sexta-feira, 13 de julho de 2012

Estados Unidos, Venezuela e Paraguai

12/07/2012 - Samuel Pinheiro Guimarães - Carta Maior

[Equipe Educom: Em 26 nacos suculentos uma espécie de beabá da crise paraguaia ou uma reedição, no umbigo da América do Sul, do "apressado come cru".]

A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.

A questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul.

(Samuel Pinheiro Guimarães, especial para a Carta Maior)


1. Não há como entender as peripécias da política sul-americana sem levar em conta a política dos Estados Unidos para a América do Sul. Os Estados Unidos ainda são o principal ator político na América do Sul e pela descrição de seus objetivos devemos começar.

2. Na América do Sul, o objetivo estratégico central dos Estados Unidos, que apesar do seu enfraquecimento continuam sendo a maior potência política, militar, econômica e cultural do mundo, é incorporar todos os países da região à sua economia. Esta incorporação econômica leva, necessariamente, a um alinhamento político dos países mais fracos com os Estados Unidos nas negociações e nas crises internacionais.

3. O instrumento tático norte-americano para atingir este objetivo consiste em promover a adoção legal pelos países da América do Sul de normas de liberalização a mais ampla do comércio, das finanças e investimentos, dos serviços e de “proteção” à propriedade intelectual através da negociação de acordos em nível regional e bilateral.

4. Este é um objetivo estratégico histórico e permanente. Uma de suas primeiras manifestações ocorreu em 1889 na 1a. Conferência Internacional Americana, que se realizou em Washington, quando os EUA, já então a primeira potência industrial do mundo, propuseram a negociação de um acordo de livre comércio nas Américas e a adoção, por todos os países da região, de uma mesma moeda, o dólar.

5. Outros momentos desta estratégia foram o acordo de livre comércio EUA-Canadá; o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte, incluindo além do Canadá, o México); a proposta de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas - ALCA e, finalmente, os acordos bilaterais com o Chile, Peru, Colômbia e com os países da América Central.

6. Neste contexto hemisférico, o principal objetivo norte-americano é incorporar o Brasil e a Argentina, que são as duas principais economias industriais da América do Sul, a este grande “conjunto” de áreas de livre comércio bilaterais, onde as regras relativas ao movimento de capitais, aos investimentos estrangeiros, aos serviços, às compras governamentais, à propriedade intelectual, à defesa comercial, às relações entre investidores estrangeiros e Estados seriam não somente as mesmas como permitiriam a plena liberdade de ação para as megaempresas multinacionais e reduziria ao mínimo a capacidade dos Estados nacionais para promover o desenvolvimento, ainda que capitalista, de suas sociedades e de proteger e desenvolver suas empresas (e capitais nacionais) e sua força de trabalho.

7. A existência do Mercosul, cuja premissa é a preferência em seus mercados às empresas (nacionais ou estrangeiras) instaladas nos territórios da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai em relação às empresas que se encontram fora desse território e que procura se expandir na tentativa de construir uma área econômica comum, é incompatível com objetivo norte-americano de liberalização geral do comércio de bens, de serviços, de capitais etc que beneficia as suas megaempresas, naturalmente muitíssimo mais poderosas do que as empresas sul-americanas.

8. De outro lado, um objetivo (político e econômico) vital para os Estados Unidos é assegurar o suprimento de energia para sua economia, pois importam 11 milhões de barris diários de petróleo sendo que 20% provêm do Golfo Pérsico, área de extraordinária instabilidade, turbulência e conflito.

9. As empresas americanas foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor petrolífero na Venezuela a partir da década de 1920. De um lado, a Venezuela tradicionalmente fornecia petróleo aos Estados Unidos e, de outro lado, importava os equipamentos para a indústria de petróleo e os bens de consumo para sua população, inclusive alimentos.

10. Com a eleição de Hugo Chávez, em 1998, suas decisões de reorientar a política externa (econômica e política) da Venezuela em direção à América do Sul (i.e. principal, mas não exclusivamente ao Brasil), assim como de construir a infraestrutura e diversificar a economia agrícola e industrial do país viriam a romper a profunda dependência da Venezuela em relação aos Estados Unidos.

11. Esta decisão venezuelana, que atingiu frontalmente o objetivo estratégico da política exterior americana de garantir o acesso a fontes de energia, próximas e seguras, se tornou ainda mais importante no momento em que a Venezuela passou a ser o maior país do mundo em reservas de petróleo e em que a situação do Oriente Próximo é cada vez mais volátil.

12. Desde então desencadeou-se uma campanha mundial e regional de mídia contra o Presidente Chávez e a Venezuela, procurando demonizá-lo e caracterizá-lo como ditador, autoritário, inimigo da liberdade de imprensa, populista, demagogo etc. A Venezuela, segundo a mídia, não seria uma democracia e para isto criaram uma “teoria” segundo a qual ainda que um presidente tenha sido eleito democraticamente, ele, ao não “governar democraticamente”, seria um ditador e, portanto, poderia ser derrubado. Aliás, o golpe já havia sido tentado em 2002 e os primeiros lideres a reconhecer o “governo” que emergiu desse golpe na Venezuela foram George Walker Bush e José María Aznar.

13. À medida que o Presidente Chávez começou a diversificar suas exportações de petróleo, notadamente para a China, substituiu a Rússia no suprimento energético de Cuba e passou a apoiar governos progressistas eleitos democraticamente, como os da Bolívia e do Equador, empenhados em enfrentar as oligarquias da riqueza e do poder, os ataques redobraram orquestrados em toda a mídia da região (e do mundo).

14. Isto apesar de não haver dúvida sobre a legitimidade democrática do Presidente Chávez que, desde 1998, disputou doze eleições, que foram todas consideradas livres e legítimas por observadores internacionais, inclusive o Centro Carter, a ONU e a OEA.

15. Em 2001, a Venezuela apresentou, pela primeira vez, sua candidatura ao Mercosul. Em 2006, após o término das negociações técnicas, o Protocolo de adesão da Venezuela foi assinado pelos Presidentes Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e Nicanor Duarte, do Paraguai, membro do Partido Colorado. Começou então o processo de aprovação do ingresso da Venezuela pelos Congressos dos quatro países, sob cerrada campanha da imprensa conservadora, agora preocupada com o “futuro” do Mercosul que, sob a influência de Chávez, poderia, segundo ela, “prejudicar” as negociações internacionais do bloco etc. Aquela mesma imprensa que rotineiramente criticava o Mercosul e que advogava a celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Européia etc, se possível até de forma bilateral, e que considerava a existência do Mercosul um entrave à plena inserção dos países do bloco na economia mundial, passou a se preocupar com a “sobrevivência” do bloco.

16. Aprovado pelos Congressos da Argentina, do Brasil, do Uruguai e da Venezuela, o ingresso da Venezuela passou a depender da aprovação do Senado paraguaio, dominado pelos partidos conservadores representantes das oligarquias rurais e do “comércio informal”, que passou a exercer um poder de veto, influenciado em parte pela sua oposição permanente ao Presidente Fernando Lugo, contra quem tentou 23 processos de “impeachment” desde a sua posse em 2008.

17. O ingresso da Venezuela no Mercosul teria quatro consequências: dificultar a “remoção” do Presidente Chávez através de um golpe de Estado; impedir a eventual reincorporação da Venezuela e de seu enorme potencial econômico e energético à economia americana; fortalecer o Mercosul e torná-lo ainda mais atraente à adesão dos demais países da América do Sul; dificultar o projeto americano permanente de criação de uma área de livre comércio na América Latina, agora pela eventual “fusão” dos acordos bilaterais de comércio, de que o acordo da Aliança do Pacifico é um exemplo.

18. Assim, a recusa do Senado paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul tornou-se questão estratégica fundamental para a política norte americana na América do Sul.

19. Os líderes políticos do Partido Colorado, que esteve no poder no Paraguai durante sessenta anos, até a eleição de Lugo, e os do Partido Liberal, que participava do governo Lugo, certamente avaliaram que as sanções contra o Paraguai em decorrência do impedimento de Lugo, seriam principalmente políticas, e não econômicas, limitando-se a não poder o Paraguai participar de reuniões de Presidentes e de Ministros do bloco.

Feita esta avaliação, desfecharam o golpe. Primeiro, o Partido Liberal deixou o governo e aliou-se aos Colorados e à União Nacional dos Cidadãos Éticos - UNACE e aprovaram, a toque de caixa, em uma sessão, uma resolução que consagrou um rito super-sumário de "impeachment”.

Assim, ignoraram o Artigo 17 da Constituição paraguaia que determina que “no processo penal, ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda pessoa tem direito a dispor das cópias, meios e prazos indispensáveis para apresentação de sua defesa, e a poder oferecer, praticar, controlar e impugnar provas”, e o artigo 16 que afirma que o direito de defesa das pessoas é inviolável.

20. Em 2003, o processo de impedimento contra o Presidente Macchi, que não foi aprovado, levou cerca de 3 meses enquanto o processo contra Fernando Lugo foi iniciado e encerrado em cerca de 36 horas. O pedido de revisão de constitucionalidade apresentado pelo Presidente Lugo junto à Corte Suprema de Justiça do Paraguai sequer foi examinado, tendo sido rejeitado in limine.

21. O processo de impedimento do Presidente Fernando Lugo foi considerado golpe por todos os Estados da América do Sul e de acordo com o Compromisso Democrático do Mercosul o Paraguai foi suspenso da Unasur e do Mercosul, sem que os neogolpistas manifestassem qualquer consideração pelas gestões dos Chanceleres da UNASUR, que receberam, aliás, com arrogância.

22. Em consequência da suspensão paraguaia, foi possível e legal para os governos da Argentina, do Brasil e do Uruguai aprovarem o ingresso da Venezuela no Mercosul a partir de 31 de julho próximo. Acontecimento que nem os neogolpistas nem seus admiradores mais fervorosos - EUA, Espanha, Vaticano, Alemanha, os primeiros a reconhecer o governo ilegal de Franco - parecem ter previsto.

23. Diante desta evolução inesperada, toda a imprensa conservadora dos três países, e a do Paraguai, e os líderes e partidos conservadores da região, partiram em socorro dos neogolpistas com toda sorte de argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai (e, portanto, afirmando a legalidade do golpe) e a inclusão da Venezuela, já que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.

24. Agora, o Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul sobre a legalidade de sua suspensão do Mercosul enquanto, no Brasil, o líder do PSDB anuncia que recorrerá à justiça brasileira sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela.

25. A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.

26. Na realidade, a questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul e de seu futuro como região soberana e desenvolvida.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20570

quinta-feira, 12 de julho de 2012

As 10 estratégias de manipulação midiática

23/11/2010 - Noam Chomsky (*) - blog Viomundo

Noam Chomsky (ver notas no final) elucida sobre o condicionamento psicológico do controle midiático.Uma lista com apenas 10 estratégias de manipulação, e como confirma, de maneira organizada, tudo o que já se percebe


1. A estratégia da distração
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja com outros animais" (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”). (Ver link ao final)

2. Criar problemas e depois oferecer soluções
Esse método também é denominado “problema-ração-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” previsa para causar certa reação no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam sejam aceitas. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o demandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3. A estratégia da gradualidade
Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir
Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e desnecessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrificio imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade
A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão da sugestionabilidade, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou ração também desprovida de um sentido crítico (verArmas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de aceeso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeja entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)."

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade
Levar o público a crer que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade
Fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de rebelar-se contra o sistema econômico, o indivíduo se autodesvalida e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E sem ação, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem
No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem disfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.

(*) Linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts


Nota do Viomundo: este texto foi reproduzido da Adital, onde constava como autor Noam Chomsky. Mas três leitores nos alertaram que o verdadeiro seria Sylvain Timsit. Fomos checar. Consta realmente nos links indicados Sylvain Timsit. Acontece que buscamos mais dados sobre Sylvain Timsit e estranhamente não achamos ainda informações consistentes. Encontrei um suposto vídeo, mas não aparece o rosto dele. Vamos investigar mais. Diante disso já enviamos email à Adital para saber a fonte do original em inglês. Desculpem-nos pelo erro.
 
Nota do Educom: no link abaixo o mesmo texto (em inglês) atribui a autoria a Sylvain Timsit (foto acima): Ten techniques for the manipulation of public opinion
 
"Armas silenciosas para guerras tranquilas"
Leia mais: 
Face à perversão e ao terrorismo mediático: respostas alternativas para generalizar a resistência

E mais:
- A indústria jornalística tem alguma chance de reencarnar?
http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/10/a-industria-jornalistica-tem-alguma.html

- Educom: Há dois anos na batalha
http://brasileducom.blogspot.com.br/2011/10/educom-ha-dois-anos-na-batalha.html

- Chomsky vê a América Latina como o 'lugar mais interessante do mundo' atualmente
http://www.feteerj.org.br/?p=1431

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Suprema Corte admite inconstitucionalidade na destituição de Lugo e O novo rosto da esquerda paraguaia

12/07/2012 - original da Redação do site Brasil de Fato

Ministério Público terá 18 dias úteis para decidir se anula ou não o “impeachment”; dependendo do parecer serão necessários mais cerca de 40 dias para sentença final.

A Suprema Corte paraguaia acatou a ação de inconstitucionalidade, pedida há uma semana pela defesa do ex-presidente Fernando Lugo, contra a resolução do Senado que determinou a sua destituição por meio de um julgamento político.

De acordo com o jornal paraguaio Ultima Hora, cabe agora Ministério Público, mais especificamente ao fiscal geral do Estado, Javier Diaz Verón, determinar, num prazo de 18 dias úteis se o julgamento político de Lugo será ou não anulado.

O argumento da defesa de Lugo sustenta-se no pouco tempo – menos de 24 horas - que o acusado teve para preparar a sua defesa.

Uma vez recebido o parecer de Verón, o mesmo será enviado à Câmara dos Senadores, que, de acordo com o presidente da Suprema Corte, Víctor Núñez, terá o mesmo prazo para contestá-lo.

Quando recebida a resposta do Senado, a Suprema Corte terá, por sua vez, até 30 dias para emitir a sua sentença.

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/10071





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09/07/2012 - por Mercedes López San Miguel, em 07-07-2012, no jornal Página/12, de Buenos Aires - Tradução: Moisés Sbardelotto - Instituto Humanitas Unisinos.
 
Depois do golpe parlamentar que destituiu Fernando Lugo da presidência paraguaia, Mario Ferreiro (foto), homem das mídias, mantém a sua candidatura pela coalizão de esquerda e pede pragmatismo e rapidez frente a um novo cenário político.
 
Olhando para a câmera e com a música Let it Be de fundo, o apresentador do seu programa de TV da manhã de um canal privado do Paraguai se dirigiu sem rodeios à sua audiência: "Depois de 32 anos do ingresso nestes estúdios para ser alguém na mídia, me despeço para aceitar a generosa oferta de apresentar uma pré-candidatura à presidência".
 
Quem falava nesse dia, 9 de abril passado, era Mario Ferreiro, um rosto tão conhecido no Paraguai como o de Fernando Bravo na Argentina. "As pessoas sabem quem eu sou: um cidadão comum com um pensamento de esquerda", dizia ele, enquanto passavam imagens suas com um semblante mais jovem do que os seus atuais 52 anos.
 
Há apenas três meses, Ferreiro se postulava como um dos seis candidatos da Frente Guazú (Guazú significa "grande"), um conglomerado de esquerda ao qual pertence Fernando Lugo, o presidente destituído. Hoje, esse homem das mídias mantém a sua candidatura e pede pragmatismo e rapidez frente a um novo cenário político. "A Frente Guazú deve reorganizar todas as suas forças progressistas. Antes, tínhamos um projeto de aliança com o Partido Liberal Radical Autêntico, mas ele nos traiu e por isso estamos em busca de ampliação com bases sociais e sindicais", assinala, de Assunção.
 
A estratégia dos movimentos e dos agrupamentos de esquerda é a de chegar a um consenso de uma lista única no Senado encabeçada por Lugo. O ex-apresentador de TV recomendou aos seus correligionários que, por falta de tempo, seja Lugo e uma equipe de quatro pessoas que decidam o candidato presidencial. Isso no caso de que Lugo, finalmente, não seja restituído ao cargo, possibilidade que o ex-mandatário rejeitou.
 
A esse respeito, Ferreiro vê pela frente um caminho com armadilhas: "Os mesmos parlamentares que o mandaram embora teriam que votar a sua restituição. Os recursos que apresentamos frente à Justiça ordinária foram amplamente rejeitados. Vamos continuar lutando em outros níveis, por exemplo junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos".
 
Há 15 dias, uma maioria de legisladores liberais, colorados e oviedistas condenou Lugo em um julgamento expresso a deixar a cadeira presidencial, acusando-o de mau desempenho de funções e responsabilizando-o por um enfrentamento entre agricultores e policiais que deixou 17 mortos, cuja investigação ainda não indicou responsáveis.
 
Ferreiro, assim como o ex-bispo no momento de tornar oficial a sua candidatura, não conta com uma trajetória política. Suas ideias políticas remontam ao Partido Revolucionário Febrerista (socialista). O nome dessa formação se refere à Revolução de Fevereiro de 1936, que abriu caminho para o governo de Rafael Franco, em que foram aprovadas leis sociais como a jornada de trabalho de oito horas e se anularam aquelas que restringiam a atividade política e sindical.
 
Hoje, o que se agarra à presidência é outro Franco: Federico. Ele nunca dissimulou, sentado no banco de vice-presidente, o seu desejo de ocupar o cargo de Lugo. Ele o enfrentou desde o começo. E assumiu em seu lugar para evitar uma guerra civil, segundo disse com hipocrisia. É a estratégia de gerar medo. Ferreiro afirma que os paraguaios temem que se repitam as histórias de violência. Isso explicaria por que Lugo acatou a decisão do Congresso sem mais e por que se veem poucos focos de resistência das bases sociais.
 
"O Paraguai tem tido uma tradição de guerras civis e de golpes de Estado que está instalada no inconsciente coletivo. Viemos de avós e de pais que falam de matanças entre irmãos. É muito difícil pedir às pessoas que se manifestem sem sentir aquele antigo medo das grandes repressões", afirma Ferreiro, e acrescenta: "Por outro lado, há uma apatia generalizada a toda atuação política. Nas pesquisas, constata-se que as pessoas acreditam que, venha quem vier, tudo vai ser igual".
 
Como símbolo desses tempos, um dos lugares onde sim houve manifestações em apoio ao presidente destituído foi na sede da Televisão Pública. "As pessoas entenderam que era um espaço para defender frente à concentração dos meios", destaca Ferreiro. "Mas ela já está nas mãos dos golpistas, e, pouco a pouco, eles irão modificando a programação para uma menos comprometida".
 
Ferreiro, apresentador de televisão que conhece a cozinha dos meios privados, assinala o potencial do canal do Estado: uma emissora que estava há apenas um ano no ar e que rompia com o relato massivo de desqualificação contra Lugo que os setores de direita propunham. Ferreiro diz que estabeleceu uma posição de apoio ao processo liderado por Lugo a partir de dentro dos meios de comunicação corporativos privados. Ele também foi colunista do jornal conservador ABC Color. A partir desses espaços, ele disse que respeita o processo político da Venezuela, sendo que Chávez há muito tempo se tornou uma obsessão da direita paraguaia.
 
Ferreiro propõe uma lei dos meios de comunicação como a da Argentina. "É o debate que teria que acontecer no Paraguai: a única forma de contestar a esse relato massiço de um único setor é democratizando os meios. Se estamos cada vez mais longe dessa discussão? Não acredito. Há um setor da população que vai votar nas propostas progressistas e vai permitir que esse debate chegue ao Parlamento".
 
O ex-comunicador é o melhor posicionado na eleição interna da Frente Guazú, que compartilha com Miguel López Perito, ex-chefe de gabinete; Esperanza Martínez, ex-ministra da Saúde; Fernando Camacho, presidente do partido Encuentro Nacional; Luis Bareiro Spaini, ex-ministro da Defesa; e Sixto Pereira, senador do movimento Tekojoja. Uma pesquisa da consultoria Ati Snead, publicada pelo jornal Ultima Hora no da 29 de maio, mostrou que Ferreiro liderava as preferências com 42,7% de apoio, enquanto López Perito se localizava em segundo lugar, com 7,1% de respaldo.
 
As autoridades do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral afirmaram nesses dias que as eleições previstas para abril de 2013 não serão postergadas. Se for eleito candidato pela Frente Guazú, Ferreiro deverá competir com o mais provável vencedor das eleições primárias liberais, Blas Llano (presidente do partido), e o homem que mais ressoa entre os colorados, o pecuarista Horacio Cartes.
 
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511278-o-novo-rosto-da-esquerda-paraguaia

terça-feira, 10 de julho de 2012

A frustrada desforra paulista em 1932

10/07/2012 - por Mauro Santayana
extraído do site Correio do Brasil

Todos os historiadores deveriam partir da advertência de Spinoza e buscar entender a realidade, antes de exercer a lisonja ou o ódio.

oitenta anos, os paulistas se levantavam contra o governo Vargas, sob a bandeira da constitucionalização do país.

Ora, o pretexto era frágil, uma vez que, em 14 de maio – três meses antes dessa insurreição armada – o governo provisório emitira o Decreto 21.402, nomeando comissão de juristas, encarregada de elaborar anteprojeto de Constituição e marcando a data de 3 de maio do ano seguinte para a eleição dos delegados constituintes. O prazo de um ano era razoável, porque os membros da comissão necessitavam de tempo hábil para discutir a nova ordem jurídica, depois da ruptura da Revolução de 30.

Não era bem a falta de uma Constituição que estimulara São Paulo à rebelião, que vinha sendo preparada desde a vitória militar da Revolução Liberal, em 3 de outubro de 1930. O que açulava os paulistas era a desejada revanche contra a sua derrota. As elites de São Paulo, todas vindas das oligarquias rurais, não podiam engolir a capitulação militar de Washington Luís diante de tropas mineiras, nordestinas e gaúchas. Os altos quatrocentões, apoiados por vitoriosos imigrantes, que também viviam da exportação de café, sentiam-se como junkers prussianos, acossados pela ralé de bárbaros. Apesar do relativo desenvolvimento da indústria manufatureira, promovido pelos imigrantes, as oligarquias rurais não queriam o desenvolvimento industrial do país, que as deslocaria de seu poder secular.

O sentimento de superioridade, que levara Washington Luís a insistir na continuidade de São Paulo no comando da República, induzira muitos dos chefes do movimento a pensar na independência do Estado, se sua hegemonia econômica não se confirmasse no comando político do país. Essa era uma das razões, mas havia outras, e mais importantes.

A ruptura da República Velha não fora simples mudança de homens ou de partidos no poder, e muito menos coligação de estados pobres, ressentidos contra a pujança econômica de São Paulo. Getúlio, na plataforma da Aliança Liberal, lida em janeiro de 1930, na Esplanada dos Ministérios, fora claro. O Brasil não poderia continuar um país vazio, só ocupado, desde o descobrimento, no litoral e em escassas manchas humanas no resto do território. A Guerra do Paraguai já nos alertara para a necessidade do intensivo povoamento do Centro-Oeste. O Brasil precisava sair do casulo conservador e dar empregos e vida digna a seu povo.

O confronto se fazia entre o pensamento renovador e a reação conservadora. Tanto é assim que, em Minas, o partido dos aliados das oligarquias paulistas se identificava, sem embuços, como sendo a Concentração Conservadora. Nomes importantes de Minas, conduzidos por motivos diferentes, estiveram com São Paulo, não só em 30, como em 32, entre outros Artur Bernardes e Fernando Mello Viana. E no Rio Grande do Sul, também. No caso, mesclavam-se os interesses pessoais e as questões políticas internas.

Tanto foi assim que os primeiros tiros da Revolução de 30 foram disparados em 6 de fevereiro de 1930, em Montes Claros – terra de Darci Ribeiro, é bom anotar. O tiroteio começou quando uma caravana conservadora, chefiada pelo então vice-presidente da República, o mineiro Mello Viana, passou diante da casa de João Alves e sua mulher, dona Tiburtina, e houve os disparos. A versão mais conhecida é a de que o primeiro tiro partiu do grupo provocador, e foi respondido pelos partidários da Aliança Liberal, que se encontravam no sobrado. Ali morreram seis pessoas e Mello Viana escapou por pouco – uma bala atingiu-lhe levemente o pescoço.

Getúlio pretendia a industrialização do país e justiça social para com os trabalhadores. O mundo começava a mudar, depois da Revolução de Outubro, na Rússia, e os desafios da Depressão iniciada meses antes, com a queda da Bolsa em Nova Iorque. Em 1930, no governo do Estado de Nova Iorque, Roosevelt iniciaria a sua política social e econômica que o levaria em 1932, à presidência e ao New Deal.

Roosevelt e Getúlio estavam na mesma estrada. Em contraponto à política de solidariedade para com os trabalhadores, Washington Luís definia a sua posição, ao afirmar que “a questão social é apenas um caso de polícia”.

Infelizmente, ao que parece, os oligarcas paulistas – e seus representantes na política atual – não entenderam até hoje as razões dos revolucionários de 30. Continuam com a mesma posição que tiveram em julho de 1932. O ódio contra Getúlio e o seu governo – que, pela primeira vez via o povo como protagonista da História – permanece até hoje. Não há, em São Paulo, uma ruela qualquer com o nome do grande presidente.

Não é por mero exercício retórico que Fernando Henrique Cardoso decretou, sem consegui-lo, “o fim da era Vargas”. Foi por convicção.

Não fazemos a apologia de 1932, nem lhe temos ódio, mas procuramos entender o movimento dos revolucionários paulistas como um gesto que, tendo sido de arrogância contra o Brasil (não nos esqueçamos de seu lema, non dvcor, dvco), foi importante para o desenvolvimento político e econômico do nosso país. Sem seu movimento, não teríamos a consolidação revolucionária do governo provisório, nem o projeto nacional de Vargas, que promoveu a industrialização do país, a participação do Brasil na Guerra e o fim do mito conformista de que deveríamos ser sempre um país essencialmente agrícola, eterno exportador de café e açúcar.

Ora, São Paulo foi o Estado mais beneficiado com a política industrial de Vargas. Como disse Delfim Neto ao jornalista Leonardo Attuch, São Paulo não perdoa a Getúlio o bem que ele fez a São Paulo.

E como a História é feita pelos homens e para os homens, não teríamos, sem a guerra paulista, tido a carreira política de Juscelino, que, sucedendo a Vargas, deu o grande salto para a afirmação do Brasil no mundo. Como se sabe, foi combatendo os paulistas, no Túnel da Mantiqueira, que o capitão médico se tornou político.

E tampouco nos devemos esquecer que os paulistas, derrotados em 32, afinal, ganharam, em 64, quando muitos de seus empresários, reunidos no IEPES, aliaram-se aos militares para derrubar Jango.

Eles se mantiveram no poder, diretamente ou pelos seus delegados, até a restauração democrática de 1985.

Quando a repressão se exacerbou em São Paulo – e foi exercida pelo Doi-Codi e pela Oban (Operação Bandeirantes), financiada por grande parte daquele grupo de empresários – muitos dos que tombaram não tiveram o privilégio de cair em pleno combate, como o tiveram os mortos em 30 e em 32. Só Deus e os torturadores sabem como eles pereceram.

O povo paulista começa a desvincular-se das elites, e a autonomia de sua ação política, na solidariedade com os brasileiros de todas as regiões, é a argamassa necessária à autêntica coesão nacional.


Publicado no Jornal do Brasil 

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/mauro-santayana-a-frustrada-desforra-paulista-em-1932/483754/