quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A Constituição ignorada

18/09/2012 - Ano 16 - nº 712 do Observatório da Imprensa
Por Dalmo de Abreu Dallari (*)

A cobertura do Poder Judiciário pela imprensa, com noticiário minucioso e comentários paralelos, é uma prática muito recente, que pode ter efeitos benéficos em termos de dar maior publicidade a um setor dos serviços públicos que também está obrigado, como todos os demais, a tornar públicos os seus atos, seu desempenho administrativo e a utilização de seus recursos orçamentários.

Entretanto, as decisões judiciais têm várias peculiaridades, entre as quais está o direito de penetrar na intimidade das pessoas e das instituições quando isso for necessário para o bom desempenho do julgador, assim como o fato de que tais decisões, que podem ter gravíssimas consequências para pessoas, entidades e mesmo para toda a sociedade, são inevitavelmente influenciadas por uma escala individual de valores – tudo isso implica a configuração de características especiais, exclusivas das atividades judiciárias e bem diferentes das peculiaridades do Legislativo e do Executivo.

Só isso já seria suficiente para que se exigisse da imprensa uma atenção diferenciada para a cobertura das atividades do Judiciário. Acrescente-se, ainda, que pelas particularidades do processo de obtenção e uso de dados, assim como da fundamentação das decisões dos juízes e tribunais, é indispensável um preparo adequado dos editorialistas e jornalistas que irão publicar informações e opiniões sobre as atividades e as decisões do Judiciário, pois além do risco da existência de erros na matéria divulgada, o que já é altamente reprovável, graves consequências podem decorrer da divulgação de informações e comentários errados e mal fundamentados. Nesses casos a publicidade do Judiciário acarretará mais efeitos nocivos do que benéficos.

Matéria jurídica
O despreparo de importantes órgãos da imprensa para a cobertura do Judiciário tem ficado evidente, tanto pelo tratamento dado às matérias quanto pela ocorrência de erros e impropriedades relativamente a situações e ocorrência pontuais. Assim, por exemplo, num dos mais importantes órgãos da imprensa brasileira, o jornal O Estado de S.Paulo, que ultimamente passou a ser muito vigilante quanto às falhas do Judiciário e muito agressivo nos comentários a elas relativos, foi publicado, na edição de 22 de julho deste ano, num editorial da página 3 – que é um espaço nobre do jornal –, um comentário que, sob o título “A resistência da toga“, pretendia denunciar a persistência da doença do corporativismo no Judiciário.

Para comprovação do que ali se afirmava foi referida a resistência de juízes às boas inovações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, informando-se, textualmente, para esclarecimento dos leitores, que essa emenda “entre outras inovações, criou o instituto jurídico do mandado de injunção. Na época, entidades da magistratura acusaram esse mecanismo processual – cujo objetivo é agilizar as decisões judiciais, obrigando os tribunais inferiores a seguir a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal – de suprimir as prerrogativas e a autonomia dos juízes de primeira instância”.

Ora, basta uma simples leitura do artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição para se verificar a absoluta impropriedade da afirmação constante do editorial. Com efeito, nos termos expressos daquele inciso constitucional “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Como fica mais do que evidente, quem escreveu o editorial não tinha conhecimento do assunto e não houve assessoria nem revisão de algum conhecedor. Provavelmente, o editorialista tinha ouvido falar que estavam sendo propostas inovações constitucionais para melhorar o Judiciário e uma delas dava efeito vinculante a certas decisões do Supremo Tribunal Federal, obrigando os órgãos do Poder Judiciário a seguirem a mesma orientação, o que tinha sido mal recebido por alguns integrantes do Poder Judiciário.

Trata-se, neste caso, da súmula vinculante, prevista entre as competências do Supremo Tribunal Federal no artigo 103-A da Constituição, inovação que absolutamente nada tem a ver com o mandado de injunção.

Houve erro evidente do editorialista, mas também ficou evidenciado o despreparo de um importante órgão da imprensa para a cobertura do Judiciário. Pode-se imaginar quantos equívocos dessa natureza podem estar contidos nas informações e nos comentários sobre matéria jurídica, que pretendem informar e formar os leitores, como se tem considerado inerente ao papel da imprensa.

Extensão inconstitucional
Há um ponto em que a imprensa poderia promover um sério debate, com base numa questão jurídica fundamental: por meio da Ação Penal 470, estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, sem terem passado por instâncias inferiores, acusados que não tinham cargo público nem exerciam função pública quando participaram dos atos que deram base à propositura da ação pelo Ministério Público. Isso ficou absolutamente evidente no julgamento de acusados ligados ao Banco Rural, que, segundo a denúncia, sem terem cargo ou função no aparato público, interferiram para que recursos públicos favorecessem aqueles integrantes de um banco privado.

Ministro Ricardo Lewandowski

Essa questão foi suscitada, com muita precisão, pelo ministro Ricardo Lewandowski, na fase inicial do julgamento.

Entretanto, por motivos que não ficaram claros, a maioria dos ministros foi favorável à continuação do julgamento de todos os acusados pelo Supremo Tribunal.

No entanto, a Constituição estabelece expressamente, no artigo 102, os únicos casos em que o acusado, por ser ocupante de cargo ou função pública de grande relevância, será julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal e não por alguma instância inferior.

No inciso I, dispõe-se, na letra “b”, que o Supremo Tribunal tem competência para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, “o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República”. Em seguida, na letra “c”, foi estabelecida a competência originária para processar e julgar “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.

Como fica muito evidente, o Supremo Tribunal Federal não tem competência jurídica para julgar originariamente acusados que nem no momento da prática dos atos que deram base à denúncia nem agora ocuparam ou ocupam qualquer dos cargos ou funções enumerados no artigo 102.

Para que se perceba a gravidade dessa afronta à Constituição, esses acusados não gozam do que se tem chamado “foro privilegiado” e devem ser julgados por juízes de instâncias inferiores. E nesse caso terão o direito de recorrer a uma ou duas instâncias superiores, o que amplia muito sua possibilidade de defesa. Tendo-lhes sido negada essa possibilidade, poderão alegar, se forem condenados pelo Supremo Tribunal, que não lhes foi assegurada a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.

E poderão mesmo, com base nesse argumento, recorrer a uma Corte Internacional pedindo que o Brasil seja compelido a respeitar esse direito.

A imprensa, que no caso desse processo vem exigindo a condenação, não o julgamento imparcial e bem fundamentado, aplaudiu a extensão inconstitucional das competências do Supremo Tribunal e fez referências muito agressivas ao ministro Lewandowski – que, na realidade, era, no caso, o verdadeiro guardião da Constituição.

(*) Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed712_a_constituicao_ignorada

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Por que tentam ferir letalmente o PT?

17/09/2012 - Manter viva a causa do PT: para além do "mensalão"
- por Leonardo Boff (*)
- extraído do blog Viomundo

Há um provérbio popular alemão que reza: "você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco". Ele se aplica ao PT com referência ao processo do "mensalão".

Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT.

A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares.


Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis.

Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder.

Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático.

Lamentavelmente houve a queda.


Mas ela nunca é fatal.

Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade.

Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos.

Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.


Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões.

Ressalto apenas duas decisivas.

A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas "negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhe pertence".

Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável.

Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica.

Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou.

Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula.


 
Estes grupos se propõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.


A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo.

Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração.

Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico.

Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada.

Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não se deixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência.

Essa utopia mínima é factível.

O PT se esforça por realizá-la.

Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.

(*) Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e doutor honoris causa em política pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.

Fonte:

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Dois alertas: golpes em gestação

[Pareceu combinado, mas o tom dessas postagens diferem tanto que foi por mero acaso que elas sairam, justo neste fim de semana (15/09), véspera do início do julgamento pelo STF do chamado "núcleo político" dos acusados no chamado "mensalão".

Essa coincidência ganha destaque, porque parte da mídia-empresa, estrelada pela revista Veja - por sua vez envolvida até o pescoço com outro escândalo, o do seu diretor da sucursal de Brasília, Policarpo Jr. entreleçando as suas com as atividades do bicheiro Carlinhos Cachoeira -, tenta pressionar o Supremo para que apenas referende a condenação dos réus que ela mesma já proclamou, desde quando as denúncias vieram à tona há 7 anos. Se possível - esse é seu objetivo maior, ainda que atropelando o rito processual -, inclua nela, o ex-Presidente Lula.

O desmentido formal de Marcelo Leonardo, advogado do publicitário Marcos Valério, ("O Marcos Valério não dá entrevistas desde 2005 e confirmou para mim hoje que não deu entrevista para a Veja e também não confirma o conteúdo da matéria") não foi suficiente.

A partidarização por integrantes da grande mídia torna-se assim mais relevante e evidente do que sua propalada isenção. "Nada impede que uma denúncia seja feita contra Lula mais adiante", apressou-se em sugerir Merval Pereira, de O Globo, solidário e repercutindo de imediato, o mesmo ódio golpista que há décadas acalenta os sonhos do sr. Roberto Civita, o dono da revista Veja]

(Equipe Educom)


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Alerta 1

16/09/2012 - Conspiração - blog Aposentado Invocado

Está em curso uma conspiração da "elite" brasileira para conquistar o poder político por meios ilegais.

A revista Veja e os jornais da ANJ [Associação Nacional dos Jornais] preparam esse golpe faz tempo e, em reunião secreta, vendo que Serra será derrotado, sem nomes para lançar a presidência do Brasil, resolveram que o momento é agora. Lula tem que dar o sinal para o contra-ataque.

Essa gente não é adversária política e nem se preocupa com as regras da democracia, eles são inimigos de morte. Não se conformam da perda do poder e estão prontos para o golpe de Estado.

Lula, não se engane, a "elite" quer lhe ver morto.

Fonte:
http://aposentadoinvocado1.blogspot.com.br/2012/09/esta-em-curso-uma-conspiracao-da-elite.html


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Alerta 2

16/09/2012 - Veja confessa: não há entrevista!
- por Altamiro Borges em seu blog

A “Carta ao Leitor” da Veja, que equivale ao editorial da revista, traz uma informação que até agora passou meio despercebida, mas que tem excitado alguns internautas – principalmente os trogloditas da direita.

O publicitário Marcos Valério deu ou não uma entrevista exclusiva à publicação, confirmando a tese alardeada na reportagem de que “Lula era o chefe” do mensalão?

Valério não quis dar entrevista sobre as acusações diretas do envolvimento de Lula que ele vem fazendo”, garante o diretor da Veja, Eurípedes Alcântara.

O serviçal da famiglia Marinho pode até estar blefando, fazendo mistério. Mas tudo indica que a entrevista realmente não existiu e que a revista novamente se baseou em boatos e fofocas na linha da escandalização da política, visando vender mais exemplares e interferir na disputa política e eleitoral em curso no país. Se a entrevista existisse, ela seria publicada na íntegra. Mesmo assim, não comprovaria nada. Seria a opinião do publicitário Marcos Valério, já condenado no tribunal de exceção do chamado “mensalão do PT”.

Roberto Civita, da Veja

Lula e a excitação dos golpistas
Na “Carta ao Leitor”, intitulada “Lula era o chefe”, Eurípedes Alcântara faz um grande esforço para recuperar a credibilidade da Veja. O artigo é pura apologia da desgastada revista, coisa típica de um funcionário do alto escalão que tenta justificar seu salário. Para ele, a revista é um bastião da ética.

Veja se orgulha de ter desempenhado um papel fundamental em mais esse processo de depuração da vida política nacional”. Ele só não explica as ligações da Veja com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira, reveladas nas gravações da PF.

O texto também confirma o ódio doentio que a famiglia Civita nutre contra Lula – o ex-operário que chegou à Presidência da República num país que sempre foi comandado pelas elites.

A mesma revista que tentou esconder as revelações do livro “A privataria tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., garante que durante o governo Lula “a podridão subiu a rampa do Palácio do Planalto e se instalou nas imediações e até no próprio gabinete presidencial”.

Para comprovar a sua tese golpista, ela não vacila em explorar boatos e fofocas.

Reportagem exclusiva desta edição do editor Rodrigo Rangel, da sucursal de Brasília, feita com base em revelações de Marcos Valério a parentes, amigos e associados, reabre de forma incontornável a questão da participação do ex-presidente no mensalão. Lula era o chefe, vem repetindo Valério com mais frequência e amargura..."

"Valério não quis dar entrevista sobre as acusações diretas do envolvimento de Lula que ele vem fazendo. Mas não desmentiu nada”.

Pronto! Está criado o fato para justificar o fuzilamento de Lula!

Fonte:
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/09/veja-confessa-nao-ha-entrevista.html#more 

domingo, 16 de setembro de 2012

“Talvez duas crianças tenham morrido para você ter o seu celular”

11/09/2012 - Por Inés Benítez, no IPS (Inter Press Service)
- extraído do blog Sociedade dos Amigos da TV Brasil (SOA Brasil)

[Aquilo que o mundo já conhece como Holocausto Colonial (*), se reproduz tanto na Faixa de Gaza e nas Colinas de Golan quanto aqui na África. A reconquista da Líbia pelas forças armadas do ocidente, uma das poucas nações africanas que ainda esboçava uma reação aos planos de dominação imperialista e neocolonial patrocinados pelas grandes corporações capitalistas, serviu para nos dar uma ideia das características  do naco da humanidade a ser varrido do mapa para que, acima de tudo, prevaleçam os interesses do mundo abastado do dinheiro.

O artigo que aqui publicamos anteontem sobre a luta pela água no Quênia (costa oriental da África), A Água ou a Vida revela outras facetas desse processo de dominação e extermínio.

E porque possui as mesmas raízes históricas coloniais, em tudo se assemelha às guerras fraticidas que assolam a República Democrática do Congo (costa ocidental dessa mesma África), objeto do artigo de hoje sobre o coltan, esse raro e imprescindível mineral presente em todos os "brinquedinhos eletrônicos" dos dias atuais.]
(Equipe Educom)

A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que já causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”.

Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.

No Brasil, já existem mais celulares que habitantes, mas poucos consumidores sabem da exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.

(Inés Benítez, no IPS)

Pode ser que duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular”, disse Jean- Bertin, um congolense de 34 anos que denuncia o silêncio absoluto” sobre os crimes cometidos em seu país pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan (columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos 64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
Da tantalita se extrai o tântalo, metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros. “A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas metem o nariz ali”, lamenta Jean-Bertin, que chegou há oito anos à cidade espanhola de Málaga, procedente de Kinshasa, onde vivem seus pais e dois irmãos.

A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”. Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.

A exploração de coltan em dezenas de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças, segundo o documentário de 2010, Blood in the Mobile (Sangue no Celular), do diretor dinamarquês Frank Piasecki.

No entanto, fontes da indústria, como o Tantalum - Niobium International Study Center (TIC), alertam que as jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.

A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro, cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais. Na Espanha, a Rede de Entidades para a República Democrática do Congo – uma coalizão de organizações não governamentais e centros de pesquisa – lançou em fevereiro a campanha Não Com o Meu Celular, para exigir dos fabricantes o compromisso de não usarem coltan de origem ilegal.

O surgimento de novas fontes de tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros, contou ao Terramérica a coordenadora da campanha na Entreculturas, Ester Sanguino.

Entretanto, fundações e empresas dedicadas à reciclagem, ouvidas pelo Terramérica, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não daria conta, disse ao Terramérica uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento das aplicações atuais do tântalo.

Apple e Intel anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga.

Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais “não contenham materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente”. Na verdade, os códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.

O esforço maior é o das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.

Os grupos rebeldes proliferam pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro”, disse ao Terramérica o coordenador da organização humanitária Farmamundi na RDC, Raimundo Rivas.

Os governos vizinhos são “cúmplices” e “até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas”, ressaltou.

Há muitos interesses econômicos em torno do negócio do coltan”, alertou Jean-Bertin.

Enquanto isso, na RDC “as matanças são reais. O sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse”.

Por isso gera expectativas a decisão da Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC), que, no dia 22 de agosto, regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e Reforma de Wall Street, referente aos “minerais de conflitos”. A Lei 1.502 estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo, tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a análise da cadeia de fornecimento.

Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de uma missão de paz da ONU.

Com o olhar dominado pela raiva e sua filha de seis meses nos braços, o congolense Jean-Bertin insiste que os grupos armados “dão armas a muitas crianças e as obrigam a entrar para um ou outro bando".

Para Rivas, “a única solução é um governo forte na RDC, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito”.


Postado por SOA BRASIL
Fonte:
http://amigosdatvbrasil.blogspot.com.br/2012/09/pense-talvez-duas-criancas-tenham.html
(*) Alusão ao livro de Mike Davis, Holocaustos Coloniais