sexta-feira, 19 de abril de 2013

Dia do Índio e de uma agenda de lutas

17/04/2013 - Cerca de 700 indígenas ocupam a Câmara dos Deputados
- da Redação do Brasil de Fato
- com informações do Cimi (Conselho Indigenista Missionário)

Revoltados com a criação de uma comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição - PEC 215, que dá ao Congresso Nacional poderes para demarcar terras indígenas, cerca de 700 indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados.

Hoje, essa atribuição é de responsabilidade do Executivo.

Cerca de 700 indígenas transferiram o Abril Indígena para uma ocupação na Câmara dos Deputados na Esplanada dos Ministérios, no Distrito Federal nesta terça-feira (16).

A decisão foi tomada pelos indígenas durante a audiência pública convocada pela frente parlamentar em defesa dos indígenas.


O objetivo das lideranças indígenas é pressionar que a Mesa Diretora da Câmara extinga uma comissão especial criada para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 que dá ao Congresso Nacional poderes para demarcar terras indígenas - responsabilidade que hoje pertence ao Executivo, por meio da Funai.

Nós não aceitamos nenhum tipo de negociação ou diálogo referente à PEC 215.

O que nós queremos é que a Comissão seja desfeita”, disse Sônia Guajajara (foto), liderança da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) esteve presente na audiência pública depois de muita pressão do movimento indígena.

Sobre a reivindicação dos povos indígenas, apenas disse que pediria aos líderes partidários que não indicassem representantes para a comissão da PEC 215 até que a situação fosse boa para todas as partes.

Não, presidente, não aceitamos isso.

Portanto, ficaremos aqui (em ocupação ao Congresso) por tempo indeterminado”. 

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/12678

Por Antonio Fernando Araujo, do blog Educom:

Temos reproduzido aqui algumas matérias que revelam o estado precário em que se encontram, de um modo geral, não apenas as populações indígenas, mas todas - sem exceções - as comunidades tradicionais de quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e demais excluídos, quando postos frente a frente ao avanço predador que o grande capital promove sobre essa gente, suas propriedades e culturas originais, algumas delas remontando a séculos, estejam elas situadas no campo ou nos centros urbanos.

Por certo, tal precariedade está intimamente associada ao projeto de desenvolvimento que os governos - em todos os níveis e sejam de que partido for -, conceberam e entendem ser o único e o mais adequado ou oportuno ao perfil do seu município, estado ou país.

E o que temos assistido, é essa "classe política", em conjunto com a grande mídia empresarial e, mais recentemente, com parcelas do sistema judiciário, associarem-se para servir como arautos, intérpretes, promotores e executores desse modelo em que essa população e o meio-ambiente "surgem" diante deles como um estorvo ao projetos de dominação oriundos, quase sempre, das elites financeira e empresarial.

A partir daí toda sorte de arbitrariedades, preconceitos e injustiças vêm à tona, na ânsia da posse dos recursos e das riquezas de toda espécie que, porventura, encontrem-se sob a "guarda" desses povos ou comunidades e, em muitos casos, sejam até mesmo suas fontes de sobrevivência.

"Tanto o governo como os grupos de poder que financiam a maioria dos deputados querem poder dispor das terras indígenas que estão cheias de riqueza", assinalou a jornalista Elaine Tavares, no Brasil de Fato.

O que nossos indígenas promoveram anteontem (16/4) na Câmara dos Deputados - e que serviu até para que alguns deputados assustados, protagonizassem uma ridícula fuga do plenário e procurassem abrigo em seus gabinetes - nos sirva de lição.

Independentemente da etnia - mais de 300, segundo o IBGE - a que cada um pertence, entenderam que precisam se unir, estar juntos nessas causas que transcendem a origem, a localização e os costumes e cultura de cada tribo.

Diferentemente dos partidos e da militância ditos de esquerda que sequer foram capazes ainda de, em volta da mesa, conceber uma pauta, por menor que seja, de metas e lutas comuns para fazer frente àquele projeto que, em última instância, é o mesmo do capital internacional, nossos guerreiros pintaram os corpos e como parte da mesma linguagem primitiva de suas lutas ancestrais proclamaram solene, mas em tom de guerra, "não, presidente, não aceitamos isso."

Seria então a oportunidade de fazermos coro com eles? Refletir, denunciar e nos solidarizarmos com sua luta como procuramos fazer neste blog quando reproduzimos aqui esses artigos? E de forma semelhante e em uníssono, amplificamos em bom som todas as demais demandas políticas e sociais pelas quais a nação se debate e há muito vem se manifestando?

Senadora Katia Abreu, líder do agronegócio
Cabe a todos e em especial às nossas lideranças políticas e partidárias matutar, tirar uma lição do evento e apressar o passo.

O grande capital e o conjunto de suas poderosas organizações e bem nutridas instituições estão coesos e a cada dia mais e mais bem equipados.

Do lado de cá do balcão o que vemos é a fragmentação crescente de nossas forças políticas e para isso basta que uma vírgula não seja do agrado do companheiro para que toda a ideia do indispensável acúmulo de forças se desfaça como num castelo de cartas.

Não que isso não possa ser benéfico, mas historicamente tem servido mais para que se bloqueiem as possibilidades de um consenso no que possa ser útil à luta comum do que às oportunidades de se debater politicamente a pluralidade de opiniões e a partir delas construir-se uma única força, por certo, mais robusta.

Mais do que nunca, isso se tornou uma necessidade mandatória, nem que seja para que, ao menos de longe, se possa vislumbrar alguma possibilidade de êxito nos inúmeros territórios de lutas.

Estão aí postas as lições desse "Abril Indígena", versão 2013, a da covardia dos deputados fujões e a da bravura dos guerreiros indígenas que, tanto quanto esse políticos, são antes de mais nada, cidadãos brasileiros.  

Assim, não deixe de ler:
- O índio na metrópole - Andrezza Richter, Carolina Rocha Silva e Kárine Michelle Guirau
- Abril Indígena 2013: Declaração da Mobilização Indígena Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas
- Em defesa da terra indígena - Renato Santana

E mais:
- O futuro dos índios - Guilherme Freitas entrevista Manuela Carneiro da Cunha
- Apreensão no campo - Dom Tomás Balduíno
- Era para serem outros 500 - Cristiano Navarro
- Rio de ouro e soja - Carlos Juliano Barros


Nota:
Fotos de José Cruz, Valter Campanato e Wilson Dias, todas da Agência Brasil/ABrA, extraídas do Portal Brasil de Fato. A eventual inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Em defesa da terra indígena

15/04/2013 - Abril Indígena
“Está na hora de priorizarmos a luta pela terra”
-  Por Renato Santana - Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi

Luziânia (GO) - Dispostos a enfrentar o que consideram uma das piores conjunturas de ataque aos direitos pela terra pós-Constituição de 1988, povos indígenas de todo o país iniciaram nesta segunda-feira, 15, o Abril Indígena 2013, que segue até sexta-feira, 19, Dia do Índio.

Nesta terça-feira, 16, cerca de 500 indígenas estarão em audiência com a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas[ao final 700 índios estiveram presente] a partir das 10h30h, na Câmara dos Deputados.

Lideranças, caciques, pajés, professores e professoras, vindos de comunidades às margens de rodovias, aldeias acossadas pelo agronegócio, retomadas à espera de demarcação, pretendem mais do que discutir problemas, mas reivindicar o que lhes é de direito, usurpado pela agenda política de grupos latifundiários, mineradores, madeireiros.

Muitas vezes nos deixamos enganar por conversas de gabinete. Não podemos deixar isso acontecer, porque se a gente parar para ver o que o governo federal está fazendo é tão ruim quanto aquilo que os fazendeiros, a elite agrária, fazem com a gente”, destaca Ninawá Huni Kui (foto) (AC).

O Abril Indígena deste ano acontece num período de ofensiva da bancada ruralista no Congresso Nacional e país afora, além de medidas de exceção do Palácio do Planalto.

Propostas de alterações constitucionais referentes ao direito pela terra, no Legislativo, e decreto de uso da Força Nacional contra comunidades que se opuserem à construção de grandes empreendimentos, no Executivo, hegemonizam a pauta de discussões e mobilizações dos indígenas.

Sem o que comemorar numa semana destinada a eles, os povos pretendem mostrar ao país que resistem e estão vivos, para além do folclore e dos museus.

Dos nossos últimos encontros nacionais, em que elaboramos cartas para as autoridades, nada melhorou, nada avançou. Acho que até piorou.

Vivemos lamentando nossos mortos.

Está na hora de priorizarmos de verdade a luta pela terra. Sem ela, não somos nada.

Salário daqui e de lá não substitui, só divide. Na guerra temos de rir, não chorar.

Agora não guerreamos mais entre nós, sabemos bem quem são nossos inimigos”, enfatiza cacique Babau Tupinambá (foto acima), da  Serra do Padeiro (BA).

Conforme a pauta definida pelos movimentos indígena e indigenista, a semana será dividida em discussões no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para onde vão a partir desta terça-feira, 16, em atividades junto às Frentes Parlamentares de Defesa dos Povos Indígenas e de Direitos Humanos e Minorias, esta última criada em protesto contra a eleição do pastor Marco Feliciano (PSC/SP) para a presidência da comissão, entre outras atividades.

Perdemos as margens de diálogo com os últimos episódios no congresso e no governo.

O PL da CNPI (que criará o conselho no âmbito do que é hoje a Comissão Nacional de Política Indigenista) está prestes a sofrer um golpe, para não falar da PEC 215.

A conjuntura é delicada”, declara o integrante da CNPI, cacique Marcos Xukuru (PE).

Os povos indígenas do Nordeste sofrem com os grandes empreendimentos, caso da transposição do rio São Francisco, a seca agravada pela concentração de terras e a falta de demarcação de terras, caso dos Xukuru-Kariri, de Alagoas, que têm feito retomadas em áreas há décadas reivindicadas.

Na Bahia, os Tupinambá seguem em constantes retomadas de áreas declaradas como indígenas, gerando conflitos e violência.

Os povos indígenas estão prestes a levar um golpe, um golpe do Estado. Precisamos pensar uma estratégia conjunta. As discussões são as mesmas sempre.

Estão atrasando os grupos de trabalho, deixando de fazer os processos de demarcação. Então o governo decreta a PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas), mas rasga nossos territórios com empreendimentos, PECs.

Não podemos aceitar isso e devemos ir para a luta”, declara o vice-cacique Marcelo Entre Serras Pankararu, do sertão pernambucano.

Delegações Guarani do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul trazem relatos de vidas fora da terra, às margens de rodovias, e em áreas retomadas no meio de fazendas de soja, cana e pasto. Durante o mês de março, o jovem Denílson Guarani Kaiowá foi assassinado por fazendeiro.

Os indígenas retomaram a área, declarada como indígena, e na última semana a Justiça concedeu reintegração de posse para o fazendeiro, assassino confesso do indígena.

Na última sexta-feira, um PM reformado invadiu um tekoha – lugar onde se é – e desferiu seis disparos de arma de fogo, acertando um indígena na cabeça. Para se defender, a comunidade o desarmou e o manteve seguro até a chegada da polícia.

Levado ao hospital, o PM não resistiu e morreu a caminho do atendimento médico. O indígena atingido pelo disparo foi medicado e na sequência preso, acusado pelo homicídio.

Toda morte é sempre ruim, mas os indígenas se defenderam. Ele (PM reformado) invadiu a aldeia armado e também já tinha histórico de agressão contra os indígenas. Tudo isso, porém, é resultado da demarcação incompleta da terra e da não retirada dos ocupantes não indígenas da terra indígena”, pontua o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Flávio Vicente Machado.

Nossos territórios devem estar livres. A violência não é nossa, porque não é a gente que quer tirar direitos de ninguém. Apenas queremos os nossos”, completa cacique Babau.

Porém, além da insegurança jurídica e social deixada pela falta de complemento nos processo de demarcação, outros temas envolvem os povos indígenas.

Um deles é a Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU). Nela o órgão ‘orienta’ que as condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol devem se estender a todo país.

A própria AGU questionou as tais condicionantes de Raposa Serra do Sol e no ano passado baixou a Portaria 303 dizendo que elas se estendem a todo país, isso sem essas tais condicionantes terem sido apreciadas pelo STF”, explica o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto.

Críticas também foram feitas aos dez anos de PT e aliados à frente do Palácio do Planalto.

Lula comia peixe assado com a gente. Ele dizia o que iria fazer por nós, era lindo.

Lula se elegeu e os parentes cruzaram os braços, acreditando numa vitória para a gente. O resultado está aí: se aliou (Lula) com os capetas e nada aconteceu de bom para a gente.

Então precisa acabar com braços cruzados, pois eles estão abrindo a porta da casa da gente para hidrelétricas, mineradoras, fazendeiros”, analisa Nailton Pataxó Hã-hã-hãe.

Há exatamente um ano os Pataxó Hã-hã-hãe recuperavam a totalidade da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, no extremo sul da Bahia, expulsando todos os invasores, grandes latifundiários de gado e monocultivos.

Demarcações de terras e PEC 215
Durante o governo Dilma Rousseff, apenas dez terras indígenas foram demarcadas no Brasil, sendo todas na região Norte – sete no Amazonas, duas no Pará e uma no Acre, ou seja, áreas que hoje não envolvem os conflitos mais encarniçados entre latifundiários invasores e comunidades indígenas.

Os dados são do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com base nas publicações do Ministério da Justiça no Diário Oficial da União.

Uma vez que 335 terras estão em alguma das fases do procedimento de demarcação, em dezenas com demora de dez, 20 anos para a conclusão, caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), e outras 348 reivindicadas, a quantidade recente de demarcações é abaixo do esperado pelos povos indígenas e Ministério Público Federal (MPF).

Para completar, a PEC 215 vem com grande força. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob intensos protestos de comunidades indígenas, a PEC 215 teve comissão formada por decisão do deputado federal Henrique Alves (PMDB/RN) (foto), presidente da casa e eleito com o compromisso de encaminhar a PEC 215 para votação.

A proposta da bancada ruralista visa transferir do Executivo para o Legislativo o processo de demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção Ambiental.

Com a maior bancada no Congresso Nacional, controlando ¼ da Câmara, ruralistas passariam a ter influência direta nas decisões de demarcações, atendendo aos próprios interesses.

Fonte:
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6816&action=read

Leia também:
- Abril Indígena 2013: Declaração da Mobilização Indígena Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas - APIB/Cimi
- Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai - Agência Brasil
- Área indígena sagrada vai virar hidrelétrica - Renée Pereira
- O futuro dos índios - Guilherme Freitas entrevista Manuela Carneiro da Cunha

E mais:
- Apreensão no campo - Dom Tomás Balduíno
- Território das comunidades tradicionais: uma disputa histórica - por Viviane Tavares
- Era para serem outros 500 - Cristiano Navarro
- Povos indígenas e o desenvolvimentismo do governo Dilma Rousseff - Roberto Antonio Liebgot
- Rio de ouro e soja - Carlos Juliano Barros

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

ABRIL INDÍGENA: DECLARAÇÃO DA MOBILIZAÇÃO INDÍGENA NACIONAL EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS


APIB/Cimi

Nós, mais de 600 representantes de 73 povos e várias organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília –DF, no período de 15 a 19 de abril de 2013, considerando o grave quadro de ameaças de regressão a que estão submetidos os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal e tratados internacionais como a Convenção 169 de Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, nos declaramos mobilizados em defesa desses direitos, principalmente o direito sagrado às nossas terras, territórios tradicionais e bens naturais, tratados hoje como objetos de cobiça, produtos de mercado e recursos a serem apropriados a qualquer custo pelo modelo neodesenvolvimentista priorizado pelo atual governo e as forças do capital que tomaram por assalto o Estado, com as quais pactua governabilidade para a continuidade de seu projeto político.

Esse modelo agroextrativista exportador é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Para viabilizar o modelo, o governo busca implementar, a qualquer custo, as obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão. Isso supõe e potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no país, e explica o fato de os setores político-econômicos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e do próprio governo se articularem para avançar, com o intuito de se apropriar e explorar os territórios indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, das comunidades tradicionais e  das áreas de proteção ambiental.

Objetivos do ataque aos direitos territoriais indígenas

A ofensiva contra os territórios indígenas por parte dos poderosos tem os seguintes objetivos:

1) inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios;
2) reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados;
3) invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos nossos povos.

Instrumentos utilizados para reverter os direitos territoriais dos povos indígenas

Para atingir os objetivos de ocupar e explorar os territórios indígenas, esses poderes econômicos e políticos aliados com setores do governo e da base parlamentar recorrem a instrumentos político-administrativos, jurídicos, judiciais e legislativos, conforme identificamos abaixo.

Objetivo 01 - inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios.

1) Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (PEC 215): de autoria do deputado federal Almir Sá (PPB/RR), cuja admissibilidade foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados em março de 2012. O relator, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB/PR), então vice-líder do governo na Câmara, apensou a esta matéria outras 11 PECs que tramitavam na referida Comissão. Com isso, a PEC 215/00, sendo aprovada, alterará os artigos 49, 225 e 231 da CF transferindo a competência das demarcações do Executivo para o Legislativo nacional e, em última instância, determinará: a) que toda e qualquer demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional; b) que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedades rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígena; c) que as Assembléias Legislativas sejam obrigatoriamente consultadas em casos de demarcação de terras indígenas em seus respectivos estados; d) que a demarcação de terras indígenas, expedição de títulos das terras pertencentes a quilombolas e definição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público sejam regulamentados por uma lei e não mais por um decreto como ocorre atualmente; e) que será autorizada a permuta de terras indígenas em processo de demarcação litigiosa, ad referendum do Congresso Nacional.

Lamentavelmente, ás vésperas das comemorações do Dia do Índio, o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), autorizou a criação de Comissão Especial Temporária que deverá analisar esta maléfica PEC.

2) Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 038/99: de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PMDB/RR), que aguarda inclusão na ordem do dia para ser votada pelo plenário do Senado. Caso seja aprovada, conforme o voto em separado do senador Romero Jucá (PMDB/RR), alterará os artigos 52, 225 e 231 da Constituição Federal (CF) estabelecendo competência privativa do Senado Federal para aprovar processo sobre demarcação de terras indígenas.

3) Portaria 2498, de autoria do Poder Executivo. Publicada no dia 31 de outubro de 2011, pelo Ministério da Justiça, determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. Esta portaria tem como pano de fundo uma interpretação equivocada, por parte do Executivo, de Condicionante estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Petição 3388, única e exclusivamente relativa ao caso da Terra Raposa Serra do Sol, cujo julgamento ainda não transitou em julgado.

4) Visível inoperância nas demarcações de terras indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) “não tem autorização”, ou seja, está proibida pela Presidência da República, de criar novos Grupos de Trabalho para estudos de identificação e delimitação de terras, o que revela uma situação de subserviência do governo brasileiro às demandas do agronegócio cujos representantes vêm pedindo, em audiências com Ministros de Estado, uma moratória nas demarcações sob o pretexto de se aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Petição 3388.

5) Judicialização das demarcações, articulada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e pelos sindicatos a ela filiados. A medida incentiva os não-indígenas invasores de terras indígenas a questionarem judicialmente todo e qualquer procedimento administrativo que visa o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas. A demora no julgamento desses processos por parte do judiciário vem resultando em atrasos ainda maiores nas demarcações das terras indígenas.

Objetivo 02: reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados.

1) Portaria 303: de iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), publicada no dia 17 de julho de 2012. Esta Portaria manifesta uma interpretação extremamente abrangente, geográfica e temporal quanto às condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388), estendendo a aplicação delas a todas as terras indígenas do país e retroagindo sua aplicabilidade. A portaria determina que os procedimentos já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos.

Além disso, determina que sejam “revistos” os procedimentos de demarcação em curso e impõe limites severos aos direitos de usufruto exclusivo dos povos sobre suas terras, previsto na Constituição Federal, e à aplicação da consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A aplicação da Portaria 303/12 está suspensa, mas prevista para entrar em vigor no dia seguinte à publicação do acórdão do julgamento dos Embargos de Declaração da Petição 3388 pelo STF. Uma eventual decisão do STF que corrobore os termos estabelecidos pela Portaria, ampliaria profundamente a instabilidade jurídica e política vivida pelos povos indígenas e, na prática, significaria a conflagração de conflitos fundiários ainda mais graves envolvendo a posse das terras indígenas, inclusive a reabertura de conflitos anteriormente superados.

Objetivo 03: invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas.

1. Decreto nº 7.957, de autoria do Poder Executivo, publicado no dia 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

2. Portaria Interministerial 419/11, de autoria do Poder Executivo. Publicada em 28 de outubro de 2011, regulamenta a atuação de órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas. Neste sentido: a) concede prazo irrisório de 15 dias para que a Funai se manifeste em relação a determinada obra que atinge terra indígena no país; b) determina que o governo só irá considerar como Terra Indígena atingida por uma determinada obra de infra-estrutura aquela que tiver seus limites estabelecidos pela Funai, ou seja, cujo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação tenha sido publicado nos Diários Oficiais da União e do respectivo estado federado. Este último ponto é especialmente danoso aos povos indígenas - reconhecidamente inconstitucional -, uma vez que desconsidera o fato de que o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena é ato apenas declaratório do direito dos indígenas sobre suas terras tradicionais. Com a portaria 419, para efeito de estudo de impactos causados pelos empreendimentos, o governo desconsidera a existência de aproximadamente 370 terras indígenas ainda não identificadas e delimitadas no Brasil.

3. Projeto de Lei (PL) 1610/96, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). O Projeto dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176 e 231 da Constituição Federal. Em fase final de tramitação, aguarda parecer da Comissão Especial. Relatório preliminar divulgado, no segundo semestre de 2012 pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), é extremamente maléfico aos interesses dos povos indígenas. Caso a lei seja aprovada na forma do relatório em questão, dentre muitos outros aspectos problemáticos, destacamos: a) Não será admitido o direito de veto dos povos. Com isso, o direito de consulta prévia, livre e informada será transformado em mero ato formal, denominado “consulta pública”. A vontade dos povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de exploração mineral na própria terra. Nesse caso, inclusive, recupera o princípio da tutela, abominado pela Constituição, ao definir que uma comissão formada por não-índios decidirá sobre o que é melhor para os povos indígenas; b) Nenhuma salvaguarda constitucional é explicitada. Com isso, a exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena. Não há qualquer referência que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sob monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural dos povos.

4. Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 237/13: de autoria do deputado Nelson Padovani (PSC/PR), busca alterar o art. 176 da Constituição, permitindo a posse de terras indígenas por produtores rurais. A PEC 237/13 acrescenta parágrafo à Constituição para determinar que a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios poderão ocorrer por concessão da União, ao agronegócio. Aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

5. Projeto de Lei (PL) 195/11: de autoria da Deputada Rebecca Garcia (PP/AM), prevê a instituição de sistema nacional de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD+). Em flagrante desrespeito ao princípio constitucional que prevê usufruto exclusivo das terras pelos próprios povos indígenas, o PL elege, dentre outras, as terras indígenas como objeto de projetos de REDD+. Aguarda constituição de Comissão Temporária Especial na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

6. Substituição do Direito pela Compensação/Mitigação: a omissão do governo brasileiro na efetivação de políticas públicas, tais como de saúde e educação, dentre outras, vem influenciando dezenas de povos a aceitarem projetos de exploração de seus territórios como forma de obter compensações/mitigações para responder as demandas criadas pelo abandono do Estado.

Diante deste grave quadro de violações aos nossos direitos, principalmente territoriais, declaramos de uma só voz:

1. Repudiamos toda essa série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que busca destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças dos nossos povos, durante o período da constituinte.

2. Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, sobretudo se considerarmos que o passivo de terras a demarcar é ainda imenso. Das 1046 terras indígenas, 363 estão regularizadas; 335 terras estão em alguma fase do procedimento de demarcação e 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil, mas até o momento a Funai não tomou providências a fim de dar início aos procedimentos de demarcação.

3. Exigimos do Poder executivo a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades. Do Legislativo, reivindicamos que o Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), anule a decisão de constituir a Comissão Especial da PEC 215, que afronta a autonomia dos poderes e submete o nosso destino à vontade dos poderes econômicos que hoje dominam o Congresso Nacional. Exigimos ainda o arquivamento de quaisquer outras iniciativas que busquem legalizar a violência contra os nossos povos e a usurpação dos nossos territórios e bens fornecidos pela Natureza, como a PEC 237/13 e o PL 1610/96. Do Judiciário, reivindicamos agilidade no julgamento de casos que retardam a demarcação das nossas terras, submetendo os nossos povos e comunidades a situações de insegurança jurídica e social.

4. Reivindicamos do Governo brasileiro políticas públicas efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas. Não admitimos que os nossos direitos sejam “atendidos” por meio de compensações decorrentes da exploração dos nossos territórios, pois estas medidas têm caráter efêmero e perduram tão somente enquanto perdurar a exploração.

5. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos em distintas instâncias e processos de diálogo com o movimento indígena, tal como a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), onde foram trabalhados o Projeto de Lei 3571/08, que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista e as Propostas para a elaboração de um novo Estatuto dos Povos Indígenas, que não contaram com o envolvimento da bancada governamental para sua devida tramitação e aprovação.

6. Reafirmamos, por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, em defesa dos nossos territórios e da mãe natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações.

7. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, povos e organizações, e aliados de todas as partes para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.

Brasília-DF, 16 de abril de 2013.

Fonte da notícia:  Cimi nacional  (APIB/Cimi)

terça-feira, 16 de abril de 2013

Porquês desse triunfo apertado

15/04/2013 - Explicando o triunfo apertado de Maduro: voto personalista e guinada à esquerda de Capriles
- Sturt Silva (*) para o Diário Liberdade da Galiza

Venezuela - Diário Liberdade - O resultado final do processo eleitoral deste domingo que deu a vitória a Nicolás Maduro na Venezuela foi uma surpresa, pelo menos pra mim.

Não esperava um resultado tão apertado. Segundo o anúncio oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) Nicolás Maduro foi eleito presidente com 50,66% dos votos (7.505.338), contra 49,07% de Henrique Capriles (7.270.403).

As pesquisas, em sua maioria, antes da eleição, como a boca de urna no final do pleito davam vitória para Maduro de forma tranquila.

O resultado era parecido com o resultado oficial do pleito de outubro de 2012 quando Chávez derrotou o mesmo Capriles por uma diferença que girava em torno de 10%.

Esperávamos algo semelhante ontem [14/04], no entanto, o triunfo de Maduro foi decidido nos décimos.

Por quê?

É o que os analistas vão escrever durante a semana.

Sei que é muito cedo para afirmar alguma coisa. Porém ouso a especular algumas hipóteses que poderia ser a causa deste resultado apertado.

Antes de ir às hipóteses, confesso que esperava uma vitória mais tranquila, não devido às pesquisas - que em qualquer lugar tem como meta, entre outros objetivos, a manipulação da opinião dos eleitores de acordo com seus resultados -, mas sim devido à comoção nacional que o país estava vivendo devido à morte de Hugo Chávez.

O realista Gilberto Maringoni em uma entrevista que deu a este que vos escreve, antes da morte de Chávez, disse que não achava que o chavismo perderia o processo eleitoral, mesmo sem Chávez.

Depois da morte do líder venezuelano, embora cauteloso, defendeu que a vitória seria de Maduro. E mais: chegou a dizer que poderia até ser com uma diferença maior que a de outubro.

Atualmente, acho que dois fatores ajudaram nesta "perda de votos" em relação a outubro.

Pelos meus dados o número de participação foi quase igual a da eleição passada, talvez, dessa vez foi até menor.

Nesse sentido, a participação total de eleitores da eleição de 2012 e de agora foi próxima, o que automaticamente me dá condições de afirmar que em termos quantitativos temos o mesmo eleitorado a ser analisado.

Ou seja, aqueles que aparentemente votaram em Chávez em outubro e agora parece não terem votado em Maduro.

Lembrando que na Venezuela os mais pobres, a classe trabalhadora mais consciente, os setores progressistas da intelectualidade e uma parte do empresariado votam fielmente com o chavismo, sendo que a classe média, a burguesia tradicional e, talvez, um proletariado mais atrasado vota com oposição.

Mas tem aqueles que estão à margem desse corte e eles que podem ter feito a diferença nesta última eleição.

Voto em Chávez não significa voto em Maduro
Dentre os dois fatores que pesaram para que este eleitorado não continuasse a votar no chavismo, um deles está relacionado ao desaparecimento físico, não político, de Hugo Chávez.

Por mais que Maduro fosse o escolhido do líder que venceu um número recorde de eleições, ele não era Chávez.

Logo também não teria (e não tem) o carisma, a habilidade, enfim todas as características individuais que fazia Chávez ser tão popular e eficiente nas urnas.

Aqui parto da ideia que o eleitorado venezuelano "independente", ou seja, aquele que dificilmente fecha com um dos lados, escolhe seu representante tendo como base o indivíduo.

Ou seja, não importa muito o projeto, conjuntura ou outros fatores mais amplos do representante. Se o indivíduo não passar confiança, não ganha o seu voto.

É isso que pode ter determinado os "votos chavistas" em Capriles [foto] e não em Maduro.

Por mais que a figura de Capriles seja contraditória, ele é o político da atualidade venezuelana mais conhecido depois de Chávez.

Nas eleições para os estados, derrotou o ex-vice-presidente e atual ministro de relações exteriores da Venezuela, Elías Jaua, com apoio de Chávez.

E se jogarmos na balança Capriles contra Maduro - embora este seja o mais conhecido do chavismo, ainda é muito desconhecido do processo revolucionário, já que a revolução bolivariana era concentrada em Chávez -, a oposição vence a disputa, neste quesito, de forma fácil.

Chavismo força guinada à esquerda da direita

O segundo fator que destaco como decisivo nesse aumento de votos do candidato Capriles sobre os chavistas é justamente o seu próprio mérito.

Desde 2002 as táticas políticas da direita e da oposição a Chávez foram variadas.

Elas se radicalizaram ao extremo em 2002 no golpe de estado.

Em 2005, normalizaram quando a oposição voltou ao jogo democrático burguês.

No entanto, ao longo do tempo não havia uma proposta de unidade única para derrotar o inimigo principal, Hugo Chávez.

Nos últimos anos, até pelas circunstâncias do processo, ora pela dificuldade que o processo bolivariano enfrentava, ora pelos passos à frente que a revolução dava, a oposição pareceu que se uniu para o processo eleitoral.

Soma isso a acumulação de força que ela conseguiu desde 2005. Mas ainda assim esbarrava na figura de Chávez.

Com a morte do presidente, novos cenários "pós-Chávez" se abriram.

Por mais que o fator de comoção nacional seria (e foi) um elemento que ajudaria o adversário, Capriles não teria o "grande líder" pela frente nas urnas.

Nesse sentido que sua campanha trabalhou bem.

O que houve é que o candidato da direita, que participou do golpe de estado em 2002, deu uma guinada à esquerda - não às propostas socialistas -, ou pelos menos tentou passar a imagem que também era de esquerda.

Seja pelo programa, como colocou Maringoni um dia antes da eleição, seja por sua atuação na campanha atual.

Caprilles foi abandonando aos poucos o discurso de direita, por exemplo, a oposição às "missões", e foi aproximando um pouco das propostas históricas de Chávez e do chavismo.

Até mesmo o símbolo máximo que Chávez resgatou para unir o país em um projeto anti-imperialista e anticolonialista Capriles usou.

Falo do libertador Simon Bolívar, que deu nome a campanha do candidato oposicionista.

Nesse sentido, vendo que o Chávez de carne e osso não existia mais, esse eleitorado meio pragmático acabou optando por Capriles.

Além do fator personalista do líder em si, aqui destaco o mérito da oposição de aproximar o seu programa e o discurso de Capriles da eficiência do projeto chavista, "vendendo-os" como alternativa positiva, que conserva o velho e traz o novo.

Não poderia também deixar de citar que o comportamento de Maduro, durante a campanha, focada em homenagens a Chávez - que por sua vez tinha como objetivo a busca de votos e manutenção da unidade -, em vez de priorizar propostas próprias relacionadas ao líder, como fez Capriles, pode ter contribuído para o sucesso dessa "perda de votos".

O resultado está ai: um Maduro vitorioso, um Capriles derrotado e um chavismo "enfraquecido", mas muito mais forte que a oposição.

(*) Sturt Silva é blogueiro e historiador. Escreve direto do Brasil para o Diário Liberdade da Galiza.

Fonte:
http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/414-batalha-de-ideias/37537-explicando-o-triunfo-apertado-de-maduro-voto-personalista-e-guinada-%C3%A0-esquerda-de-capriles.html

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai


 Agência Brasil



Brasília – Deputados da bancada ruralista prometem apertar o cerco contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a atribuição do órgão de auxiliar na demarcação de terras indígenas no Brasil. Entre as estratégias para pressionar o governo por mudanças, integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura dizem já ter assinaturas suficientes - mais de 180 - para protocolar um pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Funai, mas ainda não há definição sobre quando isso será feito.

Na semana passada o grupo contabilizou duas vitórias. Na primeira, conseguiu convocar a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para prestar esclarecimentos na Comissão de Agricultura da Casa sobre as questões indígenas. A data da ida da ministra ao Congresso deve ser definida ainda esta semana pelo presidente comissão, deputado Giacobo (PR-PR).

Os ruralistas conseguiram ainda, na última quarta-feira (10), o apoio que faltava para a criação de uma comissão especial para apreciar e dar parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000) que inclui, nas competências exclusivas do Congresso Nacional, a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A comissão foi criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), em retribuição ao apoio que recebeu dos ruralistas para comandar a Casa.

“Nós estamos criando uma série de injustiças para aqueles que são proprietários de terras, independentemente do tamanho. O que nos preocupa é a falta de critérios e de uma condição de defesa dentro dos processos de homologação conduzidos pelos antropólogos [da Funai]”, diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que integra a Frente Parlamentar da Agricultura.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reagiu à criação da comissão. Em nota divulgada no site, o Cimi repudiou a decisão. “O ato do presidente da Câmara constitui-se em um atentado à memória dos deputados constituintes, ataca de forma vil e covarde os direitos que os povos indígenas conquistaram a custo de muito sangue e atende os interesses privados de uma minoria latifundiária historicamente privilegiada em nosso país”, diz o documento.

Procurada pela Agência Brasil, a Funai enviou nota classificando a PEC 215/00 como um retrocesso e uma ação contrária à efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas.

“A Funai acredita que tal medida, ao invés de contribuir para a redução dos conflitos fundiários decorrentes dos processos de demarcação de terras indígenas, ocasionará maior tensionamento nas relações entre particulares e povos indígenas, diante das inseguranças jurídicas e indefinições territoriais que irá acarretar”, alerta o documento.

Entre as preocupações da Funai está o fato de a PEC prever a criação de mais uma instância no procedimento administrativo de regularização fundiária de terras indígenas. “Isso tornará mais complexo e moroso o processo de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas - se não significar sua  paralisia -, com graves consequências para a efetivação dos demais diretos destes povos, como, por exemplo, garantia de políticas de saúde e educação diferenciadas, promoção da cidadania e da sustentabilidade econômica, proteção aos recursos naturais, entre outros.”

Esta semana a bancada ruralista na Câmara deve se reunir com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. No encontro, os parlamentares vão pedir a conclusão do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – que ainda depende da publicação do acórdão do julgamento e dos embargos declaratórios a respeito das 19 condicionantes impostas pela Corte, em 2009, para que a demarcação da área fosse mantida em terras contínuas.

Depois que isso for feito, a polêmica Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) pode entrar em vigor. A norma proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas e a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios, se isso significar a restrição do pleno usufruto e da posse direta da área pelas comunidades indígenas. Ela também veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.

As divergências da Frente Parlamentar da Agricultura em relação às atribuições da Funai também levaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a se comprometer a criar um grupo de trabalho para receber as manifestações dos deputados. Em 30 dias, representantes da Secretaria de Assuntos Legislativos da pasta, da Funai e parlamentares devem começar a discutir propostas que envolvem a demarcação e desapropriação de terras no país.

A Frente Parlamentar Ambientalista, presidida pelo deputado Sarney Filho (PV-MA), marcou uma reunião para a próxima quarta-feira (17). Na avaliação dos ambientalistas, os apoiadores da PEC 215 são motivados por “interesses pessoais e individuais contrariados”. “A PEC é um retrocesso absoluto, ela acaba com qualquer possibilidade de política indigenista e de política ambiental. Tirar a prerrogativa do Poder Executivo de criar unidade de conservação e reservas indígenas e passar para o Congresso é a mesma coisa de dizer que não vai ter mais”, disse Sarney Filho.


http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-14/bancada-ruralista-pressiona-para-tirar-poderes-da-funai



domingo, 14 de abril de 2013

Homossexuais na Idade Média

30/03/2013 - Por Antonio Ozaí da Silva em seu blog

Qual a postura da Igreja Católica e da cristandade sobre a homossexualidade na Idade Média?

Visto que o sexo, segundo os ensinamentos cristãos, foi dado ao homem unicamente para os propósitos da reprodução e por nenhuma outra razão, qualquer outra forma de atividade que não levasse ou não pudesse levar à procriação era um pecado contra a natureza.

Os pecados contra a natureza incluíam especificamente a bestialidade, a homossexualidade e a masturbação”, escreve Jeffrey Richards. [1]

Já no século IV, Santo Agostinho, uma das mais importantes autoridades da Igreja, foi taxativo:

Pecados contra a natureza, por conseguinte, assim como o pecado de Sodoma, são abomináveis e merecem punição sempre que forem cometidos, em qualquer lugar que sejam cometidos.

Se todas as nações os cometessem, todas igualmente seriam culpadas da mesma acusação na lei de Deus, pois nosso Criador não prescreveu que pudéssemos utilizar uns aos outros dessa maneira.

Na realidade, a relação que devemos ter com Deus é ela mesma violada quando nossa natureza, da qual ele é o Autor, é profanada pela lascívia perversa”. [2]

Estas palavras, retiradas das Confissões de Santo Agostinho, são inspiradas por uma determinada leitura e interpretação bíblica, ainda presente [3], de Levítico:

Não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. É uma abominação” (Lv., 18, 22).

O homem que se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação: deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles” (Lv., 20, 13).[4]

Vemos o quanto é perigoso a leitura literal e fundamentalista da Bíblia.

Se devem morrer, alguém deve ser o instrumento de Deus que cumpre a sentença condenatória.

Afinal, homofóbicos e fanáticos religiosos imaginam-se imbuídos de uma missão purificadora.

Mas, retornemos à Idade Média – muito embora persistam pensamentos e posturas medievais em pleno século XXI.

Na medida em que o cristianismo medieval concebia o sexo apenas para procriar e considerava antinatural e pecaminoso tudo o que não se enquadrasse nesta perspectiva, qual é a sua posição diante dos pecadores?

O Antigo Testamento não deixa dúvidas.

Cristo, porém, teve uma atitude tolerante, compassiva e amorosa.

Como assinala Richards:

Cristo não havia delineado um conjunto abrangente de ética sexual, e não há registro de que tenha encontrado algum homossexual.

Mas, quando se deparou com uma adúltera sendo apedrejada – e o adultério era, como a homossexualidade, uma ofensa capital na lei do Antigo Testamento – disse:

Aquele dentre vós que não tiver pecado, atire a primeira pedra”, e, para a mulher, “Vai, e não peques mais”.

Perdão e compreensão, então, em vez de punição, era a mensagem de Cristo”. [5]

Outra foi a mensagem da cristandade medieval.

Os primeiros padres da Igreja adotaram a linha condenatória.

Suas opiniões foram sacramentadas em lei quando o império romano assumiu o catolicismo enquanto religião oficial.

O imperador Justiniano (527-65), que se considerava o representante de Deus, impôs um rígido código moral e a homossexualidade passou a ser passível da pena de morte:

Justiniano tinha uma visão dos atos homossexuais como sendo literalmente uma violação da natureza que provocava a retaliação da mesma: “por causa destes crimes ocorrem fomes coletivas, terremotos e pestes”, declarou.

"Este refrão deveria retornar no período posterior à Idade Média, quando uma sucessão de calamidades que surpreendeu a cristandade foi diretamente atribuída pelos pregadores populares e pelos teólogos à existência da sodomia." [6]

Outro santo, Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, concordava que o ato inatural, ou seja, todo ato sexual que não cumprisse o preceito de servir à reprodução da espécie, ainda que praticado sob consentimento mútuo ou individualmente, ou mesmo sem acarretar prejuízo a outrem, era caracterizado como o pior dos pecados, uma injúria a Deus:

Eles violavam a ordem natural determinada por Deus. Por ordem crescente de gravidade, os pecados contra a natureza eram: masturbação, relação inatural com o sexo oposto [7], relação homossexual e bestialidade.

Estas concepções eram amplamente determinadas, e se, em alguma medida, a literatura foi um reflexo da opinião popular, elas predominaram na sociedade secular”. [8]

Nos séculos XII e XIII, a política eclesiástica e civil contra a homossexualidade tornou-se ainda mais rigorosa.

O Concílio de Nablus (1120), determinou que “o adulto sodomita persistente e do sexo masculino seria queimado pelas autoridades civis”. [9]

Esta medida colocava os homossexuais “no mesmo patamar que os assassinos, hereges e traidores”.

O passo seguinte foi a penalização cada vez mais crescente pela lei secular.

De um lado, o puritanismo moralista mobilizou-se para reprimir a homossexualidade.

Por outro, a “inquisição e as irmandades leigas associadas com as ordens mendicantes tornaram-se instrumentos de perseguição aos hereges e sodomitas”.

O Concílio de Siena (1234) passou a designar homens cuja função era caçar sodomitas.

O objetivo desses ancestrais medievos dos homofóbicos e fanáticos religiosos modernos era “honrar ao Senhor, assegurar a paz verdadeira e manter os bons costumes e uma vida louvável para o povo de Siena”. [10]

O vício que não pode ser nomeado[11] passou a ser cada vez mais perseguido.

A sodomia deveria ser extirpada da sociedade, os sodomitas deveriam ser excluídos social e fisicamente.

A homossexualidade foi equiparada a uma doença contagiosa, às impurezas que contaminavam a pureza cristã e social:

Assim como o lixo é retirado das casas, de modo a que não as infecte, os depravados devem ser afastados do comércio humano pela prisão ou pela morte.

O pecado tem que ser destruído pelo fogo e extirpado da sociedade. “Ao fogo!” esbravejava são Bernardino em sua assembléia. “Eles são todos sodomitas! E vós estareis em pecado mortal se tentardes ajudá-los.[12]

Em conclusão, nas palavras de Jeffrey Richards:

O cristianismo era fundamentalmente hostil à homossexualidade.

A mudança na Idade Média não foi um deslocamento da tolerância para a intolerância por razões não-intrínsecas às crenças cristãs, mas uma alteração nos meios de lidar com a questão.

No período inicial da Idade Média, a punição era a penitência; no período posterior, a fogueira. Mas nunca foi questão de permitir aos homossexuais prosseguir em sua atividade homossexual sem punição.

Eles eram obrigados a desistir dela ou arriscar a danação”. [13]

Era?

Deixou de sê-lo?

Qual o peso e influência do ideário teológico medieval sobre os homens e mulheres do nosso século?

É certo que não se acendem mais as fogueiras inquisitoriais, mas a inquisição, sob outras formas, incluindo as mais sutis, persiste.

Imagine o pai e a mãe de um filho homossexual diante dos são Bernardinos do nosso tempo!

É curioso como os inquisidores se candidatam a santos e como muitos terminaram por ser canonizados!

De qualquer forma, o preconceito contra a homossexualidade tem raízes profundas e milenares.

Os mortos dominam o cérebro dos vivos e, apesar do passar do tempo, são renitentes!

De certa maneira, a cada pensamento e gesto preconceituoso em relação à homossexualidade ressuscitamos os inquisidores medievais!

Talvez devêssemos nos espelhar mais em Cristo do que nos santos padres da Igreja ou no Antigo Testamento.


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[1] RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 136.
[2] Apud in idem.
[3] Sugiro que assista ao documentário Como diz a Bíblia (For The Bible Tells Me So. Direção: Daniel G. Karslake. EUA, 2007, 95 min.).
[4] Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
[5] RICHARDS, 1993, p. 139.
[6] Idem.
[7] Ver Sexo, o mal dos males, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/23/sexo-o-mal-dos-males/.
[8] RICHARDS, 1993, p. 145-146.
[9] Idem, p. 146.
[10] Idem, p. 148.
[11] Idem, p. 149.
[12] Idem, p. 150.
[13] Idem, p. 152.

Fonte:
http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/30/homossexuais-na-idade-media/

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.