sábado, 16 de junho de 2012

Desenvolvimento Sustentável: Estado Sólido, Líquido ou Gasoso?

30/05/2012 - Patricia Almeida Ashley(*)
Original publicado no site Rede EConsCiencia e Ecocidades - UFF

Faço aqui uma reflexão sobre as discussões em andamento sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals) para uma possível ação a ser acordada entre os países representados na Rio+20.

Percebo uma ansiedade por um “estado sólido”, paupável, mensurável, segurável, assegurável, verificável, comprovável, comparável, planejável, previsível, reproduzível, sempre que se fala em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como resultados e impactos a serem desdobrados em Indicadores e Metas para serem usados por todos os países e regiões no mundo. Haja números e estatísticas e equações!!!. Para mim, reflete uma racionalidade mecanicista, positivista, típica da abordagem científica hipotético-dedutiva e cartesiana, que pressupõe equações lineares, métodos estatísticos e métricas parametrizáveis para comparações, rankings, previsões. Típica de formação de engenharias e outras ciências que requerem, para a sua contribuição na formação do conhecimento humano, estruturas mensuráveis.

Quando passamos a conceber os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável como algo mais pertinente a processos e capacidades para que as sociedades renovem seus sistemas jurídicos, normativos, suas lógicas anacrônicas para a educação, reprodução, produção e consumo, estamos passando para um “estado líquido” de concepção de desenvolvimento sustentável, algo como a água que não se perde ao cruzar com as pedras, mas as contorna, sofre com contaminações, mas se evapora, se desmancha para um novo ciclo de vida. Ou seja, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável não passam mais a ser comparáveis em métricas entre países, pois somos águas e terrenos distintos, mas somos passíveis de trocas, intercâmbios, aprendizagens, intenções e ações para que nossas águas sempre se renovem e gerem vida.

E se caminharmos para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável como algo mais pertinente a princípios, valores, sensações, sentimentos, afetos, daí caminharemos para a qualidade espiritual da humanidade em harmonia com a Terra e com o Cosmos, passando a enxergar o quão grande é a família a que pertencemos e o que viemos fazer aqui e agora e com todos que percebemos estar e viver e morrer. Digo que é desenvolvimento sustentável como “estado gasoso” que trabalha pela inteligência espiritual, pela evolução de consciências, pelo desapego à limitação da expressão sólida apenas perceptível pelos cinco sentidos. Como medir em indicadores e metas o que atingimos e atuamos quando podemos nos abraçar profundamente e sem medo? Já experimentou algo assim? Percebe o que muda em sua hierarquia de valores?

Entende por que podemos ser plenamente realizados sem ter que ter que ter que ter, mas sendo o ser para ser o ser entre seres? 

O artigo Why we need sustainable development goals?, que replico aqui e originalmente publicado em Why we need Sustainable Development Goals – SciDev.Net, foi o que me provocou as reflexões que escrevi acima. Coloco, como contraposição, o excelente artigo elaborado por Benedito Silva Neto e David Basso, publicado na Revista Ambiente e Sociedade, em 2010, sob título A ciência e o desenvolvimento sustentável: para além do positivismo e da pós-modernidade, que nos ajuda a sair do estado sólido, transitar pelo necessário estado líquido para atingir e recuperarmos o estado gasoso do desenvolvimento sustentável.


(*) Colunista de Plurale, professora e coordenadora da Rede EConsCiência e Ecocidades da Univesidade Federal Fluminense (UFF).


Artigo publicado originalmente no site Plurale. Postado por Equipe Rede EConsCiencia e Ecocidades em:
http://redeeconsciencia.blogspot.com.br/2012/05/desenvolvimento-sustentavel-estado.html

sexta-feira, 15 de junho de 2012

COBERTURA ESPECIAL – Rio+20


[Com essa Cobertura Especial, a equipe do blog EDUCOM registra, nesta data, os 20 anos da inauguração, também
no Rio de Janeiro, da Cúpula da Terra, na ECO-92]


14/06/2012 - COBERTURA ESPECIAL – Rio+20
Fonte: Agência Notisa


Países avançaram muito pouco em estratégias de prevenção de desastres desde a Eco 92

Para especialistas, é preciso mudar o comportamento social, investir em pesquisa e melhorar o diálogo entre cientistas e governantes.

Agência Notisa - Dados da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNISDR) indicam que desde a realização da Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992, 4,4 bilhões de pessoas foram afetadas por esses desastres. No total, isso representa um prejuízo de US$ 2 trilhões de dólares e 1,3 milhões de óbitos. Apenas na China, um dos dez países mais impactados pelos desastres, 2,5 bilhões de pessoas foram afetadas. No Haiti 230.675 pessoas foram mortas. Esses foram alguns dados apresentados em uma sessão do Forum on Science, Technology & Inovation for Sustainable Development, realizada na manhã de hoje (14) na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ). O fórum é um dos eventos paralelos à Rio+20.

Durante a sessão, especialistas de diferentes nacionalidades discutiram medidas interdisciplinares para redução e gerenciamento de riscos de desastres. Segundo Gordon McBean, professor e diretor do Institute for Catastrophic Loss Reduction do Departamento de Geografia e Ciência Politica da University of Western Ontario, no Canadá, em todas as sociedades as pessoas mais pobres são as que estão mais suscetíveis aos desastres. Boa parte desses eventos, segundo ele, está relacionada ao clima e a mudanças climáticas. Nesse sentido, ele destacou a necessidade da colaboração nacional e internacional para a formação de uma consciência social.

Desde 1980, tem-se observado um número crescente de desastres. O pesquisador lembrou que Austrália, Ásia e América do Norte são alguns dos lugares onde há relatos frequentes desses eventos. “Com esse aumento de eventos notamos que cada vez mais pessoas têm sido afetadas. Atualmente, existem vários métodos para normalizar essas perdas, por exemplo, estatísticas que levam em conta dados sociodemográficos e socioeconômicos”, disse o especialista. Segundo Gordon, progressões indicam que as sociedades devem esperar ainda mais desastres. Dessa forma, ele defendeu a importância do mundo estar preparado para enfrentá-los.

Para Kuniyoshi Takeuchi, diretor do Internacional Center for Walter Hazard and Risk Management (ICHARM), do Japão, um dos fatores que tem contribuído para a intensificação e maior constância dos desastres é o número crescente de habitantes do planeta. “As pessoas vêm se empenhando cada vez mais para obter mais educação e maior poder aquisitivo. Atualmente, nossos investimentos em prevenção de desastres não são suficientes. Precisamos de muito mais esforços para reduzir a frequência desses eventos”, considerou.

Ana Maria Cruz, editorial manager GCOE e professora adjunta visitante da Kyoto University, do Japão, destacou que embora existam sistemas de alerta para desastres, eles não têm funcionado de forma satisfatória. “Essas ferramentas não foram suficientes para proteger a cidade em muitos desastres. Precisamos de uma comunicação melhor, precisamos ser mais honestos e isso envolve qualquer caso de desastre, seja natural ou causado pelo homem”, afirmou.

Abdou Sane, président du réseau des parlementaries sénégalais por I´Habitt, la Sécurité, la Prévention et la Gestion des Risques de Catastrophes lieés aux Changements climatiques, do Senegal, também reforçou a importância de mais investimentos financeiros na prevenção de desastres. Para ele, é necessário estabelecer planos de ação.

Segundo Walter Ammann, presidente do CEO Global Risk Forum GRF Davos, da Suíça, os risco são compostos de fatores naturais, mas também estão relacionados ao mau uso dos recursos, por exemplo, através da construção de forma indiscriminada de prédios. Nesse sentido, ele afirmou que o fator natural é apenas um componente do gerenciamento de riscos. “Precisamos relacionar o gerenciamento de risco com o desenvolvimento social. Há vinte anos na Convenção do Clima, também realizada no Rio de Janeiro, foram propostas medidas, mas o que vemos hoje é que houve um avanço muito lento nesse campo. É preciso relacionar gerenciamento de risco à sustentabilidade”, considerou.

Uma questão importante, segundo Peter Höppe, do Head of Geo Risks Research Department, Corporate Climate Centre, em Muniche, Alemanha, é que os países em desenvolvimento e os mais pobres são impactados por esses desastres de forma muito mais intensa. “Quando os eventos ocorrem em países desenvolvidos é possível reconstruir as cidades de forma rápida. Acredito que esses países têm responsabilidade de ajudar os países pobres a lidar com os destares. Isso pode ser feito de diversas formas, inclusive, através de recursos financeiros”, afirmou.

Para Allan Lavell, do Integrated Research on Disaster Risk (IRDR) do programme Scientific Commitee member, do Reino Unido, o homem está contribuindo para a construção desses desastres. “Não podemos mudar o comportamento dos tornados, por exemplo, mas podemos mudar o comportamento humano”, destacou.

Essa mudança, segundo Gordon McBean, precisa ser iniciada agora.

O diretor do ICHARM, Kuniyoshi Takeuchi, reforçou a ideia de que os governos não devem investir apenas em sistemas de evacuação, ou seja, em medidas que visem contornar as catástrofes. Para ele, é fundamental o investimento em estratégias capazes de evitar esses eventos. “Precisamos investir, por exemplo, em saneamento básico e em formas de ampliar o acesso à água potável”, ressaltou.

Outra medida importante, segundo Ana Maria Cruz, é que os programas de gerenciamento de risco não sejam conduzidos de forma segmentada. Para ela, é importante que os diferentes setores envolvidos nos planos de ação dialoguem entre si.

Os co-organizadores da sessão Jane E. Rovins, diretora executiva do Integrated Research on Disaster Risk (IRDR) Programme, e Badaoui Rouhban, diretor da Section for Disaster Reduction, da UNESCO, lembraram a importância da educação nesse contexto. Para Jane, o trabalho de orientação em escolas é fundamental.

Os palestrantes discutiram ainda sobre a relação entre política e ciência. Eles destacaram a necessidade de se investir mais na produção de conhecimento e defenderam que esses dois setores precisam se comunicar melhor. Além disso, consideraram que é preciso investir especialmente em estratégias capazes de transferir o conhecimento gerado em laboratório para a prática.

Para Ana Maria Cruz, a ciência pode ser feita através de pesquisas que não necessariamente visam completar lacunas, mas também deve ser feita a partir da identificação de lacunas, buscando formas de preenchê-las.

Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A água não pode faltar na Rio+20

13/06/2012 - por Thalif Deen, da IPS
original extraído do site Envolverde

A manchete de um jornal de Nova York, em março deste ano, capturou a essência de uma possível ameaça à estabilidade mundial: Informe dos Estados Unidos prevê tensões pela água”.

O estudo, uma somatória de relatórios da inteligência norte-americana, alerta que nos próximos dez anos muitos países “quase seguramente experimentarão problemas relacionados com a água, por escassez, má qualidade ou inundações, que poderiam gerar instabilidade e falhas nos Estados, aumentando as tensões regionais”.

Apesar destas advertências, há temores de que no plano de ação que se espera seja acordado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontece de 20 a 22 deste mês no Rio de Janeiro, deixe fora o assunto fundamental da água e do saneamento. “Muitos estão perdendo sua fé no sistema das Nações Unidas, e um resultado fraco na Rio+20 contribuirá para essa desconfiança”, alertou Karin Lexen [ao lado], do Instituto Internacional da Água de Estocolmo.

Naturalmente, gostaríamos de ver um resultado contundente, com compromissos concretos e com visão de futuro”, disse Karin à IPS. Esta especialista também afirmou que seria importante os líderes reunidos no Rio de Janeiro acordarem novas metas de desenvolvimento sustentável. Como elemento crucial da economia, a água claramente deve ser tema de uma das metas, e também deve estar incluída em outras referentes a setores como energia e alimentação, destacou.


A Rio+20, da qual participarão mais de 120 chefes de Estado e de governo, acontecerá 20 anos depois da Cúpula da Terra, também realizada no Rio de Janeiro. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, afirmou que a cúpula deve obter progressos nos elementos fundamentais da sustentabilidade: energia, água, alimentação, cidades, oceanos, emprego e empoderamento das mulheres. Por sua vez, a relatora especial da ONU sobre direito humano a água e saneamento, Catarina de Albuquerque [ao lado], exortou os Estados-membros a contemplarem este tema na Rio+20.

Em carta aberta dirigida aos governos que discutem o documento final do encontro, Catarina expressa sua preocupação pela possibilidade de ser excluído do texto um expresso reconhecimento do direito humano a água e saneamento, após fracassarem neste aspecto três rodadas de negociações em Nova York. “Alguns países sugeriram uma linguagem alternativa que não faz menção explícita a esse direito. Outros tentaram reinterpretá-lo e inclusive diluir o conteúdo deste direito”, apontou.

A relatora destacou que o acesso a água já foi reconhecido, em 2010, como direito humano tanto pela Assembleia Geral da ONU como pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Quando fixarem metas sobre acesso a água potável, os líderes reunidos na Rio+20 deverão integrar o conceito desse recurso como direito humano, insistiu Catarina. A água deve estar disponível em quantidade suficiente para proteger a saúde e a dignidade humanas, especialmente para os mais marginalizados, ressaltou.

No entanto, Karin destacou que na Rio+20 será fundamental acordar “uma gestão sábia e sustentável da água”. Se tudo continuar como está, a demanda mundial poderá superar a oferta em 40% até 2030. Isto, advertiu, porá em risco também a energia e a alimentação, aumentará os custos da saúde pública, limitará o desenvolvimento econômico, desatará tensões sociais e geopolíticas e causará danos ambientais duradouros.

Portanto, os fundamentos de uma economia verde eficiente devem ser construídos sobre água, energia e segurança alimentar, e esses temas precisam ser enfrentados de forma integrada e global, além de constarem” do documento final do Rio, acrescentou Karin.

Esta especialista opinou que as conferências internacionais ainda não dão à água o lugar de destaque que merece, considerando seu papel fundamental para a vida e o desenvolvimento, além de ser ferramenta para a cooperação e também possível motivo de conflitos. Embora a água seja mencionada no rascunho da declaração final, está excluída quando se refere a outras áreas relacionadas.

As delegações continuam debatendo sobre o conceito do acesso a água e saneamento como direito humano, quando faltam poucos dias para o início da reunião.

Temos muito trabalho na última semana que resta pela frente, e na própria cúpula, para garantir que haja compromissos concretos e um resultado contundente”, enfatizou Karin.


Envolverde/IPS


Original em: http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/a-agua-nao-pode-faltar-na-rio20/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=13

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A falência da Espanha e seus disfarces

10/06/2012 - Maurício Caleiro
em seu blog Cinema & Outras Artes

A Espanha quebrou, faliu.

Este é o fato, a terrível realidade que se esconde por detrás de uma operação discursiva que lança mão de termos amenos, humanistas e solidários como “ajuda”, “resgate” e “operação de salvamento”.

Trata-se, na verdade, de uma intervenção na economia e na soberania espanholas, para benefício do mercado financeiro e com duras consequências para a população.


Rajoy questionado

 Tendo imposto suas demandas ao governo do conservador Mariano Rajoy sob sua relutância apenas aparente, a batalha que os arautos do neoliberalismo ora travam é de ordem discursiva: em primeiro lugar, trata-se de convencer os espanhóis que é não apenas aceitável, mas para seu próprio bem desejável que paguem, com carestia, desemprego, cortes nos salários, nas aposentadorias e no acesso a saúde e educação – em suma, com o que resta do Estado de bem-estar social à europeia – as dezenas (talvez centenas) de bilhões de euros que serão utilizadas para tirar as instituições financeiras do buraco por elas mesmas cavado.

A julgar pelas reportagens na imprensa espanhola, agora está ficando claro para muitos de seus ingênuos eleitores que Rajoy - que há dez dias declarou taxativamente que não haveria resgate aos bancos - mentiu. E, a bem da verdade, continua a fazê-lo, já que é lugar-comum entre economistas que cem bilhões de euros são um mero paliativo, e que o setor financeiro, com as cartas na mão, demandará de quatro a oito vezes esse valor para cobrir seus rombos - com a imposição dos cortes sociais correspondentes.

Não foi por falta de aviso.

Consequências psicológicas
A intervenção é um golpe psicológico que constitui um marco na história de nossas relações com a Europa. Em um país onde a identidade nacional e os sentimentos de autoestima coletiva têm estado sempre tão estreitamente vinculados aos feitos alcançados no âmbito europeu, custa crer que tenhamos chegado a este ponto. Entender como e por quê e o que ocorrerá a partir de agora mostra-se imprescindível”, aquiesce uma voz favorável ao "resgate".
http://economia.elpais.com/economia/2012/06/09/actualidad/1339256267_154181.html (El País - Un duro golpe psicológico)

Desse quadro decorre um segundo movimento da citada operação discursiva, desta feita para salvaguardar o orgulho nacional, que a menção à condição de quarta economia da Europa costuma alimentar. Nela pontifica, de novo, a promoção do contorcionismo verbal à maneira do "1984", de Orwell, com a adoção de uma novilíngua em que a tragédia torna-se 'pacto social'; a bancarrota, 'ajuste mercadológico'; a humilhação à soberania nacional, 'solução negociada com os parceiros de bloco'.

Nós, latino-americanos, já vimos algumas vezes esse filme, porém em versões em preto e branco, do final do século passado. Trata-se, com o perdão pela redundância, de uma chanchada de má qualidade, protagonizada por canastrões, com um roteiro que tem sérios problemas de verossimilhança e, pior, não tem final feliz: os vilões vencem.

Espanha x Argentina
Essa autorreferência ao nosso continente nos leva ao terceiro movimento da estratégia discursiva neoliberal acima aludida, desta feita de caráter eurocêntrico e, naturalmente, pró-mercado, facilmente identificável no discurso da mídia brasileira relativo à crise espanhola:

Quando o resgate era de país da periferia, a mídia chamava de falência, quebra. Quando é no centro: resgate, apoio, empréstimo. Ajuda”, resume o professor Emir Sader, em seu Twitter.

Convido os(as) leitores(as) a compararem o tratamento que essa mesma mídia deu ao 'default' argentino – que se recusou a seguir as imposições do sistema financeiro internacional - e o enfoque que ora dispensa à quebra da Espanha – que segue à risca o que manda a Troika. Recomenda-se, ainda, daqui a algum tempo, quando tivermos elementos sobre os desdobramentos da obediência espanhola à banca, que também se leve em conta, nessa comparação, a situação do país ibérico e a da Argentina – que, malgrado todas as ameaças de danação eterna a que fatalmente estava condenada por ousar enfrentar a cartolagem, tem apresentado, sob um governo de centro-esquerda, um desempenho econômico superlativo em meio à crise.

Confusão conceitual

A persistência do neoliberalismo como modelo orientador das políticas econômicas da Zona do Euro - agravadas por sua prescrição como antídoto que só faz agravar sua maior crise, como se vê na Espanha - nos fornece a medida do quanto a constituição de blocos econômicos transnacionais, apregoada como imprescindível à sobrevivência na globalização, acabou por constituir-se em um fator determinante na submissão dos estados nacionais aos ditames do mercado financeiro.

No âmago de tal problema está uma confusão conceitual, intencionalmente inoculada pelos arautos do neoliberalismo quando da ascensão histórica deste, ao longo dos anos 80, sob os eflúvios de Thatcher e Reagan: a concepção de globalização e neoliberalismo como termos indissociáveis e, em larga medida, intercambiáveis, marcados por uma relação pela qual a primeira, por seu caráter estruturante, imporia a adoção de políticas econômicas nos moldes ditados pelo segundo, sob a ameaça de expulsão da então chamada nova ordem mundial” e decorrente aniquilamento do país enquanto ente autônomo.

Essa confusão e essa crença são um lugar-comum na reflexão teórica sobre o período, levada a cabo inclusive por pensadores que continuam na linha de frente da crítica socioeconômica. É notável, no entanto, que tanto intelectuais brasileiros como Octávio Ianni e Milton Santos quanto uma certa tendência do pensamento franco-europeu agrupada em torno do Le Monde Diplomatique tenham desde sempre, em sua maioria, recusado a aferrar-se ao determinismo teórico do período. (http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/posts/2006/11/27/milton-santos-a-globalizacao-vista-de-ca-15525.asp)

O retorno da soberania
Este, embora falho, é até certo ponto compreensível, posto que tardiamente desmentido factualmente, pois, a rigor, a constatação de que a morte do Estado nacional era uma balela e que havia possibilidade de sobreviver – com crescimento, inclusão social e um Estado fortalecido, atuante e que conservasse um bom grau de independência a despeito da interdependência da economia global – só tem lugar com a ascensão e o sucesso das administrações de Lula, Chávez, Kirchner, Morales, Corea, entre outros, e, eentualmente, de seus sucessores.

Assim, ainda que devamos ter muito claros a persistência insidiosa do poder neoliberal sobre tais administrações, e os limites e eventuais equívocos e desacertos destas – como a insensibilidade do governo de Dilma Rousseff para com as demandas do funcionalismo público ora fornece um dentre tantos exemplos possíveis -, é preciso atentar com limpidez para as conquistas e as possibilidades propiciadas pelo realinhamento político-ideológico promovido pela democracia brasileira na última década - e lutar para efetivá-las e ampliá-las.

O povo espanhol, por sua vez, já promete voltar a tomar as ruas e a Puerta del Sol, em protesto. Suerte.

Fontes das fotos:http://www.teoriaedebate.org.br/materias/internacional/espanha-do-sonho-ao-pesadelo
http://www.lingoro.info/tag/rajoy/
http://economia.elpais.com/economia/2012/06/09/actualidad/1339256267_154181.html (El País - Un duro golpe psicológico)

Origial do texto em:

terça-feira, 12 de junho de 2012

Brasil tem mais de 4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando



Há dez anos as Nações Unidas celebram, no dia 12 de junho, o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil. No Brasil, não há muitos motivos para comemorar. Nos primeiros cinco meses do ano, operações comandadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram 2.275 crianças e adolescentes trabalhando irregularmente. Essas pessoas são parte das 4 milhões de crianças e adolescentes que trabalham no País.
De acordo com o chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE, Luiz Henrique Lopes, a região Nordeste lidera as autuações do MTE em 2012, com 48% dos afastamentos, seguida pela região Centro-Oeste (24%), Norte (13), Sudeste (8%) e Sul (7%).
O percentual do ranking das regiões brasileiras está relacionado com a atividade econômica e com os níveis de renda e escolariadade.
De acordo com a secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), Isa Oliveira, a pobreza e a baixa escolaridade das famílias estão entre as principais causas do trabalho infantil no País. Segundo ela, o principal motivo para que as crianças permaneçam trabalhando é o fato de as famílias não considerarem a escola uma alternativa viável. “Principalmente na área rural, há uma grande precariedade educacional, acrescida da precariedade no transporte para que essas crianças cheguem à escola”, diz Isa. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no mundo, 59% do trabalho infantil encontra-se na zona rural.
Prevenção
Apesar da legislação brasileira proibir qualquer forma de trabalho exercido por crianças com idade entre 5 a 14 anos, este tipo de prática ainda é comum. Hoje, 1,4 milhão de crianças brasileiras de 5 a 14 anos trabalham. Em estados como a Bahia, o Piauí e o Maranhão o percentual de menores no trabalho chega a cerca de 17%, segundo a OIT.
Segundo o MTE, só ações integradas com órgãos do governo e da sociedade civil conseguem combater de forma efetiva o trabalho infantil. “Hoje, o ministério tem protagonismo na Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil que congrega órgãos do governo, organizações civis e associações de trabalhadores e empregadores, mas não temos como combater essa prática sozinhos”, diz Luiz Henrique Lopes, da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE. Para Lopes, sem ações conjuntas com o Ministério Público, com o Ministério da Justiça e do Desenvolvimento Agrário, o trabalho infantil não poderá ser erradicado. “Estamos com ações em diversas frentes para aumentar a fiscalização nos estados e combater as causas do trabalho infantil”, afirma.
Atualmente, as crianças flagradas em situação de trabalho são afastadas e encaminhadas para os serviços de proteção. Já os empregadores são autuados com uma multa que gira em torno de um salário mínimo por criança. Além disso, o Ministério Público Federal também abre uma ação penal contra a empresa. O Brasil assumiu um compromisso internacional de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e todas as formas até 2020. “O número de flagrantes de crianças em situação de emprego vêm caindo”, diz Lopes. “Estamos trabalhando para erradicar o trabalho infantil no País até 2015″, conclui. O objetivo é nobre, mas, como se vê, não será uma tarefa fácil.

Fonte  publicado originalmente na Carta Capita
l*Com informações da Agência Brasil

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Deixem tudo na Mãe Terra

11/06/2012 - por Stephen Leahy (*) para o Terramérica
extraído do site Envolverde (Rio + 20)

Uma caravana indígena levará à cúpula Rio+20 o “bem viver” – equilíbrio entre as comunidades humanas e a natureza – como remédio para as crises ambiental e econômica.

Moi Enomenga, antes de entrar no ônibus em Quito, Equador, ponto de partida da caravana até o Rio de Janeiro. Foto: Cortesia Moi Enomenga.










Uxbridge, Canadá, 11 de junho de 2012 (Terramérica) - Delegados indígenas da América do Sul se integram, a pé, em lanchas ou ônibus, à Caravana Kari-Oca, que os levará à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, onde esperam interpelar os governantes do mundo. “Representaremos milhares de comunidades aborígines da América do Sul”, disse ao Terramérica o líder huaorani Moi Enomenga, momentos antes de tomar em Quito o ônibus que demorará nove dias para chegar ao Rio de Janeiro, sede da Rio+20.

Outros dirigentes indígenas se unirão a eles durante a viagem. Os huaoranis são um povo amazônico que habita o leste do Equador, em uma área de exploração petrolífera. A Rio+20 se apresenta como um espaço intergovernamental para adotar soluções para a crise mundial de sustentabilidade, que se manifesta no reiterado fracasso da economia globalizada, na carestia de alimentos, nos problemas energéticos e nos males ambientais globais, como a mudança climática e a perda de biodiversidade.

Nós, indígenas, estivemos divididos durante anos. Agora vamos nos unir”, declarou Moi, que nasceu em uma comunidade sem contato com o mundo ocidental, ou em isolamento voluntário, e atualmente preside a Associação Quehueri’ono. “Nem todos podem ouvir a voz que chega da Mãe Terra vinda da selva, e queremos levar essa voz ao Rio”, acrescentou. De 14 a 22 deste mês acontecerá a Cúpula Mundial dos Povos Indígenas sobre Territórios, Direitos e Desenvolvimento Sustentável na aldeia Kari-Oca II, especialmente construída por indígenas brasileiros a cinco quilômetros da sede da conferência oficial.

Kari-Oca” é uma palavra tupi-guarani que significa “casa de branco”. Assim se referiam os indígenas da região onde hoje se encontra a cidade do Rio de Janeiro às primeiras urbanizações dos colonizadores portugueses. Daí a palavra “carioca”, gentílico dos habitantes do Rio, onde há duas décadas aconteceu o encontro na primeira aldeia Kari-Oca, paralela à Cúpula da Terra de 1992. O Comitê Intertribal do Brasil, organizador do encontro, prevê a participação de aproximadamente 600 indígenas de todo o mundo, que prepararão uma mensagem e recomendações para o encontro de alto nível da Rio+20, que ocorrerá entre os dias 20 e 22.
Hortencia Hidalgo Cáceres

A situação dos povos indígenas no mundo me preocupa”, ressaltou Moi. Em todas as partes, os governos ignoram seus direitos. E em todas as partes, Índia, África, América do Sul, estão à caça do petróleo e de outros recursos, acrescentou. Hortencia Hidalgo Cáceres, uma aymara chilena que integra a Rede de Mulheres Indígenas sobre Biodiversidade da América Latina e do Caribe, afirmou ao Terramérica que “é necessária uma mudança real. Queremos convidar o mundo para um futuro mais brilhante, baseado nos valores e princípios indígenas do bem viver”.

Oposto à ideia ocidental de “viver melhor” – o crescimento econômico traz consigo o progresso e este leva à eliminação da pobreza –, o bem viver propõe o equilíbrio e a cooperação entre as comunidades humanas e sua integração com a natureza, da qual se retira o necessário para uma vida digna, sem o afã de acumular. Por outro lado, a “economia verde”, que muitas nações querem plasmar no documento final da Rio+20, representa uma “falsa solução” para a crise de degradação ambiental e injustiça social, ponderou Hortencia.

Para Casey Box, coordenador de programas da organização não governamental Land is Life (Terra é Vida), “os povos indígenas têm muito a oferecer à comunidade internacional, que tenta abrir caminho para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável”. A Land is Life, com sede nos Estados Unidos, é uma coalizão internacional de comunidades autóctones que arrecadou fundos e ajudou a coordenar a caravana e a cúpula. Segundo Casey, “será impossível alcançar os objetivos da Rio+20 sem os conhecimentos tradicionais e as práticas de manejo de recursos dos indígenas”.

Estima-se que da Rio+20 participarão cerca de 50 mil pessoas, entre elas 130 chefes de Estado e de governo. Da antecessora, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, também conhecida como Cúpula da Terra, surgiram os três dos principais tratados ambientais: as convenções sobre mudança climática, biodiversidade e desertificação. Mais de 700 povos indígenas participaram da primeira cúpula Kari-Oca, em 1992, que originou um movimento internacional pelos direitos dos povos indígenas e colocou em evidência o papel dessas comunidades na conservação e no desenvolvimento sustentável.

Nos emociona ir ao Rio porque há um espaço para os povos indígenas, onde poderemos falar sobre nossas preocupações e compartilhar nossos conhecimentos e nossa experiência”, destacou Hortencia. Participantes procedentes da austral Patagônia chilena precisarão percorrer 60 horas de estrada até La Paz, na Bolívia, onde se reunirão com Moi e outros delegados que iniciaram a viagem no Equador, passando pelo Peru. A caravana Kari-Oca demorará cerca de cinco dias para percorrer o último trecho dos Andes e atravessar Bolívia, Paraguai e o sul do Brasil até chegar ao Rio de Janeiro, às margens do Oceano Atlântico.

Gloria Ushigua 

Os indígenas estão ansiosos para participar porque somente nessas reuniões internacionais é que têm a oportunidade de serem ouvidos pelos governantes e pelo público em geral, explicou Hortencia. “Quando voltamos para casa, essas portas estão fechadas”. Moi e os demais equatorianos esperam que os governos respeitem mais os direitos e pontos de vista de suas comunidades. “Perto de onde vivo existem duas comunidades não contatadas, mas estão ameaçadas pela exploração petrolífera, eles não a querem. Para eles, tirar petróleo do solo é como tirar o sangue de seus corpos”, apontou. Os delegados também esperam denunciar iniciativas governamentais que consideram nocivas.






Gloria Ushigua, presidente da Associação de Mulheres Záparas, afirmou que o Programa Sócio Floresta, do Ministério do Meio Ambiente do Equador para combater o desmatamento, causa muitos problemas para as comunidades locais. A nação zápara habita o leste da província de Pastaza, no oriente amazônico equatoriano. “Tenho a esperança de compartilhar a história da minha comunidade e de debater sobre os direitos territoriais”, manifestou Gloria em um comunicado.

Celso Aranda

Na caravana também viaja Celso Aranda do povo kichwa de Sarayaku, outro território de Pastaza, que na cúpula apresentará a proposta “Kawsak Sacha” (Floresta Vivente). Esta será a resposta do Sarayaku à mudança climática e à destruição da natureza, e detalhará a forma como as comunidades nativas podem proteger os ecossistemas, mantendo práticas ancestrais de manejo da terra.

Vamos continuar trabalhando para fortalecer nossas culturas e resistir à exploração de nossos territórios. Temos uma mensagem muito clara. Deixem tudo sob a terra”, resumiu Moi.


(*) Correspondente da IPS (International Press Service)

http://envolverde.com.br/ambiente/rio20-ambiente/terramerica-deixem-tudo-na-mae-terra/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=11