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domingo, 14 de abril de 2013

Homossexuais na Idade Média

30/03/2013 - Por Antonio Ozaí da Silva em seu blog

Qual a postura da Igreja Católica e da cristandade sobre a homossexualidade na Idade Média?

Visto que o sexo, segundo os ensinamentos cristãos, foi dado ao homem unicamente para os propósitos da reprodução e por nenhuma outra razão, qualquer outra forma de atividade que não levasse ou não pudesse levar à procriação era um pecado contra a natureza.

Os pecados contra a natureza incluíam especificamente a bestialidade, a homossexualidade e a masturbação”, escreve Jeffrey Richards. [1]

Já no século IV, Santo Agostinho, uma das mais importantes autoridades da Igreja, foi taxativo:

Pecados contra a natureza, por conseguinte, assim como o pecado de Sodoma, são abomináveis e merecem punição sempre que forem cometidos, em qualquer lugar que sejam cometidos.

Se todas as nações os cometessem, todas igualmente seriam culpadas da mesma acusação na lei de Deus, pois nosso Criador não prescreveu que pudéssemos utilizar uns aos outros dessa maneira.

Na realidade, a relação que devemos ter com Deus é ela mesma violada quando nossa natureza, da qual ele é o Autor, é profanada pela lascívia perversa”. [2]

Estas palavras, retiradas das Confissões de Santo Agostinho, são inspiradas por uma determinada leitura e interpretação bíblica, ainda presente [3], de Levítico:

Não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. É uma abominação” (Lv., 18, 22).

O homem que se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação: deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles” (Lv., 20, 13).[4]

Vemos o quanto é perigoso a leitura literal e fundamentalista da Bíblia.

Se devem morrer, alguém deve ser o instrumento de Deus que cumpre a sentença condenatória.

Afinal, homofóbicos e fanáticos religiosos imaginam-se imbuídos de uma missão purificadora.

Mas, retornemos à Idade Média – muito embora persistam pensamentos e posturas medievais em pleno século XXI.

Na medida em que o cristianismo medieval concebia o sexo apenas para procriar e considerava antinatural e pecaminoso tudo o que não se enquadrasse nesta perspectiva, qual é a sua posição diante dos pecadores?

O Antigo Testamento não deixa dúvidas.

Cristo, porém, teve uma atitude tolerante, compassiva e amorosa.

Como assinala Richards:

Cristo não havia delineado um conjunto abrangente de ética sexual, e não há registro de que tenha encontrado algum homossexual.

Mas, quando se deparou com uma adúltera sendo apedrejada – e o adultério era, como a homossexualidade, uma ofensa capital na lei do Antigo Testamento – disse:

Aquele dentre vós que não tiver pecado, atire a primeira pedra”, e, para a mulher, “Vai, e não peques mais”.

Perdão e compreensão, então, em vez de punição, era a mensagem de Cristo”. [5]

Outra foi a mensagem da cristandade medieval.

Os primeiros padres da Igreja adotaram a linha condenatória.

Suas opiniões foram sacramentadas em lei quando o império romano assumiu o catolicismo enquanto religião oficial.

O imperador Justiniano (527-65), que se considerava o representante de Deus, impôs um rígido código moral e a homossexualidade passou a ser passível da pena de morte:

Justiniano tinha uma visão dos atos homossexuais como sendo literalmente uma violação da natureza que provocava a retaliação da mesma: “por causa destes crimes ocorrem fomes coletivas, terremotos e pestes”, declarou.

"Este refrão deveria retornar no período posterior à Idade Média, quando uma sucessão de calamidades que surpreendeu a cristandade foi diretamente atribuída pelos pregadores populares e pelos teólogos à existência da sodomia." [6]

Outro santo, Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, concordava que o ato inatural, ou seja, todo ato sexual que não cumprisse o preceito de servir à reprodução da espécie, ainda que praticado sob consentimento mútuo ou individualmente, ou mesmo sem acarretar prejuízo a outrem, era caracterizado como o pior dos pecados, uma injúria a Deus:

Eles violavam a ordem natural determinada por Deus. Por ordem crescente de gravidade, os pecados contra a natureza eram: masturbação, relação inatural com o sexo oposto [7], relação homossexual e bestialidade.

Estas concepções eram amplamente determinadas, e se, em alguma medida, a literatura foi um reflexo da opinião popular, elas predominaram na sociedade secular”. [8]

Nos séculos XII e XIII, a política eclesiástica e civil contra a homossexualidade tornou-se ainda mais rigorosa.

O Concílio de Nablus (1120), determinou que “o adulto sodomita persistente e do sexo masculino seria queimado pelas autoridades civis”. [9]

Esta medida colocava os homossexuais “no mesmo patamar que os assassinos, hereges e traidores”.

O passo seguinte foi a penalização cada vez mais crescente pela lei secular.

De um lado, o puritanismo moralista mobilizou-se para reprimir a homossexualidade.

Por outro, a “inquisição e as irmandades leigas associadas com as ordens mendicantes tornaram-se instrumentos de perseguição aos hereges e sodomitas”.

O Concílio de Siena (1234) passou a designar homens cuja função era caçar sodomitas.

O objetivo desses ancestrais medievos dos homofóbicos e fanáticos religiosos modernos era “honrar ao Senhor, assegurar a paz verdadeira e manter os bons costumes e uma vida louvável para o povo de Siena”. [10]

O vício que não pode ser nomeado[11] passou a ser cada vez mais perseguido.

A sodomia deveria ser extirpada da sociedade, os sodomitas deveriam ser excluídos social e fisicamente.

A homossexualidade foi equiparada a uma doença contagiosa, às impurezas que contaminavam a pureza cristã e social:

Assim como o lixo é retirado das casas, de modo a que não as infecte, os depravados devem ser afastados do comércio humano pela prisão ou pela morte.

O pecado tem que ser destruído pelo fogo e extirpado da sociedade. “Ao fogo!” esbravejava são Bernardino em sua assembléia. “Eles são todos sodomitas! E vós estareis em pecado mortal se tentardes ajudá-los.[12]

Em conclusão, nas palavras de Jeffrey Richards:

O cristianismo era fundamentalmente hostil à homossexualidade.

A mudança na Idade Média não foi um deslocamento da tolerância para a intolerância por razões não-intrínsecas às crenças cristãs, mas uma alteração nos meios de lidar com a questão.

No período inicial da Idade Média, a punição era a penitência; no período posterior, a fogueira. Mas nunca foi questão de permitir aos homossexuais prosseguir em sua atividade homossexual sem punição.

Eles eram obrigados a desistir dela ou arriscar a danação”. [13]

Era?

Deixou de sê-lo?

Qual o peso e influência do ideário teológico medieval sobre os homens e mulheres do nosso século?

É certo que não se acendem mais as fogueiras inquisitoriais, mas a inquisição, sob outras formas, incluindo as mais sutis, persiste.

Imagine o pai e a mãe de um filho homossexual diante dos são Bernardinos do nosso tempo!

É curioso como os inquisidores se candidatam a santos e como muitos terminaram por ser canonizados!

De qualquer forma, o preconceito contra a homossexualidade tem raízes profundas e milenares.

Os mortos dominam o cérebro dos vivos e, apesar do passar do tempo, são renitentes!

De certa maneira, a cada pensamento e gesto preconceituoso em relação à homossexualidade ressuscitamos os inquisidores medievais!

Talvez devêssemos nos espelhar mais em Cristo do que nos santos padres da Igreja ou no Antigo Testamento.


- - - - - - 


[1] RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 136.
[2] Apud in idem.
[3] Sugiro que assista ao documentário Como diz a Bíblia (For The Bible Tells Me So. Direção: Daniel G. Karslake. EUA, 2007, 95 min.).
[4] Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
[5] RICHARDS, 1993, p. 139.
[6] Idem.
[7] Ver Sexo, o mal dos males, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/23/sexo-o-mal-dos-males/.
[8] RICHARDS, 1993, p. 145-146.
[9] Idem, p. 146.
[10] Idem, p. 148.
[11] Idem, p. 149.
[12] Idem, p. 150.
[13] Idem, p. 152.

Fonte:
http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/30/homossexuais-na-idade-media/

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quinta-feira, 14 de março de 2013

E deu Maradona

13/03/2013 - Laerte Braga - Diário Liberdade

Excesso de virtudes, na visão do escritor inglês Aldous Huxley, não significa compreensão da vida em sua essência, em seu sentido e em sua razão de ser.

Pode significar orgulho, pode levar a pessoa a um afastamento gradativo da realidade, como pode significar mesquinharia.

Jorge Mario Bergoglio (foto), o cardeal argentino eleito papa, Francisco, não é mesquinho e nem alheio à vida, isolado da realidade. Suas virtudes são políticas.

É um dos mais duros críticos do governo da presidente Cristina Kirchner, foi protocolar na condenação à ditadura naquele país e a despeito do voto de pobreza, vive dentro do sistema, mantém a igreja atrelada a conceitos medievais, agora, recheados com uma camada de chantili para dar a impressão de modernidade, ou tornar-se palatável.

Por baixo dessa camada não existe marrom glacê, mas um osso duro de roer e à direita, dentro dos padrões do Vaticano.

Bergoglio não chega, necessariamente, a ser uma surpresa.

No conclave que escolheu Ratzinger foi o segundo mais votado.

Chegou ao Vaticano com um cacife eleitoral razoável.

Sobre o brasileiro Odilo Scherer (foto) leva a vantagem de ser dissimulado (isso conta para a hipocrisia de Roma).

As mudanças serão de estilo e não de fundo.

Deve tentar influir politicamente em seu país, nunca escondeu e de forma pública sua aversão tanto a Néstor Kirchner, quanto a sua mulher Cristina (foto abaixo).

A despeito de críticas à economia de mercado, nunca manifestou um ponto de vista conclusivo, apenas circundou os problemas de seu país, mais ou menos como faziam os antigos políticos do ex-PSD do Brasil. “Nem contra, nem a favor, muito antes pelo contrário, revendo meu ponto de vista."

No caso específico não estava e nunca esteve revendo nada. Exceto no que diz respeito a presidente Cristina (foto, ao lado de Néstor).

Entre suas virtudes escondidas, o poder.

A busca do poder é uma de suas características.

Lembra João Paulo II, um produto de marketing.

Sorri, enquanto sangram nos porões da monarquia absoluta que é a igreja, os seus adversários.

É jesuíta, uma ordem tradicionalmente conservadora e que durante muito tempo ignorou ou manteve-se alheia ao poder de Roma. Seu superior era chamado de “papa negro”.

Começou a perder essa característica quando João Paulo II (foto) pôs fim a ela. Submeteu os jesuítas, fundado por Santo Inácio de Loiola um militar espanhol.

Um sujeito comum que só tenha virtudes é, em si, um chato.

Um papa virtuoso é o sinal que latino-americanos terão problemas com as ingerências do Vaticano em questões políticas, principalmente, em países que buscam a independência plena, sem o controle de Washington.

Não há mudança alguma na igreja.

Um novo showman foi eleito para gerir o Vaticano.

Essa é outra vantagem sobre o brasileiro Odilo Scherer. A falta de jogo de cintura, que sobra no argentino.

No fundo são iguais.

Ao dizer que os homossexuais “merecem respeito”, não está nem de longe discutindo o problema. Esta mantendo o estigma, a hipocrisia bem conhecida nos documentos secretos do papa anterior.

Ao ser contra o aborto está deixando claro que nenhum dos dogmas férreos da Idade Média serão substituídos, ou revistos, apenas atenuados no discurso.

Mas as câmaras de injeções letais do Vaticano continuarão nos cantos soturnos dos palácios papais do Vaticano.

Francisco talvez garanta a igreja uma sobrevida depois do fiasco Bento XVI. Mas só isso.

É uma espécie de canto da sereia, só isso.

Ilude o pescador e o leva para o fundo do mar no atraso crônico de uma instituição em estado falimentar.

Isso  quer dizer perigo.

Vem respaldado por forças conservadoras que podem causar estragos ponderáveis, sobretudo na América Latina, principalmente na Argentina.

Está longe de ser um Maradona, um Néstor Rossi, um Alfredo Di Stéfano.

E um detalhe, ironia ou não, o jornal brasileiro dedicado aos esportes, LANCE, chamou na edição de hoje [13/3], quarta-feira, antes da escolha de Francisco, o jogador argentino Lionel Messi de papa.

Foi pelo desempenho no jogo de terça-feira contra a equipe da Milan.

Francisco não é uma incógnita.

É a continuidade do atraso da igreja romana.

Sua dimensão pode ser, inclusive, a de enfrentar os evangélicos, grupo de malucos que tenta roubar a primazia do contato divino que sempre foi privilégio do Vaticano.

Fonte:
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/36559-e-deu-maradona.html

PS do blog Educom:
Há um mês, em 13/02/2013, a Carta Maior publicou um texto de Oscar Guisoni do qual extraímos os seguintes trechos:

"Como ocorreu em 2005, quando foi eleito o Papa Joseph Ratzinger, os conservadores e ultramontanos argentinos voltam a se iludir com a possibilidade de colocar seu homem no Vaticano: o cardeal Jorge Bergoglio

 Mas o papel desempenhado pela Igreja argentina e pelo citado cardeal em particular durante a última ditadura militar (1976-1983) (foto ao lado, general Jorge Videla, ex-ditador argentino desse período) torna quase impossível que o Vaticano opte por habilitar com a “fumaça branca” um personagem com semelhante currículo.

Salvo que “assim como nos anos 80 escolheram Karol Wojtyla para canalizar religiosamente a luta do povo polonês (isto é, a do mundo ocidental e cristão) contra o totalitarismo soviético”, sustenta D’Addario [colunista Fernando D’Addario, do Página/12, da Argentina] com acidez, “agora escolham um papa argentino para salvar-nos do populismo gay e favorável ao aborto que se expande como uma peste por estes pampas”.

"Enquanto isso, o candidato em questão, o atual arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, sonha em alcançar um papado impossível.

Nascido em 1936 e presidente da Conferência Episcopal durante dois períodos (cargo que abandonou recentemente por doenças da idade), é difícil que o Vaticano se arrisque a colocar no trono de Pedro um homem citado em vários processos judiciais por sua cumplicidade com a ditadura e que conseguiu evitar seu próprio julgamento por contra de influências e argúcias de advogados.

Nada disso impede, porém, os ultramontanos argentinos de sonhar com a possibilidade de ter um Papa em Roma que os ajude a acabar de uma vez por todas com um governo [de Cristina Kirchner (foto)] que consideram o pior inimigo da Igreja Católica desde que o presidente Juan Domingo Perón enfrentou-se de forma virulenta (incluindo a queima de algumas igrejas) com a hierarquia católica no final de seu governo em 1955."

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O desastroso papado de Bento XVI

15/02/2013 - original em The New Yorker
por John Cassidy (*) em 12/02/2013
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a Redecastorphoto

Poupem-me de mais cobertura reverencial sobre o Papa Bento XVI e sua decisão de entregar o cargo.

No plano pessoal, desejo-lhe felicidades. Aos 85 anos e cada dia mais fraco, sem dúvida merece descansar.

Mas no que tenha a ver com o que fez, verdade seja dita, já vai tarde.

Seu longo mandato no Vaticano, que incluiu mais de 20 anos no cargo de defensor da teologia da Igreja Católica antes de ser escolhido Papa em 2005, foi, pode-se dizer, quase completo desastre.

Ao se opor declaradamente ao mundo moderno em geral, ao meter os pés pelas mãos ao não responder adequada e decentemente a um dos mais horrendos escândalos dentro da Igreja desde a Reforma, o Vaticano de Bento XVI pôs em risco o futuro da Igreja e alienou quantidades incontáveis de católicos em todo o mundo, que foram formadas pelos preceitos da Igreja.

Não que faça alguma diferença, mas podem incluir meu nome nessa triste lista.

Em Leeds, West Yorkshire, as freiras da Escola Primária Sagrado Coração ensinavam o Novo Testamento, a mim e aos meus colegas de classe, usando livros bem finos, de capa dura, encadernados em azul escuro.

Cada um de nós recebia quatro livrinhos: “As boas novas, segundo Lucas”, “As boas novas, segundo Mateus”, “As boas novas, segundo Marcos” e “As boas novas, segundo João”. Dos quatro evangelistas, Lucas era, de longe, o mais gasto, porque ali se liam muitas parábolas de Jesus; e também Mateus, onde se lia o Sermão da Montanha:

Abençoados os pobres de espírito: deles é o reino dos céus. Abençoados os que sofrem, porque serão consolados. Abençoados os que nada têm, porque herdarão a terra”.

Vivíamos o início dos anos 1970, era de esperança e otimismo para muitos católicos. Acompanhando de perto o que pregava o Segundo Concílio Vaticano convocado pelo Papa João XXIII (foto) em 1959, a Igreja dedicava-se empenhadamente a modernizar algumas de suas doutrinas e práticas.

As missas, por muitos séculos limitadas ao latim, podiam então ser celebradas em outros idiomas. Os sacerdotes, que tradicionalmente davam as costas aos fiéis, postados de frente para o altar, foram instruídos para olhar no rosto de seus congregados e convidá-los a participar.

Em vez de focar antigos dogmas e ritualizações, via-se um retorno aos verdadeiros ensinamentos de Jesus, interpretados então por vias cada vez mais igualitárias e libertárias, como nos versos de um canto popular que cantávamos na igreja, do qual ainda lembro alguns versos:

"Ele enviou-me para trazer Boas Novas aos pobres. Para dizer aos encarcerados, que estão livres
Para dizer aos cegos, que podem ver,
Para libertar todos os decaídos e humilhados."

Naquele tempo, eu não sabia, mas a preocupação da igreja com questões pão-e-manteiga vinha de cima. Em 1967, o Papa Paulo VI (foto), sucessor de João XXIII, lançara “Populorum Progressio”, encíclica sobre “o desenvolvimento dos povos”, segundo a qual a economia devia cuidar das carências dos muitos, não só dos interesses de uns poucos.

Ao atualizar os ensinamentos da Igreja, para que olhasse a miséria e a desigualdade que se alastravam, o Pontífice reconheceu o direito a salário justo, à segurança do emprego e a condições decentes de trabalho. Reconheceu até o direito do empregado a engajar-se em seu sindicato.

Nem todos partilhavam a visão do Catolicismo como força de promoção urgente da justiça social, embora muitos, na América do Sul e em outras áreas em desenvolvimento do mundo a tenham abraçado com paixão. Em vários locais, passou a ser conhecida como “teologia da libertação” – expressão cunhada pelo padre peruano Gustavo Gutierrez (foto abaixo).

Muitos outros sacerdotes, entre os quais o venerável Canon Flynn, pastor da igreja da minha cidade, Nossa Senhora de Lurdes, pouca atenção deram às novidades. Bastava-lhes celebrar os sacramentos como sempre haviam feito, dizer missa diariamente, distribuir a extrema unção aos paroquianos moribundos e receitar “três Padre-Nosso e três Ave-Maria” aos penitentes, entre os quais eu, menino, que chegavam para confessar os pecados. Mas a energia e o futuro da igreja pareciam concentrar-se entre os modernizadores.

Isso, apesar de o Papa Paulo VI ter reafirmado também muitos das tradicionais restrições do Vaticano no campo social, como contra o sexo fora do casamento, a homossexualidade e a favor do celibato forçado para sacerdotes e freiras.

Paulo VI não foi papa revolucionário.
Nada queria alterar das duras ordenações que vários papas romanos haviam imposto à cristandade durante a Idade Média. Mas no que tivesse a ver com paz e justiça social, com a tolerância com outras religiões nas suas muitas viagens – era chamado “o Papa Peregrino” – e em algumas reformas que introduziu no Vaticano, como o fim da coroa papal e a proibição de que cardeais com mais de 80 anos votassem nas eleições papais, Paulo VI dava sinais claros de algum interesse em reconciliar a Igreja e a realidade moderna.

Com a chegada do Papa João Paulo II, em 1979, tudo isso começou a mudar.
Em vários sentidos, Karol Wojtyla fora homem admirável: participou da resistência polonesa contra os nazistas; fez ativa oposição às guerras e ao militarismo (em 2003, criticou a invasão do Iraque); apoiava o cancelamento das dívidas do mundo em desenvolvimento; e foi líder massivamente carismático. Mas em termos teológicos e práticos, foi terrível retrocesso.

Com o cardeal Joseph Ratzinger, o futuro Bento XVI, ao seu lado, como principal teólogo do Vaticano, Wojtyla dedicou-se a desfazer boa parte do projeto de modernização dos 20 anos anteriores.

Criou leis em que condenava ampla e enfaticamente o aborto, o controle da natalidade e a homossexualidade. Cancelou alguns movimentos de relaxamento na obrigatoriedade do celibato para padres e na autorização de ordenação de mulheres. Criticou a teoria da libertação e cercou-se de ultraconservadores, como Ratzinger. Questionar os ensinamentos tradicionais, ainda que em tom respeitoso e humilde, passou a ser marca de fim potencial de qualquer carreira dentro da hierarquia da Igreja.

Depois da morte de João Paulo, em 2005, Ratzinger assumiu;
e a contraofensiva conservadora prosseguiu. De fato, intensificou-se. O Vaticano levantou a proibição à missa em latim e chamou de volta à Igreja alguns membros excomungados da Sociedade do Santo Pio X, grupo ultraconservador dedicado a fazer reverter o Segundo Concílio Vaticano.

Criticando a “cultura do relativismo” nas sociedades modernas e “a liberdade
anárquica que se faz passar falsamente por liberdade”, Bento XVI deixou claro que via, como sua missão fundamental, não ampliar e difundir a Igreja Católica e, sim, purificá-la; por “purificar a Igreja” ele jamais significou ter de enfrentar o escândalo da pedofilia na Igreja. Referia-se a podar os galhos não alinhados e trazer a Igreja de volta à trilha que, para ele, seria a limpa e certa.

Se esse processo alienasse alguns membros atuais e passados da fé, que assim fosse. Bento XVI disse várias vezes que a Igreja bem poderia tornar-se mais saudável, se fosse menor.

Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, Hans Küng (foto), teólogo suíço dissidente, que conheceu Bento XVI quando ambos eram jovens padres na Alemanha, propôs interessante comparação entre Bento XVI e Vladimir Putin, mostrando que os dois herdaram importantes reformas políticas que decidiram reverter a qualquer custo. Putin e Bento, ambos “instalaram associados deles em posições chaves e marginalizaram os que lhes interessava marginalizar” – disse Küng. E acrescentou:

"Podem-se traçar outros paralelos: o enfraquecimento do Parlamento russo e do Sínodo de Bispos do Vaticano; a degradação dos governadores das províncias russas e dos bispos católicos, que os converteu em meros executores de ordens; uma “nomenclatura” conformista; e obcecada resistência a qualquer reforma real. (...) Sob o papa alemão, uma “claque” de gente que segue o chefe, sem qualquer simpatia por qualquer tipo de reforma, foi convocada para integrar-se ao poder. São parcialmente responsáveis pela estagnação que se abateu sobre o sistema da Igreja."

Viu-se em ação essa estratégia de dispor as carroças em círculo fechado e desafiar o mundo, com resultado terrível, na reação da Igreja ao escândalo das crianças vítimas de abusos por padres católicos.

Como funcionário do Vaticano ao qual o Papa João Paulo II ordenou que enfrentasse aquela crise, Ratzinger teve contato direto e amplíssimo com imensa quantidade de provas de que o abuso sexual de crianças era prática disseminada e tolerada por autoridades da Igreja.

Mas só vários anos depois, quando ainda mais crimes haviam sido cometidos, o já então Papa Bento XVI pediu desculpas pelos atos dos pedófilos, adotou política de tolerância zero e até se reuniu com algumas das vítimas. Mas, mesmo então – dizem alguns críticos – o Papa e vários de seus colegas no Vaticano recusaram-se a investigar, descobrir e punir os padres pedófilos.

O currículo de omissão desse Papa é terrível” – disse ao jornal The Guardian, David Clohessy, diretor executivo da Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres (12 mil membros).

“Ele conhece mais e mais detalhadamente sobre abusos sexuais cometidos por padres e acobertados pela Igreja que qualquer outra pessoa dentro da Igreja. E fez absolutamente nada para proteger as crianças”.

Da Irlanda, onde prosseguem as investigações de abuso sexual em larga escala em orfanatos e escolas administradas pela Igreja Católica, John Kelly (foto), um dos fundadores da rede irlandesa de Sobreviventes de Abusados por Padres, diz:

“Lamento dizer, mas o Papa Bento XVI não deixará saudades. Mas, com ele ou sem ele, o Vaticano continuará a impedir que se investiguem os crimes de abuso sexual de crianças cometidos durante seu papado. Na nossa avaliação, o Papa prometeu e quebrou a própria promessa”.

Como resultado dos escândalos sexuais não investigados e da tola tentativa em que o Vaticano se compromete de fazer andar para trás o relógio da história, a Igreja de Bento XVI caminha de mal, a pior, fazendo papel cada dia mais lamentável.

Em todo o mundo desenvolvido, o número de fiéis nas igrejas definha sem parar e faltam interessados em trabalhar como padres. Na Irlanda, e até na Alemanha de Bento XVI, os jovens desertam aos magotes da igreja. E até em países em desenvolvimento, como o Brasil, a Igreja Católica perde espaço e fiéis para outros credos. Claro, os católicos ainda são mais de um bilhão, há ainda pontos de luz e indivíduos que nos inspiram.

Em visita à minha família em Leeds, há algum tempo, soube de um jovem padre polonês, cheio de energia e entusiasmo, que assumiu a direção da igreja da minha infância e tenta salvá-la da demolição. Para fazer algum bem efetivo e levantar algum dinheiro, ele planejava converter a igreja em casa de internamento provisório para jovens delinquentes.

Ouvi-o celebrar missa aos gritos, como possuído – o que me fez lembrar com saudade do Catolicismo do Sermão da Montanha e de São Francisco de Assis, que as freiras tanto fizeram para meter na minha cabeça, há décadas.

Mas em Roma, os teólogos conservadores ainda comandam o show e, infelizmente, o mais provável é que as coisas continuem como estão.

Durante seu papado – disse Küng – Bento XVI ordenou tantos cardeais conservadores e reacionários, que dificilmente haverá entre eles, hoje, alguém com competência e sabedoria para salvar a Igreja Católica das muitas facetas da crise em que está naufragando”.

(*) John Cassidy é articulista do The New Yorker desde 1995. Autor de inúmeros artigos para a revista abrangendo desde temas de personalidades como Alan Greenspan e Ben Bernacke até assuntos como a indústria iraquiana do petróleo e economia de Hollywwod. Agita o blog Rational Irrationality. no website The New Yorker. Seu último livro, How Markets Fail: The Logic of Economic Calamities, foi publicado em novembro de 2009, por Farrar, Straus and Giroux. Cassidy também contribui com o The New York Review of Books e é comentarista financeiro da BBC. Trabalhou como jornalista em ambos os lados do Atlântico antes de vir para o The New Yorker. Durante 3 anos (desde 1986) foi chefe do escritório do Sunday Times, de Londres em New York e editor de negócios entre 1991 e 1993. Entre 1993 e 1995 foi Business Editor do jornal New York Post.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/02/o-desastroso-papado-de-bento-xvi.html

Não deixe de ler:
- Entre a cruz e a Opus Dei, a vingança - Pedro Porfírio

- Que não seja um Bento XVII - Leonardo Boff

- Banco do Vaticano é o principal acionista da maior indústria de armamentos do mundo, via 'Atrevete a pensar', texto publicado em 10/7/2012. Ver aqui em português, publicado em 14/02/2013 no blog Limpinho & Cheiroso

- Novo 'papado' para o capitalismo - Saul Leblon

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Entre a cruz e a Opus Dei, a vingança

14/02/2013 - Pedro Porfírio em seu blog

O futuro ex-papa deu seu recado quarta-feira de cinzas e deixou seus cardeais com as barbas de molho.

"O mundo moderno se apresenta aos nossos olhos não como uma casa a construir, mas como um organismo a ser curado. Ora, se um edifício pode ser reparado do exterior, um organismo só pode ser curado a partir de dentro". (Padre Louis-Joseph Lebret (1897 -1966), autor do livro Suicídio ou Sobrevivência do Ocidente, que teve grande participação no Concílio Vaticano II)

Renunciou para fazer o sucessor.
Nada mais despropositado, porém nada mais verdadeiro. Nada mais sintonizado com a personalidade de Joseph Alois Ratzinger, adestrado na Juventude Hitlerista em sua fogosa juventude.

Cardeal Carlo Maria Viganò virou o jogo
Foi o que restou ao irascível papa germânico, ao se sentir totalmente isolado desde que entrou em choque com sua principal aliada e "monitora", a obscurantista Opus Dei, como consequência do afastamento do representante do Banco Santander em Roma desde 1992, Ettore Gotti Tedeschi, da direção do Instituto para Obras de Religião - o Banco do Vaticano, em meio a uma saraivada de denúncias protagonizadas pelo cardeal Carlo Maria Viganò, ex-secretário geral do Vaticano, aos mil documentos contrabandeados pelo mordomo Paolo Gabriele e a um fogo cruzado incontrolável de mexericos.

Tedeschi é um "supernumerário" da poderosa organização de 90 mil seguidores fanáticos, cognominada como "o Exército do Papa", numa reportagem de novembro de 2008 da revista Superinteressante.

Fundada em 1928 pelo confessor do ditador Francisco Franco, o espanhol Josemaría Escrivá Balaguer (foto), foi  reconhecida em 1982 por João Paulo II, como uma "Prelazia Pessoal" (a única na estrutura da igreja romana).

Seu criador morreu em 1975 e foi declarado santo em 2002 pelo mesmo pontífice, num rito sumário.

A Opus Dei aparece como principal apoiadora nas escolhas dos dois últimos papas, como sabe muito bem qualquer repórter soterista do Vaticano.

Numa "vingança perfeita", nas palavras de um diplomata credenciado na "Santa Sé", segundo relato de Paolo Ordaz, do El País, o ex-futuro Papa pegou pesado na missa da quarta-feira de cinzas ao apontar a "hipocrisia religiosa" e a luta interna pelo poder, como causas da crise que o levou a um gesto extremo, que desautoriza o dogma da infalibilidade de um sumo pontífice.

Ou uma jogada de mestre
"Em uma cafeteria de Borgo Pio, o bairro de ruas estreitas (foto) contíguo ao Vaticano, um diplomata com credenciais junto à Santa Sé chamava a atenção para um aspecto:

 - "Praticamente todos os jornais, cada qual com seu estilo, desenham o Papa como uma vítima das lutas de poder no Vaticano.

Há alguns meses, quando abordavam o tema da incúria na Igreja, colocavam Ratzinger como culpado. É feio usar essa palavra referindo-se a um Papa, mas pode-se dizer que, com a renúncia, Ratzinger executa a vingança perfeita" - disse o diplomata na reportagem de Paolo Ordaz.

Uma jogada de mestre, segundo John Allen Jr., um "vaticanista", citado por Jerome Taylor, do jornal Independent de Londres. De fato, dos 120 cardeais com direito a voto na sua sucessão, Bento XVI nomeou 67.

Os outros 53 foram nomeados por João Paulo II, quando o então cardeal Joseph Alois Ratzinger já dava as cartas, como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, a versão moderna do Tribunal da Inquisição.

"Pelo menos, alguns cardeais podem se sentir fortemente pressionados a não fazer algo que possa ser percebido como um repúdio ao papado de Bento XVI, que possa causar consternação a ele. Como isso poderá ser traduzido em termos de votos no conclave não está de todo claro, mas é uma peça do quebra-cabeça que vale a pena considerar" - escreveu John Allen Jr. terça-feira, dia 12, no National Catholic Reporter.

Cobra engolindo cobra
Ao longo de seus 2 mil anos, o centro do poder da Igreja Católica sempre foi um ninho de cobras, com os maiores índices de intriga por metro quadrado do mundo.

Esse clima levou o então cardeal emérito de Milão, dom Carlo Maria Martini (foto), a afirmar em junho de 2008, que "a inveja é um vício clerical por excelência".

Segundo o cardeal italiano, que morreu em agosto de 2012 aos 85 anos, muitos dentro da Igreja estão "consumidos" pela inveja. Alguns não aceitam nomeações de outros para bispo, e este não é o único pecado capital entre os homens da Igreja.

Dom Carlo Maria Martini denunciou também o vício da vaidade, salientando que na Igreja "é muito grande. Continuamente,a Igreja se desnuda e se reveste de ornamentos inúteis, numa tendência à ostentação, ao alarde”.

O cardeal citou ainda o "carreirismo" na Igreja, e especialmente, na Cúria Romana, onde “cada um quer ser mais que o outro”.

Qualquer clérigo ou seminarista sabe que a intriga é o caminho das pedras no reino de São Pedro. E sabe mais ainda que tanto Karol Józef Wojtyła como Joseph Alois Ratzinger só se tornaram papas no estuário dos conflitos dentro da Corte (cúria em latim) vaticana, devidamente manipulados por influentes cardais "numerários" ou aliados da Opus Dei.

Conflitos tão radicalizados que quebraram uma hegemonia secular dos italianos, afetados pelo envenenamento do Papa João Paulo I (foto), em 28 de setembro de 1978, exatamente um mês depois de empossado sem pompas, por sua decisão, depois de  uma das mais rápidas votações (4 rodadas) do Colégio Cardinalício.

Veja a respeito meu artigo de 12 de fevereiro.

O dia que o Papa chutou o pau da barraca
Joseph Alois Ratzinger decidiu chutar o pau da barraca por que a coletânea de documentos contrabandeados pelo mordomo Paolo Gabriele (assinalado na foto), perdoado por ele e já em confortável prisão domiciliar desde dezembro passado, junto com os dossiês do arcebispo Carlo Maria Viganò, e anotações do cardeal Angelo Sodano (foto abaixo), ressentido ex-secretário de Estado, deixam meio Vaticano em maus lençóis, inclusive seu secretário pessoal, monsenhor Georg Gänswein.

Tido e havido como um teólogo de mão cheia, Bento XVI sabe do embaraço que vai causar à Igreja Católica Apostólica Romana como um todo. Até mesmo como será chamado ainda não se sabe, porque os prelados não imaginavam que possa existir um ex-Papa em vida.

Assim como ninguém pode garantir que ele optará pela auto-reclusão no belo mosteiro dentro da Cidade do Vaticano, a sé católica, com menos de 900 metros quadrados e 800 habitantes, quase todos do clero.

Isto é, enquanto estiver vivo e mantiver sua fama de maior autoridade na doutrina da fé, será sempre uma sombra inevitável, como foi aqui dom Eugênio Salles, quando se tornou cardeal emérito e continuou escrevendo semanalmente para os jornais, além de perturbar diretamente a gestão do seu sucessor, dom Eusébio Oscar Scheid.

Em busca de um Papa autônomo
Essa hipótese é que reforça a possibilidade do retorno de um italiano de fora da Cúria à chefia da Igreja, embora cresça nas bolsas de apostas (!) o nome do ganense Peter Turkson (foto), de 64 anos, presidente do Conselho Pontifício para Justiça e Paz e fiel escudeiro de Bento XVI, e que se considera o Barack Obama da Igreja Católica.

Como não entro nessa pilha de bolsas de apostas, e como tenho certeza que a Igreja Católica jamais será a mesma depois da renúncia de um Papa em 600 anos, ainda acredito na escolha de um cardeal em condições de comandar sem precisar pedir a benção ao colega demissionário.

E o cardeal Angelo Scola (foto), amigo de Bento XVI, mas festejado por sua visão arejada em relação a outras religiões, é o mais blindado para assumir o vespeiro onde interesses escusos, vaidades, intrigas e ambições substituíram há séculos o poder do Espírito Santo.

Não ser a mesma não quer dizer que seja melhor ou pior, pois cada um tem sua avaliação do que é bom para uma Igreja que perde fiéis enquanto conserva o fausto de uma época que não existe mais como compensação existencial para o poder sustentado em fontes feudais, como o laudêmio (imposto) que lhe é devido em muitos países do mundo, inclusive o Brasil.

Mesmo exposta, Opus Dei influencia
A hierarquia da Igreja está dominada pelo ultra-conservadorismo da Opus Dei, que contou até com o ex-premier Sílvio Berlusconi em seu projeto de hegemonia do Vaticano, mas cujo objetivo estratégico maior era desmontar a Europa socialista. Muitos dos novos cardiais foram apadrinhadas pelos seguidores de São Josemaria Escrivá.

Como demonstração de gratidão pelo apoio recebido na sua eleição, após 8 votações, João Paulo II (foto) concedeu a esse grupo, em 1982, o status  de "Prelazia Pessoal", que a subordina diretamente ao Papa e fez do seu fundador santo, num dos processos mais sumários de canonização, só superado pelo de madre Tereza de Calcutá.

Bento XVI não fez por menos: em 2005 mandou instalar uma estátua de 5 metros do agora São Josemaria Esquivá na fachada exterior da Basílica de São Pedro, que benzeu pessoalmente numa festiva solenidade religiosa em 14 de setembro daquele ano.

Além disso, chamou dois influentes cardeais do Opus Dei para seu primeiro escalão: Julián Herranz, presidente emérito do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e o secretário da Pontifícia Congregação para os Bispos, arcebispo Francesco Monterisi.

Há quem garanta que o cardeal Tarcísio Bertone (foto, ao lado de Bento XVI), principal homem na cúpula vaticana e pivô da crise que levou à inesperada renúncia, também tenha o respaldo da organização, razão pela qual Bento XVI não conseguiu livrar-se de sua incômoda companhia.

À distância, mas não tão distante assim, Bento XVI trocava figurinhas com o arcebispo de Madri e principal clérigo da organização, cardeal Antonio Maria Rouco Varela, também presidente da Conferência Episcopal Espanhola.

A entrega do Banco do Vaticano ao "supernumerário" Ettore Gotti Tedeschi (foto), no final de 2009, foi a gota d'água que cindiu de vez o poder na Igreja, cujas riquezas são incomensuráveis.

Descartado então da Secretaria Geral do Vaticano, sob a acusação de malbaratar recursos da Igreja, fazendo pagamentos indevidos a um conjunto de empresas que trabalhavam para a cidade-estado, o arcebispo Carlo Maria Viganò ficou revoltado: durante o seu mandato, que começou em julho de 2009, implementou reformas e cortes que levaram o Vaticano de um déficit de oito milhões de euros em 2009 para lucros de 34,4 milhões de euros em 2010.

A Opus Dei não vai ficar chupando dedo.
Mas a brusca renúncia de Bento XVI também a deixou tão exposta como na roubalheira no Banco do Vaticano, documentada pelo arcebispo Carlo Maria Viganò.

Neste momento, a "Santa Sé" está vulnerável, sem liderança e sem destino previsível. O que até agora foi uma guerra intestina, protegida dos fiéis, não é mais segredo para ninguém.

E como o mordomo não estava sozinho no seu estrago devastador, tem ainda muita água para rolar debaixo da ponte, além do que se revelou em conta-gotas.

Decididamente, a Igreja que já superou crises e cismas mais graves no passado de pouca comunicação, vive hoje seu mais dramático dilema, numa atualidade inflada de mídias: o suicídio ou a sobrevivência.

Fonte:
http://www.blogdoporfirio.com/2013/02/entre-cruz-e-opus-dei-vinganca.html

Não deixe de ler:
- Que não seja um Bento XVII - Leonardo Boff

- Banco do Vaticano é o principal acionista da maior indústria de armamentos do mundo, via 'Atrevete a pensar', texto publicado em 10/7/2012. Ver aqui, em 14/02/2013, publicado em português no blog Limpinho & Cheiroso

- Novo 'papado' para o capitalismo - Saul Leblon

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.