUE FAZEM A HISTÓRIA

02/05/2012 - Mauro Santayana em seu blog

Até recentemente os historiadores desdenhavam os pobres.


A crônica do passado se fazia em torno de reis efeminados, alguns; corajosos, outros; e efeminados e corajosos, poucos deles, como Ricardo Coração de Leão.


Fazia-se também de santos, mas os santos da Igreja, em sua maioria, foram recrutados entre os membros da classe dominante na Idade Média, ainda que renunciassem à riqueza, como Francisco de Assis, ou se fizessem mártires nas guerras que, de santas nada tinham, como as cruzadas.

Os santos modernos, com raras exceções, são militantes políticos contra os pobres, como o fundador da Opus dei. E, é claro, os intelectuais, cientistas e artistas sempre estiveram na comissão de frente do desfile da assim chamada civilização.

Hoje cresce entre os acadêmicos a preocupação com a História vista “de baixo”, embora a razão recomende não estabelecer o que seja alto ou baixo na construção do homem. É bom olhar o trabalho dos pobres, e sua luta por justiça, como o sumo da História. Não foram os faraós que construíram as pirâmides, mas, sim, os escravos; as grandes cidades modernas podem ter sido imaginadas pelos arquitetos geniais, mas não sairiam das pranchetas sem as mãos ásperas dos pedreiros, armadores e carpinteiros. O mundo virtual, abstrato, dos pensadores, pode prescindir do trabalho pesado, mas a doma da natureza, com a agricultura e o pastoreio, e sua transformação em objetos tangíveis, são conquistas do trabalho penoso.

Dos trabalhadores que hoje estão comemorando o primeiro de maio, poucos sabem exatamente como surgiu essa tradição. Ela se deve a uma das primeiras greves organizadas nos Estados Unidos, em 1886. No dia 3 de maio, em greve havia algum tempo, os trabalhadores de uma indústria de máquinas colheitadeiras, a McCormick Harvesting Machine Company, formaram piquetes diante dos portões da fábrica e foram dissolvidos por fura-greves e policiais, com a morte de vários operários e a prisão de dezenas. Como protesto, eles se reuniram no dia seguinte, na praça do Heymarket, no centro da cidade.

Entre outras reivindicações, os grevistas exigiam a fixação da jornada do trabalho em oito horas diárias. Os patrões, como fazem até hoje, organizaram pelotões de fura-greves, garantidos e protegidos pela polícia. Houve o conflito, com os grevistas se defendendo como podiam, e uma bomba explodiu, matando sete policiais. A polícia atirou, matou muitos trabalhadores e buscou suspeitos. Um líder dos trabalhadores, August Spies, embora provasse não estar no local, foi, com três outros, também vistos como inocentes, condenados à forca, e executados em 11 de novembro do ano seguinte. Um dos presos matou-se. Os três que conseguiram escapar do cadafalso foram perdoados, em 1893, pelo governador de Illinois, John P. Altgeld. O movimento sindical, que existia, de forma dispersa e débil, desde a presidência de Andrew Jackson, tomou corpo, a partir do episódio, com a reorganização da American Federation of Labor.

O século 20 começou com a criação de sindicatos de trabalhadores, com mais vigor nos Estados Unidos e na Inglaterra (com o incentivo do conservador Disraeli), e na Alemanha. Foram as lutas dos trabalhadores que moderaram, um pouco, a avidez dos capitalistas liberais.


Essas lutas se iniciaram em 1848, tiveram impulso com a Comuna de Paris, em 1871, e tiveram a sua grande data no massacre do Haymarket e suas conseqüências, em 1886.

Na luta contra a Depressão dos anos 30, os países ocidentais (na União Soviética a situação era outra) procuraram incentivar o sindicalismo e contar com seu apoio. Hitler decretou, no dia 1º de maio de 1933, que a data seria festejada sob o nazismo como o Dia do Trabalho. No dia seguinte, fechou todos os sindicatos, prendeu seus líderes e iniciou a perseguição aos socialistas e comunistas. Nos Estados Unidos e no Canadá, a fim de desvincular a comemoração do massacre de maio, a data escolhida foi a da primeira segunda feira de setembro.


O movimento sindical, para ser autêntico, não deve atrelar-se aos governos, ainda que, na defesa do interesse dos trabalhadores, possa apoiar essa ou aquela medida dos estados nacionais.

Foi a luta dos trabalhadores ingleses que criou o Labour Party na Inglaterra, em 1906, e conseguiu as reformas legais que permitiram o grande desenvolvimento econômico e político da Grã Bretanha, e a levaram ao grande desempenho bélico na Primeira e na Segunda Guerra Mundial.

Os historiadores começam a deixar os papéis dos gabinetes oficiais e as alcovas da nobreza, a fim de encontrar os verdadeiros agentes da civilização, no que ela tem de melhor, no estudo da vida e da resistência dos pobres contra a opressão. É hora de que se faça o mesmo em nosso país. É mais importante estudar a resistência dos brancos miseráveis do Brasil Colônia, que valiam menos do que os escravos, posto que os últimos, como bens de produção, tinham valor de mercado, e dos próprios cativos, do que imaginar como eram os encontros galantes de Pedro I com a Marquesa de Santos.


Foi o suor dos desprezados que deu liga à argamassa de nossa nação – e de todas as outras nações.

terça-feira, 1 de maio de 2012

A HISTÓRIA DO 1° DE MAIO

No Dia Internacional do Trabalhador, vale conferir este artigo do sindicalista e assessor político de sindicatos Ernesto Germano Parés em seu website, contando a história das origens da data e a evolução das lutas trabalhistas nos últimos 126 anos. Germano lembra que o 1º de Maio inicialmente homenageava as vítimas da repressão ao sindicalismo nos Estados Unidos, hoje um dos três países onde o "May Day" não é feriado nacional. (na imagem, Fidel Castro discursa em Havana no 1º de Maio de 1961, 12 dias após a fracassada invasão da Baía dos Porcos)


Crédito: historyofCuba.com

Rádios Comunitárias e as artimanhas do governo

24/04/2012  - Por Dioclécio Luz
publicado na edição 691 - Observatório da Imprensa


Em outubro do ano passado, isto é, dez meses depois de assumir o Ministério das Comunicações, o ministro Paulo Bernardo editou uma nova Norma Técnica para as rádios comunitárias (RCs).

A Norma 01/11 não tem novidade do ponto de vista político: é mais um dispositivo criado para legitimar o processo histórico de segregação e discriminação das RCs pelo Estado brasileiro.


Agora, sete meses depois de lançar a Norma, o Ministério das Comunicações encaminhou à Casa Civil da Presidência da República uma proposta de mudança no Decreto 2615/98, que regulamenta a Lei nº 9.612/98 das RCs. Antes de analisar a proposta do ministério, cabe a questão: por que o governo primeiro mudou a norma para depois mudar o decreto se o poder do decreto antecede a norma?

Afinal, se o decreto for assinado, a norma vai ter que mudar para se ajustar ao novo decreto. Por que Paulo Bernardo lança uma norma técnica dez meses depois de assumir, e 16 meses depois apresenta um decreto para mudar esta norma?

A questão é bizarra, mas quem conhece o histórico do ministério sabe que as bizarrices estatais são comuns quando se trata de rádios comunitárias.

A proposta encaminhada à Casa Civil provavelmente foi elaborada pela Secretaria de Radiodifusão Comunitária do Ministério das Comunicações e pela Anatel. Ela propõe alterar sete artigos do Decreto 2.615/98. Uma análise mais acurada e não governista mostra que se propõem mudanças tímidas, covardes até, diante da dimensão do problema maior existente hoje: uma legislação que promove a exclusão do setor. Na verdade, fazendo uso da linguagem do senso comum, esse decreto é apenas mais uma tentativa de enrolação do movimento. Se as mudanças prosseguirem nessa velocidade, somente daqui a 10 mil anos teremos uma legislação justa para quem faz rádio comunitária.

Dez anos
A primeira alteração proposta é quanto ao alcance da emissora. A lei fala que a RC deve atingir o bairro ou a vila, mas o artigo 6º do decreto em vigor fixa o alcance em 1 quilômetro. O que está em vigor, portanto, é ilegal, pois um decreto não pode ir além do que diz a lei, e a Lei 9.612/98 não fala desse limite. Agora, finalmente, o Executivo pretende acabar com esta ilegalidade cometida pelo próprio Executivo propondo que a rádio atenda“um bairro, vila ou localidade de pequeno porte”. Ou seja, passados 14 anos, o Executivo decidiu seguir a lei. Deve-se comemorar quando o Estado resolve seguir a lei?

A segunda mudança proposta, no artigo 11, é burocrática. “Corrige-se” o texto anterior substituindo o termo “sociedades civis" por “associações comunitárias”. Uma mudança inútil para quem para quem está focado no que é real, distante da papelada que alimenta o mundo kafkiano do Ministério das Comunicações, consumidor voraz de papéis inúteis. Outra mudança neste artigo inclui uma esquizofrenia típica do ministério: diz que os dirigentes devem “morar no bairro ou vila onde se pretende instalar a antena transmissora ou em um raio de até um quilômetro". Isto é, o dirigente deve morar (sim, é autoritarismo) dentro do gueto de 1 quilômetro (determinado pelo artigo 6º do decreto) ou no bairro ou vila. Se a pessoa já é obrigada a morar dentro do bairro ou vila, para que serve este “ou”?
  
A terceira mudança é no artigo 17. A ideia é atualizar o que estava na Lei 9.612/98, determinando que o tempo de “concessão” de RC deve ser de dez anos, e não de 3 anos como diz hoje o decreto hoje em vigor. Portanto, mais uma vez não há o que comemorar. Tenta-se ajustar a redação do Decreto 2.615/98 a uma alteração feita em 2002 (por meio da Lei 10.610) que estabelece como de dez anos o tempo de validade da autorização da RC. Ou seja, o Executivo demorou dez anos para perceber que a lei mudou e que, portanto, é preciso mudar o decreto para se ajustar a lei!

A quarta mudança trata de um vespeiro: publicidade nas RCs. O texto original do decreto diz:
Art. 32 - As prestadoras do RadCom poderão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida (grifo nosso).

A nova proposta diz:
Art. 32 - As prestadoras do serviço de radiodifusão comunitária poderão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, de pessoas jurídicas de direito público ou privado e de empresários individuais com atuação na área de alcance da transmissão (grifo nosso).

§ 1º Entende-se como patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para efeitos deste serviço, o apoio financeiro concedido a projetos, programas ou eventos vinculados à programação das emissoras de radiodifusão comunitária, bem como a cessão, para o mesmo fim, de bem móvel ou imóvel sem a transferência de domínio.

§ 2º O patrocínio de programas, eventos ou projetos implica, como contrapartida, a citação da marca, permitindo ainda a divulgação de informações dos produtos, serviços e contatos do patrocinador, ficando vedada a veiculação de seus preços e condições de pagamento (grifo nosso).

Conduta “premiada
Esta proposta é uma “pegadinha”. Uma típica artimanha de quem quer manter a segregação das rádios comunitárias. Primeiro se nota uma mudança sutil no texto. O que está em vigor fala de “estabelecimentos situados na área da comunidade atendida”; o texto proposto fala de estabelecimentos situados “na área de alcanceda comunidade atendida”. Discretamente foi inserido o termo “alcance” para limitar a obtenção de patrocínio pelas RCs. Isto é, continua valendo a regra de que as RCs só podem fazer publicidade de quem estiver dentro do “campo de concentração” determinado pelo Estado. Em outras palavras: não mudou nada.

O mais importante nessa mudança do artigo 32 é a definição de apoio cultural. Aqui, mais uma vez, o Ministério das Comunicações/Anatel tenta impedir que a RC faça publicidade como os demais serviços de radiodifusão. Permite-se à RC fazer a divulgação do produto e da marca, mas não dos preços e condições de pagamento.

O Ministério das Comunicações poderia ser inteligente (sim, inteligente) e ousado (não dominado por ideias mofadas) e estabelecer regras éticas para a publicidade nas RCs. Isto serviria como norteamento das RCs para sua missão educativa, pedagógica. Mas o Ministério das Comunicações e, pelo visto, a Secretaria de Radiodifusão Comunitária do ministério, continuam submissos às grandes redes de comunicação – elas não admitem que a rádio comunitária pegue “o mercado publicitário”. Ocorre que a missão da RC não é ganhar dinheiro fazendo publicidade; a rádio comunitária quer, tão somente, ter sustentabilidade, sobreviver, pagar os que nela atuam, e, principalmente, captar recursos para bancar seu projeto maior, que é o desenvolvimento da comunidade, promover a cidadania e a solidariedade.

Por que propõem algo tão restritivo?
Não parece que a legislação – pelo menos no seu aspecto superficial – seja desconhecida pelos tecnocratas do ministério. O que se tem aqui, mais uma vez, é o ministério sustentando a velha política de segregação e discriminação do setor; uma postura ideológica de Estado que não muda.

Mas vamos à quinta proposta de mudança no decreto. Ela introduz duas alterações ao artigo 36. Primeiro, atualiza o texto para o prazo de “outorga” (dez anos). Segundo, estabelece que a RC tem que começar o processo de renovação da outorga três meses antes do fim do contrato. Antes o prazo era de um mês. Ruim para rádio, bom para burocracia estatal.

Quanto à sexta proposta de mudança no Decreto 2.615/98: o artigo 37, no original, estabelece cobrança pelos serviços burocráticos no processo de renovação; agora se propõe a dispensa de cobrança (a palavra “gratuita” está lá no texto). É um “ato caridoso” do ministério que deve ser olhado com o devido desprezo pelos que fazem rádio comunitária. Isto não muda a política de segregação.

Finalmente o governo propõe modificar o artigo 40. Ele trata das infrações cometidas pelas RCs. Hoje são 29 punições! O novo texto não altera nenhuma delas; não acrescenta nem elimina. Apenas estabelece que, como prêmio de boa conduta, as multas cobradas nas emissoras que não cometeram nenhuma infração antes podemser convertidas em advertência. Portanto é mantido o aparato punitivo (vide Michel Foucault, Vigiar e Punir) e se dá um crédito para aqueles de boa conduta. Agora, observe-se que o texto fala no condicional – “podem” –, isto é, alguém, algo, um poder não muito claro é que vai decidir que rádios terão direito a este premiozinho de boa conduta.

Burocracia poderosa
Em síntese, pode-se afirmar que as mudanças que estão sendo propostas não se destinam à solucionar os grandes problemas das rádios comunitárias. A maioria dos problemas – ou todos? – têm como foco a legislação em vigor e esta, em seu cerne, não é alterada. Boa parte dessas sete mudanças somente atualizam o decreto em aspectos formais e burocráticos, e assim reforçam o caráter discriminador da legislação. Os pequenos avanços são suspeitos, uma vez que não resolvem, mas, pelo contrário, criam uma situação conflituosa. É o caso da definição de apoio legal, que continua contendo restrições.

Há “avanços” que deveriam ser apresentados com constrangimentos: é o caso do fim do alcance de 1 quilômetro. Esse limite, imposto por um decreto que se baseia numa lei tirana, é uma ilegalidade mantida há 14 anos; eliminá-la não vai resolver o problema porque ele antecede a isto. De fato, vai continuar havendo guerras entre as RCs para operar na mesma região com a mesma frequência. A existência de uma lei que restringe a operação de RC a um canal (e fora do dial, se possível, como quer a Anatel) contraria o que diz um dos 14 princípios defendidos pela Amarc mundial:

“7. Reserva de espectro.

“Os planos de gestão do espectro devem incluir uma reserva equitativa em todas as bandas de radiodifusão, em relação aos outros setores ou modalidades de radiodifusão, para o acesso de meios comunitários e outros não comerciais, como forma de garantir sua existência.”

Mudar um decreto depois de mudar uma norma, portanto, não é tanto uma bizarrice como parece na primeira leitura. O ato decorre dessa postura ideológica do governo que, quando se trata de rádio comunitária, desconhece a ordem das coisas para tentar colocar a rádio dentro de uma “disciplina” que ela cria e sustenta. E para isso segrega e discrimina, impondo frequências fora do dial, criando guetos ou campos de concentração.

Mudar a norma e o decreto, e nada mexer para mudar a lei ou anistiar os que estão sendo punidos, é decisão política, ideológica. O governo poderia fazer mudanças na legislação das rádios comunitárias, mas tem escolhido sacramentar a que está em vigor. E para se legitimar junto ao movimento abre “consultas públicas”, manda representantes para os eventos, faz uso de um discurso democrático, apresenta-se como aliado e aberto ao diálogo. Depois, “consultado o movimento”, soberanamente distribui as migalhas, as sobras do banquete, e mantém tudo como está.

Se quisesse, de fato, alterar a legislação em vigor, o governo poderia propor uma nova lei regulamentando as RCs, eliminando aqueles pontos que são típicos de governos tiranos. Depois faria um decreto. E por fim uma norma. Nessa ordem. Começar pelo fim, editando uma norma (e muito pior que a anterior), já sinaliza para onde o governo quer que o movimento das RCs siga: para lugar nenhum.


Não cabe citar aqui as mudanças na legislação para torná-la mais justa. O governo já sabe. Ocorre que fazer isso – uma legislação não tirana – seria contrariar os interesses das grandes redes, mudando uma postura ideológica determinada ao Estado por essas mesmas redes. Os tecnocratas de plantão não têm coragem de fazer diferente.


A possível edição de um novo decreto com essas mudanças propostas somente alicerça o temor do que pode acontecer se o governo resolve construir um novo marco regulatório para as rádios comunitárias. Se continuar com esta postura ideológica – distribuindo migalhas para manter a mesma linha de controle, vigilância e punição do setor – nada de positivo irá acontecer. De fato, com este decreto e a norma o governo Dilma Rousseff deu, pelo menos, dois sinais do que pretende fazer.

Certa vez Mao Tse Tung deixou claro: numa guerra a primeira coisa a saber é quem são os seus aliados e os seus inimigos.


No caso das rádios comunitárias, alguns inimigos são visíveis – a Abert, as igrejas, os donos de grandes emissoras, certos parlamentares... – e outros se passam por aliados. É o caso do governo e, mais especificamente, do Ministério das Comunicações.

No discurso, as rádios são tratadas como aliadas, mas na prática o ministério sustenta a legislação e a repressão, ratificando a burocracia, a fiscalização e a punição, sem propor mudanças consistentes. Por que o governo tem tanto medo das rádios comunitárias?

(*) Dioclécio Luz, jornalista, autor do livro A arte de pensar e fazer rádios comunitárias, e integra o Conselho Político da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc-Brasil)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Barbárie no Maranhão! Índia assassinada por pistoleiros!

 29/04/2012 - Por Alice Pires*
Original no blog Vias de Fato


Uma liderança indígena do Maranhão, a cacique Maria Amélia Guajajara, 52 anos, foi executada na tarde de ontem (28), por pistoleiros. Segundo a informação que nos chegou agora a pouco, dois homens, em uma moto, chegaram à aldeia e na frente de todos (inclusive da família da vítima) dispararam dois tiros na cabeça de Maria Amélia.


Esta índia Guajajara era cacique da aldeia Coquilho II, na Terra Indígena Canabrava, localizada no município de Grajaú, a 600 quilômetros de São Luis. Ela denunciava os constantes assaltos na região, o tráfico de drogas e a exploração ilegal de madeiras dentro da terra indígena.


Por tudo isso, entre os suspeitos estão os madeireiros da região, protegidos pelo grupo Sarney.

O assassinato brutal e covarde desta índia confirma as palavras do nosso companheiro de Vias de Fato, o jornalista Emilio Azevedo, em recente entrevista a “Rádio Brasil Atual” e reproduzida (com injustificável hesitação) no site da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

O que ocorreu com Maria Amélia é mais um fato triste, lamentável, trágico, que expõe, mais uma vez, a barbárie vivida no Maranhão, fruto de uma política, sem civilidade, marcada pela máfia, onde o crime organizado está infiltrado nos três poderes (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário).

Só neste mês de abril de 2012 foram executados, por pistoleiros, um lavrador, um jornalista e ontem (28/04), uma liderança indígena. E, a não ser na atividade de jornalista, os outras não são exceções! No Maranhão é comum o assassinato de lavradores, sem terra, índios, quilombolas...


O caos já está instalado há muito tempo, na imensa periferia maranhense.

O problema é que a indiferença da elite/poder público/máfia, não dá visibilidade à situação. Cria uma falsa tranqüilidade.


Os seis tiros dados no jornalista Décio Sá estão expondo as vísceras do Maranhão! E alguns - como tem registrado atualmente o professor Wagner Cabral nas redes sociais - usam e abusam da hipocrisia diante do cadáver do jornalista.


No Maranhão, não tem governo! Não tem justiça! A impunidade é a regra! O poder está se resumindo a uma briga entre quadrilhas!


Maria Amélia, a índia, é mais uma vítima dessa situação. A diferença é que não vai ter recompensa de cem mil para encontrar os culpados, nem Sarney vai fazer artigo de próprio punho, falando de “valores morais”, “liberdade” e “democracia”, num misto de cinismo e covardia.

Como bem disse a revista Carta Capital desta semana (nº 695), hoje, nem os amigos de José Sarney (o chefe maior do banditismo) estão mais seguros. Então, quem está? É a Barbárie! É a falta de civilidade de um esquema que nasceu inspirado na truculência e nas fraudes do vitorinismo e consolidado nas trevas de uma ditadura sangrenta. Uma leitura da entrevista com o histórico Freitas Diniz, publicada este mês, no jornal Vias de Fato, ajuda muito a compreender a nossa conjuntura e o perfil dos nossos opressores.


No caso dos índios, os dados são alarmantes.


No Maranhão, em 2011, um caminhoneiro passou com o caminhão em cima de um Guajajara, uma índia Kanela foi estuprada e morta a pauladas com requintes de crueldade (pedaços de madeiras e folhas secas foram introduzidas nos seus órgãos genitais), em março desse ano, uma índia Guajajara, adolescente de 13 anos, grávida de um não-índio, foi encontrada na casa dele cheia de hematomas, estrangulada e amarrada em uma cadeira e, o cúmulo, uma criança Awá-Gwajá foi supostamente queimada viva por madeireiros.


A mais recente vítima foi a cacique guerreira Guajajara Maria Amélia. É uma barbárie! E para mudar, temos que admitir e enfrentar esta realidade!


* Alice Pires é da coordenação do Jornal Vias de Fato

domingo, 29 de abril de 2012

A QUEM INTERESSAM OS CONFLITOS NA AMÉRICA DO SUL?

28/04/2012 - Laerte Braga (*)
Original no blog Juntos Somos Fortes



A história real dos países latino-americanos, especialmente os sul-americanos é contada em regime de conta gotas, uma forma de fugir do oficialismo e do ufanismo que historicamente as elites buscam vender desde os bancos escolares.

E há uma explicação simples para isso. As elites econômicas (cidade e campo) da América do Sul não têm uma identidade nacional, mas reportam-se aos modelos europeu e norte-americano, vale dizer, cingem-se às normas do capitalismo internacional.


É comum, por exemplo, contar os feitos heróicos de brasileiros na guerra contra o Paraguai a pintar Solano Lopez como um ditador sem entranhas.

A realidade só é encontrada em publicações independentes que mostram que o País entrou em guerra com o Paraguai a soldo da Inglaterra – da qual estava afastada, mas o dinheiro fala mais alto – e porque o Paraguai de Solano Lopez afetava os negócios dos britânicos. O governante paraguaio implementava um programa de reforma agrária, concorria com as indústrias têxteis dos britânicos e afetava os negócios” do mate. Fomos apenas o instrumento do poder imperial da Grã Bretanha. Não houve patriotismo algum no confronto.

Para registro, os Estados Unidos, à época, já buscando hegemonia junto ao império britânico se opôs ao Brasil e a seus aliados.

Os governos e forças armadas comprados pelos ingleses.


As Ilhas Malvinas, território argentino, até hoje são mantidas sob controle militar do falido império de sua majestade Elizabeth II e num flagrante desrespeito às leis internacionais, mantêm na região submarinos com armas nucleares, aí já noutra conjuntura, a que envolve os Estados Unidos, antiga colônia britânica e hoje proprietário do outrora império “onde o sol não se põe”.

Quando Nixon disse que o Brasil arrastaria a América Latina para onde se inclinasse, estava levando em conta o nível de desenvolvimento de nosso País, seu tamanho continental e justificando o apoio de seu governo à ditadura militar que encharcou de sangue o território nacional e preserva até hoje intocada em boa parte a barbárie militar.

A exceção do movimento tenentista, que mesmo assim se dissolveu em boa parte absorvido pela ditadura Vargas, nossas forças armadas são forças auxiliares do poder maior, sem identidade, e de uma polícia maior e melhor qualificada da grande potência de hoje. Estamos no Haiti sem saber por quê, em vias de irmos à Síria para fazer não sei o quê e mantendo um fragata na frota de “paz” nas proximidades do estreito de Ormuz para garantir os interesses das companhias que transformaram os EUA em conglomerado terrorista ao lado de Israel.

Máquina de guerra
O governo de Lula não privatizou setores essenciais, mas abriu as portas do País ao nazi/sionismo no tal tratado bi-lateral de livre comércio com Israel. São os donos dos setores estratégicos dos Brasil. Governos como o do presidente Chávez, ou do presidente Evo Morales, do presidente Rafael Corrêa, de Cristina Kirchner, de Daniel Ortega não interessam ao grande irmão. Promovem a reforma agrária, o fim do analfabetismo, estabelecem políticas públicas de participação popular, constroem habitações de qualidade para as pessoas, democratizam as relações do Estado com o cidadão, a despeito de uma ou outra limitação. Abrem caminhos para uma revolução popular a partir da consciência política.

Cuba desafia os EUA desde 1959 e se mantém heroicamente a despeito de todas as tentativas golpistas e do bloqueio imposto pelo conglomerado ISRAEL/EUA TERRORISMO S/A.

A Colômbia no entanto é o caso mais grave.

Em guerra civil há anos o país está mergulhado num regime de terror e barbárie e é hoje o maior produtor de cocaína do mundo – o governo não tem interesse na paz, a guerra favorece os grupos produtores da droga e o presidente, todos são meros quadrilheiros ao lado de militares e latifundiários, os chefes dos grandes cartéis. No país são frequentes os assassinatos de lideranças de oposição, sindicalistas, camponeses, há mais de 10 mil presos políticos e milhares de assessores militares norte-americanos, que controlam polícias, forças armadas e governo, além dos grupos paramilitares formados por latifundiários e pistoleiros de grandes conglomerados, os principais controladores da produção e distribuição de droga.

O próprio jornal brasileiro (brasileiro?) O GLOBO, noticiou que o traficante Fernandinho Beira-Mar havia sido preso com as FARC-EP, para anos depois num canto de página admitir que Beira-Mar foi entregue pelos paramilitares numa tentativa de minimizar os conflitos com o Brasil em torno do bandido.

A ex-senadora Ingrid Betancourt, prisioneira de guerra durante anos das FARC-EP, quando liberada estava em perfeita integração com a guerrilha, tinha um filho com um líder guerrilheiro, filho que abandonou – fato denunciado por sua secretária – e foi tentar o prêmio Nobel da Paz patrocinada por uma indústria de cosméticos para mostrar que os anos na selva não a envelheceram.

É a história vendida pela mídia de mercado, fabricada na sociedade do espetáculo, com o objetivo de transformar o ser humano em zumbi diante de um projeto de poder que é mundial. Ao perceber que um controle como o que exercem na Colômbia – até porque o tráfico de drogas paga os custos da guerra e com sobras, já que a guerra hoje é privatizada, empresas cuidam do “negócio”, não seria possível no Brasil, os norte-americanos criaram o chamado PLANO GRANDE COLÔMBIA, que inclui parte do Brasil, a Amazônia, enquanto tentam, através de um governador provincial na Argentina, a instalação de uma base militar para controle total da América do Sul.


Na piedosa prece que Obama faz todos os dias a morte de Chávez é um pedido que a mídia dos EUA não esconde.

A Colômbia hoje é sócia do Brasil no antigo projeto SIVAM – monitoramento aéreo da Amazônia –, ao lado dos EUA e aviões de fabricação brasileira, mas capital e tecnologia norte-americanos (ao privatizar a EMBRAER FHC abriu mão de dispormos de tecnologia nossa no campo). Detêm informações estratégicas sobre nosso País, inclusive e principalmente sobre nossas reservas minerais estratégicas, caso do nióbio.

Marchamos para deixarmos de ser uma nação e caminhamos celeremente para o formato conglomerado da chamada nova ordem econômica, criada com o fim da União Soviética. Lula inventou - frase do secretário geral do PCB Ivan Pinheiro, “o capitalismo a brasileira".

Só que os donos são os norte-americanos e grupos sionistas (controlam a indústria bélica brasileira). Como leite em pó instantâneo estamos nos dissolvendo na obsessão da guerra cambial que custou o poder a Kadafi.

Um estudo das Nações Unidas feito na década de 70 mostra que a América do Sul é uma futura área de conflitos. Não são conflitos provocados pelos povos sul americanos, mas pelos interesses de elites políticas, econômicas do campo e da cidade que controlam o País sem que o governo reaja, pelo contrário, se deixa levar pela crença de potência de ilusão. Estamos sendo engolidos, tragados nessa voracidade falida do capitalismo, mas montado em milhares de ogivas nucleares.


Um Eike Batista, um Daniel Dantas, um FHC, um Serra, um Alckmin, um Aécio (já apareceu uma prima de Cachoeira nomeada pelo ex-governador do bafômetro ou corruptômetro) e os políticos que controlam, parte expressiva do Poder Judiciário, tudo isso nos transforma definitivamente numa república de bananas, onde um Brilhante Ulstra tortura, assassina e permanece impune e a mídia faz e fala o que bem entende. Um banqueiro de jogo de bicho faz tremer a república. Coloca na berlinda um governador corrupto como Sérgio Cabral e abre perspectiva para outro criminoso Anthony Garotinho, que chega em nome do “senhor.”

Que república?


Somos uma democracia consentida. O Código Florestal nos condena a sermos um futuro deserto e a reforma agrária vai para o brejo. Mas somos uma potência, só que de ilusão. Não há saída dentro do processo político vigente, dentro do jogo sujo das eleições financiadas por empresas privadas, por bancos e latifundiários. Ou vamos às ruas e viramos essa mesa para rearrumá-la segundo a vontade popular, que tem que ser despertada, está anestesiada pela mídia, ou vamos de fato virar apenas um departamento do PLANO GRANDE COLÔMBIA.


Esse é o desafio que as forças populares enfrentam. Os conflitos aqui interessam aos donos para que sejamos sempre o gado marcado que fala José Ramalho. Só isso, mais nada.

(*) Laerte Braga é jornalista e reside em Juiz de Fora. Colabora no blog Juntos Somos Fortes

sábado, 28 de abril de 2012

Um povo cercado por um anel de ferro

26/4/2012 - Inter Press Service
por Fabíola Ortiz, da IPS - Envolverde
Rio de Janeiro, Brasil


As 380 famílias da localidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, são obrigadas a conviver com a elevada contaminação da água, do ar e do solo, causada pelo vizinho polo siderúrgico.


O lugar toma seu nome da árvore piquiá, que dá uma madeira altamente apreciada, mas que se extinguiu na região, onde estão instaladas, há 25 anos, cinco usinas siderúrgicas, lideradas pela Vale, empresa de mineração.

Atualmente são produzidas nesse lugar 500 mil toneladas de ferro-gusa, matéria-prima do aço, que se obtém fundindo em altos fornos carvão, calcário e minério de ferro. O polo de Açailândia, município com jurisdição sobre a área, depende do fortalecimento da atividade das minas de ferro da Vale, cuja produção é levada aos portos do Atlântico nas proximidades de São Luís, capital do Estado, que fica a 500 quilômetros de distância.

Os moradores da pequena localidade, onde os quintais de suas modestas casas ficam ao lado dos terrenos das grandes fábricas, já apresentam em sua saúde os impactos da contaminação e da degradação ambiental. Devido à péssima qualidade do ar que respiram e da água que consomem, mais de 40% dos moradores de Piquiá de Baixo se queixam de doenças e males respiratórios e dos pulmões, bem como de lesões dermatológicas, segundo um estudo do Centro de Referência em Enfermidades Infecciosas e Parasitárias, da Universidade Federal do Maranhão.

Esta população, que reclama sua transferência para um lugar seguro, limpo e distante do polo siderúrgico, é formada em sua maioria por agricultores que hoje só podem trabalhar a terra a mais de 200 quilômetros de suas casas. Este é um drama que se repete em muitas das cidades com atividade de mineração do Brasil, várias delas também mobilizadas.

Edvard Dantas Cardeal, de 68 anos, preside a associação dos moradores de Piquiá de Baixo, afetados pela fumaça e pelos resíduos gerados pelos 70 fornos de fundição existentes na região.


Estamos em perigo, pois vivemos ao lado de cinco siderúrgicas e, além disso, a Vale tem um posto de minério a 300 metros de nossas casas, e todos os dias centenas de toneladas de ferro cruzam nosso povoado durante as 24 horas do dia”, disse à IPS.


A denúncia das precárias condições de vida em Piquiá de Baixo está destacada no Relatório de Insustentabilidade da Vale 2012, apresentado no dia 18 [abril/2012] no Rio de Janeiro pela Articulação Internacional dos Afetados pela Vale, que reúne 30 movimentos sociais do Brasil, Canadá, Chile, Argentina e Moçambique, alguns dos países onde a empresa atua.


Andressa Caldas

A diretora-executiva da organização não governamental Justiça Global, Andressa Caldas, afirmou à IPS que o caso de Açailândia é emblemático, porque é uma comunidade assentada há mais de 50 anos e que “pede para ser trasladada devido ao grau de degradação ambiental e contaminação tóxica que sofre”. Concordando com Andressa, Danilo Chammas, advogado dos moradores de Piquiá de Baixo, observou que o lugar já existia quando foi instalado o polo siderúrgico na região, há 25 anos. Agora, “a convivência se tornou inviável, já que a população respira todos os dias pó de ferro misturado com carvão”, ressaltou. “O traslado das famílias deveria ter sido feito quando começou a construção do polo, e ainda hoje esta alternativa é a única e urgente”, assegurou Chammas à IPS, acrescentando que exige-se “da Vale um compromisso maior com os moradores e que, efetivamente, forneça recursos para a construção de um novo assentamento longe da contaminação”.
 
Segundo o Relatório de Insustentabilidade, a Vale “nega-se a reparar os danos causados a essas pessoas e, por conseguinte, a assumir o custo de reassentar as famílias”. Cardeal também aderiu a essa reclamação, porque sua comunidade “não pode mais ficar ali, já que existe um grande risco de a saúde pública degradar ainda mais”. E enfatizou que “não podemos mais, as siderúrgicas contaminam o rio que cruza a cidade e só podemos pedir a Deus para sair deste lugar”.


Cardeal e Chammas

A IPS confirmou que existe um terreno distante do polo siderúrgico que foi expropriado em julho de 2011 pelo município de Açailândia para reassentar os moradores afetados. Apesar de inicialmente terem existido recursos legais apresentados por seu proprietário, o assunto foi resolvido no dia 20 de março pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Cardeal e Chammas viajaram ao Rio de Janeiro tentando um encontro com representantes do consórcio Vale. “Viemos com o espírito de dialogar e para que a empresa aproveite a oportunidade para limpar sua imagem, manchada pelo vínculo que tem com as indústrias de ferro-gusa, muitas das quais promovem o trabalho escravo e infantil”, denunciou o advogado.


A assessoria de imprensa da Vale não quis comentar o assunto ao ser questionada pela IPS, mas depois divulgou um comunicado em resposta ao Relatório de Insustentabilidade. “A Vale recebe com respeito todas as sugestões e denúncias referentes às suas operações. Temos consciência de que a atividade mineradora provoca impacto e, por isso, trabalhamos em conjunto com as comunidades e os governos para encontrar soluções que garantam segurança às pessoas, bem como uma convivência harmônica e saudável”, diz o texto da companhia.

Envolverde/IPS (IPS)
Fotos: Gentileza da Associação de Moradores de Piquiá de Baixo